Não é incomum no cotidiano forense, ao contrário do que se possa pensar, a ocorrência de conflitos entre as partes, procuradores, juízes e membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, notadamente quanto ao emprego de expressões ofensivas nos escritos apresentados no processo ou mesmo condutas ofensivas de forma oral ou presencial.
O que na realidade existe é, sem sombra de dúvidas, uma maneira mais discreta de lidar com estas contendas, evitando-se a exposição dos envolvidos. Geralmente, utiliza-se uma abordagem conciliadora com o fito de encerrar uma discussão deveras incisiva, porém nociva ao ambiente forense.
No entanto, o próprio Código de Processo Civil (CPC) prevê que esta postura conciliadora possui limites exatamente quando extrapolada a razoabilidade mediante o emprego de expressões ofensivas nos escritos apresentados no processo ou mesmo condutas ofensivas de forma oral ou presencial.
Diz a norma processual:
Art. 78. É vedado às partes, a seus procuradores, aos juízes, aos membros do Ministério Público e da Defensoria Pública e a qualquer pessoa que participe do processo empregar expressões ofensivas nos escritos apresentados.
§ 1º Quando expressões ou condutas ofensivas forem manifestadas oral ou presencialmente, o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra.
§ 2º De ofício ou a requerimento do ofendido, o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada.
Além de proibir este comportamento inadequado, o CPC determina que o juiz advertirá o ofensor de que não as deve usar ou repetir, sob pena de lhe ser cassada a palavra. Também o juiz determinará que as expressões ofensivas sejam riscadas e, a requerimento do ofendido, determinará a expedição de certidão com inteiro teor das expressões ofensivas e a colocará à disposição da parte interessada.
Segundo a doutrina essas regras possuem fundamento no dever de urbanidade, consoante se vê abaixo:
O dever de urbanidade (de todos os sujeitos para com eles mesmos), aliás, fica muito claro em diversos dispositivos do CPC. Pode-se citar, a título de exemplo, o inciso IV do artigo 360 e o § 2º do art. 459. O próprio Código de Ética da Advocacia impõe, no art. 45, o dever de lhaneza, emprego de linguagem escorreita e polida, esmero e disciplina na execução dos serviços. Por mais que seja esdrúxula a situação apresentada, o sujeito não pode reagir com expressões agressivas, por que incompatíveis com a atividade processual.
Estas normas jurídicas, na prática, visam a evitar o desprezo aos princípios comezinhos de ética, urbanidade, educação e respeito que devem nortear a postura a ser observada não apenas nas relações ocorridas no âmbito processual, mas, também, na vida diária em sociedade por todos os cidadãos.
Não se trata, na hipótese do artigo 78 do CPC, de um cerceamento da liberdade constitucional de expressão, mas sim de que esta deve ser exercida com responsabilidade, até porque nenhum direito, ainda que constitucionalmente reconhecido como fundamental, é absoluto, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF):
E M E N T A: COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - PODERES DE INVESTIGAÇÃO (CF, ART. 58, §3º) - LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS - LEGITIMIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL - POSSIBILIDADE DE A CPI ORDENAR, POR AUTORIDADE PRÓPRIA, A QUEBRA DOS SIGILOS BANCÁRIO, FISCAL E TELEFÔNICO - NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ATO DELIBERATIVO - DELIBERAÇÃO DA CPI QUE, SEM FUNDAMENTAÇÃO, ORDENOU MEDIDAS DE RESTRIÇÃO A DIREITOS - MANDADO DE SEGURANÇA DEFERIDO. COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO - COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
[...]
OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS NÃO TÊM CARÁTER ABSOLUTO. Não há, no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de caráter absoluto, mesmo porque razões de relevante interesse público ou exigências derivadas do princípio de convivência das liberdades legitimam, ainda que excepcionalmente, a adoção, por parte dos órgãos estatais, de medidas restritivas das prerrogativas individuais ou coletivas, desde que respeitados os termos estabelecidos pela própria Constituição. O estatuto constitucional das liberdades públicas, ao delinear o regime jurídico a que estas estão sujeitas - e considerado o substrato ético que as informa - permite que sobre elas incidam limitações de ordem jurídica, destinadas, de um lado, a proteger a integridade do interesse social e, de outro, a assegurar a coexistência harmoniosa das liberdades, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros. [...] (MS 23452, Relator (a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/09/1999, DJ 12-05-2000 PP-00020 EMENT VOL-01990-01 PP-00086)
Portanto, é extremamente importante a interpretação justa e adequada do artigo 78 do CPC à luz da jurisprudência do STF, a fim de que não se trate como normal e aceitável o comportamento indevido de quem quer que seja no curso do processo. Enfim, o direito não pode legitimar condutas abusivas, nem há supedâneo constitucional para uma pretensa ausência de limitação no exercício da liberdade de expressão.
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