RESUMO: O presente ensaio tem por objeto tratar da metodologia na fixação da pena-base, desenvolvendo-se entre o embate da escolha com o descobrimento da resposta correta para cada caso. São identificadas as principais teorias existentes aplicadas pelos tribunais e os problemas de cada uma, desde os seus prólogos silenciosos, passando pela parte histórica e chegando às questões práticas e suas consequências, não exatamente nesta ordem roteirística. A partir desse cenário desenhado, em uma visão integradora e discursiva, apresenta-se um guia para o desenvolvimento da razão prática na tarefa de definir a pena-base, através de critérios qualitativos e quantitativos para a sua dosimetria, com o desiderato de promover a coerência, a igualdade material e a proporcionalidade na individualização da pena, respeitando o sistema trifásico legal.
PALAVRAS-CHAVE: Pena-base. Interpretação. Argumentação. Método. Fracionamento. Discricionariedade. Termo médio. Referenciais.
SUMÁRIO: I. Introdução. II. Os problemas da incoerência e da metodologia na fixação da pena-base. III. A interpretação do direito e a sua complexidade. IV. A fixação da pena-base: teorias, críticas e seus prólogos silenciosos. V. Método referencial escalonado dúctil. VI. Conclusão.
I. Introdução.
O tema da aplicação da pena privativa de liberdade, que nos moldes atuais já nasceu a partir de uma conhecida disputa teórica[1], deixou de ser adolescente e já ultrapassou a juventude há alguns anos, mas ainda mantém a rebeldia e insegurança juvenil em alguns aspectos, sobretudo no que respeita à metodologia da fixação da pena-base. Há alguns problemas relevantes ainda a serem superados. Não que isso seja uma situação singular na aplicação do direito, principalmente quando estamos diante de um hard case[2]. Tampouco que se trate de uma questão nova, de fácil solução ou restrita ao Brasil, pois muita tinta já foi usada sobre o tema e as suas causas hermenêuticas. Agora, não podemos nos furtar de construir a resposta correta.[3] Esta é a tarefa do jurista responsável. Se não podemos esperar a concordância dos demais quando debatemos questões jurídicas altamente controvertidas, até porque o direito não tem partículas, devemos exigir responsabilidade na argumentação. A conclusão, mesmo que seja considerada correta, não pode derivar da sorte de um cara-ou-coroa.[4]
A verdade é que não é incomum nos depararmos com casos em que, mesmo com a avaliação quantitativa e qualitativa semelhante das circunstâncias judiciais em relação aos condenados por um mesmo tipo de crime, são fixadas penas-bases substancialmente diversas, por vezes ocultando o porquê disso. Aliás, não podemos fechar os olhos para situações em que o mesmo intérprete, em dois casos análogos (objetiva e subjetivamente), com a mensuração bastante próxima das circunstâncias judiciais, fixa penas-bases bem diversas. A gravidade extrema se dá quando uma mesma infração penal. com circunstâncias judiciais menos graves. acaba sofrendo uma pena-base mais elevada em relação a outra com circunstâncias mais severas. E aqui não se desconhece toda complexidade objetiva e subjetiva de cada caso e a impossibilidade de se estabelecer uma sintonia perfeita, e por isso a importância do princípio da individualização da pena, agora os descompassos graves são preocupantes e merecem nossa atenção.
Isso se estende às funções essenciais à justiça. Em boa parte dos processos penais, senão na integralidade, acusação e defesa costumam divergir entre si e da decisão proferida pelo juiz acerca da pena-base, algumas vezes por questões meramente ideológicas. Daí surgem alguns rótulos aos julgadores: juízes garantistas ou punitivistas, que nada mais são do que o antônimo ideológico do que uma parte busca no julgador e podem esconder a sua visão sobre o conceito e aplicação do direito (ou ao menos deveria…)
Mas o que realmente gera esse desacordo? As causas, que ocupam boa parte do debate jusfilosófico das últimas décadas, são conhecidas e não têm restrição geográfica, ao menos no Ocidente. A crise que abateu o arquivo de sentidos, afetando a estabilidade do direito, disseminou o ceticismo em diferentes níveis no ambiente jurídico, mas não sem uma onda de resistência. Hart[5], ainda na década de 70 do século passado, batizou as correntes polarizadas como o pesadelo e o nobre sonho[6]. Em suma, seguindo a metáfora de Hart, os sonhadores dirão que os dissensos são meramente aparentes, que o direito é íntegro e que algum intérprete cometeu algum erro, havendo uma única resposta correta a ser localizada[7]; os atormentados pelos pesadelos afirmarão que para todo caso há uma pluralidade de respostas jurídicas (dentro ou fora da moldura normativa) e que eventual divergência, em virtude da vagueza e ambiguidade do direito, se dá pela utilização de critérios diversos, sem que isso importe em erro do adversário[8]; os moderados falarão que os casos práticos podem ter, em certas situações jurídicas complexas, mais de uma resposta correta[9] ou a melhor resposta[10], e em outras, menos complexas, apenas uma opção adequada. E temos como pano de fundo a teoria do direito, que funciona como prólogo silencioso e direciona seus holofotes ao intérprete e à aplicação do direito.
O cenário legal que dá origem a esse problema interpretativo é essencialmente aquele estabelecido nos artigos 59 e 68 do Código Penal. Ali temos duas informações básicas sobre a pena-base: (i) que esta será fixada atendendo aos critérios do artigo 59; (ii) que devem ser observadas as oito circunstâncias judiciais previstas no artigo 59 para balizar a fixação da pena-base, atendendo aos princípios da necessidade e da suficiência, com a finalidade de reprovação e a prevenção. Todavia, não há um critério legal objetivo que estabeleça: (i) se todas circunstâncias judiciais têm o mesmo peso (ou até se todas devem ser consideradas em todos os casos); (ii) qual o peso que se deve atribuir a cada circunstância (ou se deve atribuir a cada circunstância um peso), seja para elevar ou diminuir a pena base; (iii) de qual patamar se deve partir para aumentar ou diminuir a pena-base e qual o seu limite máximo. Para resolver essas questões, temos três principais teorias construídas ao longo dos anos: (i) discricionariedade; (ii) termo médio; (iii) fracionamento.
O que se propõe a enfrentar neste ensaio são exatamente os problemas delineados acima, quais sejam: (i) os problemas da incoerência e da metodologia na fixação da pena-base; (ii) as divergências teóricas contemporâneas sobre a interpretação do direito; (iii) as teorias existentes para a fixação da pena-base, suas críticas e o seu prólogo silencioso; (iv) proposição de um método de aplicação da pena-base que busque coerência, proporcionalidade e igualdade material. Talvez seja apenas um nobre sonho, mas são eles que dão um sopro de esperança para um Direito Penal melhor e distante do arbítrio divorciado da argumentação responsável. Vamos embarcar nele então, navegando por estas páginas com o objetivo de que, ao despertar, essa fantasia jurídica possa ser vivida.
II. Os problemas da incoerência e da metodologia na fixação da pena-base.
Por força da corrupção sistêmica impregnada no mais alto escalão da política nacional (e que nos últimos anos vem sendo descortinada e enfrentada em ações penais) associada ao foro por prerrogativa de função previsto na Constituição Federal, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal vêm protagonizando, nos últimos anos, um capítulo histórico de midiática atuação na jurisdição penal originária e recursal, exteriorizando uma ruptura entre o poder político e o poder jurídico do Estado, com a afirmação da independência externa deste. Os julgamentos, como o da ação penal 470 (apelidado de “Mensalão”) e de alguns processos envolvendo a “Operação Lava Jato”, tornaram-se tema de discussão e interesse popular. O povo passou a conhecer os ministros e ter a sua própria opinião sobre as suas posições. O Direito Penal invadiu as casas e as cortes superiores brasileiras em uma dimensão jamais vista. O debate público se proliferou.
E esse cenário ganha um tamanho ainda maior pela força das redes sociais e das possibilidades criadas por estas ferramentas. Acrescente-se a isso a crise da segurança e da economia, o aumento da violência e os conflitos ideológicos travados em um ambiente de disputa política acirrada, em que o tema do Direito Penal invariavelmente ganha espaço e sofre ponderações de todos os lados. O auge deste fenômeno certamente foi o processo envolvendo o ex-presidente Lula. Provavelmente se trate do processo judicial com maior repercussão social e política da história deste país. Trata-se do primeiro presidente pós-redemocratização que foi preso, o que fala por si só e explica o interesse nas transmissões televisivas da sua condução coercitiva, do seu interrogatório, da sua prisão, dos seus julgamentos...
Nesse contexto nós temos um tema de fundo importante e que de certa forma passa despercebido, que é a aplicação da pena. Muito se discute sobre condenação e absolvição e as provas para tanto, mas pouco sobre a pena fixada e a sua metodologia de aplicação. E essa constatação não fica reservada à imprensa ou às redes sociais, ela se estende ao ambiente jurídico, o que é mais relevante. É possível se afirmar que até mesmo em processos penais há certa falta de atenção com a questão, seja na questão da produção da prova ou nas manifestações dos sujeitos processuais. Não por acaso desenvolvemos, assim como outros tantos países do Ocidente, uma cultura de apenamento elevadamente discricionário com deficit de fundamentação, o que dá margem a sanções incoerentes e anti-isonômicas. A metodologia da aplicação da pena ficou relegada à condição de figurante na sentença penal, que só chama atenção do público e dos críticos depois de uma grande façanha ou tragédia, dependendo do lado em que se está. Não são muitos que se preocupam em examinar o porquê. É a moeda jogada ao alto[11].
No âmbito do Superior Tribunal da Justiça, órgão judicial que tem, entre outras, competência para uniformizar a interpretação da legislação infraconstitucional e, portanto, do art. 59 do Código Penal, desenvolveu-se e sedimentou-se há bastante tempo a tese da discricionariedade vinculada na aplicação da pena-base. Segundo ela, a definição do quantum de aumento ou diminuição fica submetida ao prudente arbítrio do juiz, obedecido ao dever de fundamentação, ao dever de proporcionalidade e aos limites legais do tipo secundário[12]. Com o intuito de estabelecer algum parâmetro objetivo, principalmente para o controle recursal, o Superior Tribunal de Justiça, com divergências internas[13], vem desenvolvendo mais recentemente[14], como standard para a elevação ou diminuição da pena-base por circunstância judicial, o critério quantitativo referencial fracionário do 1/6, o mesmo utilizado para as circunstâncias legais.[15] Este deve ser o teto ou piso, dependendo da avaliação quantitativa (negativa ou positiva, respectivamente), salvo se presente situação concreta que justifique ter sido extrapolado o suporte fático inerente da circunstância. Nesse particular, ressalto, o STJ já admitiu a fixação da pena-base no máximo legal por força de apenas uma circunstância judicial valorada negativamente.[16] O que vem propondo recentemente com mais sintonia o Superior Tribunal de Justiça a nível interpretativo, em suma, é que aconteça uma avaliação qualitativa de cada circunstâncias judicial, havendo um padrão referencial para o exame quantitativo individual, que pode ser derrotado mediante situação excepcional fundamentada, cabendo a sua revisão pela Corte Superior apenas nas hipóteses de flagrante ilegalidade ou teratologia.[17]
Em termos de metodologia, temos um avanço jurisprudencial contra o arbítrio desmedido e em prol da coerência, luta iniciada já em 1940 pela doutrina e continuada pelos reformistas de 1984. Mas nem sempre foi esse o entendimento da Corte Superior no processo intertemporal significativo, havendo ainda alguns dissensos internos sobre esses contornos metodológicos. As heranças estáticas e excessivamente flexíveis dos Códigos de 1890 e 1940, respectivamente, ainda resistem e se fazem presentes no cotidiano judicial, que revive o passado e balança em unificar o presente. A muda plantada pelo Superior Tribunal de Justiça não se ramificou integralmente. Mesmo a sua raiz apresenta fragilidade onde a cultivaram, o que repercute no controle e, por consequência, no seu desenvolvimento vertical.
Em uma breve análise da jurisprudência dos tribunais do país já é possível se identificar esse quadro rabiscado. E isso ocorre em vários espaços e sob perspectivas diversas, sendo compreensível a partir de uma metodologia ainda instável aliada a um dever de fundamentação nem sempre observado, que tem como duros adversários o elevadíssimo número de processos e a exigência de celeridade. A propósito, é paradoxal que a teoria do direito e, consequentemente, os ordenamentos jurídicos caminhem há longos anos, corretamente, para um ambiente de complexidade e exigência com o dever de fundamentação para a construção do sentido das normas (mais recentemente o artigo 489, §§ 1º e 2º, do CPC, e o artigo 315, §2º, do CPP, explicitando o art. 93, IX, da CF/88), enquanto o número de juízes não cresce na mesma medida do número de processos e de profissionais nas funções essenciais à justiça, conforme estabelecido pela Constituição Federal alguns incisos após o dever de fundamentação (art. 93, inc. XIII, da CF/88). É uma equação com estrutura preocupante, inclusive no sentido do cumprimento dos mandamentos constitucionais: cada processo vai exigir corretamente fundamentação mais rigorosa e, logo, mais tempo do julgador, mas o número de processos aumentará em escala substancialmente superior à quantidade de juízes. Estão envolvidos no problema três pontos interdependentes da jurisdição que precisam ser equalizados como uma sinfonia: qualidade ( art. 93, IX, da CF/88), celeridade (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF/88) e capacidade (art. 93, inc. XIII, da CF/88). Pelo desconcerto atual, não por acaso o assunto dos juízes robôs ganhou espaço no mundo e no Brasil, mas ao mesmo tempo vem causando bastante preocupação entre os juristas por motivos nobres. Isso, no entanto, não pode autorizar incongruências ou argumentação deficiente, porque é a fundamentação que legitima a atuação do magistrado[18] e confere segurança jurídica ao sistema, funcionando, também, como um freio a decisões teratológicas. Agora, é um grave problema impregnado já há algumas décadas pela judicialização massiva e precisa ser enfrentado, mas é um assunto para outro momento, para que não seja alterada a rota e prolongado demasiadamente o percurso.
Vejamos, então, alguns casos que exemplificam a problemática levantada, selecionados em julgamentos dos Tribunais de Justiça de São Paulo, Distrito Federal e Territórios e Rio Grande do Sul.
Inicialmente recortamos aleatoriamente alguns acórdãos de furtos qualificados pelo concurso de agentes e rompimento de obstáculo com circunstâncias semelhantes.[19] Analisamos o quantum de aumento que foi atribuído a cada circunstância negativa, principalmente por eventuais maus antecedentes e pela qualificadora utilizada como circunstância judicial. O resultado não surpreende. Observamos variações consideráveis em casos parecidos, principalmente externamente entre os tribunais. A utilização de uma qualificadora como circunstância judicial teve uma alternância negativa na pena-base de quatro meses a um ano (diferença de 200% entre os patamares máximo e mínimo), passando por seis e nove meses. Há casos em que uma qualificadora utilizada como circunstância judicial, unida à circunstância dos maus antecedentes negativada, importa em um aumento da pena-base de quatro e oito meses, isto é, bem inferior a casos em que só a qualificadora é considerada em desfavor do condenado.
Os métodos (ou ausência deles) ou parâmetros de limites utilizados foram diversos, o que acaba gerando esse contraste, assim como ocorre nos próximos cases. Foi utilizada a discricionariedade vinculada (mas na maioria das vezes sem o standard objetivo proposto pelo STJ), essencialmente pelo TJRS, que acaba fugindo de um padrão objetivo e traz uma variação mais constante, contudo com a capacidade dosar proporcionalmente situações diversas. No entanto, tal interpretação exige um ônus argumentativo mais sofisticado para justificar a quantidade de aumento ou diminuição, além de ter a coerência como um grande desafio. Também foi empregado o fracionamento estático (mas de forma rígida e praticamente sem exceções ao paradigma), porém de forma diferente, utilizando-se ora fração 1/8 e ora 1/6 para cada circunstância, isso principalmente no TJDFT e TJSP, o que estabelece um modelo objetivo e estabilidade, porém sem competência para diferenciar e acompanhar os quadros desiguais de cada caso na sua exata medida.
Na sequência, elegemos julgados envolvendo roubos.[20] Pesquisamos a elevação da pena-base pela circunstância judicial dos maus antecedentes, inclusive em hipóteses de plurais e específicos maus antecedentes. A instabilidade da balança e de métodos continua. A dose de aumento se diversificou entre 1 ano e 6 meses (diferença de 100%). Todavia, em alguns casos tivemos condenados com plurais e específicos maus antecedentes, em que o aumento mais rígido se justifica, como naquela situação em que a circunstância foi valorada negativamente em um ano. Por outro lado, há situações em que uma condenação não específica (e não necessariamente mais grave) é valorada negativamente em 9 meses, enquanto plurais são mensuradas em 6 meses. Há casos, também, em que um mau antecedente e diversos são avaliados na mesma proporção. E aí residem sérios problemas de incoerência e desigualdade, que encontram amparo na alternância de interpretação, entre a discricionariedade e fracionamento estático, este com o emprego de frações de 1/8 ou 1/6, observando a mesma correlação com os tribunais acima identificada
Prosseguindo na atividade de investigador de paradoxos da pena-base, que tem como objetivo somente a macroanálise crítica do problema pesquisado, selecionamos outra pauta: tráfico de drogas e a elevação da pena-base pela quantidade e/ou natureza da droga[21], principalmente pela maior elasticidade entre a pena mínima e máxima, o que traz maior repercussão pela diferença de métodos utilizada. Não foi diferente a constatação de pesos incoerentes e desiguais. A progressão da pena se deu entre 6 meses e 1 ano e 8 meses (333,333...%), passando por 6 meses, 8 meses e 1 ano e 3 meses. Algumas ocorrências identificadas representam bem os distúrbios da aplicação da pena-base. Veja-se que, para uma quantidade de 220kg de maconha, a pena-base foi elevada em 1 ano, enquanto que, para 37 frascos de lança-perfume, em 1 ano e 8 meses, variando de forma inversamente proporcional à gravidade. Em outros julgados, a apreensão de drogas e armas (aumento em 6 meses) ou de drogas de diversas espécies de drogas (acréscimo em 8 meses) recebeu um juízo de reprovação menor do que a apreensão de uma espécie de drogas em quantidade não muito grande (1 ano e 8 meses e 1 ano e 3 meses). E isso se deu, como nos cenários acima, precipuamente pela diferença de interpretação: a discricionariedade importou acréscimo inferior ao fracionamento estático, enquanto dependendo da espécie deste (1/6 ou 1/8) a pena se expandiu mais ou menos.
O impacto causal dessa breve investigação evidencia, ao meu ver, a disfunção sistêmica na fixação da pena-base, que tem como vilã protagonista a interpretação plural aplicada, propagando incoerências e desigualdades. No cume da estrutura, o controle e a luta pela integridade se mostram ainda em processo de sedimentação e frutificação, atuando timidamente no momento recursal apenas em situações de flagrante ilegalidade ou teratologia. Um mesmo réu ou diversos, praticando três crimes semelhantes em três estados ou no mesmo estado da Federação, poderão receber penas-bases substancialmente diversas, o que repercutirá decisivamente na pena definitiva. Réus que cometeram o mesmo delito, mas com circunstâncias diversas, poderão sofrer penas-bases opostamente equivalentes à gravidade. Se internamente isso já reverbera grande preocupação, o que se dirá dos reflexos externos... Como os réus, leigos, entenderão isso? Como um advogado explicará isso aos seus clientes? Como um Promotor justificará isso para a sociedade e vítimas? Como explicar isso aos observadores?
Em uma análise inicial, concretamente é possível compreender o transtorno que sofre a integridade do direito neste particular, que tem na sua raiz, fonte de vida aos frutos metodológicos, as plurais interpretações que o hard case da fixação da pena-base sofre. Não surpreende que Dworkin tenha afirmado que toda decisão tem como prólogo silencioso a teoria do direito e tanto se preocupou com a integridade deste naquelas.[22] E ao que toca à interpretação passaremos a enfrentar as vertentes e a complexidade do tema, com respeito ao espaço que lhe cabe neste ensaio, obviamente insuficiente para a abordagem merecida. De toda forma, é preciso sair das profundezas, mesmo que de forma fugaz, antes de começar a nadar rumo a algum destino, sob pena de se perder na rota. O direito não se vê só pela superfície. Quem o vê assim, e infelizmente não são poucos, desconhece a sua raiz complexa e o longo trajeto existente para a emersão dos seus sentidos.
III. A interpretação do direito e a sua complexidade.
A aplicação do direito passou por uma revolução profunda no modelo Civil Law, no qual está enraizada a genética eurocêntrica do direito pátrio. O juiz, no Século XIX, não era o centro das atenções da teoria do direito, que estava voltada para o legislador racional e o fruto do seu trabalho, em um determinismo metodológico. O trabalho do juiz, para o formalismo juspositivista, a grosso modo era (ou parecia ser), ao ser provocado, conhecer os fatos, identificar a fonte formal, descobrir o sentido dado pelo legislador no texto da lei e, através de um processo dedutivo de subsunção dos fatos à norma, aplicar o direito revelado ao caso concreto, sem se preocupar com as consequências ou conteúdo da decisão. A norma era um lugar em que se podiam encontrar respostas seguras sobre as relações sociais e condutas no cognitivismo formalista. A referência à norma criada pelo legislador, sem a necessidade de fundamentação elaborada, era um argumento suficiente e adequado na aplicação do direito, já que o Juiz era a “la bouche de la loa” e ao legislador, que detinha uma pressuposta racionalidade infalível, é quem incumbia a construção do direito. A tarefa do Juiz na aplicação do direito não era vista como complexa e se valorizava uma segurança jurídica crédula contra o voluntarismo judicial, que era visto como um adversário importante aos objetivos políticos desde o período pós-revolucionário francês. Talvez por isso a aplicação do direito não despertasse tanta preocupação (ou quiçá essa fosse a imagem passada para ocultar a ideia de criação judicial do direito), embora essa constatação não tenha passado incólume por críticas e resistências antiformalistas já no próprio Século XIX (escolas da jurisprudência dos interesses, realistas e do direito livre).
Na primeira parte Século XX, temos o período do ápice do positivismo analítico no modelo Civil Law, que temperou a separação extremista entre os Poderes e a visão do juiz como mero boca da lei, a despeito de ter se devotado ainda mais ao direito como norma, no que encontrou um contraponto importante das escolas realistas norte-americana e escandinava, apesar de que no ambiente da aplicação houvesse encontros. A identificação dos limites da linguagem e o ceticismo em relação à verdade tornaram-se um sério problema, afetando a tão exaltada segurança jurídica formalista. Embora o positivismo dos dois primeiros terços do século passado não tenha dado a devida atenção à decisão judicial e à argumentação jurídica, o que inclusive foi posteriormente admitido por Hart em seu pós-escrito no seu Conceito de Direito, via a aplicação do direito como um ato político de vontade dentro da moldura fornecida pelo legislador[23] e permitia a discricionariedade nos casos de lacuna, chamado de poder intersticial por Hart.[24] Inegavelmente houve avanço em relação à atuação judicial e a visão da separação das funções entre os órgãos, no que o constitucionalismo teve contribuição inestimável. A própria visão piramidal do sistema jurídico e a possibilidade do controle de constitucionalidade concentrado representam uma ruptura com o passado e o prenúncio de um futuro de um Judiciário protagonista, o que viria a se concretizar após uma das maiores tragédias da história, que teve o positivismo apontado como seu vilão jurídico, embora para outra linha tenha sido uma forte resistência ao Nazismo e aos seus atos contra a humanidade.[25]
De toda forma, em parte desse período de uma sociedade menos complexa e de conflitos essencialmente interindividuais, a teoria do direito, sob a influência herdada do Século XIX, colocava três problemas centrais a serem enfrentados pelo jurista, que representavam a tensão, já mais sensível e próxima, entre a tomada de decisão e o trabalho do legislador: identificação das fontes, sua interpretação e sua aplicação, aos quais eram apresentados modelos dogmáticos capazes de elaborar conceitos, classificações e distinções que forneciam ferramentas adequadas para a solução. As teorias das fontes (e os conceitos de validade, vigência e revogação), das antinomias (e seus metacritérios) e das lacunas (e as possibilidades de integração) respondiam ao problema da identificação; a teoria da interpretação, com suas clássicas técnicas desenvolvidas ao longo do Século XIX (gramatical, lógica, sistemática, história e teleológica – que não tinham um metacritério de organização da utilização), fornecia material para a questão hermenêutica. Por fim, a técnica da subsunção e a sua lógica formal, compreendida na cisão com a predecessora interpretação, era a forma da aplicação da norma.[26] Isso tudo se conecta com uma índole retrospectiva do direito no modelo Civil Law.
O período pós-guerra, a filosofia do direito pós-positivista e uma nova metodologia alteraram, lentamente (aos menos no Brasil), os rumos do direito, principalmente no sistema Civil Law.[27] O refúgio de sentidos seguros propiciado pelas normas, estabelecido pelo objetivismo constitutivo já abalado, foi definitivamente lesado por um ceticismo não-cognitivista, estabelecendo-se uma grave crise de sentidos, de modo a se propor a substituição do certo e errado pela noção de mais ou menos razoável argumentativamente, o que desnorteou o papel de estabilizador de sentidos do direito, com seu saber destacado de respostas[28]. O foco deslocou-se do legislador para os juízes e a decisão judicial[29], tornando-se (ou demonstrando-se) a tarefa de aplicação do direito substancialmente mais complexa, na medida em que se desmembrou texto (enunciado) e norma (sentido) e se colocou o juiz, não mais neutro ou inconsciente diante do direito escritural, como um dos atores do processo de construção do sentido das normas - e o próprio direito como um processo de construção de decisões -, o que justifica a preocupação contemporânea com a argumentação jurídica, principalmente a partir da década de 50 (com seu auge no final da década de 70 do século passado), que provocou, com seus precursores, a rejeição da lógica formal dedutiva a partir de teorias retóricas informais, e depois, com os modernos, uma evolução e integração dessa disputa com a construção de critérios de razão prática, que visam, para além da dimensão formal, ao conteúdo e às consequências das decisões.[30] A identificação das fontes e a superação das incoerências e das lacunas sofreram alterações, assim como as clássicas técnicas de interpretação foram colocadas em xeque. A por vezes relegada justiça volta a ter protagonismo no direito, principalmente com o ingresso dos direitos fundamentais e humanos nos sistemas (no que alguns suscitam um neojusnaturalismo). Para protegê-los, foi conferido aos juízes em diversos sistemas o dever-poder de realizar o controle de constitucionalidade dos atos, submetendo inclusive a política, colocando a Constituição como norma fundamental do direito. Os juízes passaram a trabalhar também com princípios (como argumentos jurídico-normativos em detrimentos das vozes da sua moralidade individual ou de preferências políticas) e uma abertura prospectiva, sem prejuízo das regras, mas com a exigência da construção do sentido da norma, inclusive com um filtro constitucional prévio, por meio de um discurso rigoroso com a fundamentação, para onde foi deslocada a noção de segurança jurídica. O burocrata “boca da lei” foi sucedido pelo intelectual, poderoso, atarefado e contestado Hércules. O juiz foi do descobrimento ao empreendimento da construção do direito, mas ainda convivendo com alicerces variáveis impostos pelo legislador, dependendo do prólogo silencioso da sua decisão.
Paralelamente, o Legislativo passou a enfrentar a sua maior crise de confiabilidade, sendo destituído definitivamente da sua onipotência e sendo colocada em xeque a sua presumida racionalidade absoluta. No conflito entre justiça e razão contra segurança jurídica e maioria, não há mais uma vitória prima facie desta segunda opção no âmbito do direito, embora a vital importância da observância dos princípios formais[31] e da dignidade da legislação.[32] A razão sem voto do Judiciário, pautada na legitimidade discursiva[33], passou a ter também o dever-poder de proteger e promover os direitos fundamentais, defender e promover a força normativa da Constituição e resolver os conflitos entre os demais Órgãos, compreendendo-se a antiga rígida separação como um processo de cooperação entre os Órgãos para a construção do direito. A edificação do Legislativo passou a depender de benfeitorias, contando com os juízes como operários na sua execução, e por vezes sofrer acessões realizadas também pelos magistrados.
Nesse cenário contemporâneo, de relações interpessoais muito mais complexas, a partir da secularização, do pluralismo, da globalização, da virtualização e de fronteiras porosas entre o público e o privado, temos uma questão nuclear para o direito, que é a interpretação de textos escritos. A forma escrita tornou-se um padrão de produção e fonte do direito, especialmente com o aparecimento do direito legislado a partir da chamada era da codificação. Substituiu-se a consciência do julgador pela linguagem. Esse fenômeno ganhou espaço, inclusive no sistema Common Law, disputando território com o costumary law e o case law. O direito moderno se constrói com a interpretação de textos jurídicos: leis, precedentes, doutrina, etc. Ele se beneficiou da capacidade da linguagem humana, mas também se tornou prisioneiro dos limites desta. Como bem arremata Cláudio Ari Mello:
O direito é um modo de dirigir o comportamento de seres humanos que vivem em comunidades politicamente organizadas. Se o direito está contido em textos, antes de sabermos como as pessoas devem se comportar, ou como deveriam ter se comportado, é indispensável compreender o que estes textos determinam a respeito das ações pertinentes. Essa atividade de compreensão e construção do sentido das escrituras jurídicas é o que chamamos de interpretação. No direito moderno, isto é, no direito escritural, interpretar é essencialmente entender o significado ou atribuir um sentido a um texto considerado como fonte de direito.[34]
Nos limites da linguagem e na abstração causal do discurso é onde residem as principais discussões na interpretação e, consequente, na construção do direito, o que se relaciona com outras questões importantes em torno da correção jurídica: tempo limitado, informações limitadas, etc. E é aqui onde Hart identifica os sonhadores de uma única resposta correta para cada caso e os atormentados pelos pesadelos das plurais respostas para todos os casos, colocando-se no meio do caminho entre os dois extremos como um moderado entre ultrarracionalismo e irracionalismo, isto é, admitindo que em alguns casos é possível aceitar uma única resposta correta, mas em outros não[35], linha que é seguida, com argumentos diferentes, por Alexy.[36] Trata-se, em essência, da fundamental discussão sobre a verdade objetiva na interpretação dos textos legais e, por consequência, acerca da correção da discricionariedade e dos seus espaços.
Os sonhadores contemporâneos, liderados por Dworkin[37], afirmaram que é possível a extração de uma única resposta correta para cada caso. E essa resposta, na visão do professor norte-americano, deriva da interpretação mais coerente do conjunto de princípios morais que justificam o direito, a qual se divide em três fases: pré-interpretativa, interpretativa e pós-interpretativa.[38] Para encontrar a solução certa, em um primeiro momento do desenvolvimento da sua tese cria a figura de um juiz ideal, chamado Hércules, que teria habilidade, sabedoria, paciência e astúcia sobre-humanas. No entanto, Dworkin reconhece que não há um procedimento que mostre necessariamente a única resposta correta, cabendo ao juiz real a tarefa de aproximar-se o máximo possível. Essa tese foi refinada posteriormente pelo falecido jusfilósofo. Em seu Justiça para Ouriços, refutando os céticos, trabalha com a integridade e a rede de princípios de mútuo apoio (comum-unidade de princípios[39]), essência do seu conceito de direito interpretativo e colaborativo (em que usa a metáfora do chain novel e a ideia de melhor interpretação das práticas jurídicas), mas agora unida à responsabilidade, atacando a metaética e admitindo novamente que, embora não seja possível demonstrar a verdade convencional aos outros ou esperar que concordem, tampouco termos clareza absoluta, já que o direito não tem partículas, devemos exigir responsabilidade na argumentação e admitir que há resposta objetivamente correta. Questiona ele se o juiz que decreta a prisão de uma pessoa escolheria discricionariamente uma das opções supostamente viáveis (liberdade ou segregação) ou adotaria a resposta correta ao caso? Um Juiz que condena alguém à morte admite que exista outra resposta correta através de outra interpretação possível ao caso? A decisão judicial seria um ato de escolha entre possibilidades viáveis ou um ato de construção? Por isso, ao tratar o direito como um ramo da moralidade política, afirma que os juízes possuem responsabilidade política, porque também estão envolvidos com um problema de democracia e de legitimidade no exercício do poder. Não por acaso, antes mesmo de suceder Hart e se tornar o célebre professor de Oxford, Dworkin atacou o positivismo jurídico do seu antecessor em três linhas essenciais: (i) especialmente nos hard cases, o intérprete não recorre apenas às regras, mas também aos princípios, que não podem ser identificados pela regra de reconhecimento; (ii) a ideia positivista de que, não havendo regra aplicável ao caso, estaria o intérprete exercendo o seu poder discricionário para decidir deve ser rechaçada, pois, neste caso, o intérprete decide conforme os princípios jurídicos (que lutam contra a discricionariedade e a favor da democracia); (iii) a teoria das normas sociais, em que se baseia a regra de reconhecimento e a noção de norma, deve ser rachaçada.[40] A tese dos princípios de Dworkin, todavia, não ficou imune a críticas, pelo contrário. A contestação tem como um dos focos, além da diferença com as regras e com diretrizes, a ausência de clareza a respeito da aplicação de princípios que não são postos pelos juízes, mas são descobertos e têm natureza moral. Por isso é rotulado de neopositivista por alguns e de neojusnaturalista por outros, encontrando críticos de ambos os lados. A afirmação ultrarracionalista de uma única resposta correta e a ausência de um método para tanto também não foram poupadas.
Para Alexy, ator da linha moderada e autodeclarado não-positivista[41], a questão da única resposta correta depende essencialmente se o discurso prático pode conduzir a uma única resposta correta para todos casos. E aqui ele diverge de Dworkin e afirma que isso aconteceria se a sua aplicação garantisse sempre um consenso. O jusfilósofo alemão nega a tese da única resposta correta para todos casos, afirmando que isso exigiria: tempo ilimitado, informação ilimitada, clareza linguística conceitual ilimitada, capacidade e disposição ilimitadas para a troca de papéis e ausência de prejuízos ilimitada. Afirma que, diante de condições reais, isso só pode ser cumprido de maneira aproximada em alguns casos (melhor resposta), devendo funcionar a idealização como diretriz. Em outros, seria possível atingir o consenso e a única resposta correta. De toda forma, afirma que os participantes do discurso jurídico devem defender sua pretensão, desde que suas afirmações e fundamentação tenham sentido, de que a sua resposta é a única correta[42], admitindo-a no plano subjetivo como uma pretensão de correção, esta limitada sob diversas perspectivas. Em suma, assim como MacCormick, Alexy defende que não há uma única resposta correta para cada caso, mas que o direito positivo sempre oferece uma resposta correta, como bem coloca Manuel Atienza.[43] Por outro lado, Alexy também diverge dos positivistas[44], utilizando como alicerce do seu pensamento a inclusão da correção material (ou dimensão ideal não-positivista) no seu conceito de direito (que nos países democráticos é exercida pelos direitos fundamentais[45]). Ele fecha sua teoria com outras duas teses centrais: a teoria do discurso jurídico como caso especial do discurso prático moral, na qual estabelece critérios de razão prática[46], e a teoria dos direitos fundamentais como princípios, que encontra no princípio da proporcionalidade o seu epicentro e um método de argumentação que tem por finalidade buscar a resposta correta nos hard cases. Agora, assim como Hart e MacCormick, Alexy admite a discricionariedade judicial em algum estágio da argumentação jurídica, mas se refere a ela no sopesamento de princípios (que abrem essa porta), tanto do legislador quanto do Judiciário[47], neste caso como limitações impostas pela ordem jurídica e com uma preocupação argumentativa que se diferencia da denominada discricionariedade forte hartniana. No entanto, nesse ponto a crítica identifica uma aproximação positivista da sua teoria discursiva, através de uma repristinação da antiga delegação positivista na escolha do princípio aplicável por meio da racionalização do juízo discricional.[48]
Hart, participante da linha moderada cética, mas confessadamente positivista, há bastante tempo já colocou a tese da única resposta correta de Dworkin como um calcanhar de aquiles da sua teoria.[49] O professor britânico trabalhou com normas quase-conclusiva ou não-conclusivas[50], reconhecendo a imperfeição do direito em lacunas, na textura aberta da linguagem e na vagueza dos conceitos, o que repercute em problemas à atribuição de sentido à norma e à subsunção ao caso. No entanto, embora traga uma ideia de regras parecidas com Alexy, inclusive admitindo a sua derrotabilidade como este admite cláusulas de exceção (negando o caráter tudo-ou-nada dworkiniano, ao menos sob algumas interpretações[51]), não avança o bastante em apontar outros standards capazes de justificar a decisão (como os princípios, no que é atacado por Dworkin), tampouco desenvolve a argumentação judicial.[52] Aliás, Hart confessa em seu Pós-Escrito ao Conceito de Direito que deu pouca atenção para a decisão judicial, ao raciocínio jurídico e, em especial, para a questão dos princípios em sua obra, o que admite ser um defeito desta.[53] O jusfilóso inglês afirma que nos hard cases o juiz teria discricionariedade para decidir e criar o direito, sendo investido de poderes intersticiais, mormente naqueles casos de normas não-conclusivas. E aqui ele adverte que, ao usar a palavra norma, não pretendeu afirmar que os sistemas jurídicos incluem apenas normas do tipo “tudo ou nada” ou quase-conclusivas (regras, na expressão usada por Dworkin na sua crítica). Também ressalva, em resposta às criticas de Dworkin, que a discricionariedade dos juízes (ou poder de criar o direito que atribui a eles nos casos em que aquele seja incompleto ou indeterminado) é diferente daquela do Poder Legislativo, já que está sujeita a várias limitações, as quais o Legislativo pode ser isento, e restrita a casos específicos, não podendo o juiz utilizá-la para introduzir reformas amplas ou novos códigos.[54]
Kelsen se encontra no outro extremo da discussão, sendo diagnosticado como atormentado pelo pesadelo de uma imperfeição constante. O jusfilósofo austríaco desenvolveu a tese da moldura normativa na segunda versão da sua Teoria Pura do Direito[55], tendo gradativamente se deslocado para uma indeterminação geral (fática e consequencial) e um decisionismo cada vez maior[56], embora ainda submetido a limites. O falecido professor da Universidade de Berkeley, com seu ceticismo, prega que a determinação nunca é completa, não podendo a norma vincular sob todos os aspectos o ato através do qual é aplicada, embora também admita que o direito não é absolutamente livre, no que se dissocia do realismo duro e rechaça a aplicação de princípios metajuridicos. Dentro da moldura do direito (que limita a discricionariedade), proclama que caberá ao intérprete a escolha da alternativa mais adequada dentre as várias estabelecidas pela norma superior, isto é, existe uma margem de apreciação, que pode ser maior ou menor. Não há na interpretação kelseniana uma única solução, e sim possivelmente várias soluções ao caso concreto (no que radicaliza mais que Hart e menos que Troper), o que reafirma a indeterminação positivista. Por isso, conclui Kelsen, que a produção do ato jurídico dentro da moldura da norma jurídica aplicada é livre, isto é, realiza-se segundo a livre apreciação do órgão chamado a produzir o ato através de uma interpretação autêntica, atacando a ideia de uma única interpretação correta, que, na sua visão, seria uma ficção a ser combatida, que serviria à jurisprudência para consolidar o ideal de segurança jurídica.[57] Agora, assim como Hart, Kelsen se dedica pouco à decisão judicial e ao raciocínio jurídico.
O professor italiano Riccardo Guastini, membro do movimento realista genovês, faz uma importante análise das correntes interpretativas e do próprio conceito de verdade na interpretação dos textos legais.[58] Ele identifica três teorias da interpretação: teoria cognitivista, teoria cética e teoria eclética. A teoria cognitivista pressupõe, em um enunciado normativo, um único sentido passível de conhecimento (não de escolha). Há um significado preestabelecido à interpretação, que busca revelá-lo. Aqui está inserida a antiga corrente formalista (cognitivismo formalista) abordada no início deste capítulo, assim como os partidários do nobre sonho (mas em um cognitivismo não-formalista construtivista), que admitem a ocorrência interpretação falsa e correta, além da possibilidade de se localizar uma única resposta ao caso. Guastini afirma que esta teoria é uma ideologia sobre a atividade interpretativa, resultante de doutrinas da separação entre os poderes e de uma soberania o parlamento, que renegam ao Judiciário legitimidade democrática para realizar escolhas políticas. A teoria realista, ao contrário, não reconhece a decisão como um ato de conhecimento de um único sentido do texto normativo, mas como um ato de escolha ou vontade, negando a pretensão formalista de um sentido único e preexiste. O professor da Universidade de Gênova faz uma subdivisão realista em radical e moderada. Os moderados estabelecem o enunciado normativo como limitador dos plurais significados a serem avaliados pelo intérprete na sua decisão (como Kelsen), enquanto os radiciais não vem no texto um limite rígido ou plurais sentidos, sendo este inspiração à decisão como concepções morais, econômicas, políticas. A última vertente identificada pelo realista genovês é a teoria eclética, também subdivida, que busca conciliar e ao mesmo tempo se opõe às anteriores, reconhecendo na interpretação ora um ato de vontade e ora um ato de conhecimento. Para a primeira variante (e aqui se insere Hart), há vagueza em toda disposição jurídica, existindo um núcleo de significado certo, e outro de incerto. Quando estamos diante da primeira hipótese, um caso fácil, a interpretação cuida-se de um ato de conhecimento. Na segunda situação, caso difícil, a interpretação será um ato de vontade (ou escolha). A outra variante não utiliza a ideia de casos fáceis ou difíceis, mas de textos claros e textos obscuros, mas resultando em revelação ou escolha, respectivamente.
E a partir desse breve mergulho pela complexidade da interpretação é que podemos emergir e retomar nossa rota, agora rumo à análise das principais teorias explicativas da fixação da pena-base, conectando-as aos seus prólogos silenciosos e à sua história, para um exame jurídico minimamente adequado, não meramente ideológico ou circunstancial. E como vimos, estamos condenados entre a escolha e o descobrimento da pena.
IV. A fixação da pena-base: teorias, críticas e seus prólogos silenciosos.
A vagueza linguística utilizada pelo legislador brasileiro, sobretudo no que respeita à metodologia de apreciação das circunstâncias judiciais, já é bastante idosa e tem como ano de batismo 1940, sendo essa característica uma constante nos países de tradição romano-germânica, não olvidemos. Até o Código Penal de 1940, a aplicação da pena seguia critérios bastante rígidos. O Código Penal de 1890, com nítida influência inquisitorial, para as situações em que as penas não eram fixas, previa um sistema tarifado para a dosimetria da pena. Em apertada síntese, o seu artigo 62[59] estabelecia três graus (máximo médio e mínimo) e dois subgraus (submáximo e submédio), o que representava cinco possibilidades de pena: máximo, submáximo (média entre o médio e o máximo), médio (média aritmética entre o máximo e o mínimo), submédio (média entre o mínimo e o médio) e mínimo.[60] Tínhamos penas fixas ou cinco possibilidades de variação das penas relativamente indeterminadas na sua dosimetria.
O Código Penal de 1940 aboliu o sistema tarifado, substituindo-o por um modelo legal aberto e flexível, que conferiu (ou supostamente) ampla discricionariedade ao julgador. Essa vagueza causou muita divergência doutrinária e jurisprudencial sobre o procedimento de dosagem da pena, tendo como foco a luta contra arbitrariedades e a promoção da racionalização da decisão (veja-se que é uma briga antiga, quase centenária), visando a encontrar o equilíbrio entre o antigo sistema tarifado e o novo sistema discricionário. E foi nesse cenário em que se desenvolveu o famoso embate entre Lyra e Hungria, com os seus respectivos métodos bi e trifásico para a aplicação da pena. Enquanto o professor Roberto Lyra advogava a favor de um sistema bifásico, com a pena-base (primeira etapa) sendo fixada, entre o mínimo e o máximo, levando em conta as circunstâncias judiciais e legais, incidindo, na segunda etapa, sem os limites máximos e mínimos do tipo penal secundário, as causas de aumento e diminuição, o ex-ministro Nelson Hungria defendia um método trifásico, com a divisão da análise das circunstâncias judiciais, agravantes e atenuantes, majorantes e minorantes em três momentos distintos e sucessivos.
Os reformistas, na exposição de motivos da Nova Parte Geral do Código Penal reconheceram que, mesmo após quarenta anos, remanesciam divergências acirradas sobre a metodologia da aplicação da pena. No entanto, levando em conta que o critério trifásico (ou Hungria) era predominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Corte que Hungria ocupou a cadeira por uma década, optou-se por este, o qual permitiria “o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados à dosimetria”[61], inclusive preservando o direito à ampla defesa/acusação para fins recursais. Hungria saiu-se vitorioso, mas não pôde saborear em vida a consagração da sua tese no artigo 68 da Nova Parte Geral do Código Penal. No entanto, desde a reforma de 1984 é possível se verificar a preocupação com a fundamentação e a limitação do arbítrio, o que aliás foi um dos pontos de crítica ao método bifásico.
As circunstâncias judiciais também não passaram incólumes pela macrorreforma de 1984. Houve a alteração da intensidade do dolo ou grau de culpa (constante no revogado artigo 42 do Código Penal[62]) pela culpabilidade (do atual art. 59 do Código Penal) e o acréscimo do comportamento da vítima e da conduta social (incluídas pelo mesmo art. 59 do Código Penal). Tornaram-se oito vetores a serem analisados na fixação da pena-base, primeira fase do método trifásico legal. O legislador também estabeleceu que a pena deve ser necessária e suficiente, tendo como finalidade a reprovação e a prevenção. No entanto, manteve-se o silêncio em relação à metodologia na primeira fase, criando-se, na versão hartniana, um hard case. Incumbiu-se à doutrina e à jurisprudência a tarefa de construir a solução. Novos embates surgiram e alguns se mantêm até hoje. Por outro lado, boa parte da edificação do sentido da operação foi realizada nessas mais de três décadas pela doutrina e jurisprudência, havendo pontos de convergência e um importante arquivo de sentidos. Devemos observá-lo para seguir nessa obra coletiva intertemporal e, quem sabe, colaborar para o seu avanço, mesmo que seja auxiliando na limpeza de alguns resíduos que devem ser varridos ou na preparação do cimento para o próximo tijolo.
O ponto de partida para o cálculo da pena-base se dá no mínimo legal (que se confunde com o limite mínimo para as duas primeiras fases do método trifásico), podendo progredir conforme a existência de circunstâncias desfavoráveis ao condenado. Já o limite máximo da pena-base não tem um ambiente totalmente pacífico. No âmbito das cortes superiores, atualmente (e nem sempre foi assim[63]) é possível se afirmar a admissão da fixação da pena-base até o máximo da pena cominada no preceito secundário, observando a regra do artigo 59, inc. II, do Código Penal.[64] Todavia, doutrinariamente, temos a divergente teoria do termo médio, que restringe a pena-base à média das balizas mínima e máxima, estabelecendo um marco inicial máximo aquém do limite legal. Trata-se de importante tese construída, que goza de partidários importantes[65], inclusive com eco nas cortes superiores. A lógica dessa interpretação se apropria da ideia de hierarquia progressiva de peso no impacto da pena entre as fases, estabelecendo um limite geral (não individual por circunstâncias) para a pena-base, para que seja possível a atuação das causas legais em nível superior, que também estão submetidas aos limites legais. Teríamos três limites diversos e sucessivos ao teto de cada fase: termo médio, máximo da pena legal, acima dos contornos legais.
Alguns obstáculos vêm se fixando contra a tese do termo médio, o que justifica, ao meu ver, a admissão de flutuação da pena-base entre os marcos mínimo e máximo da pena legal, sem uma restrição intermediária. O primeiro deles é que a fixação da pena-base no máximo legal, mesmo que não adotada a teoria do termo médio, deve ser reservada para situações excepcionalíssimas, o que é confirmado na prática, que demonstra que há normalmente espaço para a atuação das circunstâncias legais agravantes. A segunda barreira advém da ausência de previsão legal para esse marco inicial do termo médio na avaliação das circunstâncias judiciais (art. 59, inc. II, do Código Penal). O terceiro argumento contrário se concentra no fato de que as circunstâncias agravantes nem sempre se fazem presentes em condenações, sendo que a eventual consideração da sua incidência para justificar o termo médio é um retorno ao sistema bifásico.[66] A última contestação se revela no fato de que o prejuízo normalmente se dá às circunstâncias atenuantes, em razão da cultura da pena mínima que se desenvolveu equivocadamente no país[67] (que deve observar a mesma excepcionalidade da pena máxima) e pelo limite imposto pelo enunciado de súmula n.º 231 do STJ, que impede que a pena intermediária flutue fora dos marcos legais. Essas objeções acabam afastando a ideia de que, sem a baliza do termo médio, estaríamos lesando o sistema trifásico.
Seguindo nossa rota, chegamos ao lugar que concentra o maior desconcerto: forma de avaliação das circunstâncias. Aqui as divergências são densas e plurais. Debate-se, em síntese, se: (i) a variação da pena deve se dar pela avaliação global das circunstâncias ou se movimentar conforme cada circunstância; (ii) cada circunstâncias deve ter um peso atribuído individualmente ou não; (iii) em caso positivo, como cada circunstâncias deve ser examinada. Para tanto, temos essencialmente duas teorias explicativas: discricionariedade e fracionamento. Por outro lado, diluindo um pouco a rigidez hermenêutica, há estabilidade em dois pontos: se todas circunstâncias judiciais forem favoráveis e/ou neutras, a pena-base deve permanecer no mínimo legal; se preponderantemente as circunstâncias judiciais forem negativas, a pena deve se afastar do mínimo legal.
A estratégia da análise se dará através de cada teoria explicativa, abordando os tópicos de divergência acima delimitados. E iniciaremos com a teoria da discricionariedade. Esta se trata aparentemente de uma concepção nitidamente hartniana do hard case. Temos normas não-conclusivas sobre a avaliação das circunstâncias judiciais, configurando-se uma zona de penumbra legal. O rumo, segundo a visão de Hart, é o emprego da discricionariedade judicial, com a investidura do juiz em poderes intersticiais.
A linha da discricionariedade sem referencial para a definição da pena-base, seguida pela minoria dos ministros do STJ e por parte dos tribunais, sustenta que a fixação do quantum de aumento ou diminuição fica submetida ao prudente arbítrio do juiz, com observância ao deveres de fundamentação e proporcionalidade. Não há um critério objetivo estabelecido como padrão para o aumento ou diminuição por circunstância, mas um limite global, que neste caso pode ser o termo médio ou o máximo da pena cominado para a infração penal, dependendo da corrente seguida. Isso, todavia, não impede a avaliação qualitativa individual (negativa, neutra ou positiva) de cada circunstância do artigo 59 do Código Penal, embora a apreciação quantitativa normalmente se dê de forma coletiva. Em síntese, acontece o afastamento do padrão objetivo e a aproximação do dinamismo sistemático, o que coloca um risco sobre a coerência, mas com a habilidade de balancear as diferenças entre os casos.
Essa formulação tem na teoria dos princípios uma forte oposição há muitas décadas, que se reforça em uma contradição teórica contemporânea também denunciada por Dworkin, de juristas que se declaram não-positivistas ou não se alinham a nenhuma teoria que ofereça argumentos a favor da indeterminação, mas afirmam que não há respostas corretas para questões jurídicas controversas e recorrem, ao fim e ao cabo, à discricionariedade.[68] Para aqueles que conseguem fugir desses obstáculos jusfilosóficos (como buscam os positivistas inclusivos e os realistas), podemos apresentar outros específicos já tratados acima quando em pauta a crítica à jurisprudência, como a incoerência e a desigualdade material na definição da pena-base, o que vem demonstrando a fragilidade na utilização do método (ou, melhor, na ausência dele), ao menos daquele sem limites. Acrescento um argumento importante que a prática nos fornece: lesão ao dever de fundamentação e, por conseguinte, às garantias da ampla defesa e ampla acusação, o que foge da limitação à ampla discricionariedade e da promoção ao dever de fundamentação pretendidas na reforma de 1984. Isso porque a discricionariedade vem sendo empregada, em certas vezes, arbitrariamente, com o perdão do pleonasmo. Além de se valer do subjetivismo, há a ocultação dos fundamentos da escolha, sem saber as partes o porquê de juízos qualitativos e quantitativos. Quiçá o vilão desses problemas práticos seja o desconcerto denunciado entre celeridade, qualidade e capacidade... De qualquer forma, saímos do tolerável, mesmo para os céticos positivistas e realistas. Mesmo a escolha está submetida ao ônus da argumentação e a critérios de razão prática.
A tese do fracionamento estático, acatada por alguns tribunais, pretende estabelecer um padrão objetivo e duro qualitativo e quantitativo de aumento ou diminuição da pena-base de forma individual, mostrando aos participantes as razões da pena. Isso significa que a cada circunstância é atribuída uma avaliação (neutra, positiva ou negativa), podendo esta não influenciar na pena (se for neutra), elevá-la (se for negativa) ou diminuí-la (se for positiva) por meio de uma quantidade que lhe é atribuída de maneira rígida e abstrata por uma fração (1/10, 2/10, 1/6, 1/7 ou 1/8, dependendo do posicionamento interno entre os fracionistas). Em que pese a discordância acerca da quantidade definida a cada circunstância judicial, há consenso que a fração individual deverá incidir sobre a diferença entre o máximo e o mínimo da pena[69]. O dissenso é acerca da igualdade de peso entre todas as circunstâncias (que reflete na definição do numerador da fração) e sobre a consideração de todas no estabelecimento de denominador da fração, mas sem a possibilidade de variação conforme o grau. Nucci, por exemplo, que é moderado e admite a derrotabilidade dos padrões objetivos em situações excepcionais, dá a algumas circunstâncias (personalidade, antecedentes e motivos) um peso dobrado em relação às demais (2/10 as três referidas e 1/10 às outras)[70], enquanto outros estabelecem a mesma quantidade (1/8, 1/7 ou 1/6 a todas). Essa diferença repercute no numerador da fração. Por outro lado, há alteração sobre o número de circunstâncias a serem observadas. Alguns retiram o comportamento da vítima do cálculo para a definição do denominador, na medida em que pode ser considerado apenas em favor do réu, dotando-a de uma natureza sui generis. Outros entendem que a culpabilidade em sentido lato do artigo 59 do Código Penal é o extrato de todas circunstâncias pelo que não pode ser considerada individualmente[71]. Há quem considere todas. Por isso há instabilidade no denominador entre 10, 6, 7 e 8.
A teoria do fracionamento estático fornece um paradigma objetivo e estabilidade na avaliação, porém sem a capacidade de diferenciar adequadamente e acompanhar quadros desiguais concretos na sua exata medida, como já antecipado. Trata-se de uma interpretação cognitivista do hard case, enveredando-se aos nobres sonhadores construtivistas. Agora, há esse problema grave na norma elaborada, pois nem todas circunstâncias negativas ou positivas têm o mesmo peso no caso concreto. É possível que uma circunstância seja altamente ou levemente negativa ou positiva. Tomemos a circunstância dos antecedentes como exemplo, sem ingressar na discussão da sua constitucionalidade. Se um réu possui um registro de maus antecedentes por lesão corporal leve, enquanto outro possui dez registros de maus antecedentes por roubo, crime pelo qual ambos estão sendo condenados na sentença, ambas circunstâncias negativas devem ter o mesmo peso na definição da pena-base? Podemos, nessa esteira, nivelar a utilização de uma qualificadora para negativar as circunstâncias do crime com uma circunstância judicial de valoração negativa mínima? A dureza da maleabilidade do fracionamento estático coloca uma dificuldade a ser superada, na medida em que a derrotabilidade do padrão é rara, normalmente adotando-se o critério abstrato. Mas não é só. As críticas vão além. A formalização ou matematização é enfrentada como um problema por parte da doutrina, admitida apenas como referenciais de proporcionalidade, como o faz o STJ com o critério do 1/6. A crítica relaciona essa tese com o sistema de prova tarifada, de origem inquisitorial, inclusive com um retorno ao sistema do Código de 1890, o que lesaria o dever de fundamentação.[72] Além disso, tentar igualar integralmente a avaliação quantitativa e qualitativa das circunstâncias seria desconhecer a particularidade complexa de cada fato e de cada pessoa.
Utilizar-se de padrões fracionários, mesmo que rígidos quantitativamente, não me parece exatamente uma volta no tempo rumo ao sistema inquisitorial do Código de 1890. O fracionamento estático possibilita dezenas de variações da pena-base, que depois pode sofrer o influxo de circunstâncias legais e causas de aumento e diminuição, as quais, essencialmente aquelas e algumas destas, têm sido abordadas por meio de critérios objetivos fracionários elásticos pelos tribunais superiores. Verdade seja dita, o fracionamento apresenta justificativa para avaliação quantitativa e qualitativa de cada circunstância, compartilhando-a com as partes e dando elementos para eventual insurgência recursal, indo ao encontro do que buscavam os reformistas de 1984 sobre fundamentação e limitação da escolha. E isso também se sintoniza com o que os novos reformistas, por meio do PLS 236/12 (Projeto de Novo Código Penal), buscam no artigo 84, §1º[73], que exige do juiz a fundamentação quantitativa e individual de cada circunstância judicial e legal. O ponto frágil do fracionamento estático se mostra, e aqui a crítica acima se aplica com correção, na sua padronização inflexível (para os duros) ou excepcionalmente maleável (para os moderados), que acaba atingindo a proporcionalidade e a igualdade material, prejudicando uma adequada individualização da pena às diferenças subjetivas e objetivas de cada caso. E para superar essa deficiência é que se propõe o dinamismo desses standards individuais de maneira dúctil, mas neste particular com referenciais em três graus (leve, médio e grave)[74], no que, embora se beba da fonte, se diferencia do fracionamento tecido pelo STJ, que também tem uma proposta metodológica conciliatória e flexível, apenas no que respeita à escala triárdica expressa. É o nobre sonho da resposta correta, ao menos no plano subjetivo para aqueles que seguem a linha não-cognitivista moderada.
V. Método referencial escalonado dúctil.
Instituir o dinamismo referencial escalonado na avaliação individual das circunstâncias judiciais acaba por configurar uma metodologia eclética discursiva, aproveitando-se da objetividade e da metodologia do fracionamento estático, sem olvidar da capacidade de movimentação proporcional da discricionariedade. Mas nem tudo são rosas… Os riscos teóricos dessa aproximação não podem ser eliminados, principalmente no que respeita à acusação cognitivista de escolha nas definições quantitativas e qualitativas, no que se aproxima às críticas à teoria alexyana da ponderação.
A definição dos padrões quantitativos individuais tem uma questão preliminar a ser enfrentada, que envolve o peso idêntico ou não de todas circunstâncias judiciais, assim como se todas devem ser consideradas na definição do denominador de cada fração. Nesse particular, há aqueles que realizam uma interpretação sistemática das circunstâncias judiciais, dando maior peso a algumas, enquanto outros enxergam igualdade. Em outra frente, acerca da consideração da integralidade das circunstâncias, a divergência se dá essencialmente quanto ao comportamento da vítima, se integra o cálculo para a definição do denominador ou deve ser tratado como uma circunstância sui generis (incidindo sem influenciar no denominador apenas para beneficiar o réu), e a culpabilidade, se é gênero e não afeta o denominador ou se é também espécie e modifica a fração.
O maior peso abstrato dado a algumas circunstâncias judiciais advém de uma interpretação sistemática da parte geral do Código Penal. O fundamento está no artigo 67 do Código Penal, que trata de uma ordem de prevalência abstrata de certas circunstâncias legais, mas é transportado para as circunstâncias judiciais, e na preocupação do legislador com os antecedentes em relação às penas restritivas de direitos (art. 44, inc. III, do CP), à suspensão condicional da pena (art. 77, inc. II, do CP) e ao livramento condicional (art. 83, inc. I, do CP).[75] A crítica a essa diferenciação tem na doutrina do Direito Penal do Fato uma grande aliada, que pleiteia a exclusão das circunstâncias judiciais pessoais (como os antecedentes e a personalidade) da avaliação da pena-base, encontrando eco no art. 75 do PLS 236/12[76]. Segundo a crítica, o agente deve responder por aquilo que fez, não pelo que é. Embora a crítica doutrinária, as circunstâncias judicias pessoais vêm sendo objeto de avaliação ao longo dos tempos pela jurisprudência, apesar de que, como bem pontua a doutrina, a conduta social e a personalidade não têm sido utilizadas normalmente em desfavor do réu, seja por força da ausência de elementos suficientes ou de carência de expertise para realizar um exame sócio-psicológico tão complexo.[77] E, a despeito de o legislador ter realmente dedicado preocupação especial aos antecedentes, não podemos balizar a pena-base especialmente no que o condenado é em prejuízo do que cometeu. Também vejo que o legislador restringiu a ordem de preponderância abstrata do artigo 67 do Código Penal às circunstâncias legais, sendo claro nesse sentido. No máximo, consigo enxergar uma igualdade abstrata entre as circunstâncias judiciais para a definição da pena-base, podendo acontecer uma diferenciação quantitativa de grau apenas no plano concreto.
A questão da consideração da integralidade das circunstâncias judiciais encontra na culpabilidade e no comportamento da vítima os pontos de dissenso. O comportamento da vítima teve retirado do seu sentido a avaliação qualitativa negativa em relação ao réu. Portanto, apenas pode beneficiar o réu ou ficar neutralizado. Por isso, parte dos fracionistas vêm lhe excluindo da definição do denominar da divisão das circunstâncias judiciais, funcionando como um elemento sui generis, que apenas pode atuar quando for favorável ao réu. É como se fosse o participante café-com-leite das brincadeiras infantis, que não pode sofrer os prejuízos, mas apenas os benefícios. Por ter atuação qualitativa limitada, parece-me adequado classificá-la como uma circunstância sui generis, a qual nem sempre vai agir, não vai interferir no denominador do fracionamento das circunstâncias, mas pode atuar para beneficiar o réu em valor idêntico às demais circunstâncias, inclusive com a possibilidade de variação concreta. Teríamos, concordando, por ora, sete circunstâncias no denominador (x/7), mas oito a serem examinadas.
Seria a circunstância judicial da culpabilidade o gênero das outras ou o resultado da equação das demais? A resposta a essa pergunta pode lhe retirar da avaliação na definição da pena-base ou não. E aqui temos a corrente da culpabilidade como gênero das circunstâncias judiciais e limite da pena, bem como a linha de que a culpabilidade também é circunstâncias autônoma. Nesta segunda corrente interpretativa vem nadando a doutrina majoritária, ao significar a culpabilidade do artigo 59 do Código Penal como o grau de reprovabilidade da conduta do agente, tomando por base a situação inerente ao tipo penal para a sua avaliação qualitativa e quantitativa. E apesar da polissemia penal do termo culpabilidade, que naturalmente dá margem a disputas teóricas, vejo que o empreendimento hermenêutico que busca atribuir sentido como circunstância autônoma é aquele que melhor atende a sua locação legal, reproduzida no PLS 236/12.
Resulta que nos mantemos com sete circunstâncias no denominador, além do comportamento da vítima. O referencial leve para cada circunstância judicial positiva ou negativa é representado pela fração de 1/7, incidindo sobre o intervalo abstrato entre o máximo e o mínimo da pena privativa de liberdade, com movimentação entre os marcos legais. Isso se dá pela união das definições do idêntico peso abstrato das circunstâncias judiciais, o que é representado pelo numerador (1), e de que sete circunstâncias podem influenciar quantitativa e qualitativamente na pena, o que é retratado pelo denominador da fração (7). Há uma diferença em relação ao referencial fixado pelo STJ, inclusive para se estabelecer uma hierarquia progressiva entre circunstâncias legais e judiciais, ao menos no plano abstrato, pois concretamente será possível que uma circunstância judicial tenha peso mais elevado que uma agravante ou atenuante, dependendo do grau de cada uma, da pena-base fixada e do intervalo legal entre as penas máximas mínimas.
No entanto, o avanço principal que se propõe não é esse. Entendo que é possível ampliar esses referenciais através de uma escala triárdica, com o estabelecimento de três padrões dúcteis quantitativos (leve, médio e grave) para cada circunstância que tenha sido avaliada qualitativamente como negativa ou positiva, já que a neutralização prejudica o aspecto quantitativo. Teremos, além de um padrão médio, balizas leves e graves, para promover a proporcionalidade e a coerência. Sabemos que os casos não são subjetiva e objetivamente idênticos, pela sua complexidade individual. Logo, as circunstâncias também variam no exame de peso. Um roubo com grave ameça e outro com emprego de violência possuem diferenças de grau, inclusive algumas situações já previstas como majorantes ou qualificadoras. E entre as possíveis graves ameaças e violências há plurais possibilidades de gradação. Temos o ponto neutro de cada circunstância, assim como a primeira marcha, que é situação negativa ou positiva inicial, o que corresponde ao grau leve. Conforme a avaliação ultrapassa o limite do primeiro referencial, vamos avançando no aspecto quantitativo da atribuição de peso, podendo atingir os níveis médio e grave. E entre esses referenciais também existe uma certa flexibilidade, mas balizada por um guia. A definição de cada um está submetida ao ônus da argumentação, mas ancorada por referenciais objetivos.
A grande pergunta que se apresenta, além da acusação cognitivista sobre uma racionalização da discricionariedade, é qual peso atribuir aos referenciais quantitativos e por quê? Pois bem. Uma análise da jurisprudência do STJ nos traz alguns parâmetros importantes construídos. As circunstâncias legais, balizadas pela mínima fração de 1/6, têm apresentado via de regra uma variação entre 1/6 e ¼. A fração de 1/6 fica reservada ao grau leve, 1/5 para o peso médio e ¼ a situações graves[78], mas isso de uma forma não desenhada metologicamente. No que respeita às circunstâncias judiciais, a variação parece ser mais flexível e elástica. Temos também o referencial, a nível majoritário, da fração de 1/6, que corresponde ao padrão leve, com a admissão, repetida em plurais julgamentos, de que uma circunstância negativa gravíssima eleve a pena ao patamar máximo legal, obviamente em situações excepcionais. Aqui há um ponto de discordância importante em prol da rede de sentidos tecida neste ensaio. Não enxergo essa possibilidade, pela exigência que o dever de proporcionalidade impõe no exame quantitativo de cada circunstância judicial no conjunto do sistema trifásico. Essa interpretação acaba gerando um desconcerto interno. Veja-se que poucas qualificadoras e causas de aumento terão essa capacidade de elevação da pena concretamente. Uma circunstância judicial, entre sete que podem ser negativas, não pode determinar a pena-base máxima, se todas as outras forem neutras ou positivas, por exemplo. É preciso se estabelecer um limite aquém de 7/7, mesmo para uma circunstância judicial gravíssima, sob pena de se desconsiderar a influência das demais da definição do quantum da pena-base.
Já estabelecemos algumas bases, a despeito de se manter a pergunta final aberta. O referencial quantitativo leve está fixado em 1/7 na nossa proposta. Há a alternativa de se seguir a lógica da progressividade simples, mantendo-se a distância abstrata de peso com as circunstâncias legais e as causas de aumento e diminuição. Isso determinaria o grau médio em 1/6 e o grave em 1/5, sem prejuízo de alguma variação inter-referencial, na medida em que são pontos de partida, não destino final. Essa interpretação acaba estabelecendo o grau leve abstrato em fração inferior ao referencial inicial das circunstâncias legais, além de ter o grau médio correspondente ao menor montante fixado para as causas da terceira fase. Apenas a circunstância judicial qualitativamente grave é que pode ser abstratamente superior ao marco inicial das circunstâncias legais e das causas de aumento e diminuição, já que concretamente dependerá da quantidade da base de cálculo. Essa parece ser a construção mais coerente com os sentidos definidos ao longo desse trajeto, principalmente com os objetivos de coerência, proporcionalidade e igualdade material na individualização da pena.
Em última e sintética análise, a definição da pena-base passa necessariamente por duas avaliações: qualitativa e quantitativa. Naquela hipótese, sendo favorável ao condenado a circunstância, diminuirá a pena, limitado ao mínimo legal; sendo prejudicial, aumentará a pena, também limitado ao máximo legal; sendo neutra (sem valoração positiva ou negativa), não alterará a pena-base. No exame quantitativo, a circunstância positiva ou negativa tem como referencial médio 1/6; tendo o grau leve a circunstância, o referencial é 1/7; sendo grave o peso, o referencial é 1/5, podendo, em todos os casos, acontecer a movimentação inter-referencial, desde que fundamentadamente. O comportamento da vítima servirá apenas para beneficiar o réu quando for definido como circunstância positiva, mas atenderá o mesmo critério referencial, funcionando como uma causa sui generis. A pena deve partir do seu mínimo e as frações deverão ser calculadas sobre o intervalo entre a pena máxima e a pena mínima abstrata cominada para a infração penal, resultando na definição da pena-base, que será a base de cálculo para eventuais circunstâncias legais incidentes.
VI. Conclusão.
O final da linha talvez desperte um pesadelo em muitos. Abrir a caixa de pandora e deixar escapar supostos males da interpretação jurídica pode ser de difícil digestão, mesmo no mundo jurídico. Mostrar que níveis de discricionariedade na fixação da pena-base encontram forte eco na jusfilosofia contemporânea quiçá represente uma distopia. De certa forma, ainda temos a crença formalista não-cognitivista de magistrados reveladores da verdade legislativa. Uma alternativa, que é seguir a linha não-formalista dos sonhadores, encontra mais críticos do que seguidores, essa é a verdade. Afastar-se do formalismo e colocar pontos de interrogação sobre a resposta judicial de cada caso, por outro lado, é como um filme de terror a muitos sonhadores. De um lado ou de outro, cabe-nos construir argumentativamente a resposta correta dada pelo direito. A moeda deve ser colocado no bolso em prol do discurso.
O que se analisou e se buscou construir neste ensaio não é nenhuma novidade, trata-se de uma preocupação que vem ocupando espaço na jusfilosofia desde a década de 50 do século passado. Formular um guia que ofereça critérios para o desenvolvimento da razão prática é algo que vem sendo trabalhado por teorias discursivas. Os critérios aqui oferecidos, quantitativos e qualitativos, acabam bebendo de fontes realistas e não-cognitivistas da interpretação, estando o prólogo silencioso da resposta aqui defendida no meio destas vias, conduzido por viés argumentativo do direito. Agora, não espero que essa visão integradora resulte em algum consenso, “pois quanto mais aprendemos sobre direito, mais nos convencemos de que nada de importante sobre ele é totalmente incontestável”.[79]
O empreendimento parte de uma análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e dos Tribunais de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, do Estado de São Paulo e do Distrito Federal e Territórios. Identificam-se as metodologias utilizadas (fracionamento rígido e flexível, assim como a discricionariedade com e sem referencial), os seus prólogos silenciosos, bem como os problemas internos e externos que as diferentes interpretações geram. A partir desse arquivo de sentidos aberto, obviamente junto com as inspirações e críticas doutrinárias, montamos o quadro pintado ao longo dos anos, inclusive observando as perspectivas legais futuras. O que se propõe, para auxiliar na continuidade dessa obra intertemporal sobre a dosimetria da pena-base, absorvendo a avaliação qualitativa já estabilizada, essencialmente é o estabelecimento de referenciais quantitativos escalonados dúcteis para cada circunstância judicial, o que se alinha ao que interpreta o STJ em nível majoritário contemporaneamente, quanto ao referencial quantitativo flexível, mas ousa em criar uma escala triardica, para promover a coerência, a igualdade material e a proporcionalidade na individualização da pena, respeitando o sistema trifásico. Observamos o arquivo do passado para escrever o presente, sem olvidar do que se apresenta para o futuro.
Espero que o meu sonho da resposta correta aqui vivido não se torne mais um pesadelo ao leitor nesta pandemia que enfrentamos, que mais parece um filme de ficção, mas sem o spoiler do final, o que é sufocante a todos nós, muito pouco pelas máscaras que precisamos utilizar. Que seja como o passarinho Quintana no seu Poeminho do Contra[80], auxiliando-nos a superar alguns obstáculos jurídicos de forma leve, mesmo em um período difícil. É o que espero.
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[1] Resultante do famoso embate entre Roberto Lyra e Nelson Hungria. A partir da macrorreforma de 1984, expressamente o Código Penal passou a adotar o critério trifásico (também conhecido como Hungria, por ser o expoente da proposta) em seu artigo 68.
[2] Aqui no sentido de indeterminação ou interpretação (como propõe Hart e, em uma das espécies do gênero, classifica MacCormick), na medida em que vários sentidos são dados à expressão, havendo inclusive os que negam esse recurso linguístico diferenciador entre easy e hard cases.
[3] Sobre a única resposta correta (aspecto tão contestado da tese dworkiniana), Jeremy Waldrom, embora os conhecidos embates teóricos travados com Dworkin, foi preciso na homenagem póstuma dirigida ao amigo: “He had the effrontery to suggest that there were right answers to the legal problems posed in hard cases and that it mattered whether we got the answers right or wrong. This was a view which many disparaged, but it was a view that respected the position of plaintiffs and petitioners as people coming into law to seek vindication of their rights, not just as lobbyists for a quasi-legislative solution. It was a position, too, that respected the obligation of judges never to give up on the sense that the existing law demanded something of them, even in the most difficult disputes. Under the Rule of Law, we don’t just settle points of law pragmatically. We proceed, as far as possible, in a way that keeps faith with what is already laid down.” (WALDRON, Jeremy. Ronald Dworkin: An Appreciation. NYU School of Law, Public Law Research Paper No. 13-39, 2013. Disponível em: http://dx.doi.org/10.2139/ssrn.2276009. Acesso em: 20/10/2016). Dworkin refinou sua tese em Justiça para Ouriços, rechaçando a metaética e unindo a integridade com a responsabilidade moral, o que também se relaciona com as teses da independência e unidade de valor expostas no livro (Justiça para Ouriços. Coimbra: Almedina, 2012). Sobre a melhor resposta correta e a refutação da única resposta correta, ver: ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. DOXA, vol. 5, p. 139-151, 1988. Neil MacCormick também se coloca na via intermediária entre o ultrarracionalismo da única resposta correta de Dworkin e o irracionalismo realista de Ross (MACCORMICK, Neil. Argumentação Jurídica e Teoria do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p.345).
[4] DWORKIN, Ronald. Justiça para Ouriços. Coimbra: Almedina, 2012, p. 105-165.
[5] E por tantos outros (como LUQUE, Pau. Los Desacuerdos Jurídicos desde la Filosofia. DOXA, vol. 36, p. 439-460, 2013), mas a sua riqueza metafórica e a sua representatividade (por força do célebre embate travado com Dworkin) justifica a escolha.
[6] American Jurisprudence through English Eyes: The Nightmare and the Noble Dream. Essays in Jurisprudence and Philosophy, Oxford, Oxford University Press, 1983. Não se pode esquecer que Hart se coloca no centro entre os dois extremos, sendo considerado um realista moderado por alguns (embora o próprio Hart busque desconectar o realismo do positivismo em seu Conceito de Direito).
[7] DWORKIN, Ronaldo. O império do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 271-331.
[8] Cf. GUASTINI, Riccardo. Nuevos estudios sobre la interpretación. Traducción e presentación de Diego Moreno Cruz. Primeira edición. Bogatá: Universidade Externado de Colombia, 2010; KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. 8ª Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, capítulo VIII; ROSS, Alf. Direito e Justiça. São Paulo: Edipro, 2003.
[9] HART, H. L. A. O Conceito de Direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, capítulo VII e pós-escrito.
[10] ALEXY, Robert. Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. DOXA, vol. 5, p. 139-151, 1988. Também sobre a teoria alexyana, conferir: LUDWIG, Roberto José. A norma de direito fundamental associada: direito, moral, política e razão em Robert Alexy. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Ed., 2014.
[11] Aqui cabe reproduzir uma passagem contata com bom humor pelo Ministro Barroso na palestra Casos Difíceis e Criação Judicial do Direito. Diz ele que um juiz norte-americano decidia casos através do cara-ou-coroa. Foi descoberta sua prática pelo seu órgão de correição. Passou a não mais adotar esse “método”, por ordem do órgão. Contudo, as decisões pioraram. Então teriam solicitado que voltasse a utilizar o cara-ou-coroa.
[12] Por exemplo: STJ, HC 502.342/SC, Sexta Turma, rel. Min. Laurita Vaz, DJe 03.06.19.
[13] Dos dez ministros que compõem a Terceira Seção do STJ, a qual detém competência criminal, três não adotam o critério do fracionamento, mas da discricionariedade: Laurita Vaz, Felix Fischer e Sebastião Reis Junior. Julgados que demonstram isso: AgRg no AREsp 1476032 / PR, rel. Min. Laurita Vaz, publicação em 05/05/20; HC 578638, rel. Min. Felix Fischer, publicação em 11/05/2020; HC 590943, rel. Min. Sebastião Reis Junior, publicação em 29/06/2020.
[14] Seis dos dez ministros que compõem a Terceira Seção, que possui competência criminal, adotam o critério do fracionamento do 1/6: Nefi Cordeiro, Jorge Mussi, Rogério Schietti Cruz, Reynaldo Soares da Fonseca, Ribeiro Dantas, Antônio Saldanha Palheiro e Joel Ilan Paciornik. Decisões que evidenciam o posicionamento dos ministros: HS 571983, rel Min. Nefi Cordeiro, publicada em 28/04/2020; AgRg no REsp 1853702 / RS , rel Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, Dje 23/06/2020; AgRg no HC 564324, rel Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, Dje 29/05/2020; AgRg no AREsp 1408536, rel. Min. Antônio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, Dje 03/04/2019; AgRg no AREsp 1593027, rel Min. Joel Ilan Paciornik, Quinta Turma, Dje 04/05/2020; AgRg no AREsp 1377917, rel Min. Rogério Schietti Cruz, Sexta Turma, Dje 17/03/2020.. Já o Ministro Ribeiro Dantas vem aplicando o critério da fração ideal de 1/8: HC 518900 / MS, rel Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Dje 26/06/2020; HC 423221 / SP, rel Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Dje 26/06/2020.
[15] A jurisprudência das cortes superiores, seguindo construção doutrinária (Nucci e Boschi, entrte outros), consolidou o entendimento de que, em condições normais, o agravamento ou atenuação da pena por uma circunstância legal deve se dar no patamar de 1/6, podendo variar em intensidade dependendo da excepcionalidade da circunstância (por exemplo, um réu especifica e pluralmente reincidente, caso em que jurisprudência já admitiu a adoção da fração de 1/5 para agravar a pena em razão da circunstância legal da reincidência). A regra da segunda fase equivale a um sexto (1/6) da pena-base, que corresponde ao menor montante fixado para as causas da terceira fase, evitando a equiparação daquelas a estas, pois as últimas apresentam maior intensidade que aquelas, situando-se só um pouco abaixo das qualificadoras.
[16] STJ, AgRg no REsp n. 143.071/AM, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 6/5/2015.
[17] STJ, HC 386.992/SC, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 19/05/2017.
[18] BARROSO, Luis Roberto. A razão sem voto: O Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. Revista Brasileira de Políticas Públicas. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/viewFile/3180/pdf. Acesso em: 01/05/18.
[19] Apelação-Crime n.º 70081203762, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, rel. Des. Dálvio Leite Dias Teixeira, Julgado em: 29-05-2019; Apelação-Crime nº 70080869704, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, rel. Desa. Isabel de Borba Lucas, Julgado em: 29-05-2019; Apelação-Crime n.º 1500021-29.2019.8.26.0585, Sétima Câmara de Direito Criminal, Tribunal de Justiça de SP, rel. Des. Eduardo Abdala, julgado em 20-06-13; Apelação-Crime n.º 1500400-37.2019.8.26.0595, Décima Quinta Câmara de Direito Criminal, Tribunal de Justiça de SP, rel. Des. Gilberto Ferreira da Cruz, julgado em 24-03-20; Apelação-Crime n.º 0005793-17.2015.8.07.0003, Primeira Turma Criminal, Tribunal de Justiça do DFT, rel. Des. Maria Machado, julgado em 20-02-20; Apelação-Crime n.º 00012996720198070004, Segunda Turma Criminal, Tribunal de Justiça do DFT, rel. Des. Roberval Casemiro Belinati, julgado em 13-02-20.
[20] Apelação Criminal, Nº 70083315408, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cristina Pereira Gonzales, Julgado em: 04-03-2020; Apelação Criminal, Nº 70083353185, Sexta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ícaro Carvalho de Bem Osório, Julgado em: 29-01-2020; Apelação Criminal, Nº 70083507558, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lizete Andreis Sebben, Julgado em: 12-02-2020; Apelação-Crime n.º 0012153-03.2017.8.07.0001, Terceira Turma Criminal, Tribunal de Justiça do DFT, rel. Des. Nilson de Freitas Custódio, julgado em 12-03-20. Apelação-Crime n.º 1501943-40.2019.8.26.0542 , Nona Câmara de Direito Criminal, Tribunal de Justiça de SP, rel. Des. Sérgio Coleho, julgado em 27-03-20; Apelação-Crime n.º 1520877-18.2019.8.26.0228, Décima Sexta Câmara de Direito Criminal, Tribunal de Justiça de SP, rel. Des. Newton Neves, julgado em 11-11-2015.
[21] Apelação Criminal Nº 70083408062, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rinez da Trindade, Julgado em: 12-03-2020; Apelação Criminal Nº 70083337915, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em: 19-02-2020; Apelação Criminal, Nº 70083605568, Segunda Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Antônio Cidade Pitrez, Julgado em: 12-03-2020; Apelação-Crime n.º 1500060-72.2019.8.26.0408 , Sexta Câmara de Direito Criminal, Tribunal de Justiça de SP, rel. Des. José Raul Gavião de Almeida, julgado em 14-06-13; Apelação-Crime n.º 1501192-76.2019.8.26.0599, Terceira Câmara de Direito Criminal, Tribunal de Justiça de SP, rel. Des. Xisto Albarelli Rangel Neto, julgado em 21-06-18; Apelação-Crime n.º 0005098-64.2018.8.07.0001, Primeira Turma Criminal, Tribunal de Justiça do DFT, rel. Des. Carlos Pires Soares Neto, julgado em 26-03-20; Apelação-Crime n.º 0005098-64.2018.8.07.0001, Primeira Turma Criminal, Tribunal de Justiça do DFT, rel. Des. Carlos Pires Soares Neto, julgado em 26-03-20; Apelação-Crime n.º 0002850-28.2018.8.07.0001, Segunda Turma Criminal, Tribunal de Justiça do DFT, rel. Des. Jair Soares, julgado em 23-01-20.
[22] O império do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 90.
[23] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. 8ª Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, capítulo VIII.
[24] O Conceito de Direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, capítulo VII e pós-escrito.
[25] Aqui muitos contestam essa afirmação, já que positivistas, como Kelsen, foram opositores ao regime ditatorial, em defesa da democracia e das instituições. É inevitável relembrar o debate entre Kelsen e Schmitt sobre quem seria o guardião da constituição. Enquanto Schmitt defendia que o presidente do Reich deveria exercer o papel, Kelsen destacava a importância de o Tribunal Constitucional exercer essa função (o que foi adotado na Constituição austríaca de 1920, quando Kelsen, inclusive, foi um dos membros do Tribunal Constitucional). Trata-se de uma disputa que envolve diferentes concepções de constituição, jurídica e política. A grande verdade é que essa disputa teórica chegou ao Tribunal Estado em 1932, que se negou a desenhar os limites de atuação do presidente e do chanceler, dando vitória a Schmitt. E o resto da história todos sabem, com Hitler sendo nomeado Chanceler no ano seguinte e, após, com a morte do presidente, ter concentrado os poderes do presidente e instaurado uma sanguinária e perversa ditadura. Após a Segunda Guerra, Kelsen acabou revertendo a derrota e tendo sua tese adotada pela maioria dos países democráticos. Além disso, o que se vê é que, se muitos dos princípios positivos da Constituição de Weimar fossem aplicados, diversas atrocidades teriam sido evitadas. E nesse ponto reside uma crítica contundente à atuação judicial alemã na época e ao mito do positivismo como vilão jurídico, que pode ser deslocada à concepção política de constituição.
[26] FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio; BORGES, Guilherme Roman. A Superação do Direito como Norma: Uma Revisão Descolonial do Direito Brasileiro. São Paulo: Almedina Brasil, 2020, p. 187
[27] BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Disponível em: http://jus2.uol.com.br. Acesso em: 01/09/2006.
[28] FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 187
[29] O estudo das normas e das leis foi substituído, como questão central da teoria geral do direito, pelo estudo da decisão judicial. Sintoma disso é que nos dois primeiros terços do século passado há o positivismo normativista de Hans Kelsen (que na versão original da Teoria Pura do Direito – publicada em 1934 – sequer detidamente tratou da interpretação, o que foi revisado na segunda versão com o acréscimo do capítulo VIII – publicado em 1960) e a posterior confissão de Hart, em seu pós-escrito no seu Conceito de Direito (livro publicado em 1961), de que deu pouca atenção para a decisão judicial, ao raciocínio jurídico e, em especial, para a questão dos princípios em sua obra, o que admite ser um defeito desta (O Conceito de Direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 335). Certamente são duas das principais obras jurídicas daquele tempo que representam a sua filosofia do direito positivista. No terço final do século passado temos, entre várias obras importantes, a Teoria da Argumentação Jurídica (de 1978) de Robert Alexy e o Império do Direito de Ronald Dworkin (de 1986), que simbolizam a mudança de eixo no cenário jurídico. Ambas exprimem o deslocamento da base da preocupação da teoria do direito para a decisão judicial. Dworkin coloca a teoria do direito como parte geral da decisão judicial, sendo aquela o prólogo silencioso a qualquer decisão no direito, enquanto Alexy começa a desenvolver a sua teoria discursiva do direito a partir da sua tese do caso especial. Trata-se de duas das teorias mais relevantes do direito da última parte do século passado, que representam a preocupação atual do direito com a produção de decisões judiciais.
[30] ATIENZA, Manuel. As razões do Direito – Teoria da Argumentação Jurídica. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016, p. 131-249.
[31] ALEXY, Robert. Princípios formales. DOXA, vol. 37, p. 15-29, 2014.
[32] WALDRON, Jeremy. A dignidade da legislação. São Paulo: Martins Fontes, 2003, passim.
[33] BARROSO, Luis Roberto. A razão sem voto: O Supremo Tribunal Federal e o governo da maioria. Revista Brasileira de Políticas Públicas. Disponível em: https://www.publicacoesacademicas.uniceub.br/RBPP/article/viewFile/3180/pdf. Acesso em: 01/05/18.
[34] A Leitura Moral da Constituição como Teoria da Interpretação Constitucional. Em fase de elaboração.
[35] American Jurisprudence through English Eyes: The Nightmare and the Noble Dream. Essays in Jurisprudence and Philosophy, Oxford, Oxford University Press, 1983.
[36] Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. DOXA, vol. 5, p. 139-151, 1988; Teoria Discursiva do Direito. Organização, tradução e estudo introdutório Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015, p. 163-198.
[37] Também temos os batizados de especificistas, que, conforme resume Pau Luque, afirmam que “el desacuerdo será superficial y una vez hayamos profundizado en el caso concreto nos daremos cuenta de que en realidad siempre hubo una sola respuesta correcta” (Los Desacuerdos Jurídicos desde la Filosofia. DOXA, vol. 36, p. 439-460, 2013). No Brasil, temos Lênio Streck com um dos expoentes desse nobre sonho da única resposta correta, com uma teoria que flerta com o Direito como integridade e a hermenêutica filosfica (STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: Constituição, Hermenêutica e Teorias Discursivas. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, passim)
[38] O império do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 81-83. Ver, também: MELLO, Cláudio Ari. Verdade moral e método jurídico na teoria constitucional de Ronald Dworkin. In: STORCK, Alfredo; e LISBOA, Wladimir Barreto. Normatividade & argumentação. Ensaio de filosofia política e do direito. Porto Alegre: Linus Editores, 2013.
[39] STRECK, Lênio. Porque a discricionariedade é um grave problema para Dworkin e não é para Alexy. Revista Direito e Práxis Vol. 4, n. 7, 2013, pp. 343-367.
[40] The Model of Rules, University of Chicado Law Review 35 – 1967.
[41] Conceito e Validade do Direito. Trad. Gercélia Batista de Oliveira Mendes, São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 42-92.
[42] Sistema jurídico, princípios jurídicos y razón práctica. DOXA, vol. 5, p. 139-151, 1988.
[43] As razões do Direito – Teoria da Argumentação Jurídica. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016, p. 272.
[44] Embora alguns identifiquem o positivismo na sua teoria da argumentação e na relação com a discricionariedade (García Figueroa, Alonso. La tesis Del caso especial y El positivismo jurídico. Doxa n. 22 (1999), p. 207-220).
[45] Teoria Discursiva do Direito. Organização, tradução e estudo introdutório Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015, p. 361-362.
[46] No que se aproxima muito de MacCormick, inclusive tendo ambos publicados seus livros sobre argumentação jurídica no mesmo ano (1978).
[47] Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 611.
[48] STRECK, Lênio. Porque a discricionariedade é um grave problema para Dworkin e não é para Alexy. Revista Direito e Práxis. Vol. 4, n. 7, 2013, pp. 343-367.
[49] American Jurisprudence through English Eyes: The Nightmare and the Noble Dream. Essays in Jurisprudence and Philosophy, Oxford, Oxford University Press, 1983.
[50] O Conceito de Direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, capítulo VII e pós-escrito.
[51] Veja-se que R. Alexy nega a tese de Dworkin de que as regras seriam aplicadas de forma tudo ou nada, servindo isso para um critério distintivo dos princípios. Sustenta que a própria existência dos princípios afasta a hipótese do caráter tudo ou nada como critério de distinção. Conclui afirmando que “se os casos de aplicação de princípios não são enumeráveis e se a aplicação de princípios pode conduzir a exceções a regras, então, em virtude disso, não podem as exceções a regras ser enumeráveis. Se princípios não são aplicáveis em um modo tudo ou nada, em virtude disso as regras também não são”. De toda forma, ressalva que, “quando as características conhecidas se apresentam e quando nenhum princípio comanda algo diferente, ou quando nenhuma razão jurídica observada exige algo diferente, resulta então a consequência jurídica”, o que poderia salvar o caráter tudo ou nada em alguns casos. Arremeta afirmando que o caráter tudo ou nada consegue ser efetivo apenas quando a interpretação é conhecida, complementando que são as cláusulas de reserva, quando empregadas, que tornam tanto regras como princípios aplicáveis tudo ou nada. Na realidade Alexy reconhece o caráter prima facie de princípios e regras, diferenciado-os em relação ao dever ser, sendo daqueles o dever ser ideal (que não prevê aquilo que é devido e é possível fática e juridicamente em toda sua extensão, mas que exigem porém cumprimento o mais amplo ou aproximativo possível, isto é, o seu conteúdo normativo real presume sempre uma afirmação sobre as possibilidades fáticas e jurídicas) e deste o dever ser real (prescrições que só podem ser cumpridas ou descumpridas, ou seja, já contêm uma averiguação das possibilidades fáticas e jurídicas) (Teoria Discursiva do Direito. Organização, tradução e estudo introdutório Alexandre Travessoni Gomes Trivisonno. - 2. ed. - Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2015, p. 163-198). Já Hart fala em normas não-conclusivas e quase-conclusivas no seu pós-escrito ao Conceito de Direito, sendo que no caso destas admite a possibilidade de extrair uma única resposta correta, enquanto no caso daquelas vê a possibilidade de mais de uma resposta (O Conceito de Direito. Tradução: Antônio de Oliveira Sette-Câmara. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, capítulo VII e pós-escrito). O falecido professor inglês, já na primeira metade do século passado também já reconhecia a possibilidade de derrotabilidade das regras (The Ascription of responsability and rights. Proceedings of the Aristotelian Society, n.º 49, p. 171-194, 1948-1949), o que desenvolveu e modificou parcialmente no seu O Conceito de Direito, mantendo a característica derrotável das regras no sentido de que há exceções implícitas que podem determinar um novo sentido da norma (tendo os juízes e tribunais legitimidade para criar e desenvolver o direito), mas sem que isso lhe retire a sua natureza de regra e a sua força normativa.
[52] MACCORMICK, Neil. H. L. A. Hart. Tradução Cláudia Santana Martins. Revisão técnica Carla Henriete Beviláqua. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 169-171.
[53] O Conceito de Direito. opt. cit., pós-escrito.
[54] Idem, capítulo VII e pós-escrito.
[55] Teoria Pura do Direito. Tradução: João Baptista Machado. 8ª Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, capítulo VIII. Aqui sendo considerado o capítulo VIII um apêndice da sua teoria pura que não está em coerência com o restante.
[56] Teoria geral das normas. Tradução de José Florentino Duarte. Porto Alegre: Fabris, 1986, passim.
[57] Teoria Pura do Direito. op. cit., p. 396.
[58] Interpretar e Argumentar. 1ª reimp. - Belo Horizonte: Editora D´Plácido, 2019, p. 357-377.
[59] Art. 62. Nos casos em que este codigo não impõe pena determinada e sòmente fixa o máximo e o mínimo, considerar-se-hão tres gráos na pena, sendo o gráo médio comprehendido entre os extremos, com attenção ás circumstancias aggravantes e attenuantes, as quaes serão applicadas na conformidade do disposto no art. 38, observadas as regras seguintes: § 1º No concurso de circumstancias aggravantes e attenuantes que se compensem, ou na ausencia de umas e outras, a pena será applicada no gráo médio.
§ 2º Na preponderancia das aggravantes a pena será applicada entre os gráos médio e maximo, e na das attenuantes entre o médio e o minimo.
§ 3º Sendo o crime acompanhado de uma ou mais circumstancias aggravantes sem alguma attenuante, a pena será applicada no Maximo, e no minimo si for acompanhada de uma ou mais circumstancias attenuantes sem nenhuma aggravante.
[60] CARVALHO, Salo de. Critérios para cálculo da pena-base: “ponto de partida”, “termo médio” e regras de quantificação. Revista dos Tribunais, Vol. 978, 2017.
[61] 51. Decorridos quarenta anos da entrada em vigor do Código Penal, remanescem as divergências suscitadas sobre as etapas da aplicação da pena. O Projeto opta claramente pelo critério das três faces, predominante na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Fixa-se, inicialmente, a penabase, obedecido o disposto no art. 59; consideram-se, em seguida, as circunstâncias atenuantes e agravantes; incorporam-se ao cálculo, finalmente, as causas de diminuição e aumento. Tal critério permite o completo conhecimento da operação realizada pelo juiz e a exata determinação dos elementos incorporados à dosimetria. Discriminado, por exemplo, em primeira instância, o quantum da majoração decorrente de uma agravante, o recurso poderá ferir com precisão essa parte da sentença, permitindo às instâncias superiores a correção de equívocos hoje sepultados no processo mental do juiz. Alcança-se, pelo critério, a plenitude de garantia constitucional da ampla defesa.
[62]Art. 42. Compete ao juiz, atendendo aos antecedentes e à personalidade do agente, à intensidade do dolo ou gráu da culpa, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime:I - determinar a pena aplicável, dentre as cominadas alternativamente; II - fixar, dentro dos limites legais, a quantidade da pena aplicável.
[63] STF: HC 75.889-5/MT, 2ª T., Min. Maurício Corrêa, j. 17.03.1998; HC 76.183/MG, Min. Néri da Silveira, DJ 26.11.1999.
[64] Nesse sentido, além da jurisprudência acima citada em nota, temos: NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 324-330.
[65] Cf. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2018; BOSCHI, José Antonio Paganella. Das Penas e seus Critérios de Aplicação. 4ª ed. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2006.
[66] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 326.
[67] Idem, p. 315-319.
[68] DWORKIN, Ronald. Objectivity and Truth: You'd Better Believe It. Philosophy and Public Affairs, v. 25, n. 2, p. 87-139, spring, 1996. Disponível em: http://cas.uchicagoedu/workshops/wittgenstein/files/2007/11/dworkin-objectivity-and-.pdf. Acesso em: 05.03.2020.
[69] Por exemplo, em um delito em que a pena cominada seja de 2 a 10 anos. O intervalo entre a pena máxima e a mínima é de 8 anos. Cada circunstância positivada ou negativada terá o peso de 1 ano (se forem consideradas todas e com o mesmo peso), seja para aumentar ou diminuir a pena, salvo se neutralizada, partindo do seu mínimo. A fração de cada circunstância seria de 1/8.
[70] Individualização da pena. 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 196-198.
[71] Idem, p.158
[72] CARVALHO, Salo de. Critérios para cálculo da pena-base: “ponto de partida”, “termo médio” e regras de quantificação. Revista dos Tribunais, Vol. 978, 2017.
[73] Na redação inicial: §1º Na análise das circunstâncias judiciais, atenuantes e agravantes, o juiz deve fundamentar cada circunstância, indicando a quantum respectivo.
[74] O que se aproxima do que R. Alexy utiliza na sua fórmula da ponderação, para dar peso a cada vetor.
[75] NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da pena. 7. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense, 2015. 195-196.
[76] Na redação inicial: Art. 75. O juiz, atendendo à culpabilidade, aos motivos e fins, aos meios e modos de execução, às circunstâncias e consequências do crime, bem como a contribuição da vítima para o fato, estabelecerá, conforme necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime: I – as penas aplicáveis dentre as cominadas;
II – a quantidade de pena aplicável, dentro dos limites previstos;
III – o regime inicial de cumprimento da pena de prisão;
IV – a substituição da pena de prisão aplicada por outro espécie de pena, se cabível.
(...)
[77] GRECO, Luis; HORTA, Frederico; LEITE, Alaor; TEIXEIRA, Adriano; QUANDT, Gustavo. Reforma da Parte Geral do Código Penal: Uma Proposta Alternativa para Debate. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/proposta-alternativa-reforma-parte.pdf. Acesso em: 07.05.2020.
[78] Entre outros julgados que demonstram isso: STJ, HC 281.646/SP, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe de 16/03/2015; STJ, HC 447.247/SP, rel. Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Dje de 26/06/20; STJ, HC 557.198/SP, rel. Min. Ribeira Dantas, Quinta Turma, Dje de 23/03/20; STJ, AgRg no HC 574197/SC, rel. Min. Nefi Cordeiro, Sexta Turma, Dje de 08/06/20; STJ, HC 581345/SP, rel Min. Ribeiro Dantas, Quinta Turma, Dje de 22/06/20.
[79] DWORKIN, Ronald. O império do Direito, São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 13.
Juiz de Direito; Coordenador do Núcleo de Estudos de Direito Constitucional da Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul; professor da Escola Superior da Magistratura do Estado do Rio Grande do Sul, da Escola da Magistratura Federal (ESMAFE), da Fundação do Ministério Público (FMP), do Verbo Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VANONI, Leonardo Bofill. Pena-base e método: entre a escolha e o descobrimento. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 mar 2021, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56220/pena-base-e-mtodo-entre-a-escolha-e-o-descobrimento. Acesso em: 23 dez 2024.
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