ADEMIR GASQUES SANCHES.
(orientador)
RESUMO: O presente artigo versa sobre o crime organizado, buscando debater seus atributos conceituais e avaliando-o do ponto de vista dos aspectos de segurança. O problema norteador do trabalho é compreender o fundamento e as consequências da interação entre autoridade e crime organizado, analisando, de um lado, as implicações da criminalidade organizada para a soberania e, de outro, as ações governamentais e internacionais para controlar essas organizações. Nesse sentido, argumentamos que as capacidades de poder acumuladas pelo crime, na medida em que o próprio processo de consolidação do Estado impede que as organizações criminosas possam almejar substituírem o Estado, são funcionais ao seu objetivo primário de enriquecimento ilícito. O desenvolvimento do crime organizado é parte constituinte da estrutura social, mantendo uma relação parasitária com a ordem estabelecida. Como o crime organizado tem implicações negativas sobre a capacidade de o Estado prover segurança e bem-estar para a sociedade, debatemos as ações policiais, judiciárias e de inteligência a que recorrem os governos como meio para controlar as organizações criminosas. No âmbito internacional, verifica-se que há cooperação na matéria, mas que essa agenda não configura um ambiente de cooperação irrestrita, visto que, assim como internamente, há interesses divergentes e assimetria na distribuição dos custos e dos benefícios da ação conjunta.
Palavras-chave: Crime Organizado – Segurança – Narcotráfico – Atores Não Estatais – Políticas de Segurança.
ABSTRACT: This article deals with organized crime, seeking to debate its conceptual attributes and evaluating it from the point of view of security aspects. The guiding problem of the work is to understand the basis and consequences of the interaction between authority and organized crime, analyzing, on the one hand, the implications of organized crime for sovereignty and, on the other, the government and international actions to control these organizations. In this sense, we argue that the capacities of power accumulated by crime, insofar as the state's consolidation process itself prevents criminal organizations from seeking to replace the state, are functional to their primary objective of illicit enrichment. The development of organized crime is a constituent part of the social structure, maintaining a parasitic relationship with the established order. As organized crime has negative implications for the State's ability to provide security and well-being for society, we discussed the police, judicial and intelligence actions that governments use as a means of controlling criminal organizations. At the international level, it appears that there is cooperation in the matter, but that this agenda does not constitute an environment of unrestricted cooperation, since, as well as internally, there are divergent interests and asymmetry in the distribution of costs and benefits of joint action.
Keywords: Organized Crime - Security - Drug Trafficking - Non-State Actors - Security Policies
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 2.1. Do Conceito aos Tipos de Organização Criminosa. 3 COMPLEXIDADE DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. 4 CRIME ORGANIZADO E O ESTADO. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS.
A existência de criminalidade organizada não é uma particularidade dos “tempos modernos”. Como precursor da ideia de organizações criminosas, na França e na Inglaterra dos séculos XVII e XVIII, os contrabandistas e os piratas que atuavam nos saques aos navios mercantes já dispunham de um grande esquema de trabalho, incluindo receptadores das mercadorias saqueadas (BALTAZAR, 2008, p. 11).
Este modo de agir foi “exportado” aos Estados Unidos do início do século XX, e copiado em vários outros países, na formação de grupos especializados como a Yakuza Japonesa, as Tríades Chinesas, os jovens turcos de Cingapura, os novos bandos do Leste Europeu (GOMES, 1997, p. 67).
No Brasil, citam-se como exemplo de organização criminosa os cangaceiros que se organizavam de forma hierárquica e tinham por atividades o saque às vilas, fazendas e pequenas cidades, na extorsão, de dinheiro, mediante a ameaça de ataques e pilhagem, ou o sequestro de pessoas importantes. Relacionavam-se com fazendeiros e chefes políticos influentes e contavam com a colaboração de policiais corruptos que lhes forneciam armas e munição (SILVA, 2003, p. 25). Para outros, teve início com o “jogo do bicho”, caracterizando-a como a primeira infração organizada do país (CAMPOS, 2004, p.7).
A associação é mafiosa quando os que fazem parte se valem da força de intimidação do vínculo associativo e da condição de submissão e de “omertà” (a lei do silêncio) que disso deriva para cometer delitos, para obter de modo direto ou indireto a gestão ou de qualquer modo o controle de atividades econômicas, de concessões, contrato e serviços públicos ou para tirar proveitos ou vantagens injustas para si ou terceiros, relatando assim desde o século passado, na Itália, a alteração do Código Penal, em se tratando de Organização Criminosa.
Enquanto no Brasil a influência dessa orientação se deu pela relação político-ideológica. Originando a Lei n° 9.034/95.
A doutrina majoritária, bem como a jurisprudência é categórica em assegurar e elencar as dificuldades em se definir o instituto da organização criminosa mencionado na legislação brasileira.
A Organização Criminosa sob a pesquisa bibliográfica em 18 artigos e 3 livros atuais referem sobre a Complexidade do Assunto e sua discussão no Código Penal do Brasil, com muitas discussões no Senado Brasileiro, referindo a Projetos de Leis. Analisar a complexidade da Organização Criminosa em nosso país dentro da sua história e evolução é o objetivo deste trabalho, trazendo para discussão a mais atualidade para o combate da mesma.
O conceito de organização criminosa é complexo e controverso, tal como a própria atividade do crime nesse cenário. Não se pretende obter uma definição tão abrangente quanto pacífica, mas um horizonte a perseguir, com bases seguras para identificar a atuação da delinquência estruturada, que visa ao combate de bens jurídicos fundamentais para o Estado Democrático de Direito (NUCCI, 2019).
Sendo de extrema importância a relevância da conceituação de organização criminosa, não somente para fins do emponderamento acadêmico, mas pelo fato de se ter criado um tipo penal específico para punir os integrantes dessa modalidade de associação.
No surgimento da Lei 12.694/12, definiu organização criminosa para o Direito Penal interno, anunciando no seu art. 2º:
Para os efeitos desta Lei, considera-se organização criminosa a associação, de 3 (três) ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de crimes cuja pena”. máxima seja igual ou superior a 4 (quatro) anos ou que sejam de caráter transnacional.
A Lei 12.850/13 definiu no § 1º organização criminosa como
sendo a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente
ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional (Cunha et.al, 2020).
No Brasil as organizações criminosas ganharam novos rumos com a incorporação ao ordenamento pátrio da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, conhecida também por Convenção de Palermo, a qual foi citada internamente pelo Decreto Presidencial 5.015/2004, sendo seu conceito citado de “grupo criminoso organizado” (art. 2.º, “a”).
Acalorada discussão doutrinária surgiu a partir da vigência da Convenção, especialmente em razão de que a redação original do art. 1.º, VII, da Lei 9.613/19983 (Lavagem de Dinheiro) previa como crime a conduta de “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime: (...) VII – praticado por organização criminosa” (Marçal et al, 2018).
O Federal Bureau of Investigations (FBI) define crime organizado como qualquer grupo que tenha uma estrutura formalizada cujo objetivo seja a busca de lucros através de atividades ilegais. Esses grupos usam da violência e da corrupção de agentes públicos. Já a Academia Nacional de Polícia Federal do Brasil enumera 10 características do crime organizado: 1) planejamento empresarial; 2) antijuridicidade; 3) diversificação de área de atuação; 4) estabilidade dos seus integrantes; 5) cadeia de comando; 6) pluralidade de agentes; 7) compartimentação; 8) códigos de honra; 9) controle territorial; 10) fins lucrativos.
Winfried Hassemer afirma que dentre as características de atuação das organizações criminosas estão à corrupção do Judiciário e do aparelho político (Ziegler, 2003, p.63). Tokatlian (2000: p. 58 a 65) constata que na Colômbia as organizações criminosas atuam de modo empresarial, procuram construir redes de influência, inclusive com as instituições do Estado, e, consequentemente, estão sempre em busca de poder econômico e político.
Mingardin (1996: p. 69) aponta quinze características do crime organizado. São elas: 1) práticas de atividades ilícitas; 2) atividade clandestina; 3) hierarquia organizacional; 4) previsão de lucros; 5) divisão do trabalho; 6) uso da violência; 7) simbiose com o Estado; 8) mercadorias ilícitas; 9) planejamento empresarial; 10) uso da intimidação; 11) venda de serviços ilícitos; 12) relações clientelistas; 13) presença da lei do silêncio; 14) monopólio da violência; 15) controle territorial.
De todas as características aqui listadas, pode se observar, que, de todas as fontes, a única que não listou a conexão com o Poder Público como forte característica da criminalidade organizada foi a Polícia Federal Brasileira.
Podemos chegar à conclusão que de todas as características listadas, é de destacar, sem dúvida, a conexão com o Poder Público como aquela que mais evidencia os traços da criminalidade verdadeiramente organizada, inclusive com a capacidade de realização de fraudes difusas, o alto grau de operacionalidade e a constante mutação são características que ressaltam nas organizações criminosas.
Em 1995 o Brasil editou a Lei 9.034 a qual dispunha sobre a utilização de meios operacionais para a prevenção e repressão de ações praticadas por organizações criminosas.
Apesar de muito apresentável e memorável, a iniciativa veio acompanhada de falhas, chamando à atenção a ausência de definição do próprio objeto da Lei: organização criminosa.
Redigindo assim: “(…) grupo estruturado de três ou mais
pessoas, existente há algum tempo e atuando concentradamente com o propósito de cometer uma ou mais infrações graves ou enunciadas na Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício econômico ou outro benefício material” (CUNHA et al, 2020).
O tipo de organização criminosa está previsto nas seguintes condutas alternativas: promover, gerando ou originando, difundido, fomentando, constituir, formando, organizando ou compondo e financiar, custear, sustentar dar sustendo a algo ou integrar, tomando parte, juntando ou completando.
Há casos concretos de menores de 18 anos que são os líderes
da quadrilha, enquanto os maiores não passam de subordinados. Aliás, na nova redação do art. 288, parágrafo único, do CP prevê-se, nitidamente, a participação de crianças e adolescentes. Igualmente, a previsão da causa de aumento do art. 2.º, § 4.º, I, da Lei 12.850/2013 (NUCCI, 2019).
Organização criminosa e quadrilha ou bando são institutos distintos.
A Organização Criminosa não foi definida penalmente e a quadrilha ou bando, constante, no Código Penal, Título IX - Dos Crimes Contra a Paz Pública.
A "Quadrilha ou Bando" (CP, art. 288) é Crime contra a Paz Pública. Sendo assim o Direito Penal está aberto ao mundo com suas definições de tipos legais de crime, colocam-se como axioma jurídico. Politicamente, de
conteúdo diverso de acordo com a orientação histórica dos Estados.
A Lei 12.850/2013 modificada em sua redação do referido art. 288 do Código Penal, eliminou o título (quadrilha ou bando), que, de fato, há tempos era defasado e inapropriado, considerando a terminologia adequada como “associação criminosa”.
A criança não integra nem associação criminosa nem outra
forma de organização, por completa falta de inteligência do que isso significa, porém muitas vezes vem sendo usada como instrumento para o cometimento de algum delito. Quanto ao agente infiltrado, não há como computá-lo para constituir o número mínimo de quatro integrantes, pois a sua intenção é eliminar a organização e não dela fazer parte.
O objetivo da Lei 12.850/2013 é a definição de organização
criminosa. A partir disso, determinar tipos penais a ela relativos e como se dará a investigação e a captação de provas para eventual investigação e processo criminal.
A revogada Lei 9.034/1995, que cuidava do crime organizado, não trazia um tipo penal incriminador. Assim sendo, a única maneira de se criminalizar qualquer conduta associativa para a prática delituosa dava-se pelo tipo penal do art. 288 do Código Penal (quadrilha ou bando).
As penas previstas – reclusão, de 3 a 8 anos, e multa – são elevadas, não
admitindo transação ou suspensão condicional do processo. Em caso de condenação, quando do delito não violento, é possível aplicar pena alternativa até 4 (quatro) anos de reclusão. Comporta os regimes: aberto, semiaberto e fechado, dependendo do caso concreto, conforme os elementos do art. 59 do Código Penal.
Fica expressa a adoção do sistema da acumulação material, punindo assim o integrante da organização criminosa, com base no delito previsto no art. 2.º da Lei 12.850/2013, juntamente com todos os demais delitos eventualmente praticados para a obtenção de vantagem ilícita, somando assim as penas.
O comportamento criminoso e a delinquência são frutos de um processo de aprendizagem:
O comportamento delituoso se aprende do mesmo modo que o indivíduo aprende também condutas e atividades lícitas, em sua interação com pessoas e grupos, e mediante um complexo processo de comunicação. O indivíduo aprende não só a conduta delitiva, senão também os próprios valores criminais, as técnicas comissivas e os mecanismos subjetivos de racionalização (justificação ou autojustificação) do comportamento desviado (MOLINA, 2008, 306).
No contexto das facções penitenciárias, o Comando Vermelho, que surge a partir da Falange Vermelha, se ocupou, além de comandar os presídios no Rio de Janeiro, de dominar o trafico de entorpecentes nos morros cariocas (AMORIN, 2003, p.101).
Somente após os episódios envolvendo o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo, nova fórmula de combate ao crime organizado penitenciário tornou-se necessária.
O fato de estas organizações criminosas nascerem dentro do próprio sistema penitenciário demonstra que o modelo Panóptico, idealizado por Jeremy Bentham, perde a sua estruturação, posto que os próprios presos começam a deter o controle, relegando ao Estado a observação dos comportamentos ao invés de controlá-los (CAMPOS, 2004, p.17).
Contudo, quatro anos após a aprovação da Lei 7.210/84 (Lei de Execuções Penais) e da reforma do Direito Penal lastreado em pensamentos ligados as ressocializações (Lei 7.209/84), a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, inc. XLIII apontaria à possibilidade de qualificar condutas, com a supressão de direitos, mediante lei ordinária. Em 1990 é publicada a Lei 8.072, nominada de Lei dos Crimes Hediondos, recrudescendo o tratamento a certos tipos penais pré-existentes, criando novas qualificadoras e causas especiais de aumento de pena, adotando, dentre outras restrições de garantias constitucionais, a impossibilidade de progressão de regime, seguindo à risca os ensinamentos do movimento “Lei e Ordem” (SILVA, 2003, p. 45/46).
A partir dos acontecimentos de 2001, na tentativa de assegurar a disciplina e a ordem do sistema prisional, a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo edita duas resoluções: a Resolução 26, que estreia a experiência do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), sendo aplicada aos líderes e integrantes das facções criminosas, e a Resolução 49, cujo objetivo foi o de restringir o direito de visita e as entrevistas dos presos com seus advogados. (CARVALHO, 2007, p. 273).
No Estado do Rio de Janeiro, a primeira experiência de Regime Disciplinar Diferenciado ocorre em dezembro de 2002, por ocasião da rebelião no Presídio de Bangu I, liderada por Fernandinho Beira-Mar. (CARVALHO, 2007, p. 273).
De acordo com Paulo César Busato:
A imposição de uma fórmula de execução de pena diferenciada segundo características do autor relacionadas com “suspeitas” de sua participação na criminalidade de massa não é mais do que um “Direito Penal do Inimigo”, quer dizer, trata-se da desconsideração de determinada classe de cidadãos como portadores de direitos iguais aos demais a partir de uma classificação que se impõe desde as instâncias de controle. A adoção do Regime Disciplinar Diferenciado representa o tratamento desumano de determinado tipo de autor de delito, distinguindo evidentemente entre cidadãos e “inimigos” (BUSATO, 2004, p. 139).
A lógica do Direito Penal do Inimigo, conforme Busato revitaliza o modelo de Direito Penal Do Autor, estabelecendo a identificação do inimigo e sua neutralização ou contenção. Neste contexto, afirma, que o Regime Disciplinar Diferenciado:
Não é dirigido aos fatos e sim à determinada classe de autores. Busca-se claramente dificultar a vida destes condenados no interior do cárcere, mas não porque cometeram um delito, e sim porque, segundo o julgamento dos responsáveis pelas instâncias de controle penitenciário, representam um risco social ou administrativo ou são suspeitas de participação em bandos ou organizações criminosas (BUSATO, 2004, p. 140).
A constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado não foi apreciada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Contudo o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem admitido como legítima a ação do Estado com o fim de efetivar a segurança nos estabelecimentos penais, podendo, para tanto, que os seus direitos possam ser restringidos em nome das liberdades públicas, atendido o princípio da proporcionalidade:
HABEAS CORPUS. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO. ART. 52 DA LEP. CONSTITUCIONALIDADE. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NULIDADE DO PROCEDIMENTO ESPECIAL. REEXAME DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. NULIDADE DA SENTENÇA CONDENATÓRIA NÃO RECONHECIDA.
1. Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. 2. Legitima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n.º 10.792/2003, que alterou a redação do art. 52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados, continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos e, também, no meio social. (HC 40300 / RJ; HABEAS CORPUS 2004/0176564-4, v.u., Ministro Relator. Arnaldo Esteves Lima, 22/08/2005, RT 843/549)
Portanto, conforme se depreende pelo atual texto do art.
52, § 2º da LEP para se enquadrar o preso no RDD sua conduta poderá estar tipificada como formação de quadrilha ou simplesmente que faça parte de organização criminosa. Ora, conforme anteriormente mencionado, enquanto a Lei de Crime Organizado cuida de procedimentos processuais a ser ministrado nas fases investigatórias, o caráter introduzido pelo regime diferenciado é sancionatório.
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem entendido principalmente após os ataques orquestrados pelo PCC em maio de 2006 naquele estado, que o simples fato de o preso fazer parte de organização criminosa já o qualifica para ser enquadrado no RDD:
Ementa: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL - PRÁTICA DE FALTO PREVISTO COMO CRIME DOLOSO - FALTA GRAVE – FUNDADAS SUSPEITAS DE ENVOLVIMENTO OU PARTICIPAÇÃO DO REEDUCANDO EM ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA – ALTO RISCO PARA A ORDEM E A SEGURANÇA DO ESTABELECIMENTO PENAL E PARA A SOCIEDADE - INCLUSÃO DO PRESO NO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO - CABIMENTO. Cabível a inclusão do custodiado em regime disciplinar diferenciado, quando há fundadas suspeitas de envolvimento ou participação do reeducando em organização criminosa, com a subversão coletiva da ordem e a prática de crimes dolosos, mesmo estando custodiado, representando ele alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento prisional e para a sociedade. (Agravo de Execução Penal 990090224410. 4ª Câmara de Direito Criminal. Relator: Willian Campos, j. 16/06/2009)
As tendências em considerar como organização criminosa, as facções surgidas no interior do sistema penitenciário, de acordo com as características doutrinárias e jurisprudenciais apontadas no conceito de crime organizado, desde que inseridas no arcabouço do tipo penal estabelecido no art. 288 do CP. Em recente decisão o Tribunal de Justiça de São Paulo, em análise referente aos ataques do PCC ocorridos em maio de 2006 classificou a conduta dos agentes neste sentido:
ACORDAM, em do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL A FIM DE CONDENAR (...). A (DOZE) ANOS DE RECLUSÃO EM REGIME INICIAL FECHADO, COMO INCURSOS NO ARTIGO 8o, CAPUT, DA LEI N° 8.072/90, COMBINADO COM O ARTIGO 288, PARÁ- GRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL; (...) Pela incursão no artigo 8o, caput, da Lei n° 8.072/90 (formação de quadrilha para os fins e cometimento de crimes hediondos e equiparados), fixadas penas basais no máximo, em 06 (seis) anos de reclusão. Com efeito, neste acórdão foram relatados diversos homicídios qualificados perpetrados pela facção, alguns inspirados em divergências internas, mas muito deles fazendo vítimas autoridades públicas, sobretudo policiais, o que pode levar o Estado Democrático à convulsão pelo irremediável abalo a um de seus pilares. Organizações como essa servem a projetos que em última análise aguilhoam a soberania do Estado brasileiro. Não se pode abrir espaço à desestabilização e ao aviltamento das instituições ligadas à Segurança Pública (por extensão, inclusive, as Forças Armadas, pois as Polícias Militares são “forças auxiliares e reserva do. Exército” - Constituição Federal, artigo 144, § 6o), porque com o desmoronamento delas poderão fenecer a justiça, a liberdade, a igualdade e todos os atributos que, vigentes nos povos civilizados, são imensamente caros à nação esplêndida e ainda jovem que precisamos preservar a qualquer custo. Sob ótica similar também não pode ser tido como corriqueiro o ataque em massa realizado em maio de 2006, quando a capital de. São Paulo, sacudida pelo caos, lançada ao horror, quase submergindo à guerra civil, assistiu a saques, depredações, suspensão de aulas e de jornadas laborais, “toque de recolher” e inclusive à eliminação de mais de trinta policiais militares. Apelação n° 993.07.026199-4. 3ª Câmara de Direito Criminal. Relator: GERALDO WOFLRES, j. 25/05/2010).
Até aqui é possível observar que os métodos de integração e de interpretação das normas jurídicas admitem a doutrina e a jurisprudência como fontes do Direito Penal, à segurança jurídica é necessária à caracterização das organizações criminosas atentando-se ao Princípio da Legalidade no seu sentido mais amplo.
Aliado aos princípios constitucionais estar atendo à realidade apresentada em nosso país. É certo que, do contexto histórico dos crimes organizados vê-se características comuns à sua existência nas mais diversas regiões do mundo, porém cada local com suas particularidades.
A questão em tela é o liame das organizações criminosas com o Estado. E de modo indireto com a sociedade, a fim de pontuar em qual aspecto o desenvolvimento das organizações repercute na autoridade política do Estado.
O crime organizado está inserido em uma complexa e dinâmica matriz na qual a sociedade é vítima de suas demonstrações violentas de força e ainda beneficiária dos bens e serviços que dele se origina, por diversos motivos, entre eles a vulnerabilidade e necessidade das sociedades das quais possuem “domínio”.
Tokatlián (1994) aponta uma considerável ambivalência em relação a questão comercial a qual se verifica em diversos âmbitos, por exemplo: os fluxos monetários da lavagem de dinheiro são perseguidos pelo governo, mas garantem abundantes divisas que, em casos como a Bolívia nos anos 1980, podem ser decisivas para a balança de pagamentos. O amadurecimento econômico do crime organizado nutre-se dessa ambiguidade que media sua relação com o Estado, as empresas e outros setores da sociedade.
Estabelecido o tipo de ameaça representada pelo crime organizado para o Estado e o sistema de Estados, devem-se levar em consideração as ações das forças de segurança para controlar e desestruturar essa organização. Três observações se fazem necessárias. Primeiro, o imperativo de atuar contra o crime organizado não advém apenas da constatação abstrata de sua ilegalidade, mas consideravelmente da verificação pratica de que ele gera insegurança às comunidades em que se perfaz, além de restringir serviços públicos e participação política nas mesmas. Segundo, da constatação de que as relações entre o crime organizado e a sociedade são de tipo parasitário, resultando em objeções contrarias a passividade.
O fato de entender o crime organizado como uma parte do sistema político e econômico não implica dizer que o mesmo se faz imutável ou benéfico. Quanto mais preparado o poder público estiver para lidar com as organizações criminosas e seus efeitos colaterais, proporcionalmente menor será o poder dessas organizações e mais o Estado e a sociedade poderão dedicar esforços a outros temas, sobretudo o provimento de bem-estar e o desenvolvimento, não deixando com que a preocupação com tais organizações tomem conta do topo da lista das agendas-publicas. Terceiro, a disposição em inserir o crime organizado nos estudos internacionais não pode conduzir a um viés disciplinar na avaliação das iniciativas necessárias à sua repreensão.
Não há como falar em violência suburbana no Brasil hoje sem levar em consideração que parte significativa disso tudo é conectado ao tráfico de drogas, que por sua vez se liga ao tráfico de armas e a lavagem internacional de dinheiro que é financiadora dessa rede criminosa em quase toda sua dimensão.
A cooperação dos países para assegurar o bom funcionamento judicial deve ser mútua, a eficácia de suas decisões e as obrigações universais de direitos humanos reconhecidos por Tratados Internacionais e Constituições atuais é tema comum de tais ordenamentos.
A intensificação dos Tratados e Acordos Internacionais tem por o objetivo a troca de informações rápidas, e a execução de sentenças e mandados de prisão além de integrar agências investigativas, do Ministério Público e agências judiciais, de modo a superar claramente o conceito de território investigativo, perseguição e soberania processual, assim alcançar resultados com esforços nacionais em cooperação com a sociedade.
Portanto, esse tipo de sistema de cooperação internacional geralmente ocorre por meio do cumprimento de cartas rogatórias, do sistema de reconhecimento de sentenças estrangeiras (reconhecendo o princípio do respeito aos direitos adquiridos e das sentenças) e de solicitação de assistência judiciária, que permite executar por autoridades estrangeiras em certas jurisdições, como investigações ou instrução de ações legais em territórios estrangeiros, da extradição e transferência de prisioneiros.
A análise superficial do fenômeno da criminalidade organizada permite considerar que a sociedade atual agregou às sensações de insegurança isolada e individual as ameaças de fontes difusas, móveis, ágeis e penetrantes nas várias esferas da vida comum. Organização criminosa possui o mesmo caráter organizacional, já que possui um grande preparo e maestria que, em alguns casos, conseguem passar por companhias legítimas, por meio da lavagem de dinheiro, empresas fantasmas, atividades ilícitas envolvendo pirataria, exploração humana, contrabando e sonegação, fraudes financeiras e correspondente trânsito ilícito de valores, investimentos suspeitos, atuações sociais duvidosas, financiamento de campanhas visando influências nos partidos políticos e seus representantes, além do patrocínio de candidatos a concursos públicos visando favorecimentos e infiltração nas instituições estatais, dentre outras atividades criminosas, tudo isso em uma complexa rede de inter-relações e fluxo intensos com características comuns.
A criminalidade organizada está, pois, presente no dia -a- dia de todos e através dos seus constantes e sutis mecanismos de fragilização do Estado, relacionando-se com qualquer atividade que possibilite a obtenção de lucro fácil e utilizando-se da corrupção, intimidação e violência para tanto, sendo tais características comuns a diversas manifestações criminosas organizadas na história.
Em contrapartida, algo que contribui para o aumento dessa adversidade é a gama de territórios, bem como o alto número de membros do exército do tráfico. Entretanto, essa não é a causa do narcotráfico, mas apenas uma consequência da negligência governamental brasileira, uma vez que exclusos, em boa parte, não dispõem de uma estrutura social para seu pleno desenvolvimento acadêmico e, posteriormente, profissional. Dessa forma, eles ficam tentados à proposta financeira do negócio ilegal, isto é, trata-se da incompetência das autoridades em cumprir as leis civis previstas na Constituição, logo, proporcionando maior qualidade de vida.
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Bacharelando em Direito pela Universidade Brasil .
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: YOSHIDA, Alessandro Rogério. A complexidade da organização criminosa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 mar 2021, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56236/a-complexidade-da-organizao-criminosa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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