RESUMO: O presente trabalho irá analisar a posição de centralidade do Direito Consumerista após a Constituição Federal de 1988, apontando as diversas constitucionais disposições sobre a matéria. Após, serão estudados os diversos elementos da relação jurídica de consumo, quais sejam, os elementos objetivo, subjetivo e teleológico. Em seguida, será analisado o novo conceito de fornecedor acolhido recentemente pelo STJ. O estudo será feito com base em trabalhos científicos e julgados dos tribunais superiores.
Palavras-chaves: CDC. Consumidor. Relação de consumo. Fornecedor. Fornecedor presumido. Fornecedor por equiparação. Fornecedor aparente. STJ.
Sumário: 1. Introdução. 2. Direito do Consumidor e a Constituição Federal/88. 3. Elementos da relação de consumo. 4. Fornecedor aparente. Conclusão. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor é diploma protetivo que busca concretizar o princípio da igualdade no seu viés material, haja vista que a relação entre o fornecedor e o consumidor é desigual, sendo o consumidor presumidamente vulnerável. Em razão desses fatos, deve-se sempre priorizar a interpretação do diploma consumerista que observe essa desproporcionalidade, bem como mantenha a atualidade com os avanços tecnológicos.
Nesse sentido, o presente trabalho irá analisar, inicialmente, a posição de centralidade ocupada pelo Direito do Consumidor com o advento da Constituição Federal. Após, serão abordados os elementos que compõem a relação de consumo. Analisar-se-á o conceito de consumidor, produtos e serviços, destinatário final e fornecedor, atentando-se para as especificidades de cada um desses conceitos. Por fim, aprofundar-se-á na possibilidade de responsabilização daqueles que se utilizam das marcas e outras benesses em decorrência da popularidade internacional, no entanto não eram, como regra, responsabilizados, por, teoricamente, não participarem da relação de consumo.
Destaque-se que, para a confecção do presente trabalho, utilizou-se, como metodologia, a análise de diversos julgados do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria. Além disso, também foi utilizado como fonte de informações as diversas produções doutrinárias relativas ao tema. Baseou-se, também, nas disposições legais e constitucionais concernentes à matéria.
2. DIREITO DO CONSUMIDOR E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL/88
A Constituição Federal de 1988 inovou ao prever a proteção ao consumidor como um direito fundamental no seu artigo 5º, XXXII, garantindo um dever fundamental por parte do Estado de defesa desses direitos. Ademais, a defesa do consumidor foi prevista como um dos princípios que rege a ordem econômica e financeira, conforme art. 170, V, da CF. Acrescente-se, também, que o art. 48 do Atos das Disposições Transitórias dispôs sobre a obrigatoriedade de o Congresso Nacional elaborar o Código de Defesa do Consumidor.
Em razão dessa vasta proteção constitucional, observa-se que o Direito do Consumidor passou a dispor de posição de destaque dentro do ordenamento jurídico. Além disso, de acordo com o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor, as normas previstas no referido diploma consumerista usufruem de interesse social, além de serem de ordem pública. Em face disso, como regra, o magistrado poderá declarar de ofício violações aos seus dispositivos. No entanto, há a exceção prevista na súmula nº 381: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”. Destaque-se que essa súmula sofre forte crítica doutrinária, haja vista não existirem motivos para essa diferenciação.
3. ELEMENTOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Para que reste caracterizada a relação de consumo, é necessário que existam alguns elementos que dispõem do objetivo de diferenciar a relação consumerista das demais relações jurídicas existentes no ordenamento jurídico. À luz dos art. 2º e 3º do Código de Defesa do Consumidor, há elementos subjetivos, objetivo e teleológico. Os elementos subjetivos são o consumidor e o fornecedor. Já o objetivo é o serviço ou produto. Por fim, há o elemento teleológico, o qual retrata o elemento limitador das relações que serão abrangidas pelo código consumerista: destinação final.
3.1. CONSUMIDOR
Consoante art. 2º do CDC, “consumidor é toda a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Esse é o consumidor standard ou consumidor stricto sensu. Há, também, os consumidores por equiparação, sendo aqueles previstos no parágrafo único do referido artigo, quais sejam, a coletividade de pessoas ainda que indetermináveis. Outro consumidor por equiparação são as vítimas nos casos de acidente de consumo, de acordo com o art. 17 do CDC. Por fim, existe, ainda, consumidor por equiparação no art. 29 do diploma consumerista, no caso das pessoas expostas as práticas comerciais.
3.2. PRODUTOS E SERVIÇOS
O elemento objetivo da relação de consumo são os produtos e serviços. De acordo com o §1º do art. 3 do Código de Defesa do Consumidor, “produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. O legislador almejou, assim, ampliar ao máximo o conteúdo de produto, a fim de que pudesse acompanhar os avanços científicos, utilizando-se de conceitos abertos, cabendo ao intérprete analisar a compatibilidade com o disposto na lei.
Já o serviço, o segundo elemento objetivo da relação jurídica de consumo, está no §2º do artigo mencionado anteriormente. Segundo a disposição legal, “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Observa-se que o legislador, também, trouxe conceito abrangente, excluindo apenas as atividades trabalhistas.
Inicialmente, é de se notar que o dispositivo legal exige que exista a remuneração, para que seja considerado relação de consumo. No entanto, há casos em que mesmo não havendo o pagamento direto, existe uma remuneração indireta. Esses são os serviços aparentemente gratuitos, nos quais há a incidência do CDC. Ademais, existe súmula do Superior Tribunal de Justiça reforçando a aplicação do diploma consumerista as relações bancárias, uma vez que as instituições financeiras tentaram afastar a sua submissão ao CDC, mesmo havendo disposição legal expressa (Súmula nº 297 do STJ).
3.3. DESTINATÁRIO FINAL
O elemento teleológico é um dos mais controvertidos do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista que ele ocasiona a maior ou menor limitação do âmbito de incidência do referido diploma. Ele retrata a finalidade pretendida com a aquisição de produto ou serviço, qual seja, a retirada do bem do mercado. Entretanto, surgiu o questionamento de o que seria “destinatário final”, como resposta surgiram duas correntes principais: finalismo e maximalismo.
O maximalismo, segundo MARQUES (2013), vê as normas do CDC como um novo regulamento do mercado de consumo, não protegendo apenas o consumidor não profissional. As disposições consumeristas seriam um diploma geral sobre consumo, devendo ter os termos “destinatário final” a interpretação mais ampla possível. Dessa forma, destinatário final seria aquele que retira do mercado de consumo independente da finalidade para qual será utilizado posteriormente, mesmo que seja utilizado com objetivos comerciais. O grande problema dessa teoria é alargar demais a proteção consumerista, tornando uma regulação das relações privadas em geral, não dando um tratamento diferenciado para os consumidores efetivamente vulneráveis.
Por essa razão, há uma prevalência da adoção do finalismo, o qual apregoa que só haverá relação de consumo quando o produto ou serviço for retirado da cadeia de consumo efetivamente, não sendo empregado em uma função profissional posteriormente. Essa doutrina, consoante GARCIA (2017), pauta-se no fato de que somente o consumidor parte mais vulnerável na relação contratual, merece a especial tutela. Ela é, assim, mais restritiva do que a anterior. O Superior Tribunal de Justiça adota o finalismo, entretanto a Corte mitiga a sua previsão, adotando o finalismo mitigado ou aprofundado, no qual se aplica o CDC mesmo no caso de o produto ou serviço ser empregado na atividade profissional, caso exista a vulnerabilidade do adquirente.
3.4. FORNECEDOR
O último elemento da relação de consumo, sendo subjetivo, é o fornecedor. Consoante o Código de Defesa do Consumidor em seu art. 3º, caput, “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. Esse seria o conceito de fornecedor stricto sensu. Observa-se que o aspecto primordial que caracteriza o fornecedor é desenvolver atividades profissionais com habitualidade.
Há, também, o fornecedor por equiparação, essa interpretação mais ampliada do art. 3º do CDC decorre de o diploma buscar a abrangência de todos aqueles que atuam na cadeia de consumo. Nesse caso, segundo MARQUES (2015), é “um terceiro apenas intermediário ou ajudante da relação de consumo principal, mas que atua frente a um consumidor (aquele que tem seus dados cadastrados como mau pagador e não efetuou sequer uma compra) ou a um grupo de consumidores (por exemplo, um grupo formado por uma relação de consumo principal, como a de seguro de vida em grupo organizado pelo empregador e pago por este), como se fornecedor fosse”.
Além desses, pode-se destacar ainda, o fornecedor presumido que seria aquele que não participa do processo de fabricação ou produção do produto de forma direta, no entanto aparece como intermediário entre o fornecedor real e o consumidor. A previsão sobre a matéria se encontra no art. 13 do diploma consumerista:
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:
I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;
II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;
III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Recentemente, a jurisprudência acolheu mais uma espécie de fornecedor, o qual será abordado a seguir.
4. FORNECEDOR APARENTE
O objetivo da proteção consumerista é garantir um tratamento mais igualitário ao consumidor, o qual é vulnerável quando comparado ao fornecedor, sendo a concretização da isonomia no seu viés material. Dessa forma, não se deve realizar uma interpretação literal de seus artigos, mas sim uma interpretação que possibilite alcançar as finalidades dos princípios que regem a relação consumerista. Em face desse aspecto, a doutrina construiu a figura do fornecedor aparente.
Assim, fornecedor aparente será aquele que aparece como fornecedor pela colocação do seu nome, marca ou outro sinal de identificação no produto que foi fabricado por um terceiro, mesmo não participando da fabricação do produto. Importante ressaltar que não se exige do consumidor demonstre se são empresas autônomas ou não, nem quem foi o real fabricante daquele produto. Nesse sentido, CAVALCANTE (2019):
Assim, a legislação consumerista abraçou a teoria da aparência para responsabilizar aquele que, a despeito de não participar diretamente do processo de fabricação do produto, por ostentar a marca por ele utilizada, passa a ser responsabilizado pelos danos decorrentes dessa relação.
A teoria da aparência, amplamente adotada no direito brasileiro, foi estruturada para proteção do terceiro de boa-fé, prestigiando aquele que se porta com lealdade em nome da segurança jurídica.
Em razão desses aspectos, o Superior Tribunal de Justiça acolheu a alegação de responsabilização do fornecedor aparente:
A empresa que utiliza marca internacionalmente reconhecida, ainda que não tenha sido a fabricante direta do produto defeituoso, enquadra-se na categoria de fornecedor aparente.
O conceito legal de “fornecedor” previsto no art. 3º do CDC abrange também a figura do “fornecedor aparente”, que consiste naquele que, embora não tendo participado diretamente do processo de fabricação, apresenta-se como tal por ostentar nome, marca ou outro sinal de identificação em comum com o bem que foi fabricado por um terceiro, assumindo a posição de real fabricante do produto perante o mercado consumidor.
O fornecedor aparente, em prol das vantagens da utilização de marca internacionalmente reconhecida, não pode se eximir dos ônus daí decorrentes, em atenção à teoria do risco da atividade adotada pelo CDC. Dessa forma, reconhece-se a responsabilidade solidária do fornecedor aparente para arcar com os danos causados pelos bens comercializados sob a mesma identificação (nome/marca), de modo que resta configurada sua legitimidade passiva para a respectiva ação de indenização em razão do fato ou vício do produto ou serviço. (STJ. 4ª Turma. REsp 1.580.432-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/12/2018)
Nesse sentido, tramita na Câmara de Deputados o projeto de alteração do Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de incluir o conceito de fornecedor aparente no texto do diploma, veja-se como ficará a redação do art. 3º do CDC, caso aprovado o Projeto de Lei nº 3.316/2019:
Art. 1º O art. 3º da Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte § 3º:
“Art. 3º..............................................................................................................
§ 3º Também será considerado fornecedor a empresa que utilizar marca de expressão global, se esta situação prejudicar a perfeita identificação, pelo consumidor, do real fornecedor.”
Nas razões para a proposta de alteração da legislação consumerista, o deputado responsável pelo projeto expôs:
A fim de incrementar as suas vendas, algumas empresas se valem, inclusive, do valor atribuído aos produtos de procedência estrangeira, em razão da credibilidade da marca no mercado internacional. Assim, com o intuito de obter o benefício que a respeitabilidade de determinada marca agrega ao seu negócio, várias empresas nacionais possuem nomes vinculados a marcas mundialmente conhecidas. No entanto, no momento em que o consumidor verifica um defeito no produto e procura o fornecedor que se utiliza da reputação da marca internacional para exigir seus direitos, por exemplo, ele se vê desamparado ante a alegação do fornecedor de não fazer parte da cadeia de consumo prevista no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
À luz desses aspectos, vislumbra-se o acolhimento de mais essa espécie de fornecedor já há muito apontado pela doutrina.
CONCLUSÃO
O Código de Defesa do Consumidor possui especial espaço no ordenamento jurídico brasileiro, sendo princípio fundamental, além de reger as relações econômicas. Acrescente-se, ainda, o fato de que suas normas são de ordem pública e dispõem de interesse social. Em face desses aspectos, deve-se buscar a interpretação que possibilite a maior amplitude a suas disposições, dentro das balizas estabelecidas pela lei.
Dessa forma, ao se ampliar o conceito de fornecedor, passando a jurisprudência a acolher o conceito doutrinário de fornecedor aparente, atendeu-se aos preceitos defendidos pelo diploma consumerista. Consoante abordado, as diversas espécies de fornecedor buscam proporcionar uma postura mais protetiva ao consumidor como presumidamente vulnerável.
Ademais, o instituto do fornecedor aparente decorre da própria teoria da aparência, não sendo uma construção sem uma fundamentação coerente. Tanto é verdade que, após a decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça, passou a tramitar projeto de lei que busca incluir expressamente no CDC essa hipótese de fornecedor.
Observe-se, também, que o diploma consumerista se valeu de conceitos mais amplos e abertos propositadamente, a fim de permitir a constante atualidade do CDC em razão dos desenvolvimentos tecnológicos e da globalização. Portanto, a interpretação ampliativa coaduna com o fato de que o fornecedor, antes, se beneficiava com os avanços e ampla divulgação de sua marca, sem sofrer com os ônus que decorrem desse fato.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 08/03/2021.
BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 08/03/2021.
BRASIL. Projeto de Lei nº 3.316/2019. Disponível em < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2206501>. Acesso em: 08/03/2021.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: < https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio>. Acesso em: 08/03/2021.
CAVALCANTE, Márcio André Lopes. A empresa que utiliza marca internacionalmente reconhecida, ainda que não tenha sido a fabricante direta do produto defeituoso, enquadra-se na categoria de fornecedor aparente. Buscador Dizer o Direito, Manaus. Disponível em: <https://www.buscadordizerodireito.com.br/jurisprudencia/detalhes/c6862d63b17d713ee14f3a405d9fde77>. Acesso em: 08/03/2021
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código de Defesa do Consumidor comentado artigo por artigo. 13ª edição revista, atualizada e ampliada. Salvador: JusPodivm, 2017.
MARQUES, Cláudia Lima, BENJAMIM, Antônio H. V., BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 4ª edição: revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
formada em Direito na UFC, pós-graduada em Direito Constitucional e Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VASCONCELOS, Brenda Aguiar. As diversas espécies de fornecedor no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 mar 2021, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56251/as-diversas-espcies-de-fornecedor-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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