RESUMO: Esta pesquisa bibliográfica se propõe a analisar a violência ocorrida entre torcidas organizadas, bem como suas possíveis sanções, trazendo primeiramente conceitos do que é a violência, e a violência em grupo, fazendo também uma comparação entre o fenômeno “hooligans” com as torcidas organizadas. Para tal fim, são apresentados fatores antecedentes e fundamentais para que a infração ocorra. Com a finalidade de melhor compreensão do assunto abordado, são examinados alguns casos de rixa envolvendo torcedores organizados ocorridos em solo brasileiro. Com esta pesquisa verificou-se que a ideia de modernização das praças esportivas, baseado no que é visto na Europa tem influenciado diretamente no modelo punitivo. É possível notar que em alguns municípios já se apoiam nos métodos europeus de punição, assim, nesses municípios o agente infrator é proibido de frequentar as praças esportivas e deve se apresentar à delegacia no momento da partida de seu clube. Observou-se que o Estatuto do Torcedor objetiva normatizar o esporte brasileiro, principalmente problemas atuais do futebol: segurança. Conclui-se que uma das maiores preocupações dos torcedores é a violência. Portanto, o EDT prevê mecanismos para protegê-los nessa atividade de lazer.
Palavras-chave: Torcidas. Organizadas. Violência. Normas. Jurídicas
ABSTRACT: This bibliographical research proposes to analyze the violence between organized cheerleaders, as well as their possible sanctions, bringing first concepts of what violence is, and violence in groups, also making a comparison between the phenomenon "hooligans" with the organized cheerleaders. For this purpose, antecedent and fundamental factors are presented so that the infraction occurs. With the purpose of a better understanding of the subject addressed, some cases of brawl involving organized supporters occurred on Brazilian soil. With this research it was verified that the idea of modernization of sports squares, based on what is seen in Europe has directly influenced the punitive model. It is possible to notice that in some municipalities they already rely on the European methods of punishment, thus, in these municipalities the offending agent is prohibited from attending sports squares and must appear before the police station when his club leaves. It was observed that the Statute of the Fan aims to regulate the Brazilian sport, especially current football problems: safety. It is concluded that one of the biggest concerns of the fans is violence. Therefore, the EDT provides mechanisms to protect them in this leisure activity.
Key words: Organized fans. Violence. Legal Rules.
Sumário: Introdução; 1. Concetualização da violência em grupo; 1.1 Violências: definição e causas; 1.2 Grupos e Violência; 1.4 Violências entre torcidas organizadas; 1.5 Conflitos reais entre torcidas; 1.6 Torcidas Organizadas, Hooligans e Lazer Desviante; 2. A legislação brasileira frente à violência nos estádios de futebol; 3. Punições segundo as normas jurídicas; Considerações Finais.
Summary: Introduction; 1. Conceptualizing group violence; 1.1 Violence: definition and causes; 1.2 Groups and Violence; 1.4 Violence between organized fans; 1.5 Real conflicts between fans; 1.6 Organized fans, hooligans and deviant leisure; 2. Brazilian legislation in the face of violence in football stadiums; 3. Punishments according to legal norms; Final considerations.
INTRODUÇÃO
O presente artigo expõe alguns casos de conflitos entre torcidas organizadas no Brasil, para se ilustrar como é o ambiente social entorno ao futebol brasileiro, apresentando os fatos ocorridos nos últimos anos e o que as normas jurídicas implicam nessa questão em relação à punibilidade.
Em época de acentuadas mudanças no cenário futebolístico brasileiro, os clubes e entidades procuram uma modernização do esporte em território nacional, a fim de alcançar a ser equivalente com o que é proposto na Europa em termos de conforto, segurança e organização e, claro, um belo espetáculo. Todavia, ainda é comum presenciar cenas de violência entre torcedores organizados que, em princípio, estariam lá pelo mesmo propósito: torcer. Esta realidade vem intimidando e distanciando dos estádios os torcedores que possuem o intuito de acompanhar o seu time e fazer disso um lazer, sem querer causar qualquer tipo de infortúnio.
Para que se alcance o objetivo desta pesquisa, primeiramente se buscara fundamentar teoricamente o conceito e as causas da violência, seguidamente, é abordado o conceito de grupos e como essa violência se faz presente neles, de modo a preservar a sua identidade quando ameaçada e mostrar o que traz a legislação a respeito desta temática.
Por fim, o artigo apresenta casos de violência em estádios brasileiros que, em sua maioria, acabam impunes aos infratores, tendo os clubes que arcarem com as consequências. As possíveis punições são embasadas no Código Penal Brasileiro e o Estatuto do Torcedor, este último tendo surgido justamente para garantir o conhecimento, a segurança e o direito do torcedor perante os eventos esportivos.
O que desencadeou o desejo de desenvolver o presente trabalho foi a falta de ferramentas que o Brasil possui, não só para lidar com as violências nos estádios e as torcidas organizadas, mas também para a prevenção de tais atos.
Buscando apresentar casos concretos e verossímeis da situação existente e demonstrar que há meios de fazer cumprir o que preconiza a Constituição Federal e as leis supraconstitucionais a respeito da prevenção aos crimes decorridos a partir da violência das torcidas organizadas.
1 - CONCEITUALIZAÇÃO DA VIOLENCIA EM GRUPO
Esta segmentação procura apontar três itens. Num primeiro momento se aborda o conceito e as causas da violência, logo em seguida é tratada a violência nos grupos e por fim é retratada a legislação especifica do caso.
1.1 Violências: Definição e Causas
A violência é um infortúnio de cunho social. Origina-se na sua grande maioria da forma como o cidadão cresceu ou está adentrado na sociedade, além de suas influências e o que está acostumado a presenciar. Este infortúnio pode ser claro o ou até mesmo omisso, negligente, não obrigatoriamente consistindo em um ato de um indivíduo sobre outro. A ausência de políticas públicas e sociais para os mais carentes pode ser configurada como uma forma de violência, bem como a ausência de infraestrutura para que se ocorra a educação escolar. O emocional do ser humano também é vítima de violência, seja verbal ou desmotivacional.
O doutrinador Velho (2000) se sustenta em acontecimentos da história brasileira para desvendar a violência que é hoje presente no Brasil. O Brasil formou-se pela violência, é prole direta desse fato. A diferença cultural, étnica e até mesmo o idioma são consequência de uma soberania de um povo sobre outro, no caso, os imigrantes europeus sobre os índios que aqui habitavam. Vários elementos contribuem com o desagradável quadro de violência brasileiro, sendo um desses Deste modo, Velho (2000) garante que se tornou costumeiro ver a pobreza, desigualdades sociais e escassez de empregos levando muitas pessoas a procurar meios ilícitos para sobreviver. Ninguém nasce violento, a sociedade em que convive o incentiva e o torna, seja pelos contratempos citados acima ou até pelo exemplo de autoridades que deveriam passar uma imagem ética, de caráter exemplar e acabam agindo de maneira inversa, e muita das vezes não sendo punidas por tais atos.
O convívio que do indivíduo é o principal gatilho para a pratica de violência, como entendido pelo doutrinador Velho (2000). Em regra a violência não nasce do nada, quase sempre tem uma questão que envolve a sociedade em que o indivíduo esta posto.
1.2 Grupos e Violência
Para que se entenda a violência de grupos, Souza (2006), primeiramente, procura em seu informe acentuar a violência pessoal. Parte-se da suposição de que todos os cidadãos possuem a disposição para a prática de atos violentos, sendo a violência presente até o momento em que é criada a compaixão pelo próximo. Entretanto, o homem nunca é mau o tempo inteiro, isso depende do momento que vive para pender a práticas de condutas boas ou ruins. De um modo geral, há a ideia de que a violência é praticada por seres dotados de maldade e loucura em seu modo de agir, o que tornaria a punição não mais pela infração cometida e sim pelo ser.
Rodrigues (1992) procura verificar o conceito de grupo e como esse se conduz diante da sociedade. Os grupos são partes independentes, não apenas o montante das partes que os formam, por consequência, devem receber uma observação e atenção detalhada. Eles possuem como característica a relação entre seus integrantes em função da ideia de princípios e características similares, as finalidades em comum complementam a sua compreensão de ajustar-se ao grupo. Um grupo é provido de imposição, onde é adotada a prática de ameaça para que a pessoa pertença ao mesmo. Segundo Rodrigues (1992), dessa forma, há uma maior prestigio entre os integrantes, como um crescimento da produtividade, comunicação e satisfação de estar presente ali. Contudo, essa investida de evitar o atrito de opiniões torna o grupo homogêneo, pendendo a perda da opinião crítica e individual. Para que se funcione de melhor forma, regras são determinadas procurando o acordo entre seus integrantes, sendo desnecessária a comparecimento de um líder. Automaticamente, quando estabelecido o modelo a se seguir, os integrantes desacolhem quem viola desse, aplicando sanções e até a exclusão do mesmo.
Rodrigues (1992), também, traz que a liderança origina-se do destaque no interior do grupo, da influência. O líder procura estruturar e corresponder ao grupo diante das normas determinadas para um melhor desempenho. Além disto, determina se será uma ligação de manifestação da vontade da maioria ou atuar pela exigência de seu entendimento de forma absoluta.
Volkan (2006) traz que a violência de grandes grupos merece uma análise separada da violência geralmente verificada em pequenos grupos. Esses grupos procuram a todo custo a preservação da sua similaridade, sendo o vínculo entre seus componentes uma mera particularidade da finalidade principal. O autor interpreta essa similaridade como um sentimento comum por um grande número de indivíduos e a violência nesses grupos se vê quando acontece um desarranjo nessa sociedade ou uma grave advertência. Quando isso acontece, seus componentes sujeitam-se a qualquer pratica para manter a similaridade, mesmo que isso possa os prejudicar individualmente.
Souza (2006) afirma, no entanto, que esta deve ser verificada com uma prudência maior, dado que pode ser mais grave que a violência padronizada, observado de modo particular em ocorrências de cunho infeliz do cotidiano. Os grupos procuram o reconhecimento de seus integrantes e um compartilhamento de vontades e sentimentos. Ademais, esses podem assumir duas direções dependendo da cultura onde estão adentrados e do local onde se encontram.
Souza (2006) garante que os membros desses grupos pendem a se unificar pelo temor de não serem aprovados socialmente ou até de não alcançar o êxito que é apresentado, de modo corriqueiro, pela sociedade, seja pessoal ou profissional. Ainda nesse âmbito, o desejo do cidadão de estar posto no grupo pode o levar a ajustamento para a entrada, assim exercendo ações violentas – acontecendo ou não a intimidação do grupo – para ser reconhecido ali. Souza (2006) traz deve-se, também, observar a expectativa de que em outra circunstância, essas ações poderiam ou não ser proveniente de vontade própria, só que não exteriorizada.
1.3 Violências no Esporte
Souza, Martins e Araújo (2011) consideram, o esporte como um retrato representativo da violência, podendo perceber isso no seu propósito, que é neutralizar e dominar o oponente. Contudo, esta, desenrola-se por intermédio de um domínio massacrador. Na hipótese do futebol, o esporte mais prestigiado, os gritos vindos da arquibancada ajudam a estimular mais essa sede pela conquista. O receio de notar-se oprimido pela derrota colabora para esse acontecimento.
Os doutrinadores procuram essa comprovação em acontecimentos históricos. Na antiguidade, os jogos eram cheios de selvageria e sacrifício, onde o perdedor era morto. A violência nos estádios muitas vezes nem é distinguida, mas está presente, seja por ofensas ao oponente ou até mesmo pelo vandalismo. Quando decorre uma derrota, esta se torna mais indiscutível por torcedores e até mesmo jogadores.
1.4 Violências entre torcidas organizadas
Conforme Schwartz (2004), a violência no meio das torcidas se constitui no entusiasmo em lograr as regras e violar legislações. Pode-se entender, ainda, que também é uma forma de chamar a atenção, visto que os atritos acontecem em lugares públicos mediante órgãos de segurança.
Segundo Palhares (2012), para esses integrantes, os atritos propiciam uma impressão de agrupamento. Um agrupamento social que muitos não conseguem alcançar de outra forma. Por certo, há indivíduos que somente ingressam em brigas por sentirem estar inseridos em um grupo com essas normas, sendo capaz, quando sozinhos, não terem esse comportamento. O agrupamento de indivíduos uniformizados em um demarcado local pode findar territórios, violando, por exemplo, a autonomia de um torcedor rival circular nessas ruas por receio de repúdio e agressões. A violência entre torcedores organizados se sujeita demasiadamente do momento vivido, da impunidade trazida pelo órgão responsável, da organização exposta.
Pimenta (2000) procura elucidar o evento da violência entre torcidas organizadas com sustentação nas declarações de integrantes das maiores torcidas da cidade de São Paulo: Gaviões da Fiel, Independente e Mancha Verde. Inicialmente, o doutrinador traz o nascimento de tudo, o início das organizadas, bem como o modo que esses grupos se transformaram em sinônimo de violência para a grande população e boa parte da imprensa. A fundação das torcidas organizadas, no território brasileiro, teve início ao final da década de 1960 e início de 1970, onde o país vivia uma grande ascensão urbana, mas errava nos desenvolvimentos políticos e sociais, o que tornava a violência um produto desse embaraço. Desse modo, o embate entre domínio econômico e social ocasionou a aumento da violência urbana, onde os jovens descobriram o modo de expressar isso pelos atritos entre grupos rivais. Pimenta (2000) buscou, em um segundo momento, a opinião de autoridades esportivas, jornalistas e repórteres. Boa parte destes defendeu o argumento da elitização do futebol, retirando assim, as pessoas mais carentes financeiramente dos estádios.
Após a perspectiva jornalística, foi procurada a opinião dos frequentadores das condutas nos centros futebolísticos: os torcedores. Nesta juntura, os organizados. Um dos ex-presidentes da organizada Gaviões da Fiel vinculou o desejo de ajustar-se à esse grupo a cobiça de notoriedade e status “Os jovens aficionados pelas vestimentas, visibilidade e pelo destaque obtido em uma torcida uniformizada”, declara o ex-presidente. De outro modo, a Mancha Verde teve o seu início com apoio na violência, onde seus membros tinham como finalidade passar um retrato intimidador a seus rivais e findar com ataques sofridos precedentemente por grupos rivais, como declara o membro palmeirense estudado. Resultado: quanto mais aumentava a violência, maior era a busca por filiações. Para Pimenta (2000), não bastam somente problemas econômicos e sociais para esclarecer o problema, visto que há uma diferença entre membros em uma torcida organizada, que vão desde pessoas mais necessitadas a pessoas de classe média e alta e pais de família. Pimenta (2000) por fim, defende o seu argumento com suporto em três tópicos fundamentais para o caso: a ausência de consciência social dos jovens, a individualidade instalada no Brasil e a afeição por atos violentos.
1.5 Conflitos reais entre torcidas
É de suma importância que se traga alguns casos concretos do assunto e um dos mais recentes ocorreu no dia 08/12/13, Vasco e Atlético Paranaense duelavam pela última rodada do Campeonato Brasileiro de 2013, o clube carioca corria risco de queda para a segunda divisão nacional. Na presente partida, o clube paranaense estava punido por determinação judicial, e teve que jogar a partida longe de seus domínios, sendo assim, optou pela Arena Joinville (SC), na cidade de Joinville/SC. A confusão começou antes dos vinte minutos de jogo, com torcedores atleticanos ultrapassando o cordão de isolamento das torcidas e dando início a uma briga generalizada, conhecida também como rixa (art. 137, Código Penal) deixando quatro indivíduos gravemente feridos, estes tendo de ser socorridos de helicóptero, tamanha a gravidade do conflito. É importante observar o fato de que não havia policiamento no interior do estádio, por ser um evento privado, a segurança era de responsabilidade do realizador. Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) julgou o incidente, sancionando pena de doze perdas de mandos de campos e multa de R$ 140 mil reais, logo após houve a diminuição para nove jogos e multa de R$ 80 mil reais, para o Atlético Paranaense. No caso do clube vascaíno determinou-se pena de oito jogos e R$ 80 mil reais de multa, sendo diminuída para seis partidas e R$ 50 mil reais de multa, conforme reportagem da ESPN (2014)
Em situação semelhante, no dia 06/12/09, ocorria a partida entre Curitiba e Fluminense, novamente pela última rodada do Campeonato Brasileiro no estádio Couto Pereira (PR), nesse caso os dois clubes eram possíveis rebaixados à divisão inferior, o Curitiba, em pleno ano do centenário. Desse modo, após o fim da partida que determinou a queda do clube paranaense, se iniciou uma grande confusão generalizada. A torcida invadiu o gramado alguns foram em direção do trio de arbitragem e, outros, aos jogadores do Curitiba com a finalidade de desferir agressões aos atletas. O estádio foi totalmente vandalizado. Placas de publicidade e cadeiras foram arrancadas e tripés foram usados como armas contra policiais, deixando desacordado, um desses. A briga generalizada começou a findar assim que se começou a utilização de bombas de efeito moral e balas de borracha por parte da Policia Militar, para dispersar os torcedores. Neste caso, a Segunda Comissão do STJD penalizou o Curitiba com a perda de trinta mandos de campos, além de R$ 610 mil reais em multas. No entanto, em março do ano seguinte, a pena diminuiu para dez jogos e R$ 100 mil reais, após o clube recorrer da decisão. O maior caso de briga entre torcidas ocorrido no Brasil aconteceu no estádio do Pacaembu (SP) na final da Supercopa de Júniores, no dia 20 de agosto de 1995, partida esta disputada entre São Paulo e Palmeiras. Nesta época ocorria a violência começou a se fazer presente dentro e fora dos estádios, devido à grande explosão de torcidas organizada, a partida teve um baixo, de pouco mais de sete mil pagantes e todos relacionados a torcidas organizada. As torcidas foram separadas por um cordão de isolamento apenas, por conta de um dos setores do estádio estar fechado, por motivo de obras, o clube de alviverde saiu vitorioso com um gol na prorrogação, que era finalizada pelo gol de ouro, sacramentando, assim, o título. Na comemoração, alguns torcedores invadiram o gramado e foram provocar os rivais presentes na arquibancada. A partir daí, começou uma verdadeira briga generalizada, pois os torcedores tricolores, invadiram também o gramado e se muniram dos materiais que estavam presentes naquele setor em obras. A batalha campal durou cerca de 10 minutos e deixou 101 feridos e um jovem de 16 anos morto. Apenas um desses infratores respondeu processo judicial e foi sentenciado. O responsável pela morte do jovem foi condenado a 12 anos de reclusão, tendo cumprido apenas três e hoje vive em liberdade por conta dos recursos de defesa.
1.6 Torcidas Organizadas, Hooligans e Lazer Desviante
O lazer desviante é determinado por condutas transgressoras à lei e aos princípios morais de uma sociedade, justificando tal comportamento pela vivência intensa ou exacerbada do lazer (STEBBINS, 1997; ROJEK, 1999a; WILLIAMS; WALKER, 2006). Entre os atos realizadas no contexto do lazer desviante, vivenciados especificamente pelos torcedores de futebol, evidenciam-se: depredação de trens, metros, transporte coletivo, patrimônio público e privado, roubos, brigas, saques e arrastões. A partir deste quadro destrutivo, começou-se a existir diferentes campanhas de conscientização para os torcedores, como a que foi realizada pelo metrô de São Paulo (PIMENTA, 1997). Nesta medida, criou-se um torcedor símbolo, Sampaio, que utilizava a linguagem do futebol para transmitir valores em relação à necessidade de se seguir as regras, tanto sociais, quanto esportivas.
Ao buscar estes tipos de condutas no exterior, podem-se depara com as ações dos hooligans. Primeiramente, o termo hooligan pode ser, tanto um comportamento ligado a uma família que apresenta conduta antissocial, quanto a um grupamento específico de torcedores. Dunning (1992) analisou o hooliganismo e, a apoiado em suas analises, se pode determinar consideráveis diferenças entre este movimento e o movimento das torcidas organizadas.
Pimenta (1997, p. 66) descreve uma torcida organizada (T.O.) por tais elementos: “[...] vestimenta, virilidade, cânticos de guerra, transgressões à regra, coreografias, sentimento de pertencimento ao grupo.”. O mesmo autor ainda aponta as relações hierárquicas, a coesão grupal e o estilo de vida (PIMENTA, 1997), como elementos que permeiam a descrição das torcidas organizadas. Para o reconhecimento dos hooligans, no entanto, algumas particularidades os diferenciam das Torcidas Organizadas. A primeira particularidade que diferencia os hooligans é que estes possuem simpatia com ideais xenofóbicos e movimentos políticos de extrema direita.
Os hooligans estão encobertos, ou seja, não possuem vestimenta diferenciada dos demais torcedores, não possuem uniforme próprio. Desse modo, estão vinculados somente ao clube, diferente das torcidas organizadas, em que os componentes vestem a camisa da torcida ao invés do uniforme do clube. É certo que ambos os movimentos se direcionam na utilização de violência para uma estratégia de autoafirmação. Tais fatos, unidos a outros como: declarações vinculadas na mídia, má organização esportiva e questões físicas do estádio, são também suscetíveis de ocasionar manifestações violentas e agressivas por parte dos torcedores.
Evidente que as semelhanças entre torcidas organizadas e hooligans são maiores do que as dessemelhanças, todavia, deve-se assimilar o âmbito sócio histórico do desenvolvimento de cada movimento. Desta forma, ambos são movimentos diferentes e necessitam de olhar especial, tendo em vista as peculiaridades de realidades e contextos.
Independente de tais dessemelhanças, uma das afinidades mais constantes entre as T.O e o hooliganismo é o envolvimento em conflitos entre facções rivais ou não e, com os policiais, além do prazer decorrente de tal prática, tendo o prazer de participar de tais atos de violência. É exatamente esse prazer em contrariar as regras e ultrapassar os limites éticos que caracteriza o lazer desviante, um dos desafios a serem ainda elucidados dentro da complexidade dos aspectos psicológicos envolvendo o lazer (SCHWARTZ, 2004).
Estes conflitos acontecem em lugares públicos, mesmo que nestes locais exista policiamento para se evitar esses conflitos. Estes elementos ressaltam a satisfação na infração à lei por parte dos envolvidos
2 - A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA FRENTE À VIOLÊNCIA NOS ESTÁDIOS DE FUTEBOL
O desporto surgiu na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 217, que segue:
“Art. 217. É dever de o Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais, como direito de cada um, observados:
I- A autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;
II- A destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento;
III- O tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;
IV- A proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.(...)”
Segundo Scheyla Althoff, a Justiça Desportiva é:
“(...) uma instituição de direito privado dotada de interesse público, tendo como atribuição dirimir as questões de natureza desportiva definidas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, formada por um conjunto de instâncias autônomas e independentes das entidades de administração do desporto.”
O Estatuto do Torcedor versa em seu 2º artigo o conceito de torcida organizada e a forma de cadastro de seus associados:
“Art. 2º - A. Considera-se torcida organizada, para os efeitos desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.
Parágrafo único. A torcida organizada deverá manter cadastro atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter, pelo menos, as seguintes informações:
I – nome completo; II– fotografia; III
– filiação; IV – número de registro civil; V– número do CPF; VI – data de nascimento; VII – estado civil; VIII – profissão; IX – endereço completo; X- escolaridade.”
A Constituição Federal de 1988 tem em seu artigo 5º a liberdade de associação garantida:
“XVII – É plena a liberdade de associação para fins lícitos, sendo vedado a de caráter paramilitar,”
Trazendo nesse dispositivo a garantia da criação das Torcidas Organizadas.
Outrossim, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva de 2010 dita em seu 1º artigo o papel da Justiça Desportiva e quem se submete ao mesmo:
“Art. 1º A organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva brasileira e o processo desportivo, bem como a previsão das infrações disciplinares desportivas e de suas respectivas sanções, no que se referem ao desporto de prática
formal, regulam-se por lei e por este Código.
§ 1º Submetem-se a este Código, em todo o território nacional:
I - as entidades nacionais e regionais de administração do desporto;
II - as ligas nacionais e regionais;
III – as entidades de prática desportiva, filiadas ou não às entidades de administração mencionadas nos incisos anteriores;
IV - os atletas, profissionais e não-profissionais;
V - os árbitros, assistentes e demais membros de equipe de arbitragem;
VI – as pessoas naturais que exerçam quaisquer empregos, cargos ou funções, diretivos ou não, diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva, em
entidades mencionadas neste parágrafo, como, entre outros, dirigentes,
administradores, treinadores, médicos ou membros de comissão técnica;
VII- todas as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto que não tenham sido mencionadas nos incisos anteriores, bem como as pessoas naturais e jurídicas que lhes forem direta ou indiretamente vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas.
(...)”
3 - PUNIÇÕES SEGUNDO AS NORMAS JURÍDICAS
Os atritos entre torcidas organizadas representam a denominada rixa (art. 137, caput, CP) que conceitua brigas generalizadas a violência recíproca entre mais de duas pessoas, tendo penalidade de quinze dias a dois meses de detenção e multa. Contudo, se esta representa crime mais intenso, como lesão corporal grave ou morte, a penalidade pode aumentar para a detenção de seis meses a dois anos (art. 137, parágrafo único, CP). De modo igual, se for analisar a intenção do indivíduo, ocorrerá na maioria dos casos a tentativa de homicídio (art. 121 c/c 14, II, CP) e os crimes de lesão corporal (art. 129, caput, CP). Os crimes de lesão corporal podem ter como sanção a detenção entre três meses a um ano, não constituindo lesões graves. Caso constitua, se enquadrara nas exigências dos § 1º (pena de reclusão entre um e cinco anos) e § 2º, acontecendo a reclusão de dois a oito anos. Na hipótese que se comprove o dolo e, desse modo, a tentativa de homicídio, o autor do delito terá diminuída a penalidade de um a dois terços da cominada pelo crime cometido, sendo a de homicídio doloso seis a vinte anos de reclusão.
O Estatuto do Torcedor (Lei nº 10.671/2003) propõe-se defender os direitos dos torcedores relacionados segurança, estruturas das praças esportivas, ingressos e relatórios. Igualmente, determina regras de condutar e punições a quem as violar. O art. 2º-A dispõe como torcida organizada a pessoa jurídica de direito privado que se organize a fim de torcer e apoiar uma entidade. No que se diz respeito aos conflitos, os artigos 39-A e 39-B são diretos em sua natureza, quando mencionam que a torcida organizada que estimule tumulto ou incentive a violência, será proibida de frequentar eventos esportivos pelo prazo de três anos e todos os integrantes respondem civilmente, de modo solidário pelos estragos causados por qualquer um de seus associados em alguma localidade que ocorra evento esportivo.
O artigo 41-B expõe sobre o crime de tumulto e incitação de violência, podendo acontecer a reclusão de um a dois anos e mais multa. Nos incisos do § 1º, declara que será passível de mesma pena o torcedor que suscitar o tumulto num raio de 5.000 metros do local de realização, na sua ida ou saída do mesmo. Não impeditivo, também está inserido quem conduzir qualquer instrumento que possa ser usado para a prática de violência. No § 2º é realçado que no momento da sentença, o juiz terá que converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento as proximidades do estádio, em um período de três meses a três anos de acordo com a gravidade da infração.
Em uma análise mais detida sobre o Estatuto verificamos que “apesar de não se restringir ao futebol, foi para ele que a maioria das considerações a respeito do EDT se voltou” (RIGO et al, 2006, p. 224). Sendo assim, um dos maiores temores do EDT encontra-se na segurança dos torcedores e na contenção da violência na assistência das práticas esportivas.
Dos 45 artigos do EDT, 16, de algum modo, abrangem a questão da segurança. Isso expõe sua centralidade no EDT. Conclui-se que 35,55% dos artigos tratam de algum modo, sobre à segurança. Além disso, oito dos seus 12 Capítulos integram, pelo menos, alguma menção à segurança. Somente os Capítulos VII, IX e X não se relacionam a esse item.
O entendimento que mais se destaca no EDT possivelmente seja o controle. Assim como as normas dos próprios esportes, o EDT tem o intuito de suspender ou limitar vontades individuais.
Para que se possa entender melhor esse controle, regressemos o surgimento dos “esportes modernos”, na Inglaterra do fim do século XVIII. Elias (1992) indica que os esportes se desenvolveram a partir de alterações em jogos e passatempos. O que particularizava os esportes é que eles integravam “um conjunto de regras que asseguravam o equilíbrio entre a possível obtenção de uma elevada tensão na luta e uma razoável proteção contra os ferimentos físicos” (ELIAS, 1992, p. 224). Desse modo, a questão “desportiva” possuiu “o caráter de um impulso civilizador” (ELIAS, 1992, p. 224), expandindo a ordem, a autodisciplina e o controle dos esportes nos momentos de lazer.
As normas serviriam, e ainda servem, para que se controle o nível dessa pressão agradável. Se a pressão fosse muito baixa, poderia ser tediosa; se fosse exacerbada, se tornaria perigosa e possivelmente impulsiva. Isso tudo com a finalidade de defender o usufruto do esporte como lazer. Deste modo símil, a principal atenção do EDT aparenta ser a tentativa de controle dessa pressão na assistência e normatização das práticas esportivas, limitando a possibilidade de ações violentas. Para tal, um dos métodos mais utilizados, é o impedimento da entrada nos estádios de torcedores que já atuaram em brigas, conforme disposto o Artigo 5º:
“(...) Parágrafo único. As entidades de que trata o caput farão publicar na internet, em sítio dedicado exclusivamente à competição, bem como afixar ostensivamente em local visível, em caracteres facilmente legíveis, do lado externo de todas as entradas do local onde se realiza o evento esportivo: (...) VI – a relação dos nomes dos torcedores impedidos de comparecer ao local do evento desportivo (Brasil, 2003).”
Na continuação está o Capítulo IV - “Da segurança do torcedor partícipe do evento esportivo” (Brasil, 2003). Este capítulo contém os artigos de 13 a 19, todos eles referentes à violência e à segurança nos estádios, com exceção do Artigo 15.
No Artigo 13, lê-se: “O torcedor tem direito à segurança nos locais onde são realizados os eventos esportivos antes, durante e após a realização das partidas” (Brasil, 2003). Percebe-se nesse fragmento um temor temporal com a segurança do torcedor: as condições seguras para o público espectador estariam garantidas antes, durante e após a partida.
“(...) a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão: I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos (Brasil, 2003).”
No fragmento é fácil entender uma inquietude espacial em relação à segurança, pois deve haver uma segurança dentro e fora dos estádios para os torcedores e demais. Os encarregados por essa segurança são apresentados: a entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e seus dirigentes. Ademais, os indivíduos que precisam zelar por essa segurança também são mencionados: os agentes públicos de segurança, devidamente identificados.
Silva et al (2007) realizou entrevistas com o público participante dos jogos de futebol, essas entrevistas continham uma questão que questionava sobre o grau de segurança dos torcedores em três situações: “chegada ao estádio (imediações)”, “permanência no estádio” e “saída do estádio (imediações)”, em uma graduação que variava entre “alto”, “médio” e “baixo”.
29,16% dos torcedores consideraram baixo o nível de segurança na “chegada ao estádio”. À cerca disso, os torcedores relataram que a segurança é diferente de jogo pra jogo, relataram também que é mais seguro que se chegue o mais cedo possível e que não viriam em dia de clássico.
Essas respostas se assemelham com uma divisão de risco dos jogos proposto por Reis (2006). A autora considera jogos com rivalidade hostil entre as torcidas jogos de fase decisiva de campeonato; jogos com grande número de espectadores; e aqueles cujos estádios não possuem boa infraestrutura, como jogo de altos riscos. No período em que se permanecem no estádio, apenas 10,83% dos torcedores consideraram baixo o nível de segurança, no entanto, os torcedores não justificaram a opinião. Já os 50,83% dos torcedores que consideraram o nível de segurança alto, dentro do estádio, justificam sua posição por falas como: “sento longe de torcida organizada” ou “sento em cadeira especial”.
Em relação à saída do estádio 48,33% dos entrevistados analisam como baixa a segurança. Os torcedores alegam: “tem que ter cuidado”, “é tensa”, “pior hora, não tem policiamento”, “bicho pega!”, “geralmente os torcedores estão exaltados, principalmente quando o time perde”.
De maneira oposta do Artigo 13, que considera a questão temporal da segurança do torcedor, nota-se um outro tipo de abordagem em relação à segurança no Artigo 14:
(...) a responsabilidade pela segurança do torcedor em evento esportivo é da entidade de prática desportiva detentora do mando de jogo e de seus dirigentes, que deverão:
I – solicitar ao Poder Público competente a presença de agentes públicos de segurança, devidamente identificados, responsáveis pela segurança dos torcedores dentro e fora dos estádios e demais locais de realização de eventos esportivos (Brasil, 2003).
É possível reparar uma inquietação espacial em relação à segurança, pois os torcedores devem estar seguros não somente nos locais onde as partidas estão sendo realizadas, como também fora dela, ou ao redor. Pelo disposto no artigo entende-se que os responsáveis pela segurança são as entidades de pratica desportiva detentora do mando de jogo, ou seja, na sua grande maioria a responsabilidade da segurança é do clube mandante do jogo e seus dirigentes.
55,83% dos torcedores entrevistados consideram-se seguros ao vir para o estádio. Essa sensação só ocorre por determinados hábitos acolhidos por esses torcedores, que lhes trazem segurança, como “venho em jogo com menos movimento”, “venho mais cedo e saio mais tarde do estádio”, “de carro está seguro, de buzão não”.
No caso de quando já estão dentro do estádio, aumenta para 83,33% a sensação de segurança. De acordo com os informes dos torcedores: “nunca me meti em confusão”, “fico em cadeira especial”, “desde que esteja em um lugar tranquilo, longe da torcida organizada”. É para se destacar nessas falas que a segurança dos torcedores dentro do estádio está relacionada ao lugar, ou setor, que ocupam no estádio e a proximidade, ou não, de torcidas organizadas. Desse mesmo modo, Toledo (1996) admite que uma boa parcela da violência nos estádios pode estar relacionada às torcidas organizadas, entretanto, diverge dos discursos que tendem a elegê-las como as únicas promotoras dessa violência.
Voltando à análise do EDT, encontramos no Artigo 16:
“É dever da entidade responsável pela organização da competição: (...)
II - contratar seguro de acidentes pessoais, tendo como beneficiário o torcedor portador de ingresso, válido a partir do momento em que ingressar no estádio (Brasil, 2003).”
Esse trecho já evidencia que o espaço onde ocorre esses eventos tendem a ser perigos, visto que já é garantido por dispositivo legal que os torcedores serem protegidos por um seguro, a partir do momento que adentram ao estádio. A violência, tumultos e brigas, é um dos componentes dessa periculosidade.
Na sequência, no Artigo 17, temos:
“É direito do torcedor a implementação de planos de ação referentes a segurança, transporte e contingências que possam ocorrer durante a realização de eventos esportivos. (...)
§ 2º Planos de ação especiais poderão ser apresentados em relação a eventos esportivos com excepcional expectativa de público (Brasil,2003).”
Destaca-se que apesar da segurança ser preocupante em qualquer jogo. Em jogos com grande expectativa de público, esse temor fica ainda mais crítico. No decorrer da realização das entrevistas, notou-se que grande parte dos torcedores ansiava por mais segurança no estádio. Alguns ancoravam segurança à presença não apenas física, mas também no trato com o torcedor, da Polícia Militar (PM). Segundo o depoimento de alguns torcedores: “não há diálogo, os policiais já chegam batendo”, “os policiais batem, usam excesso de força”, “os policiais têm que ser melhores preparados”. A missão institucional da Policia Militar é “exercer a segurança pública, através do policiamento ostensivo fardado, assegurando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. Em dias de jogos, a atuação também se dá no sentido de evitar tumultos e confrontos entre as torcidas.
Pimenta (1997), em seu livro, cita que são desenvolvidas estratégias antiviolência. São distribuídos os policiais militares escalados para trabalhar em dia de jogo, em cada setor no estádio, distribuindo os mais preparados aos setores onde ocorrem mais conflitos, e os menos preparados nos setores ditos mais tranquilos. Seguindo uma estratégia pré-definida pelo comandante que leva em consideração as características de cada policial. Para Pimenta (1997), existe uma aversão entre a polícia militar e as torcidas organizadas. De acordo com o autor, para as torcidas organizadas a polícia militar é arrogante e muitas vezes autoritária; para a Policia Militar, as torcidas organizadas precisam ser contidas. Desse modo, fica limitado o diálogo entre polícia militar e torcida organizada, retratando, como consequência, em um sentimento de insegurança em relação à Policia Militar. Ou seja, a Policia Militar, torna-se um agente de insegurança para os torcedores, sendo essa instituição a que deveria ser a guardiã da ordem pública. Ainda segundo o autor, os policiais que se encontram dentro de campo e que são responsáveis pela segurança dos árbitros e jogadores, são os que, além da habilidade física, possuem também uma melhor facilidade de comunicação.
O Artigo 18 traz mais um mecanismo de controle dos torcedores instituído pelo EDT. O “monitoramento por imagem do público” (Brasil, 2003) e a existência de uma “central técnica de informações” (Brasil, 2003) tendo como finalidade inibir atos violentos e possibilitar a identificação de torcedores transgressores.
Concluindo o Capítulo IV, o Artigo 19 trata sobre a questão das responsabilidades por prejuízos causados aos torcedores por lapsos de segurança, fazendo como referência o Artigo 15, que trata das entidades de práticas esportivas detentoras do mando de jogo:
“As entidades responsáveis pela organização da competição, bem como seus dirigentes respondem solidariamente com as entidades de que trata o art. 15 e seus dirigentes, independentemente da existência de culpa, pelos prejuízos causados a torcedor que decorram de falhas de segurança nos estádios ou da inobservância do disposto neste capítulo (Brasil, 2003).”
É possível notar também que o EDT tem como finalidade instaurar um novo costume no esporte, tentando modificar ou restringir hábitos e comportamentos do torcedor. É peculiar de todos os esportes desenvolverem hábitos específicos. Elias retrata as alterações nos costumes da caça à raposa na Inglaterra do século XVIII, em que tal prática começou a tomar moldes esportivos. Constrangida por novas regras, a caça à raposa desenvolve um novo ethos, sobre o qual, Elias relata:
“O aumento das restrições quanto à aplicação da força física e, em particular, sobre o acto (sic) de matar, e, como expressão dessas restrições, o deslocamento do prazer experimentado em praticar a violência para o prazer de ver a violência cumprir-se, podem ser observados como sintomas de um impulso de civilização em muitas outras esferas da actividade(Sic) humana. (Elias, 1992b, p. 241)”.
De modo similar o EDT também procura estabelecer um novo habito no esporte brasileiro, especialmente no futebol. Com uma série de restrições e mecanismos de controle, o EDT tende a igualar ‘torcer’ e ‘consumir’. Um dos trechos do EDT mais emblemático dessa tentativa encontra-se no Artigo 22:
“São direitos do torcedor partícipe:
I – que todos os ingressos emitidos sejam numerados; e
II – ocupar o local correspondente ao número constante no ingresso (Brasil, 2003).”
No Brasil não se tem o habito de sentar em local correspondente ao número constante no ingresso. Contudo, o EDT normatiza a demarcação de lugares gerando um novo modelo de comportamento nesse espaço. No EDT também se verifica a intenção de igualar o torcedor ao consumidor, em outra faceta dessa mudança de costume, que será abordada também na análise do Artigo 40. No decorrer da pesquisa do Observatório do Torcedor (Silva et al, 2007), um torcedor salienta o não habito do brasileiro de sentar em local numerado, correspondente ao número do seu ingresso. “Marcar lugar no Brasil, babaquice. Deveria tirar as cadeiras, ruim para comemorar o gol, não tem como correr na hora da briga”. Segundo Schröder (2007), o EDT foi criado em um modelo europeu, onde é normal os torcedores sentarem em seus devidos lugares numerados.
O Artigo 23 do EDT trata da questão da verificação periódica das estruturas físicas dos estádios que permitam condições adequadas de segurança, como se pode ler:
“O Artigo 23 do EDT envolve a questão da verificação periódica das estruturas físicas dos estádios que permitam condições adequadas de segurança, como se pode ler:
A entidade responsável pela organização da competição apresentará ao Ministério Público dos Estados e do Distrito Federal, previamente à sua realização, os laudos técnicos expedidos pelos órgãos e autoridades competentes pela vistoria das condições de segurança dos estádios a serem utilizados na competição. § 1º Os laudos atestarão a real capacidade de público dos estádios, bem como suas condições de segurança (Brasil, 2003).”
O Artigo 25 faz referência ao Artigo 18 e trata sobre o uso de imagens como mecanismos de controle do público. Lê-se: “O controle e a fiscalização do acesso do público ao estádio com capacidade para mais de vinte mil pessoas deverá contar com meio de monitoramento por imagem das catracas” (Brasil, 2003).
Nota-se também no EDT um temor especifico com a segurança dos torcedores nos meios de transporte e nos momentos de entrada e saída do estádio. O Artigo 26 dispõe sobre esse aspecto:
“Em relação ao transporte de torcedores para eventos esportivos, fica assegurado ao torcedor partícipe: (...)
III - a organização das imediações do estádio em que será disputada a partida, bem como suas entradas e saídas, de modo a viabilizar, sempre que possível, o acesso seguro e rápido ao evento, na entrada, e aos meios de transporte, na saída (Brasil, 2003).”
As penalidades são outro mecanismo utilizado com o intuito de controle e que permeia o EDT. O Artigo 37 trata das punições a entidades e dirigentes esportivos, proporciona maior gravidade àqueles que incorrerem na “violação das regras de que tratam os Capítulos II, IV e V desta Lei” (Brasil, 2003). O Capítulo IV, “Da segurança do torcedor partícipe do evento esportivo” (Brasil, 2003), revela mais um indício da relevância da segurança do torcedor no EDT.
Prontamente o Artigo 39 versa sobre as penalidades aos torcedores envolvidos em atos violentos, seja no estádio ou em suas redondezas:
“O torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir local restrito aos competidores ficará impedido de comparecer às proximidades, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de três meses a um ano, de acordo com a gravidade da conduta, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.§ 1º Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que promover tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de cinco mil metros ao redor do local de realização do evento esportivo (Brasil, 2003).”
Vale salientar que o desenvolvimento do esporte e de seus mecanismos de controle em uma sociedade está atrelado ao desenvolvimento dessa própria sociedade e de seus mecanismos de controle. Elias afirma “que os estudos do desporto que não sejam simultaneamente estudos de sociedade, são análises desprovidas de contexto” (Elias, 1992a, p. 48). O EDT formaliza novos códigos do esporte, seguindo um papel semelhante ao Código Penal e ao Código de Defesa do Consumidor. O EDT, inclusive, faz menção aos direitos dos torcedores, equiparando-os a consumidores no Artigo 40: “A defesa dos interesses e direitos dos torcedores em juízo observará, no que couber, a mesma disciplina da defesa dos consumidores em juízo (...)” (Brasil, 2003). É possível interpretar também essa aproximação do torcedor com o consumidor como uma tentativa de mudança de hábitos no esporte, conforme descrito na análise do Artigo 22.
O Artigo 44 versa: “O disposto no parágrafo único do art. 13, e nos arts. 18, 22, 25 e 33 entrarão em vigor após seis meses da publicação desta Lei” (Brasil, 2003). Os artigos 13, 18, 22 e 25 estão diretamente ligados à segurança e à violência. Percebe-se, deste modo, um temor acentuado com a violência, até mesmo pelo tempo disponibilizado (seis meses) para a implementação de medidas que possam minimizá-la nos estádios.
O EDT surge com um dos objetivos de formalizar a apreciação do esporte brasileiro, configurando-se um modo interessante e, quiçá promissor, em busca de solucionar um dos principais problemas atuais do futebol: a violência.
Finalmente, como já demonstrado que a violência ainda é uma das principais razões de preocupação dos torcedores, o EDT traz mecanismos para protegê-los nessa atividade de lazer. Percebe-se que o EDT tem foco especial em questões de violência física, como pode ser verificado a partir dos seus vários artigos que se referem ao tema. Esses artigos apresentam questões como: mecanismo de controle da violência, sobretudo dos torcedores; aparelhagem técnica necessária/exigida nos estádios para a manutenção da segurança; segurança na área interna e externa ao estádio, bem como antes, durante e após os jogos; determinação dos responsáveis pela segurança nos dias de eventos esportivos; penalidades cabíveis para torcedores, entidades ou dirigentes que transgridam as regras dispostas no EDT. Se fossem deliberadas essas exigências do EDT, se na pratica ocorresse tudo conforme dita o EDT, o torcedor apreciaria de modo mais seguro, seus momentos de lazer esportivos.
Considerações Finais
Há uma uniformidade no entendimento dos autores apresentados no artigo quando é posto que a violência entre grupos (no caso, das torcidas organizadas) merece um cuidado maior, pois é uma consequência de um padrão político, econômico e social. A ação vai acontecer quando algo intimidar a paridade ou a imaginada autoridade da torcida, então essa tenderá a mesma opressão para se mostrar intocável, mesmo que isso vá afetar seus membros individualmente, devido ao entendimento que a violência deve se resolve com violência.
É costumeiro que um cidadão para associar-se a uma torcida organizada que tenha um sentimento violento, se corrompa, para que seja admitido ao grupo. O que incentiva a violência são os casos de impunidades em casos de rixa entre torcidas, na grande maioria dos casos, o punido é sempre o clube a que as torcidas pertencem, nos casos de conflitos no estádio ou a redor. Os responsáveis pela segurança nos estádios são na sua grande a Policia Militar, a falha está na falta de preparo que os policiais tem para lidar com o público que frequenta os jogos de futebol, Apesar de muitos cumpram o seu trabalho de modo honesto, há quem faça uso da violência gratuita e de insinuações com a finalidade de poderem empregar a violência contra torcedores. Uma medida de prevenção, segundo Neto (2014) seria criar de um novo tipo penal, juntando-se ao artigo 137, o crime de rixa. Este caso é muito complexo, por envolver as três esferas de poder (legislativo, judiciário e executivo), porém se ajustaria precisamente aos delitos cometidos em estádios, ou em outros locais, mas assim mesmo, envolvendo o esporte.
O Estado sempre se inclina a dedicar-se no modo rápido e ineficaz que é o impedimento de alguns torcedores frequentarem estádios (no entanto, não ocorre fiscalização) ou ordenar que uma partida seja realizada apenas com torcida única, ou seja, não é autorizado a venda para torcida visitante, somente a torcida do clube mandante tem o direito de acompanhar o jogo. Por mais que na teoria essas ações no sejam sedutoras, na pratica elas não conseguem nem controlar e nem diminuir a violência relacionada ao futebol.
O modo eficiente que o Estado, ao lado dos clubes de futebol brasileiros, deve tomar inicialmente é o do diálogo. Todas as partes devem ser ouvidas, os torcedores, os clubes e o Estado. Com a criação desses vinculo as medidas e estratégias a serem tomadas e aplicadas, serão mais positiva, para que se diminua cada vez mais brigas relacionadas a futebol e envolvendo torcedores.
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Cursando Direito 9° Período em RO, Estagiário no Tribunal de Justiça de Rondônia, Estagiário no Escritório Neves & Neves, Estagiário na Procuradoria do Detran de Rondônia, estagiário no Instituto Federal, Estagiário da ONU em Rondônia na Vara de Execução Penal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, João Henrique Miranda da. As brigas de torcida é um fenômeno social ou causada pela facilidade da lei? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2021, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56309/as-brigas-de-torcida-um-fenmeno-social-ou-causada-pela-facilidade-da-lei. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Ronaldo Henrique Alves Ribeiro
Por: Marjorie Santana de Melo
Por: Leonardo Hajime Issoe
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
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