RESUMO: O abandono afetivo é um termo presente nas relações humanas, principalmente nas relações familiares, sendo mais comumente utilizado na relação pais x filhos, entretanto é necessário trazer à tona o inverso: quando os filhos abandonam os pais na fase em que mais precisam – a velhice. O presente artigo tem por objetivo principal analisar pontos relevantes acerca do cabimento da responsabilização jurídica dos filhos em relação aos pais idosos quando estes sofrem de descuido ou indiferença por parte da família. Serão apontados, ainda, os direitos da pessoa idosa quando ausente a afetuosidade familiar, além da visualização do idoso nos modelos atuais de família.
Palavras-chave: Relações familiares. Responsabilização. Abandono afetivo. Idosos.
ABSTRACT: Affective abandonment is a term present in human relationships, especially in family relationships, being more commonly used in the parent-child relationship, however it is necessary to bring up the reverse: when children leave their parents at the stage when they need it most - old age . The main objective of this article is to analyze relevant points about the appropriateness of children's legal responsibility in relation to elderly parents when they suffer from carelessness or indifference on the part of the family. The rights of the elderly person will also be pointed out when family affection is absent, in addition to viewing the elderly in current family models.
Keywords: Family relationships. Accountability. Affective abandonment. Elderly.
Sumário: Introdução. 1. O histórico dos direitos do idoso e a Constituição de 1988. 2. Os deveres parentais em relação ao idoso. 3. Os elementos da responsabilidade civil no âmbito familiar. 3.1. O conceito e elementos do dano moral. 3.2. A responsabilização civil na família. 4. O abandono parental inverso e o dever de indenizar. Conclusão. Referencial bibliográfico.
INTRODUÇÃO
O abandono afetivo normalmente é discutido sob a ótica de filhos que são abandonados pelos pais, o que não é incomum, principalmente pela figura paterna. De acordo com dados demonstrados pela Central Nacional de Informações do Registro Civil[1], mais de 80 mil crianças são registradas sem o nome do pai apenas no ano de 2020, o que revela traços sociais de uma cultura escassa em responsabilidade afetiva.
Sob outro prisma, chega-se à análise do abandono parental inverso: aquele ocorrido pelos filhos em relação aos pais quando estes chegam na fase idosa – a “terceira idade”. Destaca-se que, normalmente, a criança evolui e cada vez menos tem a necessidade, física e afetiva, de depender dos pais. O contrário ocorre com os idosos, que cada vez mais precisam de seus filhos, pois são sabidas as características típicas da idade avançada: muitas vezes há o acometimento de doenças, das mais leves às mais graves, principalmente as patologias psicológicas, sendo certo que, nessas condições, há um grande aumento da dependência.
De certo se sabe que, com o avançar da idade, a saúde de forma geral ganha um aspecto mais frágil e muitas vezes se tornarem vulneráveis em razão de moléstias, o que pode torná-los debilitados física e mentalmente. Isso gera um grande impacto em todos os âmbitos da vida, principalmente em relação à redução da autonomia. Sabe-se, também, que não são todos os conceituados como idosos que se encontram nessa situação, mas acertadamente é necessário garantir a este grupo prioritário a devida proteção pelo Estado e por toda a sociedade.
Mas acima das condições físicas e psicológicas do indivíduo, deve-se dar especial atenção à afetividade, ou seja, ao cuidado, ao apoio, à sororidade, pois nesta fase há uma maior sensibilidade emocional por parte do idoso, tendo em vista que é comum as pessoas se sentirem inválidas, ou até mesmo um peso para os familiares, por isso é tão fundamental dar condições dignas à vida do idoso, de forma que este se sinta acolhido e rompa com quaisquer sentimentos de desvalia sobre si mesmo.
Neste diapasão, faz-se a seguinte análise: o Direito anda atrás da sociedade, ou seja, primeiro os fatos acontecem para que, assim, venha o ordenamento jurídico (em sentido lato) e dê aos fatos os respectivos comandos legais, isto é, as leis jamais alcançarão toda e qualquer situação existente, mas através da hermenêutica jurídica são investigados os fatos de forma minuciosa para que assim seja aplicado o melhor Direito ao caso concreto.
Assim como as demais normas, os direitos dos idosos surgem no ordenamento jurídico, conforme contextualização histórica a ser tratada em tópico adiante. Na abordagem moderna, já não restam dúvidas de que os idosos têm proteção legal, dando um especial tratamento ao texto constitucional, no artigo 229, que diz: “... os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice”, esse comando legal irradia para os demais textos legais do ordenamento, mas somente por ele já há interpretação de que os filhos têm responsabilidade em relação aos pais, no sentido de garantir ao idoso a dignidade, compreendida na vida, alimentação, saúde, lazer, dentre outros que dizem respeito à qualidade de vida e de tratamento.
Aliás, não só a família tem esse dever, mas também toda a sociedade, pois, em razão do princípio da igualdade – ou da isonomia –, os que carregam consigo uma desigualdade deverão ter, por parte de todo o mecanismo social – Estado, sociedade e família, tal condição suprimida, ou pelo menos amenizada, através de uma série de práticas trazidas pelas leis, como é o caso da prioridade de atendimento tanto em estabelecimentos públicos como privados (Lei 10.048/00), prioridade de tramitação processual (art. 71, Estatuto do Idoso), garantia a passagem gratuita ou com valor reduzido em transportes públicos (art. 40, Estatuto do Idoso), igualdade de valores em planos de saúde (art. 15, Lei 9.656/68) etc. Até mesmo o Código Penal trata como agravante se os crimes cometidos contra idosos se derem em razão desta condição.
Nos casos de abandono por parte da família – do desamparo familiar - haverá, portanto, o dever de indenizar? Se houver, a pecúnia pode mesmo ser considerada como compensação para fins reparadores na esfera psicológica?
O objeto principal do presente trabalho é analisar o reconhecimento da pessoa idosa como detentora de direitos em especial quanto à sua condição etária, destacando os momentos históricos marcantes, até o momento em que isto chega a ser tratado pela Constituição federal de 1988, para que, enfim, se chegue à apreciação da responsabilidade civil no âmbito familiar, tanto no aspecto legal como jurisprudencial, uma vez tendo ocorrido o abandono dos pais por parte dos filhos.
1. O histórico dos direitos do idoso e a Constituição de 1988
A sociedade brasileira durante grande parte de seu histórico foi formada por jovens. Até a década de 1980 os registros demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a composição social era piramidal, ou seja, tinham mais jovens do que idosos. Com o aumento do uso e dos tipos de métodos contraceptivos e o ganho de espaço no mercado de trabalho pela mulher, as famílias se tornaram menores – com cada vez menos filhos por pessoa, e até mesmo pelo número de indivíduos que escolhem não ter filhos – o que levou a um aumento significativo da população idosa, ou seja, houve a inversão da pirâmide.
Isso contribui diretamente na luta, e conquista, por direitos de pessoas idosas, pois não há como deixar um grande grupo social – nem mesmo se pequeno fosse –, com as suas peculiaridades, sem proteção legal. Até porque, com o aumento da expetativa de vida faz com que o idoso participe muito ativamente no organismo social, surgindo, por exemplo, o aumento na idade da aposentadoria.
No Brasil, em âmbito constitucional, as Cartas Maiores de 1824 e 1891 sequer mencionavam os idosos. A inovação foi trazida pela Constituição de 1934, em que ficou estabelecida a previdência social para a pessoa idosa. As constituições seguintes mormente mantiveram a disposição.
A Constituição Federal de 1988, por mais que não tenha em seu texto muitos elementos dispondo sobre os idosos, trouxe expressamente os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da isonomia, que norteiam não só a sociedade, mas também os demais textos legais sobre o tema, pois são princípios de caráter geral e que servem para regular todo o tipo de relação.
Acerca da dignidade da pessoa humana, pode-se aferir sem dúvidas que independentemente de idade, são assegurados a todos o tratamento humano e os demais pilares que sustentam a dignidade: a saúde, a educação, a alimentação, a moradia, o lazer, a proteção ao trabalho etc. Em especial à condição de idoso, há peculiaridades, que podem ser justificadas em razão dos princípios da igualdade e isonomia, como por exemplo: a aposentadoria em razão da idade, o voto facultativo etc., além de a Constituição vedar expressamente a discriminação em razão de critérios etários.
Ainda dentro do texto constitucional, há menção ao dever de amparo por parte dos filhos em relação aos pais idosos, disposições constantes dos artigos 229 e 230 da CF:
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§1º Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§2º Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
Surge, portanto, a partir da Carta Magna de 88, o direito dos idosos de forma mais clara e individualizada, pois os princípios também instituídos pelo seu texto nortearam a interpretação e a criação das demais leis no sentido de dar especial atenção a este grupo. Outro marco legal no contexto histórico do direito dos idosos foi a definição do conceito de “idoso”, através da Lei 8.842/94:
Art. 2º Considera-se idoso, para os efeitos desta lei, a pessoa maior de sessenta anos de idade.
Necessário destacar, ainda, a disposição trazida pelo Código Civil de 2002 (art. 1.696), que impôs a prestação de alimentos aos idosos, da mesma forma que obriga aos pais em relação aos filhos, pois a principal característica dos alimentos é garantir a subsistência do alimentando, não há como fazer distinções em razão da idade, pois este direito é inerente à pessoa humana independentemente de faixa etária. Com isso, o binômio necessidade x possibilidade também se aplica aos idosos, com igual fundamento nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Este último além de ser um direito, também é considerado um dever, uma vez que a família é considerada a base da sociedade, nos termos da Constituição, e, caso o idoso precise, a família será a primeira opção para garantir meios a subsistência deste indivíduo.
Somente no ano de 2003 – que para a ciência jurídica é considerado como recente – é que foi criado o Estatuto do Idoso, através da Lei 10.741. Apesar de ser uma lei pequena, somente com 118 artigos, considera-se, além da Constituição, o pilar da proteção ao idoso, pois conquistou-se normas, tanto de cunho geral, como específico, em busca da proteção ao idoso, reconhecendo os valores a ele inerentes, além da busca por políticas públicas que visem a inclusão social e a proteção a quaisquer negligências contra o ocupante da terceira idade.
Com o advento do Estatuto do Idoso os ditames constitucionais puderam transparecer de forma mais clara, restaram garantidos direitos especiais às pessoas idosas, levando-se em consideração a situação natural de risco em que se encontram, sendo necessários comandos normativos que tanto designem ações positivas para concretizar as prerrogativas, como também para prevenir e proibir condutas abusivas por parte do Estado, da sociedade e até mesmo da família, além de evitar omissões que possam vir a causar qualquer prejuízo em razão da condição de idoso.
Adentrando no texto do Estatuto do Idoso, são garantidos expressamente os direitos à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária (art. 3º, Lei 10.741/03). Como se vê, são direitos inerentes a todo e qualquer ser humano, mas agora há um dispositivo que os direciona especificamente para os idosos.
Ao longo do Estatuto, há importantes considerações a serem trazidas, principalmente no tocante ao artigo 3º, quando há menção à “absoluta prioridade” na garantia destes direitos. Isso significa que houve por parte do legislador a sensibilidade no reconhecimento do grupo de pessoas acima de 60 anos – que é o grupo etário convencionado como idoso – como vulneráveis e expostos às mais variadas formas de discriminação e abuso perante a sociedade, além dos demais fatores relacionados à saúde que, por naturalidade, deixam os idosos em posição de desigualdade. Essa expressão demonstra, ainda, a importância da proteção àquele que já contribuiu, e ainda contribui, para a construção da sociedade, deixando heranças que serão usufruídas pelas gerações sucessoras. Mas ainda que não tivesse contribuído, teria seus direitos resguardados pela simples condição de ser humano e pelas peculiaridades a que se guarda em razão da idade.
2. Os deveres parentais em relação ao idoso
A partir da análise histórica dos direitos dos idosos, é necessário destacar a importância da família na preservação da integridade e proteção a possíveis violações de direitos, além da solidariedade – enquanto direito e dever, porque esta é a principal instituição de efetivação dos direitos dos idosos.
A família pode ser vista, primordialmente, sob dois aspectos: o primeiro é o biológico, ou seja, é o núcleo constituído a partir da ancestralidade; o segundo é o afetivo, tendo em vista que principalmente após a promulgação da CRFB/88, não mais é possível considerar um modelo uniforme de família, tendo em vista as múltiplas modificações que sofreu ao longo do tempo.
Nesse sentido, leciona Maria Berenice Dias[2]:
“Afirmar que é uma relação que vincula entre si pessoas que descendem uma das outras ou descendem de um tronco comum abrange só o parentesco por consanguinidade, deixando de fora o parentesco decorrente da adoção, de origens outras, bem como os vínculos de afinidade”.
Ao contrário da divisão entre parentesco biológico e por afinidade, há na doutrina quem defenda que não há distinção entre as relações parentais, então estão englobados nos conceitos de parentesco todos os tipos de relação familiar, opinião esta defendida por Flavio Tartuce[3], por exemplo.
A partir daí, nasce a oportunidade de mencionar os deveres existentes entre os pais e os filhos. Em primeiro lugar, o poder familiar – denominação dada ao conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais[4] - está contemplado no artigo 1.634 do Código Civil, que traz um rol (exemplificativo) dos deveres dos pais em relação aos filhos, dentre eles mencionados os que devem levar em consideração o seu consentimento, dever de educação, assim como dispõe, indiretamente, que os filhos também devem obediência e respeito aos pais, o que deve ser recíproco, tendo em vista que os filhos também hão de ser respeitados.
Destaca-se que, dentre os deveres dos pais perante os filhos, há o dever alimentar, independentemente da condição dos genitores, podendo estes estarem em um relacionamento, seja de casamento ou união estável, ou não, por isso é tão comum em ações de divórcio e separação judicial já ficar preestabelecido, de acordo com as necessidades, a forma de prestação dos alimentos, bem como as demais convenções em relação à convivência etc.
Já com relação aos deveres dos filhos em relação aos pais, estes ao se tornarem idosos de acordo com os critérios legais e caso não haja a possibilidade de manterem o seu sustento, o Estatuto do Idoso, no já mencionado artigo 3º, reforça que é dever da família garantir o direito à vida, a alimentação, educação, lazer, entre outros.
Apesar de o Poder Público ter um papel ímpar na proteção dos idosos, a família é primordialmente considerada como responsável, tendo em vista que, tendo vínculo sanguíneo ou não, é nessa instituição que o indivíduo está inserido naturalmente. Sendo assim, a partir do momento que o idoso se vê em situação de não ter mais condições de arcar com seu sustento, de acordo com o comando legal emanado pela CF, pelo Código Civil e pelo Estatuto do Idoso, interpretados conjuntamente, surge para os filhos a responsabilidade alimentar pelos pais.
O Código Civil deixa claro que haverá obrigação recíproca entre pais e filhos na prestação alimentar, além disso o Código ainda permite que os parentes, cônjuges ou companheiros busquem uns aos outros no caso de aquela prestação alimentar prejudicar o seu próprio sustento, ou seja, haverá uma força conjunta para que a obrigação alimentícia não se torne por demais onerosa a uma só pessoa (necessidade x possibilidade), in verbis:
Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.
§ 1 o Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.
§ 2 o Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.
Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.
Art. 1.696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros. (grifo)
Nesse cenário, importante também é o papel do Poder Público, dispondo assim Maria Berenice Dias:
Na ausência de condições do idoso bem como de seus familiares de lhe proverem o sustento, a obrigação é imposta ao poder público, no âmbito da assistência social (EI 14). Trata-se do dever de amparo, nada mais do que a obrigação do Estado de lhe prestar alimentos.
Dessa maneira, além da família, o Estado também é detentor de responsabilidade perante o idoso, subentende-se que deverá ainda, através de leis e demais dispositivos legais, fora a responsabilidade subsidiária pela prestação alimentícia, impor políticas de proteção aos idosos, concretizando ações positivas de garantia de seus direitos, proibir quaisquer omissões que possam prejudicar ou retirar o acesso do idoso aos seus direitos, bem como punição daquele que contribuir, direta ou indiretamente, para que isso ocorra.
Mas não só sob esse prisma devem ser analisado o papel do Estado como executor de práticas que coíbem a violação, bem como garantir o direito dos idosos, é necessário também analisar o papel do Estado-juiz. Sob esse ângulo, cabe demonstrar como a jurisprudência tem lidado com o tema.
Certamente, há um alinhamento dos Tribunais no sentido de reforçar o entendimento já expresso no Código Civil e no Estatuto do Idoso, no que diz respeito à responsabilidade dos filhos, bem como a prestação de alimentos:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. IDOSA VERSUS FILHO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. APELO DO RÉU/ALIMENTANTE. PRETENSÃO DE REDUÇÃO DA VERBA FIXADA NA ORIGEM NO EQUIVALENTE A 23% DOS SEUS RENDIMENTOS. IMPOSSIBILIDADE. MONTANTE QUE SEQUER FAZ FRENTE ÀS DESPESAS DA GENITORA IDOSA. RÉU QUE, ADEMAIS, NÃO LOGROU COMPROVAR A IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM O MONTANTE ARBITRADO. BINÔMIO POSSIBILIDADE-NECESSIDADE BEM EQUACIONADO NA ORIGEM. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. É recíproco o dever de prestar alimentos entre pais e filhos, nos termos do art. 1.696, do CC/02, e o arbitramento da correlata obrigação, segundo exegese do art. 1.694, § 1º, CC/02, deve considerar as possibilidades do prestador e as necessidades do beneficiário. Nos termos do art. 3º do Estatuto do Idoso, outrossim, "é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária", estabelecendo o art. 12 da Lei n. 10.741/2003, ademais, a solidariedade entre todos os prestadores da obrigação alimentar devida ao idoso. (TJ-SC - AC: 03064101920158240038 Joinville 0306410-19.2015.8.24.0038, Relator: Jorge Luis Costa Beber, Data de Julgamento: 14/09/2017, Primeira Câmara de Direito Civil). (destaque)
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE ALIMENTOS. PESSOA IDOSA. ALIMENTOS ENTRE ASCENDENTE E DESCENDENTE. CABIMENTO. Os alimentos são cabíveis porque calcados na assistência mútua existente entre os ascendentes e descendentes, mormente quando demonstrado que o alimentando é idoso e necessita do auxílio do filho para sua subsistência. Ausência de prova da impossibilidade de cumprir com a obrigação alimentar. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70078113917, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 26/09/2018). (destaque)
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. PESSOA IDOSA. ALIMENTOS ENTRE ASCENDENTE E DESCENDENTE. REDUÇÃO. POSSIBILIDADE Cabimento dos alimentos com base na assistência mútua existente entre os ascendentes e descendentes, mormente quando demonstrado que a alimentanda é idosa, vive em um asilo e necessita do auxílio do filho para sua subsistência. Redução do quantum dos alimentos para adaptar ao binômio alimentar. Apelação provida. (Apelação Cível Nº 70076443340, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 25/04/2018).
AÇÃO DE ALIMENTOS PROMOVIDA POR GENITOR IDOSO CONTRA OS FILHOS. Dever de prestar alimentos está previsto no art. 229 da CF, arts. 1695 e 1696 do CC e art. 3º do Estatuto do Idoso. Pensão fixada em 1/5 do salário mínimo observa o binômio necessidade-possibilidade. O réu possui 27 anos e está perfeitamente apto a exercer atividade remunerada, contribuindo para a manutenção de seu genitor, portador do Mal de Alzheimer e está internado em um asilo. Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-SP - AC: 10042449020188260529 SP 1004244-90.2018.8.26.0529, Relator: Paulo Alcides, Data de Julgamento: 12/05/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/05/2020)
A partir da análise da jurisprudência coletada, percebe-se que não há grande distinção entre os julgados, o tema é pacífico entre os tribunais. No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o entendimento não é diferente: ao julgar o Recurso Especial nº 1.731.004 (2018/0063710-2) sob a relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, determinou como válida, inclusive, a ação regressiva em face dos demais coobrigados, por tratar-se de solidária, no caso apenas um dos filhos custeava integralmente os haveres alimentares do genitor. Logo, por se tratar de obrigação solidária, nos termos do Código Civil, cabe a busca pela restituição do que foi pago. Isso combina com o já mencionado acima binômio necessidade x possibilidade.
Nessa esteira, é válido trazer um caso em que foi negada a prestação alimentar, pois estava ausente o requisito da necessidade, comprovando o entendimento consolidado:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS. IDOSO. NECESSIDADE NÃO COMPROVADA. PRETENSÃO REJEITADA. RECURSO NÃO PROVIDO 1. Nos termos do art. 229, da Constituição da República, os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade, inclusive prestando alimentos. 2. Os alimentos são devidos quando quem os pretende não tem bens suficientes, em podem prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento. 3. Todavia, o idoso tem que provar a necessidade dos alimentos. Ausente a prova, deve mesmo ser rejeitada a pretensão aos alimentos. 4. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a sentença que rejeitou a pretensão inicial. (TJ-MG - AC: 10079120494293001 Contagem, Relator: Caetano Levi Lopes, Data de Julgamento: 07/10/2014, Câmaras Cíveis / 2ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/10/2014)
Sendo assim, verifica-se consonância da jurisprudência, tanto de primeiro como de segundo grau, em relação à obrigação de prestar alimentos ao idoso.
3. Os elementos da responsabilidade civil no âmbito familiar
3.1. O conceito e elementos do dano moral
Primeiramente, trago o questionamento: qual é o conceito de responsabilidade civil? É de importante verificação o seu conceito e seus elementos, pois a cada caso será feita por parte do julgador uma análise em que, ausentes um dos requisitos, restará desconfigurada a responsabilidade civil.
Para Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenvald e Felipe Peixoto Braga Netto, a responsabilidade civil é a obrigação de reparar danos que infringimos por nossa culpa e, em certos casos determinados em lei. A doutrina em uníssono utiliza essa mesma acepção, que é o conceito clássico de responsabilidade civil.
O Código Civil, por sua vez, não traz um conceito preciso, mas através do artigo 186, aduz que o dever de indenizar surge quando o agente comete um ato, comissivo ou omissivo, danoso a outrem. Sendo assim, se vê que há harmonia da lei e da doutrina quanto ao conceito de responsabilidade civil.
Após a conceituação, necessário se faz a explanação dos elementos da responsabilidade civil: o ato ilícito, o nexo causal e o dano.
O ato ilícito se caracteriza quando há uma ação ou omissão que se comete em contrariedade à ordem jurídica, o que está diretamente relacionado com o conceito de culpa, que deverá restar comprovada, sob pena de não poder ser atribuída ao agente a responsabilidade.
O segundo elemento é o nexo causal, este se traduz no “liame” entre a causa e o efeito, ou seja, a circunstância deverá ser comprovadamente capaz de ocasionar o dano. Silvio Venosa utiliza da mesma expressão para se referir ao vínculo causal, ou seja, deverá ser identificado o que levou ao evento danoso, sendo que este fato deverá ser analisado caso a caso para que se conclua pela sua capacidade de causar o evento danoso.
O terceiro elemento é o dano, que consiste na desvantagem sofrida por outrem. A doutrina traz o dano sob diferentes aspectos, por exemplo: individual ou coletivo, moral ou material, econômico e não econômico. O dano, portanto, resta caracterizado quando atinge algum bem jurídico (vida, honra, patrimônio etc.). Uma vez tendo ocorrido o prejuízo a um bem jurídico, a parte causadora indenizará o prejudicado, na tentativa de haver a restauração do bem.
É garantida constitucionalmente a indenização por dano:
Art. 5º, CF.
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem;
X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando a indenização por dano material ou moral decorrente de sua violação.
O dano, por sua vez, pode ser material (patrimonial) ou moral (extrapatrimonial). O dano material é aquele que abala o patrimônio da vítima, podendo ser calculado sob a diferença econômica que aquela ação ou omissão do agente tenha causado.
Já o dano moral acomete o psicológico do indivíduo, ou seja, não está relacionado com qualquer aspecto material, mas sim afeta o seu emocional, seu íntimo. Não há como mensurar economicamente o dano moral, e até se questiona se este pode ser valorado ou não, mas, de acordo com o caso concreto, será estipulado um valor econômico que possa amenizar o sofrimento da vítima.
Cumpre ressaltar que os três requisitos deverão estar presentes para que reste configurado o dever de indenizar. Além disso, a reparação civil tem por condão não só o ressarcimento à vítima, mas a coibição de novas ações ou omissões danosas que possam a vir ocorrer por parte do agente.
3.2. A responsabilização civil na família
Conforme vastamente já explanado, a Constituição Federal contempla a família como base social, ou seja, é a instituição mais importante da vida de um indivíduo, isso não quer dizer que só seja considerado como família o modelo tradicional (pai, mãe e filhos), pois, na verdade, o tempo apenas demonstrou para a sociedade modelos familiares que sempre existiram, entretanto, como em diversos setores sociais, existia um padrão ideal, o que foi desconstruído na modernidade.
Nesta esteira, surge a questão: dentro de um núcleo familiar, por exemplo entre pais e filhos, irmãos, primos, poderá ser caracterizado dano moral? Indo além, poderá ser caracterizado dano moral dentro de um “novo” modelo de família? Apesar de o direito de família ser capitulado especificamente pela legislação civil - além do Estatuto da Criança e do Adolescente, que também regula situações familiares -, não há, especificamente, codificação sobre o tema. Restando apenas a análise doutrinária e jurisprudencial.
Especificamente no direito de família, Maria Berenice Dias prescreve que os danos decorrentes de agressões e injúria, por exemplo, devem ser reparados, seja pelo cônjuge ou por qualquer outro parente, estará o agressor sujeito a indenizar. Sendo assim, a responsabilidade civil, que já incide sobre as demais ramificações do Direito, incidirá no direito de família.
De acordo com o doutrinador Cristiano Chaves, há duas correntes acerca do “alcance da ilicitude nas relações familiares”:
“Em uma margem, encontram-se os adeptos de uma ampla caracterização da ilicitude nas relações familiares, admitindo uma ampliação da responsabilização civil no âmbito interior da família.”
Nessa corrente, entende-se que a reparação é devida nos casos gerais de ilicitude, como também em casos específicos, como exemplo que o próprio autor dá: “seria o exemplo da violação de um dos deveres matrimoniais previstos no art. 1.566 do Codex, como a prática de adultério ou a cessação da vida em comum”, entendendo que seria um dever oriundo da imposição da norma legal.
A segunda corrente trazida pelo autor, por outro lado:
“Noutra banda, há parcela, não menos significativa, de juristas que aceitam a aplicação da responsabilidade civil no Direito das Famílias tão somente nos casos em que se caracterizar um ato ilícito, conforme a previsão legal genérica. Ou seja, entendem que a responsabilidade civil no seio familiar estaria associada, necessariamente, ao conceito geral de ilicitude, não havendo dever de indenizar sem a caracterização da cláusula geral de ilicitude (arts. 186 e 187, CC)”.
Em suma, o autor destaca que a mera violação de um dever jurídico familiar não é suficiente como caracterizador do dano, consequentemente, do dever de indenizar, pois este dependeria da minuciosa presença dos elementos trazidos pela legislação civil, nos moldes dos artigos 186 e 187 do Código Civil.
“A aplicação das regras da Responsabilidade Civil na seara familiar, portanto, dependerá da ocorrência de um ato ilícito, devidamente comprovado. A simples violação de um dever decorrente de norma de família não é idônea, por si só, para a reparação de um eventual dano. Assim, a prática de adultério, isoladamente, não é suficiente para gerar dano moral indenizável. No entanto, um adultério praticado em local público, violando a honra do consorte, poderá gerar dano a ser indenizado, no caso concreto. De igual modo, não implica dano moral (conquanto possam produzir outros efeitos regulados pela norma de Direito das Famílias) a recusa ao ato sexual entre cônjuges e companheiros ou a prática, entre eles, de atos sexuais pouco convencionais ou mesmo o abandono do lar” (FARIAS)
Sob outra ótica, o mestre Flávio Tartuce, em sua obra, faz um apanhado jurisprudencial comparativo acerca dos diversos espectros em que caberia a reparação por dano moral, em situações específicas. Primeiramente, o autor particulariza as ações de separação judicial, citando as palavras do já citado autor Cristiano Chaves:
“Ora, como a cláusula geral de proteção da personalidade humana promove a dignidade humana, não há dúvida de que se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna” (FARIAS, Cristiano Chaves. Redesenhando..., 2004, p. 115). Anote-se que a jurisprudência nacional também estabelece a relação entre a mitigação da culpa e a proteção da dignidade, tema que ainda será aprofundado no Capítulo 4 da presente obra (TJMG, Apelação Cível 1.0024.04.355193-6/001, Belo Horizonte, 1.ª Câmara Cível, Rel. Des. Vanessa Verdolim Hudson Andrade, j. 03.05.2005, DJMG 20.05.2005)”.
Em seguida, analisa-se o caso da Apelação Cível 408.555-5 da 7º Câmara de Direito Privado do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, em que cuida do abandono paterno-filial, em que primeiramente foi concedida a indenização, fundada no princípio da dignidade da pessoa humana, entretanto, tal indenização foi retirada no julgamento do REsp 757.411/MG, sob os votos de que este não seria o caso de ato ilícito.
Evoluindo, o STJ mudou seu entendimento, anos depois, sendo concedida a reparação:
“Civil e processual civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. Possibilidade. 1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. 3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de i licitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. 4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social. 5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes – por demandarem revolvimento de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. 6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso especial parcialmente provido” (STJ, REsp 1.159.242/SP, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 24.04.2012, DJe 10.05.2012).
Na seara da família, portanto, há o dever de responsabilidade, pois insurgindo violação e presentes os elementos da responsabilidade civil, mesmo que o dano seja causado por um parente, consanguíneo ou não, será cabível a reparação civil.
4. O abandono parental inverso e o dever de indenizar
Diante de toda a análise feita a partir do histórico do direito dos idosos e da responsabilidade civil no âmbito familiar, conclui-se que, em se tratando de idosos, de igual forma será cabível a responsabilização civil.
Especificamente sobre o abandono, é necessário fazer uma breve distinção entre o familiar e o afetivo. O primeiro é mais amplo, acontece quando os familiares – consanguíneos ou não – deixam de prestar assistência àquele que necessita; já o abandono afetivo é mais específico: é relativo ao tratamento dispendido a determinada pessoa, ou seja, onde há falta de cuidado.
No tocante aos idosos, não é rara a ocorrência de abandono afetivo, as vezes até mesmo dentro da própria casa. O desprezo, a desatenção, as vezes até mesmo o desrespeito, são formas de abandono afetivo. Esse tipo de violação é grave para o idoso, diminuindo drasticamente a sua qualidade de vida, pois é justamente na família que serão concretizados praticamente todos os direitos voltados para o pertencente à terceira idade.
Quando os dispositivos legais, a doutrina e a jurisprudência se referem aos deveres dos pais em relação aos idosos, jamais é deixado de lado o dever de zelo por aquela pessoa, pelo contrário, o dever de cuidado abarca a boa convivência familiar, a inclusão do idoso nas atividades familiares, a validação da opinião do idoso, bem como a sua valorização como ser humano.
Isso porque a idade avançada traz consigo a ideia, para o próprio idoso, de que este ficará inválido, que será até mesmo um peso para a família, o que se trata de uma inverdade. Entretanto, infelizmente, ocorre em demasia os casos de abandono afetivo inverso, porque não é só o dever alimentar a garantir a qualidade de vida do idoso, tampouco o dinheiro, mas sim a dedicação, o respeito e a afetividade.
Esclarecendo, denomina-se como “inverso” o abandono dos filhos em relação aos pais, pois a doutrina conceitua como abandono afetivo (de forma direta) o relativo aos pais em relação aos filhos, daí porque surge a nomenclatura de abandono afetivo inverso.
Um ponto importante nessa análise se faz em relação aos familiares que necessitam deixar o idoso aos cuidados de um profissional, ou mesmo em um asilo por motivos fundados em trabalho ou outros aspectos relevantes: necessariamente haverá abandono nesse caso? Certamente que não, pois o que ocorrerá é uma espécie de efeito dominó: talvez se o familiar privar-se de dedicação ao trabalho, este não poderá proporcionar ao idoso um bom plano de saúde, por exemplo, ou até mesmo qualidade na sua moradia, alimentação, dentre outros.
Nesse caso, nota-se que não serão deixados de lado no sentido de falta de amparo, nem mesmo deixarão de ter a afetividade com os familiares, entretanto, há casos em que os parentes tomam as mesmas atitudes, porém com fins diferentes, realmente tendo a intenção de abster-se do dever de cuidado, o que caracterizaria, sem dúvida, violação aos direitos da personalidade do idoso.
Ou seja, mesmo que o idoso permaneça parte de seu tempo a ser acompanhado por um cuidador profissional, ou até mesmo em um asilo, a família ainda terá o dever de, primeiramente, acompanhar qualquer tipo de tratamento dispendido ao idoso, seja dentro ou fora de sua residência, além do cuidado afetivo, conforme foi citado acima, a validação de sua posição na família, a busca pela sua participação nas decisões e consideração pelas suas opiniões, em outras palavras, o idoso tem todo o direito de “aparecer” e “ter voz”.
Ainda sobre o tema, frisa-se o princípio da afetividade e da solidariedade, pois ambos caminham juntos neste aspecto. A afetividade é natural do ser humano, além de ser um direito; tem um papel tão importante no Direito de Família, que fez com que o conceito de família mudasse e fosse acrescido o modelo familiar nascido a partir de laços afetivos. A solidariedade consiste na reciprocidade entre os familiares, ou seja, a família deve ser uma rede de apoio. Ambos os princípios devem ser aplicados nos casos concretos de relações de família.
Se a família, portanto, tem o dever de cuidado e dentro dele está abarcada a afetividade, considerando que a legislação brasileira admite os casos de reparação civil por dano moral, restará configurada a obrigação de reparação nos casos de abandono afetivo inverso?
Como se sabe, a indenização por dano moral é demasiadamente comum no judiciário brasileiro. Mas levando-se em consideração o dever perante os pais, no aspecto econômico e psicológico, quando da sua omissão dos filhos perante suas obrigações, restará configurado o ato ilícito apto a gerar indenização.
Vejamos o que diz o artigo 927 do Código Civil: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. Nesse caso, estar-se-á diante de um abalo profundo no psicológico da vítima em razão de abandono (non facere) por parte de seus familiares em um momento da vida que requer cuidados específicos, principalmente no tocante ao zelo pela sua autoestima.
Porém, por vezes será de difícil caracterização e, inclusive, comprovação do dano dentro de uma relação familiar, pois se trata de uma instituição em que não há, muitas vezes, exposição ou sequer meios probatórios em que o indivíduo possa mostrar os fatos ensejadores do dano, tendo, somente, na maioria dos casos, o relato individual. Às vezes, nem mesmo a prova testemunhal chega a existir, pois o familiar não vai ao ponto de dividir com alguém o que se passa dentro daquela relação, é o que ocorre com a violência entre cônjuges, por exemplo.
Dessa forma, ao prolatar a sentença o Magistrado, ao fixar o valor pecuniário que, em tese, deve ser utilizado como uma forma de “suprir” o dano, não deve só olhar para a situação fática, mas deve-se observar uma série de critérios subjetivos, tanto a respeito da vítima, como do agressor. E não é só isso, por se tratar de detalhes envolvendo cada caso, podem surgir outros critérios, que deverão ser expostos e fundamentados em sentença.
Ou seja, nem só da subjetividade, do íntimo dos litigantes, deve-se valer o juiz, sobretudo no que diz respeito à possibilidade de pagamento por parte do ofensor, pois o conceito de valor alto ou baixo é aberto demais para se estabelecer uma média. Dessa forma, o valor não deve ser tão grande a ponto de ferir a própria dignidade humana do ofensor (cabe aqui a expressão popular “onde acaba o meu direito surge o do outro”), nem tão baixo que seja inexpressivo.
Cabe aqui refletir sobre o papel da indenização pecuniária como fato compensatório de um dano com caráter extrapatrimonial. É claro que o montante auferido por uma indenização não é capaz de restaurar o status quo ante daquele que sofreu uma agressão psicológica – no caso específico, o abandono afetivo, pois a relação entre o psicológico e o dinheiro não é equivalente, isso é unânime na doutrina e na jurisprudência.
Então, a dificuldade é justamente encontrar algo que valha como compensação e restauração do dano moral. Por isso, o que se concluiu é que o dinheiro como “servível”, pois é o único modo realizável de tentar chegar a uma reparação, ou seja, tem a função meramente satisfativa[5]. De certo, não é perfeito ou equivalente, mas não se encontra meios absolutos para reestruturar o psicológico severamente abalado.
Por oportuno, cabe demonstrar a jurisprudência relacionada ao tema:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO. DANO MORAL. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. 1. O pedido de reparação por dano moral é juridicamente possível, pois está previsto no ordenamento jurídico pátrio. 2. A contemplação do dano moral exige extrema cautela no âmbito do Direito de Família, pois deve decorrer da prática de um ato ilícito, que é considerado como aquela conduta que viola o direito de alguém e causa a este um dano, que pode ser material ou exclusivamente moral. 3. Para haver obrigação de indenizar, exige-se a violação de um direito da parte, com a comprovação dos danos sofridos e do nexo de causalidade entre a conduta desenvolvida e o dano sofrido, e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui, por si só, situação capaz de gerar dano moral. Recurso desprovido. (TJ-RS - AC: 70072444722 RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Data de Julgamento: 22/02/2017, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: 01/03/2017).
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR ABANDONO MATERIAL, MORAL E AFETIVO. ABALO EMOCIONAL PELA AUSÊNCIA DO PAI. O pedido de reparação por dano moral no Direito de Família exige a apuração criteriosa dos fatos e o mero distanciamento afetivo entre pais e filhos não constitui situação capaz de gerar dano moral, nem implica ofensa ao (já vulgarizado) princípio da dignidade da pessoa humana, sendo mero fato da vida. Embora se viva num mundo materialista, nem tudo pode ser resolvido pela solução simplista da indenização, pois afeto não tem preço, e valor econômico nenhum poderá restituir o valor de um abraço, de um beijo, enfim de um vínculo amoroso saudável entre pai e filho, sendo essa perda experimentada tanto por um quanto pelo outro. RECURSO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70067498436, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liselena Schifino Robles Ribeiro, Julgado em 03/12/2015)
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO DEMONSTRADO - ABANDONO AFETIVO DE MENOR - COMPROVAÇÃO - VIOLAÇÃO AO DIREITO DE CONVÍVIO FAMILIAR - DANO MORAL - OCORRÊNCIA. - Não demonstrado pela parte ré o impedimento, por parte do perito judicial, da participação do assistente técnico na elaboração do laudo pericial, bem como a ocorrência de prejuízo dela decorrente, não há que se falar em cerceamento de defesa.3 - A falta da relação paterno-filial, acarreta a violação de direitos próprios da personalidade humana, maculando o princípio da dignidade da pessoa humana - Mostra-se cabível a indenização por danos morais decorrentes da violação dos direitos da criança, decorrente do abandono afetivo. (TJ-MG - AC: 10024143239994001 MG, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 08/08/2019, Data de Publicação: 20/08/2019)
Conforme se depreende, a jurisprudência ainda é rasa sobre o assunto, porém, pode-se interpretar que a partir da caracterização dos elementos ensejadores da responsabilidade civil, haverá condenação por dano moral no caso de abandono afetivo inverso.
CONCLUSÃO
Ao longo da explanação, pode-se concluir que a garantia do direito aos idosos, especialmente em relação às suas peculiaridades decorrentes da idade, foi concedida de forma tardia e lenta. O conceito de idoso somente veio a ser definido em 1994, através da Lei 8.842/94. Nem mesmo na Constituição há essa nomenclatura delineada, sendo que nas constituições anteriores a 1988, há pouca menção – ou nenhuma – a direitos relacionados a esse grupo.
Até mesmo a menção trazida pela atual Constituição vigente não se mostra suficientemente capaz de proteger plenamente os idosos, apesar de ser um grande passo nessa conquista. Entretanto, faz com que outros dispositivos legais caminhem sob a mesma direção, ou seja, através das demais leis esparsas, principalmente o Código Civil e o Estatuto do Idoso, que o indivíduo com idade igual ou superior a sessenta anos passou a ser considerado como um grupo detentor de especial tratamento, sobretudo pela família, mas também pela sociedade e pelo Poder Público.
Em primeiro lugar, a Carta Magna prevê que a principal instituição responsável pelo idoso é a família, sendo o Estado responsável subsidiariamente, ou seja, quando não houver assistência familiar. Nesse sentido, discute-se sobre o conceito moderno de família, sendo que neste estão abarcados tanto a família biológica como também a afetiva, a doutrina é pacífica nessa consideração.
Sendo a família a principal responsável pela prestação de assistência com o idoso, necessário se faz encaixar os elementos da responsabilidade civil no âmbito familiar. O Código Civil dispõe que ao ocorrer violação do direito e dano a outrem, restará configurado o dever de indenizar, nesse sentido quando restarem caracterizados os três elementos da responsabilização civil – ato ilícito, nexo causal e dano – surgirá para o agente o dever indenizatório.
O dano pode ser dividido em dano patrimonial ou extrapatrimonial, observa-se que são independentes e pode ocorrer a condenação em ambos, sem que estes sejam excludentes um do outro.
Patrimonial se concretiza quando há diminuição do patrimônio de outrem em decorrência de ato ilícito, tendo valor econômico, pode ser calculado concretamente, fazendo uma operação simples de apuração do valor do que foi diminuído.
De acordo com o professor Sérgio Cavalieri Filho, o dano moral é configurado quando houver a violação da dignidade da pessoa humana ou a violação aos direitos da personalidade. Ainda no entendimento deste autor (2009, p.86), “o dano moral existe in re i psa; deriva inexoravelmente do fato ofensivo, provada a ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural, presunção hominis facti, que decorre das regras da experiência comum”. Depreende-se do excerto que o dano moral, portanto, é a resposta do Direito a ações lesivas.
Portanto, ao prever o dever de cuidado entre os pais e os filhos, reciprocamente, surge para os filhos mais do que um dever de assistência material, mas também de cunho moral, pois a família é pautada nos princípios da afetividade e solidariedade, ou seja, não há como vislumbrar somente o aspecto pecuniário. O idoso necessita muito mais do que condições financeiras para sobrevier, mas para ter uma qualidade de vida, é necessário que haja o cuidado afetivo, a manutenção do emocional do indivíduo, pois o abandono afetivo gera impactos na dignidade da pessoa humana. O abandono afetivo consiste em desprezo, desconsideração e desrespeito, ocorrendo na forma inversa quando se trata de filhos para com os pais, ferindo, portanto, os dispositivos constitucionais, civis e estatutários no tocante à dignidade, afetividade e solidariedade aos idosos. Destaca-se que a todos não só há o direito a uma morte digna, mas de condições dignas de vida até a morte e o papel da família é fundamental.
A partir da análise da doutrina e da jurisprudência, é perfeitamente cabível a reparação por dano extrapatrimonial no caso de abandono afetivo, na forma direta ou inversa, desde que presentes os requisitos para a sua caracterização. O quantum será arbitrado levando-se em consideração as peculiaridades do caso concreto, quais sejam: o binômio necessidade x possibilidade, o poder econômico do ofensor, a extensão do dano, entre outros que puderem ser observados no caso, podendo até mesmo o magistrado condenar solidariamente no caso de mais de um filho/responsável.
Apesar de historicamente o idoso não ter seus direitos reconhecidos e garantidos de forma plena e o ordenamento jurídico ainda carecer de conceituação e legislação pertinente, cada fato histórico leva ao surgimento de novos dispositivos legais reguladores, o que é importante para a garantia de uma sociedade mais justa, em especial àqueles que dependem de ações positivas e negativas para a diminuição ou erradicação de suas desigualdades.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
BRASIL. Código Civil de 2002. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 22 de fevereiro de 2021.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 22 de fevereiro de 2021.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 14. Ed. São Paulo: Atlas, 2014.
[1] Acesso em: https://blogs.correiobraziliense.com.br/servidor/mais-de-80-mil-criancas-foram-registradas-sem-o-nome-do-pai-no-primeiro-semestre-de-2020/
[2] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. 4. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 309.
[3] TARTUCE, F.; SIMÃO, J. F. Direito civil, v. 5: Direito de Família. 7. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 321
[4] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 10. Ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p.415.
[5] GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPOLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil – Responsabilidade Civil 3. 11ª edição. Editora Saraiva, São Paulo, 2013, p. 127.
Bacharelanda em Direito pela Universidade Luterana de Manaus CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BATATEL, Ana Carolina Guimas. Abandono parental inverso: análise jurídica da responsabilidade civil dos filhos em relação aos idosos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 abr 2021, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56322/abandono-parental-inverso-anlise-jurdica-da-responsabilidade-civil-dos-filhos-em-relao-aos-idosos. Acesso em: 23 dez 2024.
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