ADEMIR GASQUES SANCHES
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem o objetivo de explanar sobre a legalização do aborto no Brasil e as principais discussões que norteiam o tema atualmente. Não obstante, o aborto induzido é comumente praticado nos dias atuais, mesmo que mal visto pela sociedade, há agentes e clínicas particulares que praticam o ato clandestinamente, lucrando em cima do desamparo de mulheres. Segundo o Ministério da Saúde, temos por volta de 1 milhão de abortos provocados no país, uma quantidade exorbitante que veio crescendo nos últimos anos, e o número de mulheres que vem a óbito estima-se em 250 mil. Buscamos discutir a legislação norteadora do assunto, bem como, o movimento pró-aborto crescente em meio as manifestações feministas como um direito da mulher de decidir sobre seu próprio corpo. Esta pesquisa é baseada em outros artigos, livros e revistas, finalizando com as considerações finais trazendo um entendimento acerca da problemática apresentada, bem como suas referências bibliográficas.
Palavras-chave: Direito Penal; Aborto; Feminismo; Direito das Mulheres.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO. 2 CONCEITUALIZAÇÃO DO ABORTO. 2.1 Classificação do Aborto. 2.2 Aspectos Sociais Envolventes. 2.2.1 Aspectos éticos e morais. 2.2.2 Aspectos científicos. 2.2.3 Aspectos históricos. 2.2.4 Aspectos religiosos. 2.2.5 Aspectos jurídicos. 3 O ABORTO NO BRASIL. 3.1 Evolução Histórica da Legislação. 3.1.1 Código Penal brasileiro. 3.1.2 Projetos de lei pró-aborto. 3.1.3 O planejamento familiar como forma de conscientização. 4 OS MOVIMENTOS FEMINISTAS EM FAVOR DO DIREITO DE ESCOLHA. 4.1 Razões para legalizar. O aborto é uma realidade na vida das mulheres de todos os credos e classes sociais. 4.1.2 A criminalização penaliza principalmente mulheres em situação de vulnerabilidade. 4.1.3 A criminalização é um ataque à nossa liberdade de crença. 4.1.4 A legalização não aumenta e pode até diminuir o número de abortos. 4.1.5 A legalização é condição para a efetivação dos direitos sexuais e reprodutivos. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
A presente pesquisa tem como delimitação temática a legalização do aborto e o direito de escolha da mulher sobre seu próprio corpo. Atualmente no Brasil, é permitida a realização do aborto provocado apenas nos casos em que a gravidez é resultante de um estupro, nos casos em que há risco de morte para a gestante, bem como, quando o feto é diagnosticado anencefálico mediante autorização judicial.
No segundo capítulo, serão expostos os conceitos e os aspectos sociais norteadores sobre o tema, abordando, ainda que brevemente, os princípios científicos, religiosos e jurídicos. Em seguida, o terceiro capítulo abordará a legislação vigente, as previsões do nosso ordenamento jurídico na esfera penal e constitucional e maneiras de prevenção.
O quarto capítulo é responsável por apresentar a luta feminina pelo seu direito de escolha e soberania sobre seu corpo, apontando os principais motivos que a legalização do aborto trará para a sociedade em esfera de saúde pública.
O objetivo deste trabalhado é elucidar questões como: a proibição do aborto reduz sua prática, ou pode inclusive aumentar a quantidade de abortos praticados? Quais os impactos da criminalização do aborto na saúde materna? Através da análise de artigos acadêmicos relacionados à legalização do aborto, mortalidade materna, escala do aborto no Brasil, impacto do aborto na saúde pública, aborto e contracepção, autonomia da mulher, direitos humanos e decisão de implementar o aborto.
A metodologia é baseada em pesquisa bibliográfica de livros doutrinários, artigos, revistas especializadas, monografias, bem como na análise dos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais relativos à temática em discussão.
2 CONCEITUALIZAÇÃO DO ABORTO
Em termos médicos, a palavra aborto significa “ação ou efeito de abortar; abortamento; privação do nascimento”. Em outras palavras, o aborto ocorre quando há a interrupção da gravidez com a morte do feto ou embrião de forma prematura, independente do organismo expelir ou não.
A OMS determina que o aborto ocorre antes do período perinatal, a datar da 22ª semana completa de gestação, com peso inferior a 500g, com diagnóstico realizado clinicamente através de sinais, sintomas e exames complementares. Na ótica religiosa, o aborto é definido como a morte de uma criança, em qualquer estágio de evolução, que pode ser desde a fecundação até o nascimento.
A realização do aborto é classificada em seis situações pelo nosso ordenamento jurídico, sendo elas:
a) Espontâneo: conhecido como “aborto natural”, este acontece devido a alterações genéticas, deformidade orgânica da mulher e ou deficiência do próprio ovo, sem que haja interferência externa;
b) Acidental: Intercorre devido interferência externa involuntária, como queda da gestante, por exemplo;
c) Terapêutico: este também pode ser chamado de “aborto necessário”, ocorrendo quando, infelizmente, a mãe possui risco de morte caso a gestação não seja interrompida;
d) Eugênico: Ocorre quando o feto manifesta grave doença, contraída através dos genitores, causando-lhe possível desenvolvimento de sérias e irreversíveis deformidades físicas ou mentais;
e) Humanitário: Ocorre nos casos resultantes de estupro com o consentimento da gestante ou seu responsável;
f) Provocado: Este aborto é considerado criminoso no nosso ordenamento jurídico e ocorre quando o indivíduo de forma intencional utiliza de meios externos para suspender a gravidez.
2.2.1 Aspectos éticos e morais
A prática do aborto no país é autorizada apenas nos casos em que a gestação represente risco de morte para mãe e em casos que a gestação seja resultado de um estupro. No ordenamento jurídico, também é permitido a realização do aborto quando o feto for anencefálico.
Nesse aspecto, encontramos os costumes e valores mais íntimos da sociedade, ao qual todos devem obedecer, uma vez que a gravidez somente será interrompida após determinação médica e autorização judicial, ou seja, cada caso será analisado particularmente.
Dentro desse âmbito, muitos médicos alertam sobre a grande possibilidade de complicações durante e após a realização dos procedimento, inevitavelmente, sendo a causa de muitas mortes entre as mulheres. Um aborto mal feito ou de procedência clandestina aumenta demasiadamente os riscos de infecções graves e fatais que podem gerar consequências nocivas em futuras gestações. São complicações que não poderão ser revertidas e as mulheres, principalmente as pobres e sem acesso a informação, que serão as mais prejudicadas.
As consequências podem ser hemorragia, perfuração do útero, infecções, esterilidade, traumas psicológicos, transtornos e até mesmo a morte.
Nos primórdios organizacionais da humanidade era predominante o matriarcado. No período bárbaro, os recém-nascidos não recebiam afeição de seus genitores, contudo, eram servidos para alimentação deles ou para armadilha de feras.
De acordo com a antropologia, há registros que apontam a realização de abortos entre a maior parte dos povos antigos, variando suas legislações e execuções de acordo com a cultura do período.
Independente de legislação, o aborto era praticado livremente na Grécia antiga, servindo como técnica de controle populacional. Para os filósofos da época, o aborto era considerado um método eficaz para garantir a linhagem pura dos guerreiros e nos casos de risco a saúde de mulheres acima de 40 anos. O mesmo se repetia para os Romanos, que utilizavam abortamento para controle de natalidade e apenas na época do Primeiro Império o aborto passou a ser considerado crime, se provocado.
Para os Hebreus, aquele que provocasse o encerramento da gravidez de uma mulher propositalmente, pagaria uma multa determinada pelo juiz, e se desse ato, fosse ceifada a vida mulher, sua condenação seria a morte. A partir do surgimento do cristianismo, o aborto foi considerado imoral e contrário aos mandamentos de Deus, mantendo a Igreja Católica essa posição até hoje.
No aspecto religioso, o assunto é considerado polêmico e gerador de diversas opiniões e discussões pelo mundo. A igreja católica se posiciona contra ao aborto em qualquer período gestacional e sob quaisquer circunstâncias que seja, até mesmo nos casos que a gravidez resulta de violência sexual.
Prega a doutrina que Deus é o autor da vida, e todos os seres possuem direito à vida desde a concepção, pois a alma já está presente desde o momento de fecundação, ou seja, abortar significa matar e esse direito não pertence a nenhum outro ser humano, seja no estágio fetal quanto na vida adulta, posicionamento firmado até nossa atualidade.
Na disciplina espírita, o abortamento é considerado um crime, mas por motivos diferentes quanto aos que representam o catolicismo, pois a defesa consiste na decepção do espírito e não do ser em si, pois este estava se preparado para reencarnar. Seguindo esse pensamento, o direito à subsistência é o primeiro de todos os direitos humanos naturais, razão pela qual ninguém tem o direito de ceifar uma vida.
Os países protestantes assumiram a liderança na aprovação de legislações mais abertas sobre o aborto no século XXI. A maioria das igrejas protestantes acredita que o aborto é uma escolha legal para as mulheres e defende o respeito pela vida da mãe. Se uma mulher grávida tiver que escolher entre sua própria vida e a vida do feto ou embrião, a prioridade recairá sobre a mulher grávida.
Geralmente, os islâmicos se opõem ao aborto, mas concordam em usar drogas para aborto quando o embrião ou feto ainda não adquiriu a forma humana. Isso é contraditório para eles, ou seja, eles acreditam que o aborto ocorre quando o feto obtém o corpo e o sangue. O meio de assassinato, sim, tornou-se humano.
Para os judeus, se eles não querem o aborto, não é um assassinato, porque as pessoas permitem o aborto terapêutico há séculos. Portanto, eles acreditam que a vida das mães é mais sagrada do que o feto, o que determina a saúde e o equilíbrio das mulheres, levando em consideração o estado psicológico delas, mas a escolha é baseada sempre na consciência da mulher.
No país, há diversas opiniões jurídicas de alguns doutrinadores sobre as ideias divergentes dentro das próprias correntes doutrinárias, isso mostra as diferentes manifestações da legalização ou não do aborto. De acordo com as observações, como o Código de Processo Civil e suas diversas disposições regulando os direitos dos bebês em gestação, nesta lei o aborto é proibido, inclusive por crimes pessoais.
O artigo 5º da Constituição Federal dispõe sobre o direito à vida. Além disso, fortalece o texto da Convenção de São José da Costa Rica (Convenção Americana sobre Direitos Humanos) da qual o Brasil é signatário e o internalizou de acordo com o Decreto nº 678 de 6 de novembro de 1992. O artigo 4 da "Convenção" afirma que o respeito pela vida é o direito "de ser protegido pela lei e geralmente não protegido pela gravidez".
O Código Penal só permite explicitamente o aborto em casos de estupro, mas fica pacificamente entendido que, uma vez feito o pedido, pode-se aplicar a chamada "Parte Bona", ou seja, as semelhanças entre os crimes e a omissão involuntária do infrator. Os legisladores esqueceram a possibilidade de gravidez sem que o pênis seja efetivamente introduzido na vagina.
Para Nelson Hungria (1955), o aborto necessário é definido como “a interrupção artificial da gravidez para conjurar perigo certo e inevitável por outro modo, à vida da gestante”.
3.1 Evolução Histórica da Legislação
De acordo com o Código Penal brasileiro e a Constituição Federal/88, o aborto há muito é considerado um crime contra a vida humana, prevendo pena de detenção para quem praticá-lo, com ou sem consentimento.
Segundo dados liberados pelo DataSUS, departamento responsável por coletar e divulgar dados sobre a saúde no país, até o primeiro semestre de 2020, em decorrência de abortos malsucedidos (causados ou espontâneos), o número de procedimentos realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é 79 vezes maior que o número de interrupções da gravidez prescrito por lei.
Legalmente, os médicos são autorizados a promover o aborto em apenas três situações: risco de morte a mulher, gravidez resultante de estupro, e nos casos que o feto é considerado anencefálico, sem que isso se transforme num ato criminoso e implique em futuras punições. Os custos desses procedimentos serão cobertos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mediante expressa autorização judicial.
Recentemente veio a público o caso de uma menina de 10 anos que deu entrada em um hospital no estado do Espírito Santo com dores abdominais e após um exame laboratorial, foi constatada a gravidez e assim, revelado os abusos sofridos desde os 6 anos. O caso bárbaro ganhou repercussão nacional, e o mais preocupante foram as manifestações contra a realização do aborto, mesmo diante da autorização judicial concedida, violando todo e qualquer direito que a vítima (mulher/criança) possui.
Tal fato evidencia que embora a discussão sobre a legalização do aborto no
Brasil pela sociedade civil e pela sociedade política autorize o aborto nos casos específicos, as mulheres ainda enfrentam resistência por parte da sociedade, sem acolhimento, respaldo emocional, vítimas de julgamentos e perseguições, por uma decisão que deveria ser única e exclusiva da gestante. Por tais razões, é evidente que, as interrupções de gravidez continuarão a existir de forma clandestina.
Sendo este um assunto de grande controvérsia, muitas são as opiniões levantadas pelas pessoas, sendo necessária a intervenção do Supremo Federal em analisar e lapidar as regras já existentes norteadoras do tema, aproximando a justiça daquelas que realmente importam quando o assunto é aborto, as mulheres.
O crime de aborto está disposto nos artigos 124 a 128 do Código Penal brasileiro de 1940, localizado no Capítulo 1 que trata dos crimes contra a vida. Vale destacar que nesse caso, o bem jurídico protegido é a vida dentro do útero (intra- uterina), portanto, a expulsão do feto do útero configura o ato, inclusive a forma tentada.
Os artigos 124, 125, 127 e 128, respectivamente, estipulam o auto-aborto, o aborto provocado por terceiros sem o consentimento da gestante, o aborto provocado por terceiros sem o consentimento da gestante, formas qualificadas de aborto e abortos necessários (exceções à criminalização do aborto), observe:
Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:
Pena - detenção, de um a três anos.
Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos.
Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência
Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Dadas as diferentes classificações de tipos de aborto, o direito penal limita-se a abortos legais ou criminais e situações normais de gravidez. Paulo José da Costa Júnior (2008) explana:
Para que se configure o abortamento, a gravidez deverá ser normal. A interrupção da gravidez extra-uterina (no ovário, fímbria, trompas ou na parede uterina) ou a da gravidez molar (formação degenerativa do óvulo fecundado) não configuram aborto, uma vez que o produto da concepção não atinge vida própria.
Cumpre ainda destacar que, de acordo com o artigo 18 do Código Penal, é impossível punir a forma culposa de aborto, ou seja, só pode ser punido deliberadamente na forma dolosa. Nesse sentido, Júlio Fabbrini Mirabete destacou que não há crime de aborto indevido, mas a mulher que provoca o aborto responde por lesão corporal culposa.
Luís Regis Prado (2006) afirma que não é possível co-autoria no autoaborto, mas sim participar juntos, se limitando a fornecer as ferramentas necessárias para a prática. Se enquadra no art. 126, àquele que realizar o aborto com o consentimento da gestante.
Em comentários ao código penal brasileiro, Nelson Hungria (1942), o aborto necessário é definido como “a interrupção artificial da gravidez para conjurar perigo certo e inevitável por outro modo, à vida da gestante...”. Neste sentido, Guilherme de Souza Nucci dispõe que nenhum direito é absoluto, nem mesmo o direito à vida, e por tal razão é perfeitamente admissível o abortamento em circunstâncias excepcionais para preservação da vida digna da gestante (NUCCI, 2013, p. 128).
Em princípio, o aborto é considerado crime, embora, em alguns casos, os legisladores optem por não punir as mães que têm aborto aprovado pelo tribunal. De acordo com o art. 5º. da CF/1988, os princípios constitucionais vigentes garantem o direito à vida a todo aquele que é naturalizado ou não naturalizado no Brasil. O fato é que no ventre da mãe, durante o período gestacional, as pessoas não podem ignorar a existência da vida. O processo se inicia na concepção, e a concepção dá início à existência do homem (ZAFFARONI, 2004).
No mesmo nível, o Código Civil no art. 2º protege o nascituro sem exceções permitidas, desde a fecundação. O Código de Processo Civil também disponibiliza proteção ao feto em seus artigos 877 e 878 também podem proteger o feto. A legislação criminal brasileira entende que o aborto é um crime contra vida igualado ao homicídio, entretanto, pode ser isento de punição de acordo com o art. 128, o que não significa que a ausência de punição aceita a interrupção da gravidez.
Tendo em vista as condições legais impostas à sociedade para realizar um aborto no país, muitas mulheres recorrem a procedimentos informais para atender às suas necessidades, aumentando o número de óbitos registrados decorrente a complicações abortivas. O aborto clandestino pode ser considerado um atentado à vida da mulher e do feto.
Nos últimos dez anos, apenas um projeto de lei propôs descriminalizar o aborto no Brasil, em contrapartida, desde 2011, 69 propostas foram feitas sobre o assunto, 80% das quais tentam aumentar as penas para quem o praticar.
Tramita no Supremo a ADPF 442 ajuizada pelo partido político PSOL, que pontua sobre as disposições do Código Penal afrontarem pressupostos básicos, como a dignidade humana, a cidadania, liberdade e igualdade, dentre outros, aos direitos a saúde, planejamento familiar, direitos sexuais e reprodutivo das mulheres. Objetiva a exclusão da incidência pelo STF do encerramento da gravidez voluntariamente nas 12 semanas iniciais, destacando:
“De modo a garantir às mulheres o direito constitucional de interromper a gestação, de acordo com a autonomia delas, sem necessidade de qualquer forma de permissão específica do Estado, bem como garantir aos profissionais de saúde o direito de realizar o procedimento” (ADPF 442).
A relatora indeferiu em 2017, um pedido feito através de medida cautelar de urgência que pretendia suspender as prisões em flagrante, inquéritos policiais, ou quaisquer outros atos processuais relacionados a aplicação dos artigos 124 e 126 do CP, em casos de abortos praticados antes do inicio do trimestre.
Instaurada a discussão constitucional a cerca da problemática jurídica, a ministra requereu referências à Presidência da República, ao Senado Federal, à Câmara dos Deputados, à Advocacia-Geral da União (AGU) e à Procuradoria-Geral da República (PGR). Em retorno, a Presidência da República ponderou haver incompatibilidades consideráveis de âmbito moral e religioso sobre a questão, que implicam diretamente no cenário social, defendendo a competência do Poder Legislativo sobre as discussões e decisões do tema.
Por sua vez, o Senado Federal assegurou que os artigos não são objetos de reforma do legislativo, pontuando haver no Código Civil artigos que asseguram os direitos do feto. Vale destacar que a câmara possui em pauta debates adequados para possíveis futuras modificações legais (petição 17722/2017).
Seguindo o mesmo raciocínio, a Câmara dos Deputados se posicionou favorável a responsabilidade do legislativo em delimitar sobre a descriminalização do aborto. Analisando o Projeto de Lei 1.135/1991, a assembleia julgou o projeto “inconstitucional e inoportuno”, bem como, informou que há em tramitação diversos projetos que visam a proteção da vida desde a concepção, assim como, há projetos em menores quantidades, que anseiam pela descriminalização do aborto.
Manifestadamente, a AGU defendeu a validação constitucional das normas em questão, e insiste que o aborto não está explicitamente previsto na Constituição, sendo impossível atribuir direitos constitucionais a ele.
Para a ministra relatora, o assunto é bastante delicado por envolver diferentes opiniões e implicar em valores públicos e direitos fundamentais. Perspectivas morais, religiosas e até mesmo de saúde pública devem ser consideradas, além de proteger os direitos individuais da mulher, ponderando:
“A complexidade da controvérsia constitucional, bem como o papel de construtor da razão pública que legitima a atuação da jurisdição constitucional na tutela de direitos fundamentais, justifica a convocação de audiência pública como técnica processual necessária”, assinalou a relatora.
O planejamento familiar é tema de discussão desde 1967 no Congresso Nacional e perdura até os dias atuais. Inúmeras questões envolvem a problemática, como a implementação de políticas públicas, desigualdade social, controle de natalidade, responsabilidade civil, direito de família, jurisprudência, doutrinas e costumes, que enfrentam o disposto no artigo 226, §7º da Constituição Federal de 1988, denominado de direito ao livre planejamento familiar.
No que se refere aos direitos da mulher, principalmente aqueles ligados à saúde sexual e reprodutiva, deve-se enfatizar que o planejamento familiar incluído na Estratégia Saúde da Família requer ações que visem alcançar a saúde geral da mulher, não somente durante a gestação, mas também antes dela, alcançando métodos para prevenir a gravidez indesejada, evitando futuros abortos.
Com base no princípio da dignidade humana, o planejamento familiar se firma na paternidade responsável e na liberdade do casal, cabendo ao Estado o dever de promover campanhas informativas e disponibilizar recursos essenciais para que isso ocorra, sendo vedado, todo e qualquer coação ou proibição por parte dos agentes públicos ou privados.
Um levantamento realizado em uma determinada região periférica de São Paulo sobre aborto revelou um alto índice de abortos não seguros entre as mulheres. A pesquisa mostra que o aborto é um artifício “secreto” entre as mulheres pobres de “planejar suas famílias”, com alto índice de complicações e internações pós-aborto (FUSCO; ANDREONI; SILVA, 2008).
No tocante ao aborto ilegal, esta modalidade se torna rentável àqueles que lucram com o sofrimento e desespero de mulheres enquanto a sociedade permanece irredutível a uma ideia que só contribui para a condenação das mesmas, ao invés de analisar quem são elas, o risco de mortes nos casos mal sucedidos, a desigualdade no meio que vivem e a falta de programas de planejamento familiar (SOUZA; DINIZ; COUTO, 2010).
No segundo semestre de 1980, houve a Assembleia Nacional Constituinte responsável por formular o dispositivo constitucional que cuida sobre o planejamento familiar, o período foi marcado por mudanças graças a adesão de novos parlamentares aos debates e as influências do movimento feminista, a Igreja Católica e inclusive algumas entidades privadas.
De um lado, as feministas defenderam o princípio autônomo sobre definirem a regulamentação da fertilidade, e do outro, a igreja defendeu a definição de paternidade responsável, defendendo a vida desde o início na concepção.
O Ministério da Saúde formulou em 1983 o Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), mas somente em 1986 foi regulamentado. O objetivo do programa é promover a saúde da mulher de maneira ampla em todos os momentos, incluindo a concepção e anticoncepção. Contudo, embora a proposta fosse muito animadora, sua execução não foi perfeita, não conseguindo atender uma quantidade satisfatória de mulheres e cumprir tudo o que propunha. Ademais, no final dos anos 90, os recursos destinados ao campo da saúde da mulher, passaram a ser aplicados à ações que não se voltavam para o programa em geral.
Nos anos 90, a discussão sobre o tema cresceu ainda mais. Os parlamentares apresentaram, na ocasião, 27 projetos de lei, 37% do total das propostas analisadas desde os anos 60. O eixo central durante todo o tempo se referia ao interesse em regulamentar o dispositivo da Constituição sobre planejamento familiar, com a preocupação da normatização da esterilização cirúrgica, sendo o principal motivo inclusive, da realização da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, em 1992.
O projeto de lei 209/91 (Câmara) e 114/94 (Senado) foi o que mais se destacou nesse período e fora proposto justamente para conduzir essa discussão, sendo uma atitude política de parlamentares baseados com as ideias do movimento feminista, dispostos a encarar os abusos referentes à esterilização cirúrgica no Brasil. Foi muitas vezes objeto de polêmicas tanto na Câmara tanto no Senado, devido a diversos aspectos, principalmente à questão ética da esterilização relacionada a questão moral da Igreja Católica.
Por derradeiro, depois de todo o processo no parlamento, o projeto foi aprovado pelo Congresso Nacional, mas com veto parcial da Presidência da República, precisamente nos artigos que tratavam a respeito da esterilização. Posteriormente, a pressão da bancada feminina do Congresso em conjunto com o movimento feminista, conseguiu com que o Parlamento rejeitasse o veto, com aval inclusive da Presidência da República (FÊMEA, 1997).
É importante destacar ainda, os aspectos do processo político de discussão e decisão das questões do planejamento familiar e do aborto provocado no Congresso. O eixo central da discussão acera do planejamento familiar é o problema político do antinatalismo, passando posteriormente, através da inserção do movimento feminista, a enfatizar o problema ético. O problema ético envolvia a questão da autonomia das pessoas nesta área, onde existia grande discordância com o pensamento da Igreja Católica e as ideias do movimento feminista.
4 OS MOVIMENTOS FEMINISTAS EM FAVOR DO DIREITO DE ESCOLHA DA MULHER
O movimento feminista utiliza a voz das mulheres brasileiras para promover avanços na proposta da ADPF 442 no STF, propondo trabalhar com a sociedade e as instituições de poder para conduzir os debates necessários sobre o tema, criando espaços adequados para isso, em consciência de que tudo é uma construção histórica que precisa de renovação, em busca dos direitos das mulheres.
A discussão é sobre o direito das mulheres sobre seus próprios corpos, (...) em um momento de fragilidade da democracia (FEMEA, 2018).
O feminismo no Brasil, inicialmente tinha uma premissa sobre o aborto baseado no principal fundamento feminista contemporâneo, de que o corpo da mulher, lhe pertence. Esta apropriação do corpo significava inclusive, a possibilidade de escolher ser mãe ou não. Esse ideal marcou as lutas feministas e foi difundido internacionalmente (SCAVONE, 2008).
Conforme Thomaz Rafael Gollop (2009) afirma neste sentido:
Na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento realizada em 1994, no Cairo, 184 Estados reconheceram os direitos reprodutivos como direitos humanos e reforçaram o exercício dos direitos sexuais reconhecidos em 1995, na IV Conferência Mundial da Mulher, em Beijing. Os direitos sexuais e reprodutivos, além de serem reconhecidos, a partir de então, passaram a ser discutidos sob a perspectiva dos direitos humanos, pressupondo o respeito à liberdade e à autodeterminação, sem coerção ou violência, e o dever dos Estados-parte de garantirem condições sólidas para o exercício desses direitos por meio de leis e políticas públicas.
Em 2015, o movimento feminista conseguiu derrubar a PL 5.069/13, um projeto de lei proposto por Eduardo Cunha, com apoio de alguns parlamentares fundamentalistas, aprovado por 37 votos contra 14, que restringia a distribuição da pílula do dia seguinte e remédios anti-DST para vítimas de estupro, além de ameaçar criminalizar os casos de aborto já previstos em lei (CARVALHO e LOPES, 2017).
Para conseguir aprovar esse PL, Eduardo Cunha argumentou que a prática do aborto é um “plano dos Estados Unidos” e dos “supercapitalistas”, para quem as feministas fazem o “trabalho sujo”, insultando o movimento feminista e pisando na luta por direitos sexuais e reprodutivos (ARAÚJO e HOEVELER, 2015).
A PEC 181/15, aprovada em 2015 por 18 votos na Câmara dos Deputados. Esta proposta, a princípio foi criada para ampliar os direitos de maternidade, porém, alguns deputados tentaram incluir a proibição do acesso ao aborto legal, mesmo nos casos já previsto sem lei, alegando que o direito à vida é um direito Constitucional e deveria existir desde a concepção (VITÓRIA, 2017). Representantes de movimentos feministas, sociais e sindicais protestaram no final de 2017 contra esta proposta de emenda constitucional.
4.1.1 O aborto é uma realidade na vida das mulheres de todos os credos e classes sociais
Mesmo que as condenações criminais dificultam sua prática e trazem riscos desnecessários à saúde da mulher, o Brasil realiza inúmeros abortos todos os dias. Segundo uma pesquisa do IBGE, estima-se que 7,4 milhões de mulheres brasileiras já tiveram pelo menos um aborto, seja provocado ou espontâneo. A Pesquisa Nacional de Aborto mostrou que só em 2015, mais de 500.000 mulheres sofreram aborto e um quarto das mulheres com menos de 40 anos realizou pelo menos um aborto na vida.
As mulheres que participaram da pesquisa possuem muito em comum, em geral são jovens, já tem outros filhos ou são adeptas ao cristianismo. Um outro grupo indica dificuldades financeiras, violência doméstica, planos pessoais, despreparo, abandono familiar, ou qualquer outro motivo.
“Todos somos pró-aborto. Uns pró-aborto clandestino; nós, pró-aborto legal”, era o tema do movimento argentino que realizaram manifestações pelas ruas da capital. O fato é que a situação não é incomum, embora algumas mulheres possuam condições de arcar com operações caras em clínicas secretas, outras menos afortunadas recorrem a métodos inseguros, sofrendo graves consequências. As condenações atingem principalmente mulheres pobres, negras, periféricas, indígenas, baixa escolaridade, vulneráveis socialmente, tornando-as segregadas.
Nesse sentindo, destaca-se novamente a urgência na legalização do aborto devido a sua importância em garantir a vida e a dignidade das mulheres. O assunto deve ser tratado como um problema de saúde pública, uma vez que é considerada a quinta causa de morte materna no país, com hospitalizações frequentes e caras, o que pode ser modificado se a legislação proporcionasse aborto legal e seguro.
É necessário desmistificar a crença de que a legalização do aborto irá aumentar o número de casos, uma vez que ele não se torna uma obrigação e sim uma opção para àquela que não possui os recursos necessários para prosseguir com a gestação. A legalização vai permitir que todas as mulheres sejam livres para decidir sobre seus corpos com base em seus princípios e condições.
Engana-se quem pensa que o movimento pró-aborto é movido apenas por mulheres. Pessoas de todos os gêneros, idades, religiosas ou não concordam com a legalização e afirmam a liberdade do Estado Laico, aonde o pensamento de uma parcela não pode interferir no todo da coletividade.
Pode parecer contraditório, mas a legalização não aumenta o número de bortos. Pelo contrário, em países em que o procedimento deixou de ser crime, essa taxa caiu, como apontam dados do Instituto Guttmacher. Entre 1990/1994 e 2010/2014, um período de duas décadas, a taxa anual de aborto nas regiões desenvolvidas caiu, principalmente em países ricos onde a prática é legalizada – passou de 46 para 27 abortos para cada mil mulheres em idade reprodutiva. O mesmo não ocorreu em países em desenvolvimento, porção do mundo em que o procedimento é majoritariamente criminalizado.
É fácil entender por que essa conta fecha: o acesso universal e gratuito ao aborto legal e seguro faz valer direitos fundamentais invioláveis protegidos pela nossa constituição – dignidade, igualdade, liberdade, cidadania, direito à vida, à saúde e, vale destacar, ao planejamento reprodutivo.
Mais do que legislar sobre tema, é necessário falar sobre educação. Educação sexual, a importância de métodos contraceptivos para evitar a gravidez e por consequência a prática do aborto.
A cultura social sexista torna as mulheres, muitas das vezes, unilateralmente responsáveis pela prevenção, gestação e criação das crianças. O julgamento social, o abandono parental e a falta de informações condenam as mulheres a um futuro incerto, o que acaba por pesar na decisão dessas mulheres.
Se faz necessária a criação de uma política acolhedora, saúde acessível e informação acessível a população mais carente para evitar uma gravidez indesejada.
Ao longo deste trabalho podemos observar que a criminalização do aborto é algo estrutural da nossa sociedade patriarcal, simbolizando um pensamento arcaico sobre os direitos femininos. Nesse sentido, não podemos continuar tratando como criminosas as mulheres que abortam.
Fora demonstrado que não há unanimidade ao determinar o início da vida, embora haja previsões legais que assegurem os direitos do feto e pesquisas demonstram clara e objetivamente que a legalização do aborto em outros países não aumentara a sua prática.
Vale destacar que a negativa do direito à mulher em ter autonomia sobre seu próprio corpo só aumenta os danos a saúde das mesmas, atingindo a população com menos recursos e aumentando os gastos do governo com infraestrutura na saúde pública.
Por fim, tão importante quanto a discussão e reforma do tema pelo legislativo, é de suma importância que haja o debate em sociedade, pois a palavra aborto ainda é um tabu em nosso meio, aonde muitas vezes por falta de informação, a população acaba crendo que os abortos não acontecem, podendo finalmente diminuir os atos praticados bem como o número de óbitos provenientes do mesmo.
REFERÊNCIAS
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Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, JESNAIANE RODRIGUES DA. A legalização do aborto um direito de escolha da mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 abr 2021, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56337/a-legalizao-do-aborto-um-direito-de-escolha-da-mulher. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
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