GUSTAVO ANTONIO NELSON BALDAN.
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho pretende mostrar que a lei do feminicídio não atingiu sua finalidade na sociedade. A violência contra a mulher sempre foi tema de discussão, pois é um fenômeno histórico e de grande impacto na sociedade atual, é um crime que pode causar inúmeras consequências físicas, sexuais e psicológicas às vítimas a curto ou longo prazo. A violência de gênero leva ao aumento dos custos médicos e legais e diminuição da produtividade, afetando assim o orçamento e o desenvolvimento do país. Porém, o homicídio de mulheres nessas condições, sempre foi uma condição de homicídio qualificado, por motivo torpe ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender. Por essa razão não podemos acreditar que criminalizar o feminicídio será suficiente, é preciso prevenir o crime para que ele não ocorra.
Palavra-chave: Patriarcado. Violência Doméstica. Vulnerabilidade. Feminicídio. Direito Penal. Direito Penal Simbólico.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 2 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2.1 Conceito de Violência Doméstica. 3 A LEI PENAL BRASILEIRA. 3.1 Finalidade da Lei Penal. 4 O DIREITO PENAL. 4.1 Direito Penal Simbólico. 5 O FEMINICÍDIO. 5.1 O Surgimento Do Feminicídio. 5.2 A Lei do Feminicídio. 6 O FEMINICÍDIO COMO DIREITO PENAL SIMBÓLICO. 7 A CRIMINOLOGIA COMO FORMA DE PREVENÇÃO. 7.1 Prevenção Primaria. 7.2 Prevenção Secundária. 7.3 Prevenção Terciária. 8 ALTERNATIVAS À CRIMINALIZAÇÃO. 9 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher tem sido tema de grandes discussões, pois é um fenômeno histórico, a qual foi considerada por muito tempo um problema de caráter particular, fora do alcance do Estado. Porém, recentemente esse paradigma foi revertido, a Lei 13.104/15 alterou o Código Penal, criando mais uma qualificadora para o crime de homicídio, o polêmico Feminicídio, que configura assassinatos de mulheres motivados por razões de gênero, com intuito de diminuir a sensação de impunidade bem como, evitar “interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis”, impedindo assim, que homicídios de mulheres em razão do gênero fossem concluídos como morte passional.
A apreciação desse assunto é imprescindível, pois acarreta impactos significativos na sociedade atual, visto que é um delito que causa muitas consequências físicas, sexuais e psicológicas, de curto ou de longo prazo para as vitimas. A violência de gênero, não só afeta negativamente as mulheres, mas também suas famílias e comunidades. Levando ao aumento dos custos médicos e legais e diminuição da produtividade, afetando assim o orçamento e o desenvolvimento do país.
O enorme empecilho que torna o feminicídio mais um modelo de um Direito Penal puramente simbólico, é que a pena imposta não difere das demais formas de homicídio qualificado, que estão no limite de 12 a 30 anos de reclusão. Ainda, o homicídio de mulheres nessas condições, sempre foi uma condição de homicídio qualificado, por motivo torpe ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender. Então, a pergunta que não quer calar é: para que serve o tão exaltado “Feminicídio”? O que o Feminicídio melhorará na vida das mulheres que sofrem com a violência doméstica e até correm risco de serem assassinadas por seus algozes?
A finalidade de pesquisa deste artigo se dará de forma básica ou pura e tem como pesquisa a metodologia exploratória. Tendo ainda, a revisão bibliográfica como procedimento, no que tange a natureza é de natureza qualitativa e o local é pesquisa de campo.
O presente artigo tem como objetivo verificar a eficácia da lei do feminicídio na sociedade, mostrando assim que a legislação não atingiu sua finalidade.
Nesse artigo serão tratos os conceitos gerais sobre a Violência Domestica, do Direito Penal, bem como do Feminicídio, relacionando com a Lei Penal Brasileira atual no Brasil, para melhor entendermos a relação do Feminicídio com o Direito Penal Simbólico.
A violência doméstica é um problema de longa data, pois a influência da sociedade patriarcal, vivida durante séculos em todo o mundo, colocou a mulher em uma situação de desigualdade, inferioridade, deixando-a vulnerável, sofrendo assim agressões dentro de seus próprios lares, refletindo em seu papel social.
A violência contra as mulheres foi por muito tempo ocultado pela lei, através de lacunas que legalizava o crime por meio de organizações de gênero, com base na hierarquia e desigualdade sociais entre homens e mulheres.
Desde 1980, existem movimentos que buscam igualar os gêneros e dar evidência a mulher, podendo esta ter a dignidade humana que lhe é prevista e buscar seus direitos.
A mulher era subjugada através dos padrões patriarcais, sendo seu comportamento moldado rigidamente, todavia, fora das amarras severas do patriarquismo, vê-se que a mulher não conseguiu libertar-se dos padrões que lhe foram impostos (FARIAS JÚNIOR, 2001, p.207).
Portanto, precisamos entender “o que é violência doméstica?” para melhor entender o objetivo desse artigo.
2.1 Conceito de Violência Doméstica
De acordo com a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher - CIM, a famosa convenção do Belém do Pará, define “A violência contra a mulher, como qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que lhe causa morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico, à mulher, tanto na esfera pública quando na esfera privada”.
Ainda, segundo doutrinadores, entende-se que:
A violência doméstica contra a mulher é definida como aquela que ocorre no âmbito doméstico ou em relações familiares ou de afetividade, caracterizando pela discriminação, agressão ou coerção, com o objetivo de levar a submissão ou subjugação do indivíduo pelo simples fato deste ser mulher (BENFICA; VAZ, 2008, p.201).
Em 2006, como forma de combater a violência doméstica contra a mulher e punir os agressores, foi criada a Lei 11.340, nomeada como “Lei Maria da Penha”.
O nome da lei foi uma homenagem à MARIA PENHA MAIA FERNANDES, farmacêutica, casada com um professor universitário e economista. Maria da Penha foi vitima de violência doméstica durante 23 anos, sofreu muitas agressões e seu marido tentou assassina-la duas vezes. Na primeira tentativa, ele simulou um assalto usando uma espingarda, o que a deixou paraplégica, na segunda vez tentou eletrocutá-la com uma descarga elétrica durante o banho. Ela nunca reagiu, nem havia denunciado por medo, mas depois de ter sido quase morta, resolveu procurar ajuda e denuncia-lo.
Mas, como nada foi feito pelas autoridades, ficou com vergonha de si, se sentindo culpada por tudo que lhe havia acontecido. E só 19 anos após a primeira tentativa de homicídio finalmente foi preso, porém cumpriu apenas 02 anos de prisão em regime fechado.
Essa é a história de Maria da Penha igual à de tantas vítimas de violência doméstica neste país. A repercussão foi de tal ordem que o Centro pela justiça e o direito Internacional- CEJIL juntamente com o Comitê Latino-Americano e do caribe para a Defesa dos direitos da Mulher – CLADEM formalizaram denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estudos Americanos. Foi a primeira vez que a OEA acatou uma denúncia pela pratica de violência doméstica. (CAMPUS, 2007, p. 272).
A OEA analisou os fatos e então o Brasil foi condenado internacionalmente por negligencia. Foi recomendada uma reforma legislativa, no combate à violência contra mulher e que simplificasse os processos judiciais nestes casos. Mas por diversas vezes a OEA solicitava informações ao governo do Brasil, porém não recebia respostas.
Devido o clamor social, o Brasil resolveu dar cumprimento aos tratados internacionais. Um projeto de lei com o objetivo de melhorar a prestação jurisdicional em casos de violência domestica foi elaborado por ONGs não governamentais e enviado ao Congresso Nacional. O projeto foi discutido em todo o Brasil e foi criado a Lei 11.340/06 batizada de Lei Maria da Penha, que protege especificamente a mulher e determina a criação de Juizados de Violência Domestica e Familiar contra a Mulher afastando assim a aplicação da Lei 9.099/95.
A Lei Penal Brasileiro é uma condição histórica, que acompanha a evolução da sociedade, pois a punição por crimes cometidos vem de tempos bem distantes, onde a justiça era feita pela própria comunidade, chamada de vingança privada, que foi estabelecida pelo Código de Hamurabi e a lei de Talião - "olho por olho, dente por dente". Desde então, no mundo, a forma de se punir quem comete alguma violação teve várias fases, como a Lei das XII Tábuas do Direito Romano, que determinou o conceito de Direito Penal, chegando às punições públicas do período do absolutismo vivido no pós-Idade Média.
A inserção das leis penais no Brasil teve inicio com a colonização portuguesa. O Sistema Jurídico penal veio com juntamente com os portugueses, portanto, o Sistema Penal Brasileiro veio aos moldes do Direito Português. Desde então três Códigos Penais vigeram em nosso país. Em 1830 foi criado o Código Penal do Império Brasileiro, em 1890 veio o Código Penal da República Velha. Desde então, acompanhando o avanço da sociedade e as publicações das Constituições de 1934 e 1937, as leis foram sofrendo diversas mudanças, como o fim de pens severa. E em 1940 foi criado nosso atual Código Penal Brasileiro.
No entanto, é válido destacar-se que a legislação penal brasileira não é somente composta pelo código penal. O estatuto mais importante em vigor em matéria penal é o Código Penal (Decreto-lei nº 2.848/40, cuja parte geral foi alterada pela Lei nº 7.209/84). Há, entretanto, inúmeras leis especiais que compõe nossa legislação, tais como a Lei das Contravenções Penais (Decreto-lei nº 3.688/41), Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), Organização criminosa (Lei nº 12.850/2013), Abuso de Autoridade (Lei nº 4.898/65), Sonegação Fiscal (Lei nº 8.137/90), Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98), Armas de Fogo (Lei nº 10.826/2003), Lei de Tóxicos (Lei nº 11.343/2006), Crimes de Tortura (Lei nº 9.455/97), Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000), Crimes de trânsito (Lei nº 9.503/97), entre outras.
A lei protege os bens jurídicos, estes elencados na Constituição da República como a vida, a liberdade, o patrimônio, o meio ambiente, a incolumidade pública. Assim, mantém uma estabilidade jurídica e social.
Sabemos que relações humanas nem sempre são harmoniosas, logo, seria arriscado deixar a sociedade livre para escolher o que fazer diante destes conflitos, Com isso, a lei tem se tornado cada vez mais importante na regulação de conflitos, punindo condutas classificadas como crimes e restringindo a atuação das autoridades responsáveis pela investigação criminal e pelo julgamento de processos criminais, trazendo assim à sociedade maior sensação de segurança.
Mas vale lembrar que o Código Penal nada não proíbe, apenas descreve o comportamento, então as pessoas decidem se desejam executar o comportamento, pois todos são livres para realizar suas próprias ações. No entanto, se cometer um crime, o Código aplicará a penalidade tipificada.
Portanto, tecnicamente falando, o Direito Penal é a matéria destinada a regular a capacidade de punição do Estado, definindo os crimes e vinculando-os às penas ou medidas de segurança, tendo como finalidade salvaguardar a estabilidade jurídica e proteger os seus beneficiários. .
O Direito Penal é um ramo do Direito Público, composto de regras indisponíveis e obrigatoriamente impostas a todas as pessoas, que controla o exercício do poder punitivo do Estado, limitando como se deve punir e até onde o Estado pode executar as punições.
É também o conjunto de princípios e leis designados a combater a criminalidade, assim, o direito penal descrimina as ações humanas que são reprovadas pela sociedade e que coloca em risco a boa convivência social, estabelecendo então, a imposição de sanções penais, mas respeitando sempre os princípios constitucionais. Essas penas permitem preservar a sociedade.
Diante o exposto, segundo o Jurista Aníbal Bruno:
O conjunto das normas jurídicas que regulam a atuação estatal nesse combate contra o crime, através de medidas aplicadas aos criminosos, é o Direito Penal. Nele se definem os fatos puníveis e se cominam as respectivas sanções – os dois grupos dos seus componentes essenciais, tipos penais e sanções. É um Direito que se distingue entre outros pela gravidade das sanções que impõe e a severidade de sua estrutura, bem definida e rigorosamente delimitada (BRUNO, 1967, p. 11-12).
Ainda, segundo Franz Von Liszt “O direito penal é, pois, uma espada de duplo fio, porque é lesão de bens jurídicos para proteção de bens jurídicos”.
Portanto o Direito Penal exerce uma função importante na sociedade, onde visa garantir o convívio pacífico e o desenvolvimento social pleno, por meio da proteção dos bens jurídicos fundamentais ao seio social.
Contudo, todo nosso ordenamento Jurídico, não pode ser o único instrumento de combate à criminalidade, na verdade, tem que ser apenas um deles. É importante destacar que para que o Direito Penal atinja sua finalidade, a Legislação tem que vir acompanhada de medidas sócia educativas. É necessário que o Estado crie medidas de conscientização à sociedade, de respeito à dignidade da pessoa humana e condições mínimas de sobrevivência.
O Direito Penal vem sendo objeto de muitos questionamentos acerca da sua eficácia perante os problemas atuais da nossa sociedade. Sabemos que o Direito Penal é um instrumento utilizado pelo Estado para controlar a violência, preservando assim a sociedade e trazendo uma sensação de segurança.
Mas alguns estudos apontam que essa necessidade que o Estado tem de dar a sociedade uma resposta rápida, se dá ao fluxo de informações que a tecnologia trouxe.
Atualmente, a vida humana está ligada às facilidades oferecidas pela nova tecnologia digital. Nas últimas décadas, a inovação tecnológica mudou muito a forma como nos comunicamos uns com os outros e como lidamos com problemas simples do dia a dia. Como Gilles Lipovetsky diz “vivemos o tempo da hipermodernidade, onde a única alternativa é evoluir e acelerar, para não ser ultrapassado pela evolução” e ainda no mesmo sentido, Juliano Madalena diz que certamente estamos vivendo a época da “coisificação do homem”, onde a internet proporciona uma nova textura social, em que “a tecnologia adentra em nossas vidas. De certa forma, a hiper-informação despontou uma desordem jurídica desafinando tradicionais institutos, causando desconfiança e medo”.
A tecnologia, juntamente com a internet, as redes sociais, o compartilhamentos de dados, aceleram o fluxo de informações, criando assim novas possibilidades jurídicas, antes imprevistas às normas positivadas no ordenamento jurídico atual.
Portanto, sempre que fatos / crimes chocam o país, surgem tensões sociais. Em seguida as classes A e B se escandalizam com a violência que saiu das favelas e do reino quase abstrato da periferia e entrou em sua realidade (colocando em risco seus bairros, casas e crianças). Assim, esta elite cobra do Estado, exigindo uma atitude firme de repressão ao crime. E o Estado gera com base no pensamento errado do inconsciente social, que a promulgação de uma lei penal será uma solução suficiente e capaz de repreender o pensamento errado sobre situações hipotéticas que a mídia considera insolúveis e a elite esta cobrando. E assim, cria leis e mais leis proibindo o que é permitido, agravando a sanção do que já é proibido.
É aqui que surge o Direito Penal Simbólico, da urgência que o Legislativo tem em dar uma resposta imediata a sociedade. Assim, baseando no medo e na insegurança, tentam gerar uma falsa sensação de que o Estado consegue, por meio das leis penais, alterar subitamente a realidade social. Então, através de criação de leis mais severas ou do aumento do rigor punitivo que já existe, tentam tranquilizar a população, como se estivessem tomando atitudes firmes neste sentido.
Obviamente que aumentar as penas ou criminalizar o comportamento não é um fator que inibe o crime, nem remedia uma sociedade carente de medidas sociais que reduzem a criminalidade.
Além disso, um dos efeitos do Direito Penal Simbólico é a ineficácia do Direito Penal. As Leis que são aprovadas pelo Legislativo nessas condições, sofrem muitas restrições em sua aplicação, então as pessoas começam a acreditar que, de fato, o Brasil não respeitava a legislação. As pessoas pensam que a lei não é aplicada, aumentando assim a desconfiança da população e a insegura.
O Estado em vez de adotar uma postura preventiva, adota uma atitude tolerante, tendo que suportar as consequências catastróficas, incluindo crime, violência e todo quadro social problemático que surge com essa insegurança jurídica.
Vemos todos os dias nos jornais noticias como: “Mulher de 32 anos é morta a facadas pelo seu marido, na presença da filha de 10anos. Motivação do crime foi à casa muito bagunçada ou uma suspeita de traição”. Dizem que são exemplos de "amor", mas na realidade são exemplos de ódio, possessividade e da masculinidade mais cruel e tóxica.
O feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher pelo fato de ela ser mulher ou em decorrência de violência doméstica.
Evidencia-se por atingir as mulheres, simplesmente por serem mulheres. Essa questão vai muito além das normas legais, envolve os aspectos sociais e culturais do patriarcado e da sociedade escravista. Toda essa violência esta relacionada com a construção de uma sociedade patriarcal, com a subordinação da mulher ao homem, como já vimos.
Um estudo realizado pela Global Americans Report, no ano de 2019, garante que o Brasil é o pior país em termos de violência de gênero na América Latina. Entre 83 países, o Brasil também é considerado o quinto país que mais mata mulheres no mundo.
5.1 O Surgimento Do Feminicídio
O termo Feminicidio é oriundo do femicídio, amoedado pela socióloga sul-africana Diana Russell no ano de 1976, em um simpósio chamado Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres, em Bruxelas, na Bélgica, para definir o assassinato de mulheres por questões de gênero. A socióloga acreditando que a palavra homicídio tem um conceito geral e que era necessário criar uma definição específica para definir o assassinato de mulheres por questões de gênero a partir da palavra “femêa”, definiu então o termo “femicídio”. Explicou que optou pela palavra fêmea e não mulher, porque o femicídio é cometido contra mulheres de varias faixa etária, como crianças e idosas.
Em 1992, Diana escreveu o livro “Femicídio: a Política de Matar Mulheres". Este trabalho inspirou a antropóloga Marcela Lagarde a se mobilizar contra o assassinato de mulheres no México. Porém Lagarde modificou o termo e explicou que, quando traduzida para o espanhol, a palavra perdeu força e sugeria o uso de feminicídio que, segundo ela, o "conjunto de delitos de lesa humanidade que contém os crimes e os desaparecimentos de mulheres". Também destacou a negligência do Estado em permitir que esses crimes ocorressem. O Brasil seguiu Lagarde e adotou o termo Feminicídio.
O feminicídio começou a circular na imprensa italiana em 2012. Jornalistas e políticos denominava o termo como “matança, massacre e carnificina de mulheres”, que sofrem todo tipo de violência e assassinato por parte de seus parceiros. Grupos e instituições feministas na Itália pediam reformas do sistema jurídico e ações para impedir o assassinato.
Então, um extermínio no México, causou grande comoção e foi o que determinou definitivamente o aparecimento do termo feminicídio, dentro das características apontadas. Foi um massacre de 500 mulheres, a maioria jovens moças de perfil indígena, na fronteira de El Paso e Juarez, que trabalhavam em manufaturas no México e mandavam dinheiro para casa, pelo único motivo de serem mulheres. As atrocidades brutais do assassinato das meninas da cidade de Juarez, no México, despertaram raiva e terror. A chacina ajudou a estabelecer novos requisitos, tanto nacional quanto internacionalmente, para combater o crime até então não reconhecido, o feminicídio.
No século passado, o registro de mulheres mortas pelo simples fato de terem nascido mulheres, se compara ao número de homens mortos em duas guerras mundiais. Ainda hoje, inclusive no Brasil, a situação permanece a mesma dos anos de história, envolvendo a violência contra a mulher:
A violência contra a mulher por razões de gêneros é histórica e tem um caráter estrutural, que se perpetua devido à sua posição de subordinação na ordem sociocultural patriarcal. Tal relação de poder, baseada em padrões de dominação, controle e opressão, leva à discriminação, ao individualismo, à exploração e à criação de estereótipos, os quais são transmitidos de uma geração para outra e reproduzidos tanto no âmbito público (governo, política, religião, escolas, meios de comunicação), como no âmbito privado (família, parentes, amigos). A partir de condições históricas, são naturalizadas formas de discriminação contra a mulher e geradas práticas sociais que permitem ataques contra a sua integridade, desenvolvimento, saúde, liberdade e vida (GEBRIM; BORGES, 2014, p. 59).
O termo “Feminicídio” apareceu pela primeira vez, nas Conclusões Acordadas da 57ª. Sessão da Comissão sobre o Status da Mulher da ONU, cujo texto foi aprovado em 15 de março de 2013.
No Brasil, a expressão feminicídio apareceu no âmbito Jurídico pela primeira vez nos resultados da CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) da Violência contra a Mulher, de 2012.
A lei 13.104/15, mais conhecida como Lei do Feminicídio é oriunda da CPMI de Violência contra a Mulher no Brasil e do Projeto de Lei do Senado n. 292, de 2013, promulgada pela presidente Dilma Rousseff em 09 de março de 2015. Alterou o Código Penal brasileiro, incluindo o homicídio de mulheres, como homicídio qualificado e o colocou na lista de crimes hediondos, alterando assim o art. 1º da Lei 8072/90.
Mas a Lei do Feminicídio não enquadra, qualquer assassinato de mulheres como um ato de feminicídio. O § 2º-A da Lei foi acrescentado como norma explicativa do termo "razões da condição de sexo feminino", esclarecendo que aplica-se somente nos casos em que crime resulta da discriminação de gênero manifestada pelo ódio e a objetivação das mulheres, ou, da violência doméstica.
Por exemplo, quando o assassinato de uma mulher é o resultado de um latrocínio (roubo seguido de morte) ou de uma briga entre estranhos, não há a configuração de feminicídio.
Segundo a promotora de Justiça de São Paulo Valéria Scarance, especialista em gênero e enfrentamento à violência contra a mulher "O homem mata a mulher por causa de alguma postura adotada por ela que o faz sentir desafiado, desautorizado. É muito comum quando ela se recusa a sair com ele ou quer terminar uma relação", diz ainda "É considerada uma morte por menosprezo, uma manifestação de crime de ódio”, feminicídio é um crime com assinatura.
A lei alterou o artigo 121, do Código Penal, que tipifica o crime de homicídio. Na legislação antiga eram § 6º, sendo que o seu § 2º, incisos I a V previa as qualificadoras que levavam à punição do homicídio simples de 6 a 20 anos para 12 a 30 anos. Então foi criado um § 7º e § 8º, regulamentando o “Feminicídio”. A pena imposta não difere das demais formas de homicídio qualificado, que estão no limite de 12 a 30 anos.
6 O FEMINICÍDIO COMO DIREITO PENAL SIMBÓLICO
Como já vimos, por se tratar de um tema de cunho forte na mídia e devido à grande comoção ao público, a sociedade cobra do Estado uma solução. Atendendo o clamor social e com intuído de dar uma resposta a sociedade, a PLS 293/13 foi aprovada, incluindo a Lei A lei 13.104/15, que alterou o Código Penal como também já vimos.
Mas, apesar da nova legislação, o número de feminicídios tem só aumentado, um levantamento feito pelo jornal Folha de S. Paulo mostrou que, em 2019, houve 1.310 assassinatos decorrentes de violência doméstica ou motivados pela condição de gênero, características do feminicídio. Foi uma alta de 7,2 % em relação a 2018.
Então, a pergunta que não quer calar é: para que serve o tão exaltado “Feminicídio”? O que o Feminicídio melhorará na vida das mulheres que sofrem com a violência doméstica e até correm risco de serem assassinadas por seus algozes?
O homicídio de uma mulher nessas circunstâncias sempre foi considerado pelo Código Penal Brasileiro e pela Doutrina, uma espécie de homicídio qualificado por motivo torpe ou, ainda, em virtude de dificuldade da vítima de se defender. Portanto estaria obviamente tipificado e a pena seria exatamente a mesma que foi implanta, ou seja, reclusão, de 12 a 30 anos.
Segundo o texto de justificação do PLS 292/13:
A importância de tipificar o feminicídio é reconhecer, na forma da lei, que mulheres estão sendo mortas pela razão de serem mulheres, expondo a fratura da desigualdade de gênero que persiste em nossa sociedade, e é social, por combater a impunidade, evitando que feminicidas sejam beneficiados por interpretações jurídicas anacrônicas e moralmente inaceitáveis, como o de terem cometido ‘crime passional’. Envia, outrossim, mensagem positiva à sociedade de que o direito à vida é universal e de que não haverá impunidade. Protege ainda a dignidade da vítima, ao obstar de antemão as estratégias de se desqualificarem, midiaticamente, a condição de mulheres brutalmente assassinadas, atribuindo a elas a responsabilidade pelo crime de que foram vítimas.
No entanto nota-se é que a lei penal se tornou uma espécie de panfleto feminista. Mas essa não é a função da lei penal, aliás, de nenhuma lei. Como bem sabemos as leis servem para regular a conduta humana, tornando o convívio social o mais pacífico possível. A raiz do problema reside não apenas na natureza da lei ao longo da história humana, mas também no fracasso da lei em desempenhar com sucesso a função ali exposta.
Mas essa é a característica do Direito Penal Simbólico, fingir que não sabe o que realmente sabe e continuar fazendo leis inúteis, mas que trará para certas pessoas e certos grupos, dividendos políticos.
7 A CRIMINOLOGIA COMO FORMA DE PREVENÇÃO
A criminologia é um conjunto de conhecimentos usado para estudar os fenômenos e as causas do crime, o caráter do criminoso, o comportamento criminoso e uma maneira de ressocialização.
Também estuda as vítimas e o controle social, informal e formal. E analisa as penas necessárias e eficazes para reprimir e condenar crimes.
A criminologia Prevencionista é uma ciência humana e social, cujo objeto de pesquisa são os criminosos, seu caráter perigoso ou antissocial e as razões para a formação dos crimes, considerando como um grupo de criminosos e seus respectivos crimes praticados numa determinada região e num determinado tempo.
Pela ótica da Criminologia Prevencionista, a prevenção do crime se subdivide em 03 grupos, a Prevenção Primária, Secundaria e Terciaria.
Ao desempenhar funções de prevenção ao crime, o Estado basicamente realiza ações sob essas três frentes:
A Prevenção primária é a conscientização social por meio de programas que criam medidas sociais, onde o Estado garante o emprego e os direitos sociais, como saúde, educação, segurança e moradia. Capacitando assim e, fortalecendo a sociedade, para que saibam lidar com eventuais situações que possam leva-los a uma vida desregrada, Mas esse seria um instrumento preventivo de médio à longo prazo.
A Prevenção secundária atua na exteriorização do conflito criminal, ou seja, consiste em medidas voltadas aos indivíduos predispostos a praticar um delito. Está relacionada à política da legislação criminal e à ação policial ligado que atua na prevenção, quando e onde ocorrer o crime, procurando produzir nos indivíduos um respeito pela norma que os dissuada de violá-la. Caso o façam, devem ser punidos por lei, e quanto mais relevantes forem os bens protegidos pela lei, mais severa será a punição. Essa forma de prevenção opera de curto a médios prazos.
A Prevenção terciária é a forma de prevenção indireta, voltado à população carcerária, ou seja, visando os infratores, tem caráter punitivo, para prevenir a reincidência. É implementado por meio de medidas de punição, através da ressocialização do processo de execução criminal, adotando assim medidas como prestação de serviços à comunidade, assistida, liberdade laborterapia, etc.
8 ALTERNATIVAS À CRIMINALIZAÇÃO
Mas não podemos acreditar na ilusão que criminalizar o feminicídio será suficiente para impedir que ele ocorra, é preciso olhar debaixo da ponta do iceberg, onde todos os mecanismos de educação, de prevenção e de assistência estão falhando.
Essa cultura só pode ser revertida por meio de políticas que promovam a educação, a igualdade de gênero e fiscalização de leis, como a Lei Maria da Penha, traçando assim diretrizes para coibir o crime.
O Estado deveria se preocupar menos em estudar a forma de aplicabilidade da Lei e de repreensão do crime e se dedicar mais em preveni-lo, entendendo o que leva o individuo a praticar esse tipo de barbaridade, tratado assim o mal pela raiz.
Como podemos entender no decorrer desse artigo, a violência doméstica é um fenômeno histórico, pois a influência da sociedade patriarcal, vivida durante séculos em todo o mundo, por uma cultura machista, colocou a mulher em uma situação de inferioridade,
Segundo a Teoria da Personalidade, desenvolvida por Sigmund Freud, a psique humana é formada por três instancia, o Id, Ego e o Superego.
O Id é a instancia inferior da mente humana, todas as pessoas nascem com ele, são os nossos instintos, consiste nos desejos, vontades e pulsões primitivas. O Superego, é a instancia superior, começa a se desenvolver em nossa personalidade por volta dos 5 ou 6 anos de idade, quando começamos a ter maior consciência de regras e valores, portanto é a nossa consciência, que nos dá a noção de dever, obrigação, valores morais etc. E o Ego é a instancia intermediaria, o nosso mediador entre os impulsos do Id e a censura do superego, tentando estabelecer compromisso entre eles, adequando nossos instintos primitivos (o Id) com o nossos valores (o Superego).
Nesse sentido quem pratica violência de gênero pensa agir corretamente, vendo o outro como pessoa inferior, seu Id não é moldado pelo ego, tampouco por ele limitado, de modo que sempre pensa que tudo o que faz está correto, errado está tudo a sua volta.
Por essa razão outra forma de prevenção, é a conscientização na mente de crianças, adolescentes, jovens e adultos, estabelecendo novos valores a uma sociedade culturalmente machista e a necessidade de respeito e igualdade, equilibrando assim essas 03 partes da mente humana (Id, Ego e Superego).
Portanto, mudar essa realidade exige que o poder público inclua a eliminação da violência e do assassinato de mulheres como política nacional, pois o extermínio de mulheres devido à violência de gênero é alo que tem que ser tratado e não punido.
Conforme os ensinamentos de Nélson Hungria (1979, p. 227), “O direito de viver não é um direito sobre a vida, mas à vida, no sentido de correlativo da obrigação de que os outros homens respeitem a nossa vida”.
O tema abordado procurou retratar todo o contexto histórico e social responsável pela violência de gênero (feminicídio). Além disso, apresentou toda importância da Lei Penal Brasileira e qual sua finalidade, para que então pudessem entender o que significa o Direito Penal e qual seu papel no Ordenamento Jurídico, para assim conhecermos o que é o Direito Penal Simbólico e qual a relação com o Feminicídio.
A violência contra mulher ocorre por influência de uma sociedade patriarcal, onde o homem cresce acreditando que a mulher é inferior a ele, deixando-a vulnerável. O agressor acredita que essa (injusta) agressão é justa, que ele faz o certo, pois seu Id não é moldado pelo ego, tampouco por ele limitado.
A lei tem a intenção de coibir o crime, pois diante de uma severa punição caso o crime o ocorra, é natural que o ser humano com sua capacidade mental perfeitamente saudável não queira praticar o delito e sofrer as consequências, por essa razão punir esses criminosos de nada resolverá já que eles não têm essa consciência e acreditam que não estão fazendo nada ilegal.
A legislação tem que vir acompanhada de medidas sócia educativas, portanto a solução seria a prevenção, uma conscientização social, ensinar todos, em especial as nossas crianças, novos valores e a necessidade de respeito e igualdade.
Mas o Poder Judiciário, para responder o calor social, que grita por socorro, tem optado por criar Leis com punições mais severas, passando assim uma falsa sensação de segurança, sem perceber que a insegurança jurídica cresce a cada dia mais.
REFERÊNCIAS
BENFICA, Francisco S.; Vaz, Marcia. Violência contra Mulher. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/74965/violencia-domestica-contra-mulher>. Acesso em: 28 ago.2020.
BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos,. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13104.htm>. Acesso em: 25 ago. 2020.
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bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: THIAGO, DENISE GONÇALVES. Feminicídio como direito penal simbólico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 abr 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56338/feminicdio-como-direito-penal-simblico. Acesso em: 23 dez 2024.
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