Nos dias atuais, a sistemática adotada pela Administração Pública para suprir a força de trabalho necessária ao atendimento das demandas sociais e ao funcionamento da máquina pública não mais pode se pautar pelo modelo utilizado nos anos 80 e 90, onde preponderava a utilização em larga escala de força de trabalho própria em praticamente todos os níveis e setores da Administração.
Em um passado relativamente recente, mas que ainda persiste em determinados segmentos da Administração Pública, preponderava um grande inchaço da máquina pública com utilização de força de trabalho própria, por meio de cargos e empregos públicos, inclusive em serviços onde não havia a necessidade de aplicação das prerrogativas próprias do funcionalismo público.
Todavia, a nova conjuntura social hoje vivenciada tem imposto cada vez mais à Administração Pública a necessidade enxugamento de suas despesas com pessoal e a busca por soluções mais eficientes para garantir a sobrevivência financeira do setor público e a entrega de um serviço de melhor qualidade à população.
Sem embargo das críticas existentes, muitas, inclusive, com fundamentos, a realidade é que o setor público tem se valido de forma progressiva e crescente da terceirização de mão de obra para garantir o funcionamento das atividades e serviços prestados pelo Estado, tanto para as atividades meio dos órgãos públicos, a exemplo de limpeza, segurança e portaria, como também para execução de atividades fins em determinadas áreas, como se vê na contratação de serviços de saúde terceirizados para hospitais públicos.
Neste contexto, o Pregão, na sua forma eletrônica, tem sido a modalidade licitatória mais utilizada para contratação de serviços de terceirização de mão de obra, que se enquadra no conceito de serviços comuns, cujos padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais no mercado.
Então, é perceptível que a realização de pregões, sobretudo eletrônicos, tem sido de frequência ascendente para contratação de mão de obra terceirizada pelo Poder Público.
Entretanto, se de um lado a terceirização de mão de obra tem se mostrado uma promissora solução em termos de eficiência para o setor público, de outro, tem gerado preocupações nos certames licitatórios em relação à realização de contratações de exequibilidade duvidosa, que trazem consequência gravosas para a Administração.
Não têm sido raras as situações em que a empresas de terceirização contratadas falham com suas obrigações trabalhistas e previdenciárias, deixando os trabalhadores e a própria Administração em situação delicada. Diante desta realidade, alguns editais de licitação passaram estipular uma taxa de administração mínima para remuneração das empresas de terceirização contratadas, justamente como um mecanismo para afastar propostas manifestamente inexequíveis. Todavia, essa exigência passou a ser massivamente questionada no Poder Judiciário, sobretudo ao argumento de violação ao disposto no artigo 40, X, da Lei nº 8.666/93, que a veda fixação de preços mínimos.
Neste cenário, passou a prevalecer a tese de remuneração do contratado pela Administração Pública, integra o conceito de preço, pelo que a exigência de percentual mínimo de taxa de administração estaria em confronto com a norma inserta no artigo 40 da Lei Geral de Licitações.
De outra banda, é possível perceber ainda que nem a lei 8.666/90 e nem a Lei Federal nº 10.520/2002, que regulamenta o Pregão como modalidade licitatória, trazem qualquer norma expressa que viabilize a exigência de taxa de administração mínima, já que esta medida, ainda que com nítida intensão acautelatória, não constitui forma de garantia contratual prevista em lei.
Nesta perspectiva, Superior Tribunal de Justiça teve a oportunidade de se debruçar sobre essa questão, vindo a firmar a tese de Tema Repetitivo 1038, no sentido de que os editais de licitação ou pregão não podem conter cláusula prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, sob pena de ofensa ao artigo 40, inciso X, da Lei nº 8.666/1993. Por bastante elucidativa e didática, cumpre verificar a ementa do julgado formador da tese, que foi lavrada nos seguintes termos:
ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL SOB O RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. ARTS. 40, INC. X, E 48, §§ 1º E 2º, DA LEI Nº 8.666/1993. CLÁUSULA EDITALÍCIA EM LICITAÇÃO/PREGÃO. FIXAÇÃO DE PERCENTUAL MÍNIMO REFERENTE À TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. INTUITO DE OBSTAR EVENTUAIS PROPOSTAS, EM TESE, INEXEQUÍVEIS. DESCABIMENTO.
BUSCA DA PROPOSTA MAIS VANTAJOSA PARA A ADMINISTRAÇÃO. CARÁTER COMPETITIVO DO CERTAME. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO TCU. EXISTÊNCIA DE OUTRAS GARANTIAS CONTRA AS PROPOSTAS INEXEQUÍVEIS NA LEGISLAÇÃO.
RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. RECURSO JULGADO SOB A SISTEMÁTICA DO ART. 1.036 E SEGUINTES DO CPC, C/C O ART. 256-N E SEGUINTES DO REGIMENTO INTERNO DO STJ.
1. O objeto da presente demanda é definir se o ente público pode estipular cláusula editalícia em licitação/pregão prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, como forma de resguardar-se de eventuais propostas, em tese, inexequíveis.
2. Não merece acolhida a preliminar de não conhecimento. A inexequibilidade do contrato, no caso concreto, não consistiu em objeto de apreciação do aresto impugnado, cujo foco se limitou a deixar expresso que o art. 40, X, da Lei nº 8.666/1993, ao impedir a limitação de preços mínimos no edital, aplica-se à taxa de administração. O que o acórdão recorrido decidiu foi a ilegalidade da cláusula editalícia que previu percentual mínimo de 1% (um por cento), não chegando ao ponto de analisar fatos e provas em relação às propostas específicas apresentadas pelos concorrentes no certame.
3. Conforme informações prestadas pelo Núcleo de Gerenciamento de Precedentes deste Tribunal, "quanto ao aspecto numérico, a Vice-Presidência do Tribunal de origem, em auxílio a esta Corte, apresenta às e-STJ, fls. 257-264, listagem com 140 processos em tramitação nas Câmaras de Direito Público ou no Órgão Especial do Tribunal cearense em que se discutem a mesma controvérsia destes autos. Não obstante, é possível inferir haver grande potencial de repetição de processos em todo o território nacional em virtude da questão jurídica discutida nos autos relacionada ao processo licitatório e à possibilidade de a administração fixar valor mínimo de taxa de administração". Tudo isso a enfatizar a importância de que o STJ exerça sua função primordial de uniformizar a interpretação da lei federal no Brasil, evitando que prossigam as controvérsias sobre matéria de tão alto relevo e repercussão no cotidiano da Administração Pública em seus diversos níveis, com repercussão direta nos serviços prestados à população e na proteção dos cofres públicos.
4. A fixação de percentual mínimo de taxa de administração em edital de licitação/pregão fere expressamente a norma contida no inciso X do art. 40 da Lei nº 8.666/1993, que veda "a fixação de preços mínimos, critérios estatísticos ou faixas de variação em relação a preços de referência".
5. A própria Lei de Licitações, a exemplo dos §§ 1º e 2º do art.
48, prevê outros mecanismos de combate às propostas inexequíveis em certames licitatórios, permitindo que o licitante preste garantia adicional, tal como caução em dinheiro ou em títulos da dívida pública, seguro-garantia e fiança bancária.
6. Sendo o objetivo da licitação selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração ? consoante expressamente previsto no art. 3º da Lei nº 8.666/1993 ?, a fixação de um preço mínimo atenta contra esse objetivo, especialmente considerando que um determinado valor pode ser inexequível para um licitante, porém exequível para outro. Precedente do TCU.
7. Deve a Administração, portanto, buscar a proposta mais vantajosa; em caso de dúvida sobre a exequibilidade, ouvir o respectivo licitante; e, sendo o caso, exigir-lhe a prestação de garantia. Súmula nº 262/TCU. Precedentes do STJ e do TCU.
8. Nos moldes da Súmula 331/TST, a responsabilidade da Administração Pública pelo inadimplemento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada é subsidiária. A efetiva fiscalização da prestadora de serviço quanto ao cumprimento das obrigações contratuais e legais ? especialmente o adimplemento dos encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais ? afasta a responsabilização do ente público, diante da inexistência de conduta culposa. Não é necessário, portanto, fixar-se um percentual mínimo de taxa de administração no edital de licitação para evitar tal responsabilização.
9. Cuida-se a escolha da taxa de administração, como se vê, de medida compreendida na área negocial dos interessados, a qual fomenta a competitividade entre as empresas que atuam nesse mercado, em benefício da obtenção da melhor proposta pela Administração Pública.
10. Tese jurídica firmada: "Os editais de licitação ou pregão não podem conter cláusula prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, sob pena de ofensa ao artigo 40, inciso X, da Lei nº 8.666/1993." 11. Recurso especial conhecido e improvido, nos termos da fundamentação.
12. Recurso julgado sob a sistemática do art. 1.036 e seguintes do CPC e art. 256-N e seguintes do Regimento Interno desta Corte Superior.
(REsp 1840113/CE, Rel. Ministro OG FERNANDES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 23/09/2020, DJe 23/10/2020)
Desta forma, se alguma dúvida ainda existia acerca da ilegalidade da exigência editalícia de percentual mínimo a título da taxa de administração, a decisão supracitada veio para dirimi-la de uma vez por todas, sedimentando o entendimento de que os editais de licitação ou pregão não podem conter cláusula prevendo percentual mínimo referente à taxa de administração, sob pena de ofensa ao artigo 40, inciso X, da Lei nº 8.666/1993.
Não obstante, é preciso perceber que esse entendimento não afasta a possibilidade da Administração aferir a exequibilidade da proposta apresentada nos certames licitatórios por outros meios não relacionados exclusivamente ao percentual da taxa de administração cobrada pelo contratado, nem de se valer das garantias legais previstas no artigo 56, § 1º, da Lei 8.666/90.
Referências Bibliográficas:
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Sistema de Registro de Preços e Pregão Presencial e Eletrônico, 10ªed, Belo Horizonte: Fórum, 2015.
_______ . Contratação Direta Sem Licitação, 10ªed, Belo Horizonte: Fórum, 2016.
FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 20ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Lúmen Júris, 2008.
Procurador do Estado de Alagoas, ex-Procurador do Estado de Pernambuco, ex-Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade do Sul de Santa Cataria, Pós-Graduado em Direito Administrativo e Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera-Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDROSA, Danilo França Falcão. A exigência de taxa de Administração mínima em editais licitatórios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 abr 2021, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56341/a-exigncia-de-taxa-de-administrao-mnima-em-editais-licitatrios. Acesso em: 23 dez 2024.
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