ANDRÉ DE PAULA VIANA
(orientador)
RESUMO: Desde muito antes do advento da lei 13.718/18, as mulheres sofrem com a importunação sexual causada por terceiro, que sem o consentimento da vítima, visa satisfazer a sua própria lascívia ou a de outrem. Embora a importunação sexual seja um tema pouco discutido, é de grande relevância a sua importância, se fazendo presente na vida de muitas pessoas. A conduta tipificada no artigo 215-A do Código Penal, ocorre com frequência, especialmente, em ambientes públicos e de livre acesso a população. No entanto, muitas vítimas desse delito desconhecem o seu significado e até mesmo os seus direitos. Para conhecer melhor esse tema, foi realizado uma pesquisa por livros e monografias nos meses de setembro a novembro de 2020, envolvendo um procedimento bibliográfico e de natureza qualitativa, que visa apurar dados e pesquisas científicas. Constatou-se, portanto, a importância da prevenção através de informações e relatos acerca do tema abordado, tendo em vista que pode causar diversos prejuízos morais e psicológicos à vítima.
Palavras-chave: Importunação Sexual. Ato Libidinoso. Lascívia. Vulnerabilidade.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. 1.1 Do tipo penal. 2 ENFOQUE HISTÓRICO NA LEGISLAÇÃO NACIONAL. 2.1 Da importunação ofensiva ao pudor. 2.2 Alterações promovidas pela Lei 13.718/18. 3 NARRATIVAS DE CASOS DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL, APÓS O ADVENTO DA LEI 13.718/18. 4 POSICIONAMENTO ATUAL DO PODER JUDICIÁRIO. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
A importunação sexual ocorre frequentemente, seja em um ambiente privado ou em instituições ou locais públicos. A prática desse crime, efetivamente enfraquece a proteção das mulheres, que são o principal alvo de quem pratica determinada conduta, fazendo com que elas sejam expostas a situações vexatórias e de vultosa vulnerabilidade.
A importunação sexual está tipificada no art. 215-A do Código Penal, e caracteriza-se pela realização de ato libidinoso na presença de alguém, sem o seu consentimento, e, com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro.
Tais práticas são rotineiramente realizadas em meios de transporte coletivo, bem como ações como passar a mão no corpo alheio sem permissão, ou beijos forçados.
Determinadas condutas devem ser discutidas diante da relevância sobre o tema em questão, que antes era considerado apenas uma contravenção penal, punida com multa, e hoje, com a lei sancionada em setembro de 2018, a importunação sexual passou a ser um crime, onde a vítima pode usufruir de uma maior proteção quanto ao seu direito de escolher a forma como pratica os seus atos de cunho sexual.
Contudo, a questão a ser abordada engloba tanto o fato de a legislação vigente ser realmente capaz de suprir os danos causados a vítima, que na maioria das vezes é psicológico, bem como se é capaz de punir efetivamente o suposto infrator, coibindo-o de reiterar na prática de determinada conduta.
Dessa forma, a pesquisa será realizada com uma finalidade básica e pura, com o intuito de produzir novos conhecimentos que são úteis para o avanço da ciência.
Possui um objetivo exploratório, que proporciona uma visão geral acerca do fato, desenvolvendo, esclarecendo e modificando conceitos e ideias para estudos posteriores, envolvendo um procedimento bibliográfico, que recupera o conhecimento científico acumulado sobre o problema, obtendo uma natureza qualitativa, analisando dados e pesquisas científicas.
O objetivo deste trabalho é verificar a efetividade da pena atualmente prevista no artigo 215-A, do Código Penal, comparando-a com a anteriormente aplicada pela Lei de Contravenções Penais, buscando compreender a sua eficácia e a ineficácia àquela época, e, nos dias de hoje, analisando a legislação vigente, além das jurisprudências existentes sobre o caso, e, estudos doutrinários, apresentando narrativas de casos que ocorreram especificamente no Brasil, com o fim de vislumbrar os danos, principalmente psicológicos, causados à vítima.
O executor da ação tipificada como crime de importunação sexual, violenta de uma forma vexatória e humilhante a dignidade sexual da vítima, que é ultrajada por uma conduta repugnante do agressor.
Nesses casos, a vítima é exposta a uma vultosa situação de vulnerabilidade, de forma que não consegue se defender ou até mesmo reagir por ser importunada de surpresa, tendo em vista que a atitude do agressor é realizada de uma forma inusitada e inesperada, que visa não só satisfazer a sua própria lascívia, como também pode visar satisfazer a lascívia de terceiro.
A conduta do infrator é tal, que mitiga a liberdade sexual da vítima, bem como viola os seus direitos e garantias previstos na Constituição Federal.
Dessa forma, sobre o bem jurídico tutelado, pode-se afirmar que:
A liberdade sexual, entendida como a faculdade individual de escolher livremente não apenas o parceiro ou parceira sexual, como também quando, onde e como exercitá-la, constitui um bem jurídico autônomo, independente, distinto da liberdade geral, com idoneidade para receber, autonomamente, a proteção penal. No entanto, reconhecemos a importância de existir um contexto valorativo de regras (não jurídicas) que discipline o comportamento sexual nas relações interpessoais, pois estabelecerá os parâmetros de postura e de liberdade de hábitos, como uma espécie de cultura comportamental, que reconhece a autonomia da vontade para deliberar sobre o exercício da liberdade sexual de cada um e de todos, livremente (BITENCOURT, 2019).
É através desse contexto valorativo de regras, que se estabelece os limites toleráveis do comportamento social sexual das pessoas nas relações interpessoais, respeitando a liberdade do outro e preservando os direitos garantidos pela Constituição Federal, como a privacidade, liberdade e dignidade sexual.
A violação desses determinados direitos pode constituir variados crimes, dentre eles, o analisado por este artigo, que é cometido principalmente sem o consentimento da vítima.
Conforme leciona Gonçalves e Estefam (2020, p. 267) o crime de importunação sexual é comum, de forma que qualquer pessoa pode cometê-lo em desfavor de homem ou mulher, independente de gênero, exceto aquelas vítimas que se enquadrarem no conceito de vulnerável do art. 217-A do Código Penal, pois a prática de qualquer ato libidinoso com elas, configura crime de estupro de vulnerável.
No entanto, é mais comum que esse crime seja praticado contra mulheres, que são exploradas e desmoralizadas pelos infratores, em qualquer circunstância, principalmente, em ambientes públicos, inclusive, por vingança, nos casos de término de relacionamentos afetivo-sexuais.
Além disso, é necessário para sua configuração, que o ato seja cometido com dolo direto e especial, que se configura quando o agente prevê e demonstra vontade eminente de um resultado, praticando sua conduta na busca de efetivá-lo, não bastando para caracterizá-lo, por exemplo, um simples esbarrão no metrô. O resultado buscado aqui, é a satisfação da própria lascívia ou a de terceiro (GONÇALVES; ESTEFAM, 2020, p. 626).
O tipo previsto no art. 215-A, do Código Penal, descreve uma única modalidade de conduta, qual seja, praticar, na presença de alguém, qualquer ato de libidinagem, sem o seu consentimento, para satisfazer a sua lascívia ou a de outrem.
Um dos exemplos clássicos trazidos pelas atuais doutrinas, bem como jurisprudências, é o caso em que o infrator ejacula na presença da vítima, ou sobre o corpo dela, como já ocorreu no interior de transportes coletivos urbanos do país (NUCCI, 2018; GOLÇALVES, 2020). O sujeito passivo se aproveita das circunstâncias do local em que se encontra, bem como da distração da vítima, desrespeitando e ofendendo os direitos a ela garantidos.
A adequação desse tipo penal se baseia no fato de a vítima não consentir com o ato libidinoso praticado, ou seja, caso haja seu consentimento, não há que se falar em crime de importunação sexual, porque nesse caso, nenhum direito será violado.
Segundo Adaid (2016 apud REALE, 2008) o conceito de ato libidinoso no mundo jurídico é de conteúdo aberto, ou seja, a norma jurídica nada assevera sobre sua definição.
Dessa forma, cabe buscar na doutrina o conceito que melhor se adapta. Para Bitencourt (2019) o ato libidinoso é ato lascivo, voluptuoso, erótico, concupiscente, que objetiva prazer sexual, e que pode ser, inclusive, a conhecida conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso diverso dela, como por exemplo, a ejaculação, que é praticada na presença da vítima e até mesmo nela, “mas não com ela”, e sem a sua anuência.
Dentre os atos de libidinagem praticados, o supramencionado apesar de ser considerado como ultraje ao pudor, que causa repudia em grande parte da sociedade, não se destaca como um dos mais graves, que se configuram pela prática mediante violência física ou moral, como o sexo anal ou oral, que violam a liberdade e dignidade sexual da vítima. Contudo, essas condutas constituem infrações penais de maior gravidade, que é desproporcional a pena cominada para os casos de importunação sexual.
Praticar na presença de alguém ou contra alguém, sem a sua anuência, ato libidinoso para satisfazer a própria lascívia ou a de outrem, é crime material. Isso porque, se consuma quando reunido todos os elementos de sua definição legal, para tanto, a produção do resultado naturalístico, que é a efetiva prática do ato libidinoso em qualquer de suas modalidades, independente da satisfação do agente ou de terceiro, bastando que ela seja apenas suficiente para que tenha incitado o sujeito na prática da conduta.
Nessa modalidade, também há hipóteses de tentativa, porém de difícil configuração, como nos casos em que o agente tenta passar as mãos nos seios de alguém dentro de um transporte público, no entanto, é impedido por populares.
Contravenção penal, de acordo com o art. 1º do Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, é uma infração penal que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente. Assim, a única diferença existente entre crime e contravenção penal, é quanto as penas cominadas.
No caso das contravenções, a pena varia entre prisão simples ou multa, e, quanto aos crimes, a pena será de detenção ou reclusão, que pode ser interposta isoladamente, alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa.
O Decreto-Lei nº 3.688 de 3 de outubro de 1941 (Lei de Contravenções Penais), em seu art. 61, previa a contravenção de importunação ofensiva ao pudor, que proibia a conduta de importunar alguém, em lugar público, ou que fosse acessível ao público, de um modo ofensivo ao pudor, cujo a pena prevista era apenas uma multa que variava entre duzentos mil réis a dois contos de réis.
No entanto, o texto legal não visava proteger a liberdade sexual, mas sim, a situação vexatória da qual a vítima era exposta, priorizando a moral e os bons costumes de antigamente.
A infração penal descrita pelo art. 61 da Lei supracitada, diz respeito a violação da dignidade sexual do ser humano, que se refere à autoestima do indivíduo, em sua íntima e privada vida sexual. Está ligada à sexualidade humana, ou seja, ao conjunto de fatos, ocorrências e aparências da vida sexual de cada um (VENTURA, 2016).
Ainda seguindo o raciocínio de Ventura (2016), a sexualidade humana, quando associada à respeitabilidade e autoestima, permite ao indivíduo realizar-se sexualmente, satisfazendo sua lascívia e sensualidade como bem entender sem interferência de ninguém, contanto que não atente contra a dignidade sexual de outrem.
A conduta prevista no artigo, se faz cristalina no que tange ao fato de proibir a importunação em desfavor de alguém, de um modo que seja ofensivo ao pudor.
Pudor, também significa sentimento de vergonha, que pode causar mal-estar à vítima, sendo capaz de ferir sua inocência, decência, honestidade, e demais qualidades do caráter que um indivíduo possui.
Dessa forma, tem-se que a contravenção penal se caracterizava pela conduta que causava incômodo e desconforto à vítima, associada a situação vexatória que consequentemente era exposta.
Na importunação ofensiva ao pudor, não há a intenção do agente em satisfazer a própria lascívia, contudo, a vítima deve sentir repulsa diante do ato praticado pelo agente, além da liberdade que possui de não permanecer na situação em que se encontra, caso contrário, a conduta poderia ser caracterizada como estupro ou tentativa de estupro.
Outrossim, é importante ressaltar que uma das elementares necessárias para que haja a consumação dessa contravenção penal, é o fato de que o ato deve ser praticado necessariamente em local público, ou que seja acessível ao público.
Quando se analisa o quesito relacionado a proporcionalidade da pena, aplicada com a tipificação abstrata da conduta, nota-se que a proteção referente à vítima e a punição cabível ao executor da conduta tipificada, é insuficiente e ineficaz de coibi-lo de reincidir na prática do ato.
Com isso, por ser a contravenção penal, uma infração de menor potencial ofensivo, não será lavrado o auto de prisão em flagrante delito, mas sim, um termo circunstanciado de ocorrência. Portanto, tem-se que:
Na hipótese de uma prisão em flagrante envolvendo a importunação ofensiva ao pudor, após a lavratura do termo circunstanciado de ocorrência e da assinatura do termo de comparecimento, o suposto/a autor/a era liberado, isto é, mesmo sendo a prática dotada de alta reprovabilidade, não havia a cominação de uma pena condizente com a conduta proibida (FREITAS; FEIJÓ, 2019).
No entanto, após várias críticas quanto a ineficácia da pena cominada para esse tipo de infração, o legislador resolveu promover uma alteração legislativa, que modificou a tipificação da conduta de contravenção penal para o crime de importunação sexual.
Em 2017, a imprensa nacional noticiou um caso ocorrido em um ônibus no Estado de São Paulo, onde uma mulher, foi pega de surpresa por uma ação de um homem que, após se masturbar, ejaculou nela.
Em seu depoimento, a vítima relatou que:
[...] Lembro que eu estava distraída, quando, de repente, senti um líquido quente escorrendo no meu pescoço. Na hora cheguei a pensar que podia ser cocô de pombo e, no instinto de me limpar, passei a mão. Quando senti a textura do líquido, olhei para o homem e vi que estava com o pênis para fora da calça e continuava se masturbando, com cara de prazer. Em nenhum momento ele se intimidou (SILVA 2019, apud SOUZA, 2018).
A vítima também relata que após os fatos, ao chegar em casa, se desfez de toda a sua roupa e tomou vários banhos, pois se sentia muito mal e queria ter certeza de que não havia mais fluidos do agressor em seu corpo. Não obstante, no dia seguinte, ela alega ter procurado assistência psicológica para poder se recuperar do trauma vivenciado (SILVA, p. 27, 2019).
O acusado pela prática do ato, foi preso em flagrante delito por crime de estupro, do qual a vítima registrou um boletim de ocorrência. No entanto, ele logo foi posto em liberdade pela justificativa de que o fato, na verdade, constituía a contravenção penal de importunação ofensiva ao pudor prevista no art. 61, da Lei de Contravenções Penais, que não previa a manutenção da prisão, justamente por ser um crime de menor potencial ofensivo.
A soltura dele, gerou uma enorme repercussão midiática negativa, que ocasionou na revolta da sociedade diante o fato. Com isso, soube-se que o rapaz já teria sido preso por duas vezes, após ejacular e encostar o pênis em outras mulheres dentro de ônibus na região da Avenida Paulista, no Estado de São Paulo.
A vítima, ao receber a notícia da soltura do indiciado, aparentou maior abalo, conforme demonstra seu novo depoimento:
Quando soube que a Justiça soltou o agressor, me senti um lixo e fiquei mais abalada ainda. Como podem dizer que fazem campanha de apoio às vítimas se nem sequer ouvem a vítima? Ninguém me procurou para ouvir minha versão, e o homem foi colocado em liberdade. Isso só aumenta a minha descrença na Justiça, não existe Justiça para pobres. Desde então, não consigo sair de casa sem achar que estou sendo perseguida. Precisei andar de ônibus de novo e, assim que entrei no coletivo, eu vi que tinha um homem lá no fundo. Na hora, me veio toda a lembrança na cabeça, como se fosse o mesmo homem que ejaculou em mim. E ainda calhou de ele descer no mesmo ponto que eu desci. Já achei que ele estava me seguindo. Isso abalou muito o meu psicológico (SILVA 2019, apud SOUZA, 2018).
Em depoimento, na delegacia, o acusado pela prática reiterada de atos libidinosos como os já descritos acima, contou que após sofrer um acidente de carro em 2006, se sentiu diferente e passou a ter problemas, onde, por volta de 2010, começou a praticar esse tipo de delito. Além disso, ainda alegou que sente uma vontade diferente, compulsiva, da qual não consegue controlar, escolhendo a vítima que estiver mais perto, para vir a praticar o ato. (G1, 2017).
O caso, ocasionou em um debate jurídico acerca de alguns atos libidinosos praticados sem violência ou grave ameaça. O entendimento que prevalecia diante dos magistrados, é de que o fato melhor se enquadraria na contravenção penal descrita no art. 61 da Lei de Contravenções Penais, não podendo caracterizar estupro (art. 213 do Código Penal), pois não houve constrangimento e, tampouco violência ou grave ameaça.
Contudo, por ser punido com pena de multa, a indignação da população contestando a insuficiência punitiva da lei, bem como de que a fundamentação da autoridade judiciária não foi suficientemente satisfatória, acabou por movimentar o poder Legislativo, que trabalhou pela mudança da norma penal com a introdução da Lei 13.718, sancionada em 24 de setembro de 2018.
Dessa forma, se entende que:
Com a entrada em vigor da Lei na data de sua publicação, 25.09.2018, a redação do vetusto art. 61 da Lei das Contravenções Penais, que previa a importunação ofensiva ao pudor, foi revogada, deixando clara a intenção do legislador de extinguir qualquer resquício da antiga infração, evitando que seja invocada no futuro pelos operadores do Direito concomitantemente ao novo tipo (ARAÚJO, 2018).
O art. 215-A, do Código Penal, que constitui majoração da penalidade, punindo a conduta lá descrita com uma pena de um a cinco anos, não retroagirá para prejudicar os praticantes de fatos cometidos antes da mudança, justamente por ser mais gravosa. Priorizando o princípio de que nenhuma lei retroage para prejudicar o réu (novatio legis in pejus).
Resta saber se a punição dos sujeitos que praticam esse determinado crime, é capaz de coibi-los de reiterar na prática do ato, bem como de reduzir os danos psicológicos causados à vítima, além do constrangimento, da sensação de impotência e de impunidade.
Após um ano da vigência da Lei 13.718/18, somente no Estado de São Paulo, foram registrados 3.090 casos de importunação sexual. Ocorrendo 31% em vias públicas, 26% em residência e 12% no transporte público. Os dados são da Secretaria da Segurança Pública do Estado de São Paulo e foram obtidos pela Folha de São Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação (LIVRE, 2019).
Segundo artigo publicado no G1 (2020), apenas no Estado de São Paulo, houve em média um registro de delito dessa natureza a cada 26 minutos, conforme dados da Secretaria da Segurança Pública.
Todavia, ressalta-se que o número de registros de casos como esse, não retrata a realidade, tendo em vista que muitas vítimas acabam não denunciando o crime, ou até mesmo, não possuem conhecimento acerca da nova legislação.
Um caso de importunação sexual recente, que ocorreu no Paraná, teve grande repercussão no Estado pelo fato da Polícia Civil prender preventivamente um homem de 40 anos pela prática do delito, em Londrina (PCPR, 2020).
Além disso, o mesmo homem também possuía outras passagens pela polícia por ter praticado o crime de importunação:
O suspeito praticou o crime contra, pelo menos, quatro vítimas em agosto deste ano. O primeiro ocorreu no dia 28 de agosto, no bairro Josualdo Garcia. A vítima, de 47 anos, estava no pátio de casa recolhendo o lixo, quando o homem se aproximou do portão com a calça aberta, entrou na residência e agarrou a vítima. Ele fugiu após a mulher gritar. O segundo crime ocorreu no mesmo dia, no bairro João Paz. A vítima, de 23 anos, foi importunada em um colégio, quando o homem abriu as calças e tentou agarrá-la. No dia 24 de agosto, uma mulher, de 40 anos, foi importunada em um ponto de ônibus. Ela estava aguardando o ônibus quando viu o suspeito se masturbando próximo à ela. O quarto fato ocorreu no dia 11 de agosto em um ponto de ônibus e em circunstância semelhante, outra jovem, de 20 anos, foi importunada pelo suspeito (PCPR, 2020).
Por outro lado, não se pode negar que o fato do agente ejacular na vítima, não se limita especificamente a ejaculação, de forma que a satisfação se prolonga para além do momento, produzindo uma sensação de bem-estar do suspeito após liberar os hormônios responsáveis pela sensação de prazer, inclusive, em situações patológicas, violando a liberdade sexual da vítima.
Uma publicitária vítima do crime de importunação sexual, aduz três casos que marcaram sua existência e fizeram com que se tornasse uma pessoa mais combativa:
A primeira das situações aconteceu no ônibus que ela pegava todos os dias para voltar do trabalho: “Esse dia não estava tão cheio a ponto da pessoa precisar fazer aquilo, mas ele fazia movimentos com a pélvis para a frente, aproveitando que eu estava no corredor pra se roçar no meu ombro e olhar com caras maliciosas”, lembra a vítima. O desconforto e as tentativas de se esquivar da situação fizeram com o que um desconhecido, sentado ao seu lado, oferecesse para trocar de lugar com ela. “Aí, parou. Eu me senti pequena, impotente, envergonhada por estar passando por aquilo.”. Em outro caso, a vergonha de passar por uma importunação deu lugar ao medo. “O cara passou muito perto, eu senti o bafo dele no meu pescoço. Então ele falou ‘nossa, que pernas’, com ênfase, assim, como se ele fosse fazer alguma coisa e parou de caminhar, virando na minha direção.” O instinto da publicitária foi sair correndo até o homem ficar para trás. Desde então, mais uma mudança: “eu não uso mais saia nem short. No verão daquele ano, eu lembro de passar muito calor, de todo mundo questionar porque eu só usava calça, mas eu relutei muito até contar essa história para alguém” (GOTTSCHALK, 2018).
As vítimas alegam primeiramente, sentir culpa pela ocorrido, além de questionamentos referente a atitudes dos importunadores, concluindo por criar seus próprios mecanismos de defesa diante de situações como essas. A publicitária alega ainda, que é muito fácil as vítimas se perguntarem sobre o porquê de isso ter acontecido com elas, ou, simplesmente naturalizar a situação. No fim, a única coisa que está no controle dessa mulher, depois da denúncia, é o psicológico dela e a forma como ela vai entender e agir depois de tudo isso (GOTTSCHALK, 2018).
A melhor forma de punir e denunciar casos como esse, é ligar para a polícia militar através do número 190.
Nos casos de flagrante, é preciso que se mantenha o agressor no local dos fatos, para que a polícia possa efetuar a apreensão em flagrante e coletar os dados oficiais.
Caso o flagrante não seja possível, se faz necessário a coleta do máximo de provas plausíveis, como nome, endereço e telefone de testemunhas, bem como imagens de câmeras e fotos que puderem comprovar a prática do delito.
É importante e necessário o registro de tais ocorrências, porque elas possibilitam a polícia e o Estado, a adotarem medidas de prevenção que possam evitar a prática recorrente desse tipo de crime, através de campanhas de conscientização e patrulhamento em áreas específicas.
A pena prevista no art. 215-A do Código Penal, pode ser capaz de coibir o indiciado a reiterar na prática do ato, no entanto, o mesmo não vale para os danos psicológicos causados à vítima, que podem perdurar pelo resto da vida. Quanto a isso, o mais indicado pelas próprias vítimas que já passaram pela situação, como exposto acima, é a procura de assistência através de um profissional responsável por estudar e analisar questões internas do indivíduo, como o psicólogo, que pode identificar e ajudar a superar traumas, medos e receios que acarretam em uma vida frustrada.
O importunador também pode ser responsabilizado na seara civil, através de danos morais e materiais causados pela importunação. Gottschalk (2018) afirma que: “talvez a partir de uma condenação monetária, o indiciado repense suas atitudes, não porque preza o respeito pela mulher, mas porque preza o seu bolso”, infelizmente.
Por ser o crime de importunação sexual, um tipo penal polêmico que interfere diretamente na liberdade sexual da vítima, há muitas divergências e entendimentos jurisprudenciais acerca da aplicação desse crime.
A decisão proferida a seguir, tem sido adotada por diversas jurisprudências, isso porque, na maioria das vezes ocorre a desclassificação do crime de importunação sexual, para o crime de estupro ou estupro de vulnerável (art. 213 e 217-A do CP, respectivamente), como é o caso:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PRESUNÇÃO ABSOLUTA DE VIOLÊNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE IMPORTUNAÇÃO SEXUAL. (ART. 215-A DO CP). IMPOSSIBILDADE. AGRAVDO IMPROVIDO. 1. Tratando-se de crime sexual praticado contra menor de 14 anos, a vulnerabilidade é presumida, independentemente de violência ou grave ameaça, bem como de eventual consentimento da vítima, o que afasta o crime de importunação sexual. 2. Agravo regimental improvido (BRASIL, 2019).
Colhe-se da jurisprudência apresentada que, por se tratar de crime sexual praticado contra menor de 14 anos, independe o crime de consentimento da vítima, bem como violência ou grave ameaça, presumindo-se a vulnerabilidade, que afasta o crime de importunação sexual. Dessa forma, não somente é levado em consideração a proporcionalidade entre a conduta e a pena, mas também, a vulnerabilidade da vítima.
Destarte, segue mais uma jurisprudência com o mesmo ponto de vista:
HABEAS CORPUS – INSTÂNCIA – SUPRESSÃO. Revelando o habeas corpus parte única – o paciente, personificado pelo impetrante -, o instituto da supressão de instância há de ser tomado, no que visa beneficiá-la, com as cautelas próprias. ESTURPO DE VULNERÁVEL – DESCLASSIFICAÇÃO – IMPORTUNAÇÃO SEXUAL – INADEQUAÇÃO. O tipo penal previsto no artigo 215-A do Código Penal, além de constituir crime subsidiário, insuscetível de afastar a configuração de delito mais grave, não alcança atos libidinosos cometidos contra vulneráveis, os quais não dispõem de capacidade para consentir a prática de condutas sexuais (BRASIL, 2020).
Outrossim, O STF tem admitido a prisão preventiva nos casos em que o investigado é reincidente na prática do crime de importunação sexual:
HABEAS CORPUS – ATO INDIVIDUAL – ADEQUAÇÃO. O habeas corpus é adequado em se tratando de impugnação a ato de colegiado ou individual. PRISÃO PREVENTIVA – IMPORTUNAÇÃO SEXUAL – CONTUMÁCIA – REINCIDÊNCIA – PERICULOSIDADE. Decorrendo a prisão preventiva de prática reiterada de importunação sexual, ante reconhecimento por vítimas, e de reincidência, tem-se sinalizada periculosidade e viável a custódia provisória. PRISÃO PREVENTIVA – RENOVAÇÃO – PRAZO – EXCESSO – AUSÊNCIA. Apresentada motivação suficiente à manutenção da prisão, observando o lapso de 90 dias entre os pronunciamentos judiciais, fica afastado constrangimento ilegal. PRISÃO PREVENTIVA – AFASTAMENTO – COVID-19 0 INSUFICIÊNCIA. A crise sanitária decorrente do novo coronavírus é insuficiente a afastar a prisão preventiva ou autorizar o recolhimento domiciliar (BRASIL, 2020).
A decisão destacou o risco de reiteração do crime, visto que se faz indispensável a medida para garantir a ordem pública, bem como proporcionar as vítimas do delito, uma maior segurança.
Contudo, por não haver entendimentos jurisprudenciais pacíficos acerca do tema, é necessário analisar o caso concreto, inclusive aqueles em que os magistrados determinam a prisão preventiva do acusado, ocasionando consequências para a vivência dele e da vítima.
De acordo com a pesquisa realizada, conclui-se que a importunação sexual prevista no art. 215-A do Código Penal, antes tida como importunação ofensiva ao pudor pela Lei de Contravenções Penais, passou por uma alteração legislativa que modificou em partes, a conduta descrita no artigo, bem como a pena cominada pela prática do delito.
Por ser um crime que ocorre principalmente em locais públicos e de livre acesso à população, a sua incidência tem aumentado cada vez mais, causando prejuízos psicológicos as vítimas, que descrevem veementemente cada sensação e sentimento que deriva do delito.
Apesar da relevância do tema abordado, ele ainda é pouco discutido pela sociedade, o que gera um maior índice de pessoas que não possuem conhecimento sobre o crime, tão pouco, seus direitos.
O artigo analisou através de pesquisas, qual a conduta mais eficaz a ser tomada diante da prática do delito, além dos tipos de informações que podem ser disponibilizadas a população, para que se inteirem cada vez mais acerca do tema abordado.
Com isso, se espera que através dos meios disponíveis para denúncia, qualquer vítima que se deparar com o crime descrito no artigo, possa comunicar as autoridades policiais, para que se consiga adotar as medidas cabíveis ao caso, especialmente, aplicando uma forma de punição ao executor que praticou a conduta tipificada.
Além disso, também se faz necessário a aplicação de medidas de prevenção, que possam evitar a prática recorrente desse tipo de crime, através da realização de campanhas de conscientização e patrulhamento em áreas específicas, com o intuito de proporcionar a sociedade conhecimento sobre o tema e como agir em cada situação, bem como protegê-las de eventual prática do crime.
No entanto, a pena aplicada ao executor da conduta não diminui os danos psicológicos causados à vítima. Para tanto, extrai-se do presente artigo e de relatos trazidos pelas próprias vítimas, que é necessário assistência psicológica capaz de fazer com que seja superado os traumas, medos e receios que podem acarretar uma vida frustrada.
No mais, qualquer dano econômico que eventualmente for causado, deveria ser arcado pelo próprio executor da conduta, como forma de reparar o prejuízo que ele mesmo causou.
Por isso, quanto mais pessoas informadas sobre a forma como o crime analisado ocorre, bem como a pena aplicada a ele, menor será a incidência do delito, pelo qual o denunciado será punido da forma correta e prevista em lei.
ADAID, Felipe. Ato libidinoso com menores. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/53333/ato-libidinoso-com-menores>. Acesso em: 06 out. 2020.
ARAÚJO, Tiago Lustosa Luna de. Importunação sexual deixou de ser contravenção e virou crime. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/69232/importunacao-sexual-deixou-de-ser-contravencao-e-virou-crime#:~:text=O%20art.,a%20dois%20contos%20de%20r%C3%A9is%E2%80%9D.> Acesso em: 15 out. 2020.
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bacharelanda em direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAVES, Natieli Fernandes. O crime de importunação sexual Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2021, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56384/o-crime-de-importunao-sexual. Acesso em: 23 dez 2024.
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