RESUMO: Este trabalho aborda um tema atual que é o uso eficiente das tecnologias a favor do ensino. Avaliam-se, nesse sentido, as ações escolares, neste período de isolamento social em função da pandemia e a utilização mais apropriada dos meios digitais, métodos e metodologias, considerando as necessidades e recursos reais dos educandos das escolas do campo, em especial. Os métodos utilizados foram o dialético e o observacional, bem como através da pesquisa bibliográfica e documental. Os dados revelaram que, apesar das dificuldades em adaptar o ensino presencial para a modalidade remota e pelo uso das tecnologias digitais, o cenário pandêmico é desafiador e enriquecedor para a prática pedagógica. Generalizando, as problematizações levantadas no panorama atual exigirão ponderações sobre o lugar das Tecnologias de Informação no diagrama educativo escolar das escolas do campo e na Educação do Campo, como direito, propriamente dita.
Palavras-chave: Ensino Remoto, Aprendizagem, Covid-19.
ABSTRACT: This paper addresses a current theme that is the efficient use of technologies in favor of teaching. In this sense, school actions are evaluated in this period of social isolation due to the pandemic and the more appropriate use of digital media, methods and methodologies, considering the real needs and resources of school students in the field, in particular. The methods used were dialectical and observational, as well as through bibliographic and documentary research. The data revealed that, despite the difficulties in adapting face-to-face teaching to the remote modality and the use of digital technologies, the pandemic scenario is challenging and enriching for pedagogical practice. Generalizing, the problematizations raised in the current panorama will require considerations about the place of Information Technologies in the school educational diagram of the schools of the field and in the Education of the Field as a right.
Keywords: COVID-19, Learning, Educational Policies
Sumário: 1. Introdução – 2. Metodologia 3.Mudança de Rotina: Tecnologias em Sala de Aula 4.Organização Das Atividades Pedagógicas 5.Aspectos Legais Relevantes para a Educação do Campo 6. Considerações finais. 7. Referências
1. Introdução
O Brasil e o mundo estão enfrentando a mais grave crise sanitária e econômica dos últimos anos com a pandemia da Covid-19, que descontinuou o curso da vida das pessoas e está desafiando a existência da sociedade mundial. Estão sendo tomadas medidas de distanciamento social para a defesa da vida e cabe reconhecer a relevância do uso das tecnologias, como instrumentos de informação e comunicação para todos.
O Ministério da Educação juntamente com Secretarias e Conselhos de Educação uniram-se para indicar soluções e unificá-las com o ensejo de não deixar a educação parar. Nessa seara, passam a fazer com que os professores acreditem que a Educação à Distância (EaD), através das tecnologias digitais de informação, por meio de aulas televisivas, plataformas digitais, outras mídias e comunicação, podem dar prosseguimento às atividades escolares, que foram interrompidas em função da necessidade de medidas de distanciamento social.
Por muito tempo, a educação na escola foi determinada por uma metodologia pedagógica baseada na reprodução de informações de modo uniforme, muitas vezes, automática, sem analisar a individualidade de cada estudante. Essa forma de ensinar, denominada “tradicional”, perdeu um pouco de relevância, em um tempo em que a informação está ao alcance de quase todos através de um ou dois toques.
Por se tratar de um País de dimensões continentais, inviável qualquer solução que não considere que a educação brasileira é constituída de uma pluralidade de conjunturas socioculturais, definidas pelas diversidades econômicas, geográficas, climáticas e culturais.
Ressalta-se que professores do campo principalmente, enfrentam vários desafios para sustentar um formato de educação emergencial à distância que não é arrazoado para a realidade de quem vive no campo.
O ensino na pandemia deve ser conexo ao processo histórico brasileiro que através do capitalismo, sempre foi vítima de uma política de concentração de propriedade e de riqueza e vasta produção de pobreza e miséria.
Apesar da Lei, o descaso com as escolas do campo ainda é muito arraigado no Brasil, porque há lacunas de políticas públicas, há o fechamento de escolas, falta estrutura física e pedagógica, há professores com formação insuficiente, o que resulta no deslocamento das escolas do campo para as cidades.
Este artigo teve como objetivos: acompanhar e pesquisar o processo de adaptação à nova realidade imposta aos educadores das escolas do campo em tempo de pandemia; analisar os impactos no cotidiano escolar pelo contexto da pandemia do Covid-19; e reconhecer os limites e os desafios atribuídos aos educadores para ampliar o processo de ensino e aprendizagem através do uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs).
A questão não se resume somente no “como se ensina remotamente”, existem questões imbricadas nesse debate, que suplantam o âmbito da técnica do ensinar remoto. Afora as desigualdades de acesso ao remoto, existem as desigualdades vivenciadas fora do ambiente escolar, a questão é que temos uma política pública que equaliza condições, em época de pandemia.
Observa-se que as pessoas que residem em áreas rurais destinam maior parte do seu tempo às atividades agrícolas e pecuárias, desse modo, possuem menor tempo para dedicarem-se aos estudos, pois não podem “deixar de lado” as atividades laborais, por ser seu único elemento de subsistência.
A escola é um dos ambientes de aprendizagem de basilar importância para que os sujeitos sejam incluídos desde a sua origem. Em nosso País, nesta ultima década vem sendo discutida a diversidade sociocultural, onde esse relevante tema começou a ser ventilado a partir das lutas sociais e políticas de diversos movimentos sociais do campo e da sociedade.
Devido à pandemia do Coronavírus afloraram os problemas relacionados à Educação do Campo e muitas crianças ficaram sem estudar, tendo em vista a suspensão das aulas presenciais. Muitas escolas passaram a empregar os sistemas remotos como formato de educação durante este período pandêmico, residindo aí outro problema: o acesso à internet. Nas áreas rurais, este acesso é baixíssimo ou zero, seja pela indisponibilidade do serviço, ou pela situação de vulnerabilidade econômica das famílias que ali vivem.
As atividades impressas, na maioria dos casos, carecem de elucidação dos professores, para que as crianças obtenham êxito em resolvê-las. Diante desse impasse, muitos pais acabam por desistir do processo educativo do filho.
Professores e alunos, de uma hora para outra, tiveram que adaptar-se a um novo formato de aulas. Coube aos professores, inicialmente, o desafio de adotarem novas metodologias pedagógicas para lecionar de forma remota.
Queiroz (2004), argumenta que os espaços pedagógicos de formação não ocorrem apenas em sala de aula, mas também na família na convivência social, cultural, nos serviços de produção de conhecimento, entre outros.
Nesta perspectiva de aproximação do meio escolar e do meio familiar/produtivo organizasse o movimento de vai-e-vem entre a prática e a reflexão teórica, movimento este que constitui um dos fundamentos da alternância que, assume sentido de estratégia de escolarização, possibilitando aos jovens que vivem no campo, conjugar a formação escolar com as atividades tarefas da unidade produtiva familiar, sem desvincular-se da família e da cultura do meio rural (QUEIROZ, 2004, p.35).
É salutar desenvolver no aluno do campo a aprendizagem através de sua história, colaborando para sua maior autonomia, a fim de que possa viver em sociedade de modo crítico. Além disso, a educação trabalhada de acordo com a realidade dos alunos que vivem no campo faz com que estes sigam trabalhando no próprio campo.
Compete à União, conforme fundado no artigo 3º da Lei 7.352/10, a responsabilidade pelas políticas relativas à Educação do Campo.
A Educação do Campo não surge “do nada” e nem é iniciativa das políticas públicas, mas provém de um movimento social e da mobilização dos trabalhadores do campo, através da sua organização coletiva, diante do desemprego, da precariedade do trabalho e da carência de condições materiais de sobrevivência dessa população.
Essas novas formas de fazer com que o aluno “vá até à escola”, estão sendo desafiadoras para todos os envolvidos, pois com o isolamento, algumas escolas instituíram meios de dar continuidade à rotina de estudos, utilizando o “ciberespaço”.
Harashim (2005) observa que a internet e suas tecnologias para algumas instituições de ensino nascem como resposta, um novo ritmo de se alcançar a informação
(…) Todos aprendem juntos, não em um local no sentido comum da palavra, mas num espaço compartilhado, um “ciberespaço”, através de sistemas que conectam em uma rede as pessoas ao redor do globo. Na aprendizagem em rede, a sala de aula fica em qualquer lugar onde haja um computador, um “modem” e uma linha de telefone, um satélite ou um “link” de rádio. Quando um aluno se conecta à rede, a tela do computador se transforma numa janela para o mundo do saber. (HARASIM et al., 2005, p.19).
Na maioria das vezes, a localidade em que os alunos residem fica a uma distância muito grande da cidade e os educandos querem e precisam estudar. Assim, as famílias desta comunidade se conectam e coletivamente instalam uma escola, através do apoio e licença do poder público, com educadores da própria comunidade entre os que possuem maior nível de escolaridade, compondo o cotidiano escolar destas pessoas, sejam elas crianças, adolescentes, jovens e adultos.
Salienta-se que essas Escolas seguem os preceitos das Secretarias de Educação, mas apresentam as particularidades de cada região, de acordo com o território que estão inseridas.
A infraestrutura no setor rural não é como a da cidade: as salas são precárias, sem conforto algum, mas o envolvimento de educadores é grande e o mais importante acontece, que é o processo de aprendizagem, o qual independe das condições de infraestrutura presentes.
Desse modo, a Educação do Campo geralmente caracteriza-se como um espaço de precariedade por descasos especialmente pela falta de políticas públicas que atendam às populações que lá habitam.
É uma complexa tarefa a de falar dos impactos da pandemia no campo, justamente pela presença de sua multiplicidade. No campo, alguns dos diversos territórios onde o contato com a natureza pertence à cultura da comunidade: assentamentos, quilombos, áreas indígenas, ocupações de terras entre outros contextos, a Educação Escolar do Campo surge como um modelo contra-hegemônico, com a finalidade de minimizar as discrepâncias existentes entre o ensino e aprendizagem das escolas rurais brasileiras.
Nesse compasso, como um recorte da política de valorização do campo, a educação também deve ser percebida pelo governo, como urna ação que visa a emancipação e cidadania de todos os sujeitos ali presentes.
Importante frisar, neste conjunto, como as novas tecnologias educativas não estão disponíveis para todos, privilegiando apenas algumas realidades e regiões do país.
Assim, o modelo educacional também sustenta a tarefa de se contrapor aos que advogam o fim do rural como tendência de homogeneização com o espaço urbano. O processo de urbanização do rural é proveniente de transformações econômicas e ambientais, que vêm se estabelecendo de forma impositiva.
2. Metodologia
A pesquisa aqui exposta possui caráter exploratório, traz uma primeira aproximação à temática suscitada, instituindo alguns questionamentos e considerando discussões teóricas sobre os assuntos explicitados, proporcionando recomendações para futuras pesquisas na seara da Educação do Campo, em tempos de pandemia (GIL, 2009).
Os métodos utilizados foram o dialético e o observacional, bem como através da pesquisa bibliográfica e documental.
3. Mudança de Rotina: Tecnologias em Sala de Aula
Durante o período de isolamento e distanciamento social em tempos de pandemia, os educadores sofreram transformações em sua rotina de trabalho e no cotidiano escolar. Ao dia-a-dia escolar, foram incorporados o trabalho remoto, as plataformas e reuniões virtuais com a finalidade de amenizar os prejuízos para os estudantes, no processo de ensino e aprendizagem, sem o auxílio docente presencial. Realizou-se diversas gravações de vídeo—aulas, interatividade de alunos e professores através do WhatsApp, entre outros meios...
Tal suporte foi essencial para que as famílias estabelecessem para os educandos uma rotina mínima de estudos com o intuito de não perderem o compasso e nem o interesse pelas atividades propostas.
Nesse sentido, a pandemia reforçou que a sociedade, a escola e as famílias precisam reinventar-se a cada dia. Vivemos num momento de muitas incertezas, em que escola e família precisam mais do que nunca estar afinadas e alinhadas no processo educativo, formativo e emocional de todos os envolvidos (BORSTEL; FIORENTIN, MAYER, 2020).
A aprendizagem, segundo Moran (2017), advém formal e informalmente, seja sozinha ou com outras pessoas, em grupos presenciais ou on-line. Logo, é certo que a inserção dos meios tecnológicos oferece subsídios ao acesso à informação e à construção de conhecimentos coletivos. Ainda de acordo com o autor, “a escola parece um museu, um outro mundo, um espaço de confinamento, quadrado, com tempos marcados para cada área de conhecimento, para cada atividade, para cada avaliação”(Moran, 2017, p.66), ou seja, encontra-se retrógrada e ultrapassada, fora do contexto em mundo conectado.
Santos e Souza (2020, p. 41), representam preocupação com as Escolas do Campo/roça:
[...] Desse modo, queremos não apenas escolas abertas no campo/roça, mas com condições necessárias e políticas que assegurem uma prática pedagógica que vá além das paredes, dialogando com a realidade local, sendo umespaço que se constrói cidadania e reconhecimento de direitos, dando visibilidade aos sujeitos destes lugares
De acordo com Souza et al (2016), a Educação à Distância (EaD) não pode ser a única solução, pois tal metodologia tende a aumentar as desigualdades já existentes, que são relativamente equiparadas nos ambientes escolares, simplesmente, porque nem todos possuem o equipamento necessário.
A falta de aula presencial e as dificuldades de acessar à internet para ver os vídeos que explicam os afazeres e o assunto que estão estudando, levanta uma maior preocupação: Os alunos realmente entendem o que estão ouvindo?
Franco (2020), ao observar famílias e analisar essa ligação entre professores e alunos, após terem suas rotinas domiciliares sobremaneira impactadas pela quarentena, como “a escola em casa”, cita que:
[...] como professora, como tutora e como pesquisadora da Educação a Distância, vivo atualmente a posição de mãe de aluno da Educação Infantil, o que me levou –inevitavelmente –a refletir sobre como este nível educacional é afetado na Pandemia e como podemos, juntamente com a escola, minimizar os efeitos para as crianças. Infelizmente, a EaD não foi discutida antes no ciclo básico. [...] EaD parecia até fevereiro deste ano algo inatingível para a educação básica. [...] E hoje nos vemos em isolamento e tendo a [EaD] como única alternativa para dar prosseguimento ao semestre letivo. Concordando ou não, se identificando ou não, esta é a modalidade educacional que nos cabe neste momento e que, apesar de não [ser] pensada para crianças e adolescentes, nesta Pandemia vem gerando bons frutos com novas experiências. [...] na EaD sistematizada temos a figura dos tutores que fazem a ponte entre docente e discentes, a presença do polo que auxilia o aluno e do centro de educação a distância que auxilia o professor. E em uma, digamos, “emergencial EaD”, implantada pela contingência do isolamento, não temos estes recursos (pelo menos nem todos. Não é unânime a presença de estúdio de gravação de aulas, nem mesmo de um AVA). O que estamos vendo é um limitado uso de recursos virtuais em que muitas escolas fazem o mínimo, os professores se sentem desamparados e sobrecarregados, os alunos isolados e os pais perdidos.[...] Não podemos cobrar dos pais que se tornem pedagogos da noite pro dia. [...] Contudo, é essencial que os pais sejam como “tutores” das crianças em casa, incentivando a realização das atividades e, principalmente, cobrando das escolas (e não dos professores) que haja um plano de orientação para estes pais em casa. [...] Assim, não é dever da escola apenas delegar, transferir responsabilidades. A escola tem que assumir para si a função de gestora deste momento de crise e orientar os pais sobre como ajudar seus filhos, oferecer condições de trabalho a seus professores e diminuir a distância transacional sentida pelos alunos, para que não pensem que estão isolados neste processo.
Salienta-se que as famílias das comunidades atendidas pelas Escolas do Campo, em sua maior parte, não possuem sinal telefônico ou este apresenta severas limitações. Ademais, muitos não têm acesso à internet, outros nem mesmo computadores possuem para que os estudantes possam seguir as aulas on-line, ou interagir virtualmente com os professores. O estudo na zona rural sempre foi e segue para àqueles que apresentam muita perseverança. As condições nunca são adequadas a quem busca e aprende. Além disso, as ferramentas de comunicação em meio digital são muitas, e cada escola adota estratégias, de acordo com seus objetivos educacionais.
Enormes são os desafios para implantar, ainda que de forma temporária, a educação à distância na educação básica no país. A realidade apresenta alunos e famílias que não conseguem utilizar plataformas online de ensino e professores que carecem de formação técnica para direcionar processos de aprendizagem em ambientes virtuais. (CNBB, 2020).
De uma hora para a outra, não se interage com um grupo de pessoas e sim, com uma câmera, um artefato inanimado. A pandemia, desse modo, através da mudança radical nas práticas pedagógicas influencia a vida de docentes e estudantes em diversas áreas de conhecimento.
4. Organização Das Atividades Pedagógicas
De acordo com o Parecer do CNe nº 5, de 28 de abril de 2020, a efetivação das atividades pedagógicas não presenciais, caracteriza-se por meio de tecnologias digitais ou não, podendo ocorrer através de programas de televisão, de rádio, material didático impresso com orientações pedagógicas distribuído aos alunos e seus pais ou responsáveis e pela orientação de leituras, pesquisas, atividades e exercícios recomendados nos materiais didáticos. O documento ainda versa sobre o desafio da reorganização dos calendários escolares devido às condições intrínsecas de cada rede, escola, professores, estudantes e suas famílias com a finalidade de alcançar padrões básicos de qualidade e minimizando a desigualdade educacional (BRASIL, 2020). Destarte, fala-se em certo descaso ao estabelecer as atividades pedagógicas remotas, sem sopesar a existência das comunidades camponesas, Escolas do Campo e de seus professores, os quais não dispõem de meios tecnológicos e de materiais para a concretização de tal diretriz.
Conforme com Santos, Molina e Hage (2020), no início da pandemia, algumas escolas tentaram entregar os trabalhos em casa para os estudantes, mas em poucas semanas este trabalho foi suspenso. Existem relatos de escolas do campo que imprimem os afazeres e marcam uma data para que os pais busquem tais atividades. Observa-se, no entanto, que desse modo há grandes dificuldades por parte dos pais, pois estes trabalham para garantir a sobrevivência da família, aliado às dificuldades de acompanhamento das tarefas escolares via “remota”, sem falar nas idas e vindas para buscar materiais na escola, ampliando o risco de contágio da Covid-19.
Muitas escolas, tanto públicas quanto privadas, possuem grandes expectativas acerca do que professores e familiares conseguem alcançar. Há distinção entre as famílias em confinamento. Algumas podem ajudar seus filhos a aprender mais do que outras: dispender maior quantidade de tempo disponível para se dedicar aos estudos dos filhos, (auxiliando-os com as aulas on-line), enquanto muitos pais estão em home office cumprindo horário laboral integral e outros tantos, precisam trabalhar externamente para garantir a renda mensal; as habilidades não cognitivas dos genitores; a possibilidade de acessar o material online; a quantidade de conhecimento inato dos pais – afinal, é difícil ajudar o filho se tiver de aprender algo estranho ao que se conheceu e aprendeu – , são questões a serem levadas em conta quanto ao papel dos pais na Educação dos filhos em tempos de pandemia. Toda essa conjuntura gerará um aumento da desigualdade na Educação e no progresso do educando (CIFUENTES-FAURA, 2020).
Frisa-se que o ensino remoto emergencial difere da modalidade de Educação à Distância (EaD), pois esta conta com recursos e uma equipe multiprofissional preparada para oferecer os conteúdos e atividades pedagógicas, por meio de diferentes mídias em plataformas on-line. O escopo do ensino remoto não é estruturar um ecossistema educacional robusto, mas ofertar acesso temporário aos conteúdos curriculares, que seriam desenvolvidos presencialmente. Assim, em decorrência da pandemia, o ensino remoto emergencial tornou-se a principal alternativa de instituições educacionais de todos os níveis de ensino, caracterizando-se como uma mudança temporária em circunstâncias de crise. (HODGES, 2020).
Para Freire (1996, p.36), é papel da escola rejeitar a qualquer forma de discriminação, pois “A prática preconceituosa de raça, de classe, de gênero ofende a substantividade do ser humano e nega radicalmente a democracia.”
Bourdieu (1998), denomina de “excluídos do interior”, numa menção aos alunos que são excluídos dentro do espaço escolar. Atualmente a distinção ocorre pelo tipo de estudo, pelo estabelecimento de ensino, pelas opções curriculares. Nesse contexto, cabem aos desprovidos os setores escolares mais desvalorizados e menos favorecidos até mesmo tecnologicamente, impossibilitando a incorporação da cultura, como lhes é devida.
Neste contexto, Perrenoud (2000) cita que “a transposição didática não é imediata, ou seja, o fato de o docente ser usuário de tecnologias digitais não garante que ele fará uso pedagógico dos seus conhecimentos com seus alunos”. (PERRENOUD, 2000, p. 14). É necessária uma formação docente que permita maior fluência digital, maior experiência, dando aos educadores condições de modificar suas práticas pedagógicas, criando alternativas de uso, em nível didático, destes recursos. Não basta que se tenham os recursos tecnológicos, é imprescindível saber fazer uso dos mesmos, como apoio ao estudo e à aprendizagem. Talvez seja esse mais um grande desafio do momento atual.
5. Aspectos Legais Relevantes para a Educação do Campo
A Educação do Campo deve ser vista não somente como modalidade de ensino, mas também como uma política pública que assegure à população camponesa os mesmos direitos educacionais garantidos à população urbana, pois se entende que no transcurso da história, tal modalidade educacional sempre foi deixada de lado, isto é, não houve um investimento expressivo pelos representantes governamentais, para que tivesse uma educação do campo condizente com a cultura e identidade do povo camponês. Também não houve legislações específicas que garantissem o direito à educação com qualidade, à população camponesa.
Importa dizer que esteve presente em nosso sistema educacional uma educação voltada para a cultura urbana, a qual era introduzida às práticas educacionais camponesas sem qualquer identificação.
Ressalta-se que a Educação do Campo possui tal designação não só por sua localização espacial e geográfica, como também pela cultura que a população camponesa possui que a distingue da cultura das pessoas, que vivem no meio urbano.
A Constituição de 1988 representou um grande marco em defesa da educação e dos direitos socais, o texto vinculou recursos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino público. Mesmo que o texto não citasse diretamente a Educação do Campo, pode-se evidenciar um avanço na Educação como um todo. Após a Constituição Federal de 1988, há uma expansão de diretrizes, emendas constitucionais, pareceres e resoluções.
Dessa forma, como estabelecem as Diretrizes Curriculares da Educação do Campo do Estado do Paraná, a Educação do Campo configura-se “um conceito político ao considerar as particularidades dos sujeitos e não apenas sua localização espacial e geográfica” (BRASIL, 2006, p.24).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação é a Lei maior da educação e através dela se definem as linhas principais do ordenamento geral da educação brasileira, possuindo como um dos seus principais princípios, a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, decorrente da Constituição Federal de 1988, a qual preceitua que toda e qualquer pessoa tem o direito à educação, independentemente de cor, sexo, raça, idade, condição física, etc.
Salienta-se que com a LDB/96 houve um progresso com relação à Educação do Campo, já que esboçou os principais conceitos que orientam esse tipo de educação, determinando legalmente como deve ser a metodologia, o currículo, a organização das escolas situadas no campo, bem como questões envolvendo o calendário escolar que no campo diverge do calendário das escolas do meio urbano, por conta de situações climáticas e fases do ciclo agrícola.
O artigo 26 da LDB/96 possibilitou que a Educação do Campo fosse fornecida de acordo com as necessidades e especificidades da cultura camponesa, considerando-se as diferenças regionais presentes, as quais deverão ser observadas no momento do processo de ensino e aprendizagem dos alunos.
O Decreto nº 7352/2010 nasce em resposta às demandas sociais em nome de uma Educação do Campo que esteja ajustada à realidade do povo camponês. Ele dispõe sobre a política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária, o PRONERA.
O art. 2º do Decreto estabelece cinco princípios da Educação do Campo:
I - respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia;
II - incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos específicos para as escolas do campo, estimulando o desenvolvimento das unidades escolares como espaços públicos de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o desenvolvimento social, economicamente justo e ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo do trabalho;
III - desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da educação para o atendimento da especificidade das escolas do campo, considerando-se as condições concretas da produção e reprodução social da vida no campo;
IV - valorização da identidade da escola do campo por meio de projetos pedagógicos com conteúdos curriculares e metodologias adequadas às reais necessidades dos alunos do campo, bem como flexibilidade na organização escolar, incluindo adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
V - controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da comunidade e dos movimentos sociais do campo (BRASIL, 2010).
O art. 12 do Decreto delineia os objetivos do PRONERA, quais sejam:
I - oferecer educação formal aos jovens e adultos beneficiários do Plano Nacional de Reforma Agrária - PNRA, em todos os níveis de ensino;
II - melhorar as condições do acesso à educação do público do PNRA;
III - proporcionar melhorias no desenvolvimento dos assentamentos rurais por meio da qualificação do público do PNRA e dos profissionais que desenvolvem atividades educacionais e técnicas nos assentamentos (BRASIL, 2010).
Ademais, o referido programa possibilita aos indivíduos a participação da vida civil de forma independente, mas principalmente poder participar das decisões que envolvem as questões dos assentamentos e demais questões sociais, econômicas, políticas, as quais são importantes para exercerem a cidadania com dignidade, em uma sociedade democrática de direito.
6. Considerações Finais
Nessa esteira, pode-se articular que o ano de 2020 foi de grandes desafios em todas as esferas, principalmente para as que contribuem para o desenvolvimento da sociedade e com a divulgação de conhecimento científico de qualidade e acessível a todos.
Pode-se dizer que os educandos camponeses da Escola de Campo, em comparação com as escolas da zona urbana, em sua maioria, não apresentam os mesmos recursos físicos e materiais necessários para a execução do ensino remoto, logo, seria de grande importância a criação e a execução de políticas públicas educacionais voltadas para Educação do Campo.
Salienta-se a importância da infraestrutura e uma boa proposta político-pedagógica, que aborde a realidade de cada região. É preciso pensar na Escola do Campo como um sistema articulado, onde os sujeitos do campo não se tornam menos camponeses por terem menos acesso à tecnologia e/ou acesso a instrumentos que cheguem à área rural, como jornais, filmes, revistas e livros atualizados, diminuindo a evasão escolar.
Também demonstra que uma formação ampla, que ofereça suporte aos professores tanto instrumental quanto pedagógico, é uma forma de manter a educação e, desse modo, a escola em um ambiente favorável às atividades não presenciais, objetivando-se o processo de aprendizagem com bons resultados.
Frisa-se que para trabalhar com os alunos do campo é necessário não somente conhecimentos científicos, como também é preciso conhecer a realidade local, bem como organizar projetos para trabalhar com as famílias, sem descaracterizar a identidade do homem do campo, entre outros. Urge o uso de metodologias de acordo com a realidade local, a fim de resgatar experiências vividas pelo povo e assim fazer da educação algo mais atrativo.
Fato é que professores, alunos e pais contornam a situação da falta de aulas presenciais como podem para desempenhar um calendário escolar que não foi suspenso, na maioria das regiões.
O atual período, marcado pela pandemia, expõe a precarização das Escolas do Campo, através das condições de trabalho dos educadores, acesso às tecnologias de informação e à carência de formação dos mesmos, para a utilização de tecnologias na educação, bem como os entraves relacionados à equipe pedagógica, a qual também confronta-se com as limitações do uso de tecnologias educacionais.
Após essa pandemia, não se sabe se todas as turmas de Educação do Campo existentes até então irão continuar. Compreende-se somente que o formato de educação a distância tem mostrado o caminho para dar atenção aos alunos e estes não perderem a oportunidade de aprendizagem neste ano escolar.
Observa-se através do já explanado que os parâmetros que disciplinam o trabalho à distância entre docentes, educandos, comunidades, em tempos de pandemia, não geram alívio, causam até mesmo certo desconforto e temores/receios para pais, alunos e até mesmo professores.
Coll e Monereo (2010, p. 11) salientam que apenas incorporar os recursos tecnológicos não transforma os processos educacionais, no entanto, “[...] modifica substancialmente o contexto no qual estes processos ocorrem e as relações entre seus atores e as tarefas e conteúdo de aprendizagem, abrindo, assim, o caminho para uma eventual transformação profunda desses processos”.
A educação deveria ser um processo que auxiliasse os professores, os estudantes e as famílias a atravessar esse momento, com menos estresse, sofrimento e mais leveza, e não ao contrário. O fato de transformar a Educação do Campo em ensino remoto, significa desconhecer o papel da escola e o sentido e agregação que oportuniza as comunidades. É um espaço essencial para as comunidades, no/do campo.
Neste período de pandemia, sabe-se apenas que vão ficar muitos questionamentos, pois o desenvolvimento destas comunidades camponesas abrangem vários pontos, não só o conteúdo escolar, também o pensar de maneira crítica. Nesse aspecto, fica a pergunta em aberto: A educação realmente é para todos?
7. Referências
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Advogada (ULBRA), pós-graduada em Advocacia Cível (UNA) e Direito do Trabalho (UNA). Membro da Comissão de Direitos Humanos e do Grupo de Violência de Gênero da OAB Santa Maria-RS. Engenheira Agrônoma (UFSM), Mestre em Ciência e Tecnologia Agroindustrial (UFPel). Graduanda em Formação Pedagógica em Pedagogia (UNIASSELVI).Doutoranda em Educação (UNIT). https://orcid.org/0000-0003-3492-8512
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARIA, Vanessa Andriani. Escolas do Campo e a Pandemia: Aspectos Legais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2021, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56418/escolas-do-campo-e-a-pandemia-aspectos-legais. Acesso em: 22 dez 2024.
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