ADEMIR GASQUES SANCHES
(orientador)
RESUMO: O feminicídio no Brasil acontece numa frequência assustadora e não é à toa que o nosso país está entre os que mais matam mulheres por suas condições de gênero. Esse trabalho busca analisar de forma sucinta a legislação brasileira no que se refere a violência contra as mulheres e violência de gênero dando ênfase na lei do feminicídio, que incluiu o crime no rol das qualificadoras do homicídio no Código Penal Brasileiro. A violência doméstica é o primeiro passo da trágica caminhada que leva mulheres a morte e o feminicídio é o último estágio da violência de gênero contra as mulheres. O sistema patriarcal é o grande vilão causador das mortes de mulheres em âmbito doméstico, pois estas são colocadas em situações vulneráveis e inferiores aos homens. A melhor forma de se combater a violência contra mulheres é a reeducação social em relação ao preconceito e desigualdade de gênero, as escolas e a sociedade devem desconstruir a ideia de tratamento desigual entre homens e mulheres. Além de educar as crianças que são o nosso futuro, é igualmente importante que se faça a reeducação dos agressores para que as mulheres finalmente alcancem uma situação de igualdade e deixem de ser vítimas.
Palavras-chave: Feminicídio; Violência Doméstica; Mulher; Patriarcado.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 A CULTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 3 LEI MARIA DA PENHA: MECANISMO LEGAL DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 3.1 Medidas Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha. 4 FEMINICÍDIO. 4.1 Conceito de Feminicídio e o Código Penal Brasileiro. 4.2 Natureza da Qualificadora. 4.3 Classificações do Feminicídio. 4.3.1 Íntimo. 4.3.2 Não íntimo. 4.3.3 Familiar. 4.3.4 Por conexão. 4.3.5 Infantil. 4.4 Sujeitos do Feminicídio. 4.5 Educação Como Forma de Combate e Prevenção ao Feminicídio. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
1 INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher é resultado das raízes do patriarcado, sistema que se encontra presente no Brasil desde o período de colonização, momento em que ganhou maior força dentro da sociedade brasileira. O feminicídio foi inserido no Código Penal Brasileiro através da Lei 13.104 de 2015 e apesar de agora ser tipificado, o Brasil ainda continua entre os países com maior número de casos de feminicídio, homicídio de mulheres motivado pela condição de gênero.
A frequência em que se noticiam nas mídias casos de feminicídios deixa claro que é de extrema necessidade que se aborde cada vez mais sobre o tema. Este trabalho é de grande importância, pois, visa dar ênfase no crime de feminicídio, explicando sua natureza, a aplicação da lei e forma de combate do crime.
Neste trabalho serão abordados dentro da temática do feminicídio, as Leis n.º 13.104/2015, 11.340/2006 e o Código Penal Brasileiro, a aplicabilidade da lei do feminicídio, a classificação do crime, os sujeitos e a forma de prevenção do feminicídio como violência de gênero contra as mulheres.
A metodologia utilizada no desenvolvimento deste trabalho será a pesquisa básica, bibliográfica, descritiva e qualitativa, a partir da utilização de materiais já publicados como livros e artigos a fim de produzir um artigo científico sobre o tema.
O objetivo desta pesquisa é apontar, demonstrar os motivos do grande número de casos de feminicídios no Brasil, mesmo diante das leis existentes no direito brasileiro.
2 A CULTURA DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
O patriarcado é um sistema social em que o poder se encontra na maioria das vezes nas mãos de homens adultos, onde as mulheres e crianças ficam sob sua autoridade e dominação, é o “regime de dominação-exploração das mulheres pelos homens” (SAFFIOTI, 2004, p.44 apud GOMES, 2018, p. 4).
Portanto é importante destacar que o patriarcado é um dos grandes motivadores dos casos de feminicídio e violência contra mulheres, pois é a partir dessa estrutura social, que ainda se faz presente no Brasil, que os homens são colocados em condição superior hierárquica e muitas mulheres acabam sendo violentadas e assassinadas.
É por conta do patriarcado que se mantem enraizado na nossa sociedade que os homens continuam se comportando como donos das mulheres que encontram ao seu redor, e entendem ter liberdade para explorar, dominar e até violentar os corpos femininos. Daí que surge a desigualdade e a violência de gênero que resultam em situações fatais.
O sistema patriarcal coloca a mulher em situação de inferioridade, o que a leva muitas vezes a aceitar as violências e ameaças sofridas por achar que não tem o direito de impor suas vontades e seus direitos apenas por sua condição de ser mulher. A maior parte dos casos de feminicídio acontecem em ambiente doméstico por parceiros ou ex-parceiros das vítimas por motivos fúteis e de forma extremamente violenta.
3 LEI MARIA DA PENHA: MECANISMO LEGAL DE COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Antes de aprofundar no tema feminicídio é de extrema importância falar sobre violência doméstica contra mulheres, pois a grande parte dos casos de feminicídio acontecem depois de um histórico de violência doméstica. Portanto, para tratar desse assunto devemos falar também da famosa “Lei Maria da Penha”.
A Lei nº. 11.340 de 2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, é uma lei federal brasileira criada a fim de impedir a violência doméstica contra a mulher e ajustar uma pena adequada aos seus infratores, é a verdadeira luta contra a violência doméstica.
A lei Maria da Penha recebeu este nome em homenagem a Maria da Penha Maia Fernandes mulher que sofreu por mais de 20 anos vários tipos de violência doméstica praticadas na época pelo próprio marido, inclusive tentativa de assassinato, as violências sofridas por ela além de ter gerado danos psicológicos a deixou paraplégica. Ela lutou por anos pela condenação do seu agressor e até hoje luta pelos direitos das mulheres que sofrem todos tipos de agressão.
Violência doméstica é um tipo de violência contra a mulher que ocorre na maior parte das vezes em âmbito doméstico e/ou familiar, se trata de uma das formas de violação dos direitos humanos. Pode ela ser física, psicológica, sexual, patrimonial e até mesmo moral.
A violência doméstica acontece no âmbito familiar e nas relações entre os próprios familiares que possuem grau de parentesco natural, por afinidade ou até mesmo civil.
Antes da criação da Lei Maria da Penha, a violência doméstica era considerada apenas em casos de violência física e esses casos eram julgados em juizados especiais criminais por serem considerados crimes de menor potencial ofensivo.
Hoje em dia a violência doméstica não se trata apenas de violência física, mas sim de todos os tipos de violência doméstica e familiar, seja qualquer ação ou omissão por motivo de gênero que cause morte, sofrimento físico, sexual, psicológico, moral ou até mesmo patrimonial que ocorram no ambiente doméstico, familiar ou qualquer relação íntima que tenha afeto, mesmo que não tenham morado juntos a vítima e o agressor e vale ressaltar ainda, que essas relações independem de orientação sexual, portanto, mesmo sendo a vítima e a agressora do mesmo sexo é possível a aplicação da lei.
A lei Maria da Penha foi um grande passo que o direito brasileiro deu em se tratando de todos tipos de violência contra as mulheres, mas ainda não foi o suficiente para amparar as mulheres que continuavam sendo assassinadas apenas pela sua condição de gênero. Foi a falta de um tratamento adequado para os casos de feminicídio que impulsionou a tardia implementação da Lei nº 13.104/15 “Lei de Feminicídio”, que entrou em vigor apenas no ano de 2015 que alterou o art. 121 do Código Penal “para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos” (BRASIL, 2015).
3.1 Medidas Protetivas de Urgência da Lei Maria da Penha
As medidas protetivas são um dos mecanismos criados pela lei Maria da Penha para prevenir e conter casos de violência doméstica, a fim de proteger as mulheres independente de sua classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião (BRASIL, 2006).
De acordo com o Ministério Público do Estado de São Paulo, medidas protetivas de urgência: “São ordens judiciais (determinadas por um/a juiz/a) que proíbem algumas condutas por parte da pessoa que que cometeu a violência e/ou que protegem a mulher, com o objetivo de interromper, diminuir ou evitar que se agrave a situação”.
Segundo inciso III do artigo 12 da lei Maria da Penha, as medidas protetivas de urgência serão aplicadas de imediato quando feito o registro da ocorrência a autoridade policial remeter, no prazo de 48 horas expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida ou do Ministério Público (BRASIL, 2006).
As medidas protetivas tem caráter de urgência, portanto o processo deve ser o mais rápido e simples possível:
O expediente deverá estar munido, tão somente, do boletim de ocorrência lavrado na ocasião dos fatos, qualificação da ofendida e do agressor, nome e idade dos dependentes, descrição sucinta dos fatos e das medidas protetivas pretendidas pela vítima (art. 12 da Lei 11.340/2006), sendo dispensável, nessa fase de cognição sumária, demais documentos que demonstrem com mais clareza a veracidade das alegações (MARTINI, 2009, p. 37).
As medidas protetivas podem ser encontradas nos artigos 22 a 24 da Lei Maria da Penha e indicam ações que obrigam o agressor e que protegem a vítima e seus dependentes.
Entre as medidas previstas na lei que obrigam o agressor estão o afastamento da convivência com a vítima e de seus familiares, a proibição da aproximação dos mesmos com limite de distância, a suspensão da posse ou porte de armas, suspensão das visitas quando tem filhos menores com a vítima, prestação de alimentos, a proibição de frequentar alguns lugares determinados, a participação do agente a programas de recuperação e reeducação e grupos de apoio. Além das previstas na lei, podem ser determinadas outras medidas para assegurar a dignidade e segurança da ofendida.
Por outro lado, os artigos 23 e 24 visam a proteção da ofendida:
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
IV - determinar a separação de corpos.
V - determinar a matrícula dos dependentes da ofendida em instituição de educação básica mais próxima do seu domicílio, ou a transferência deles para essa instituição, independentemente da existência de vaga. (Incluído pela Lei nº 13.882, de 2019)
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida (BRASIL, 2006).
É importante destacar que o rol de medidas protetivas de urgência da Lei Maria da Penha é meramente exemplificativo, pois se for necessário o juiz poderá aplicar as medidas previstas ou outras eventualmente necessárias e ele pode inclusive aplicar mais de uma medida protetiva simultaneamente (CAMPOS, 2011).
O descumprimento pelo agressor das medidas protetivas configura crime e cabe pena privativa de liberdade de detenção, de 3 meses a 2 anos (BRASIL, 2006).
A lei nº 11.340 de 2006 oferece proteção às vítimas de violência doméstica e de forma indireta acaba auxiliando no combate ao feminicídio visto que o feminicídio íntimo e familiar acontece no ambiente doméstico e sucede agressões físicas, sexuais, psicológicas, morais e patrimoniais.
4 FEMINICÍDIO
4.1 Conceito de Feminicídio e o Código Penal Brasileiro
Recebeu o nome de feminicídio o assassinato de mulheres em contextos de desigualdade de gênero (GALVÃO, 2017).
Feminicídio é o homicídio doloso praticado contra mulher por sua condição de gênero. A origem do conceito de feminicídio foi proposto por Diana E. H. Russell, escritora e ativista feminista, que utilizou o termo pela primeira vez em 1976, em um depoimento para o Tribunal Internacional de Crimes Contra Mulheres, em Bruxelas para caracterizar o crime de assassinato de mulheres por serem do sexo feminino. A partir daí, aos poucos, a expressão passou a ser popularizada e mais utilizada para se tratar de assassinatos contra mulheres.
No direito penal brasileiro o termo feminicídio foi acrescentado no Código Penal, pela Lei nº 13.104 de 9 de março de 2015, chamada de Lei do Feminicídio, que incluiu no parágrafo 2º do artigo 121, entre as qualificadoras do crime de homicídio o inciso VI que tipifica o crime de feminicídio.
Feminicídio então, segundo o Código Penal é “o assassinato cometido contra uma mulher, por razões da condição de sexo feminino” (BRASIL, 1940). O parágrafo 2-A ainda delimita que se entende por “condição do sexo feminino” quando o crime envolve violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015).
É importante salientar que nem todos assassinatos que tem como vítima mulheres são casos de feminicídio, pois não são todos que tem o objetivo de matar por condição de gênero (GALVÃO, 2017). Isso significa que para enquadrar-se como feminicídio não basta que a vítima do homicídio seja uma mulher, o motivo deve ser pela condição do sexo feminino da mesma.
A lei nº 13.104 de 2015 também reconheceu aumento de pena do crime de feminicídio se o crime for praticado durante a gestação ou nos 3 meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência e se praticado na presença de descendente ou de ascendente da vítima (BRASIL, 2015).
Além do mencionado, a lei do feminicídio alterou o artigo 1º da Lei nº 8.072 de 1990 para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Portanto é julgado em Tribunal de Júri e tem como pena a reclusão de 12 a 30 anos.
4.2 Natureza da Qualificadora
Há uma divergência entre doutrinadores e jurisprudência quanto a natureza da qualificadora do feminicídio, parte entende ter caráter objetivo e outra subjetivo.
Para alguns autores, a qualificadora possui elementos objetivos:
Trata-se de uma qualificadora objetiva, pois se liga ao gênero da vítima: ser mulher [...] Não aquiescemos à ideia de ser uma qualificadora subjetiva (como o motivo torpe ou fútil) somente porque se inseriu a expressão “por razões de condição de sexo feminino”. Não é essa a motivação do homicídio. O agente não mata a mulher somente porque ela é mulher, mas o faz por ódio, raiva, ciúme, disputa familiar, prazer, sadismo, enfim, motivos variados, que podem ser torpes ou fúteis; podem, inclusive, ser moralmente relevantes. Não se descarta, por óbvio, a possibilidade de o homem matar a mulher por questões de misoginia ou violência doméstica; mesmo assim, a violência doméstica e a misoginia proporcionam aos homens o prazer de espancar e matar a mulher, porque esta é fisicamente mais fraca. É o que se chama de violência de gênero, o que nos parece objetivo – e não subjetivo. Basta verificar processo por processo de agressão à mulher: o marido matou a esposa porque se casou com uma mulher? Não, ele se sente encorajado em matá-la, porque se sente superior e ela o traiu com outra pessoa. Não sabe resolver o assunto com civilidade, na esfera civil (NUCCI, 2019, p.126).
Ainda falando sobre a natureza objetiva da qualificadora:
Sendo objetiva, pode conviver com outras circunstâncias de cunho puramente subjetivo. Exemplificando, pode-se matar a mulher, no ambiente doméstico, por motivo fútil (em virtude de uma banal discussão entre marido e esposa), incidindo duas qualificadoras: ser mulher e haver motivo fútil. Essa é a real proteção à mulher, com a inserção do feminicídio (NUCCI, 2019, p. 127).
Para eles a qualificadora é objetiva, porém, com possibilidade de junto ter circunstancias de caráter subjetivo.
Por outro lado, existem os autores que defendem que a natureza da qualificadora do feminicídio é subjetiva pois tem motivos e fundamentos absolutamente íntimos, que o agente necessita de forma imprescindível carregar para assassinar uma mulher, correspondendo com as condições de gênero ligados a violência doméstica e familiar ou discriminação à condição de mulher (CIELO, 2019).
Para outros, como Rogério Sanches Cunha (2015), Alice Bianchini e Luiz Flávio Gomes (2015, p. 21), não há como se pensar em feminicídio de natureza objetiva, caracterizando a qualificadora como de natureza subjetiva em sua totalidade (MESSIAS; CARMO; ALMEIDA, 2020, p. 3).
Neste sentido:
[...] para Fernando Capez e Estela Prado, a qualificadora do feminicídio é constituía da natureza subjetiva, em virtude dos motivos determinantes associados a condição do sexo feminino relacionados a ação delituosa. Por isto, “todo feminicídio é espécie do gênero homicídio doloso qualificado”39 e por ser crime doloso contra a vida deverá seguir o trâmite de pronúncia – caso por assim entenda o magistrado – e, posteriormente, o rito do Tribunal do Júri (CIELO, 2019).
Portanto, vale ressaltar que mesmo diante das divergências de posicionamentos, qualificadoras de natureza subjetiva não convivem entre si e podem ser aplicadas simultaneamente apenas com qualificadoras de natureza objetiva e assim, as causas de diminuição de pena de natureza subjetiva só podem incidir em casos de crimes com qualificadoras de ordem objetiva (MESSIAS; CARMO; ALMEIDA, 2020).
4.3 Classificações do Feminicídio
Com o intuito de facilitar a identificação dos casos de feminicídio, o crime recebeu diversas classificações de formas que podem ser efetuadas, adaptando a diferentes realidades das vítimas no Brasil. Entre as modalidades mais comuns estão o feminicídio íntimo, o não íntimo, familiar, por conexão e o infantil.
4.3.1 Íntimo
A primeira e mais comum espécie de feminicídio é o íntimo, que ocorre quando a vítima e o agente tinham ou tenham tido relações íntimas, podendo ser ele: marido, ex-marido, companheiro, namorado, ex-namorado, amante ou pode ser até um amigo ou conhecido que teve uma relação íntima sentimental ou sexual negada pela vítima (GALVÃO, 2017).
4.3.2 Não íntimo
O feminicídio não íntimo é aquele que a vítima e o assassino são desconhecidos ou então que não possuam nenhum tipo de relação íntima ou de convivência. Como por exemplo o caso de uma violência sexual que acaba em um assassinato de uma mulher por um homem completamente desconhecido ou no caso do vizinho que mata sua vizinha sem ter nenhum tipo de relação com ela (GALVÃO, 2017).
4.3.3 Familiar
Nessa modalidade o assassino é um familiar da vítima, tem alguma relação de parentesco, considerando até mesmo em caso de afinidade ou adoção (GALVÃO, 2017).
4.3.4 Por conexão
Acontece o feminicídio por conexão quando a pessoa assassinada não era o alvo inicial, porém foi morta por estar na linha de fogo, no mesmo local onde o assassino matou ou tentou tirar a vida de outra mulher. (GALVÃO, 2017) A vítima nesse caso, foi assassinada por tentar ou não intervir para evitar o feminicídio contra uma mulher.
4.3.5 Infantil
Nesse caso a vítima é menina menor de 14 anos de idade e o assassino a matou no âmbito de relação de responsabilidade, confiança ou poder de adulto sobre a menina (GALVÃO, 2017).
4.4 Sujeitos do Feminicídio
No crime de feminicídio existem o sujeito ativo e o sujeito passivo. O passivo é a vítima, figura feminina, e o sujeito ativo é o criminoso, o assassino que comumente é do sexo masculino, mas que pode também ser do mesmo sexo da vítima.
A vítima do crime configura o polo passivo, é a mulher assassinada. Aqui gênero da vítima deve ser feminino, visto que se trata de feminicídio pois se for de outro gênero o crime será o de homicídio simples “Art. 121. Matar alguém Pena - reclusão, de seis a vinte anos” (BRASIL, 1940).
Em questão ao polo passivo, existem duas principais correntes que discutem o termo “sexo feminino” utilizado no texto da lei. A primeira corrente defende que o termo é fator biológico, já a segunda corrente afirma que se trata de fator jurídico, determinado pelos documentos e a cirurgia de alteração do sexo da vítima (MESSIAS; CARMO; ALMEIDA, 2020).
Adentrando a primeira teoria, que se caracteriza pelo conservadorismo representado pelo binarismo sexual, tem-se que sexo, por mais polêmica que seja a discussão, é dado biológico, dividido em feminino e masculino e, ainda, em casos raros, intersexuais ou hermafroditas, que nascem com duas genitálias, feminina e masculina, porém uma predominante. Para essa corrente, o texto legal é límpido no sentido de abranger somente mulheres cis e afastar a aplicação às mulheres transexuais [...] para tal corrente doutrinária, a extensão da aplicação da qualificadora do Art. 121, §2º, inciso VI c.c §2º-A, inciso II, do Código Penal brasileiro, às mulheres trans ofenderiam os princípios basilares inerentes ao direito penal, consistentes na estrita legalidade, taxatividade e vedação à analogia in malam partem6 e, por tal motivo, sua extensão seria meramente impossível, uma vez que, em brevíssima síntese, a conduta praticada pelo agente deve se enquadrar perfeitamente à conduta tipificada como crime, inibindo a aplicação de analogia em prejuízo do réu. (MESSIAS; CARMO; ALMEIDA, 2020, p. 6).
Os defensores da segunda corrente, por outro lado, buscam olhar a realidade que vivemos nos dias atuais e entendem que a mulher trans pode sim figurar no polo passivo do crime de feminicídio, basta ter efetuado a mudança de sexo e dos seus documentos de registro civis. Nesse sentido sobre a possibilidade da interpretação por extensão da qualificadora às mulheres trans:
É inegável a necessidade da Lei do Feminicídio ser aplicada para as mulheres transexuais, vez que foi criada para reduzir o alto índice de violência contra a mulher, do qual também sofrem as “mulheres cis” (mulheres que têm identidade de gênero e sexo biológico feminino), assim como as “mulheres trans” (mulheres com sexo biológico masculino e identidade de gênero feminina), as quais podem igualmente figurar como sujeitos passivos, ao serem vitimadas pela reprodução do modelo de violência machista (SOUZA; BARROS, 2016, p. 269 apud MESSIAS; CARMO; ALMEIDA, 2020, p. 6).
Seguindo essa linha de pensamento:
Nesse mérito, a interpretação jurídica deve ser conduzida pela dignidade da pessoa humana, com fundamento no Art. 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988, de maneira a contemplar os direitos fundamentais à vida digna de ser vivida, à inviolabilidade da honra, da vida privada e da imagem da pessoa humana, previstos, respectivamente, no Art. 5º, caput e inciso X da Constituição Federal de 1988, de forma a incluir a mulher transexual como agente passivo da qualificadora (MESSIAS; CARMO; ALMEIDA, 2020, p. 6).
No polo ativo do crime de feminicídio se encontra o autor do delito, quem assassinou uma mulher motivado pela condição do sexo feminino. Pouco importa o sexo do autor do crime, que pode ser homem ou mulher e o agente pode ter ou não relação íntima com a vítima.
4.5 Educação Como Forma de Combate e Prevenção ao Feminicídio
Mesmo após a criação da lei do Feminicídio que criminaliza a conduta de assassinar mulher pela condição do sexo feminino, os números e registros de casos de feminicídio no Brasil continuam aumentando e este cenário é preocupante.
Para evitar o feminicídio é preciso que primeiro torne efetivo os direitos já existentes, implementando serviços, capacitações, produções de dados e monitoramento e recomendações que indiquem melhores caminhos para proteger a vida das mulheres (GALVÃO, 2017).
Visibilizar e reconhecer as relações de poder desiguais que vulnerabilizam a condição feminina e o contexto discriminatório que permeia as violências é ponto essencial. “O combate à impunidade é importante, mas é insuficiente. É preciso investir na educação e na comunicação social, pois precisamos construir espaços de discussão da violência de gênero e de socialização para uma sociedade menos violenta. Sem isso, não vamos conseguir mudar essa realidade”, defende Izabel Solyszko Gomes, doutora em Serviço Social e docente na Universidad Externado de Colombia (GALVÃO, 2017, p. 97).
É importante que se invista em educação, pois a educação auxilia tanto na construção quanto na desconstrução dos padrões enraizados na sociedade. Por exemplo, com a educação é possível aos poucos ir mudando a cultura patriarcal que como já foi dito é um dos principais motivadores da violência contra a mulher:
O que se percebe, por todo o exposto, é que não basta apenas criar legislações que prevejam punições severas aos agressores. Precisa-se, mais do que isso, de reeducar o agressor e a sociedade de modo geral para que haja a necessária “mudança social” em que a mulher não mais precise ocupar o papel de vítima (OLIVEIRA; OLIVEIRA, 2018 apud SILVA, M. C. G., 2020, p. 50).
Silva et al (2020, p. 50) sobre a prevenção do feminicídio afirma: “o ponto crucial, portanto, que deve ser focado para que haja sua modificação, é na questão da construção de uma cultura de prevenção da violência contra a mulher”.
A educação no âmbito familiar e nas escolas é de grande relevância ao se tratar de prevenção de crimes como o feminicídio:
Cabe às escolas potencializar a promoção de igualdade e problematizar a desconstrução do sexismo, preconceito e desigualdade, e a figura do professor é fundamental para esse processo [...] sendo assim, é de extrema importância a necessidade de capacitações e treinamentos para o corpo escolar, afim de que as intervenções e práticas se distanciem ao máximo da reprodução de discursos do patriarcado. No mais, as escolas precisam ser os espaços de desconstrução, assim como as famílias, e repensar em estratégias de mudança faz parte e é responsabilidade de todos que são atingidos pelos estilhaços do patriarcado (SILVA et al., 2020, p. 9).
Portanto, mesmo diante das relevantes conquistas alcançadas pelas mulheres como legislações específicas, decretos, ainda há uma longa caminhada em direção ao fim da cultura da violência contra mulheres e só se alcançará por meio da educação e conscientização que busca acabar com o machismo e a misoginia na sociedade, difundindo então o respeito e igualdade de gênero (MESSIAS, CARMO; ALMEIDA, 2020).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O feminicídio é a última e mais grave espécie de violência de gênero que a mulher pode sofrer. A cada momento em que uma mulher é vítima de feminicídio a sociedade no geral dá um passo para trás e o sistema patriarcal e machista se mantém mais presente e forte, visto que o patriarcado é o que estrutura a desigualdade de gênero que acaba por desencadear a tão falada violência de gênero.
A criação da lei do Feminicídio foi um marco importante no direito penal Brasileiro, que após muita pressão internacional e por grupos feministas, passou a tratar a conduta de matar uma mulher por sua condição de gênero como qualificadora do crime de homicídio, porém, não foi o suficiente para acabar ou pelo menos diminuir a ocorrência do crime, levando em conta que no Brasil, os casos continuam aumentando.
O desenrolar do trabalho trouxe à tona a importância de Lei Maria da Penha que é uma possível forma de prevenir o assassinato de mulheres em âmbito doméstico, já que a partir das medidas protetivas é possível dificultar que o feminicídio venha a se consumar, levando em conta que a maioria das mulheres vítimas do feminicídio são mortas em seus lares, por seus companheiros íntimos ou que já tiveram relações íntimas de afeto.
A educação, como já foi dito, é a figura principal quando se fala de prevenção de feminicídio pois é necessário quebrar, romper a ideia do patriarcado, e isso só é possível através da reeducação social.
A lei do Feminicídio é falha no ponto de que não há nenhuma previsão quanto as vítimas, somente punição caso o crime venha a acontecer. Diferente da lei Maria da Penha, na lei do feminicídio não é possível identificar medidas que visam proteger e impedir as mortes das mulheres, talvez essa seja uma possível brecha para futuramente o poder legislativo brasileiro criar leis que melhor atendam às vítimas sejam elas mulheres biológicas ou não, como nos casos das mulheres trans.
Somente tratando as raízes do problema que é possível alcançar resultados positivos e reais acerca do feminicídio. É preciso desde a infância, acabar com a ideia de preconceito, de inferioridade contra as meninas e mulheres, só assim podemos pensar na erradicação do feminicídio e da violência contra a mulher, pois apesar das conquistas alcançadas, as leis não são suficientes para acabar com a problemática cultura de violência contra mulheres no Brasil.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015. Altera o art. 121 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos. Brasília, DF, 9 mar. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13104.htm>. Acesso em: 24 nov. 2020.
CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. 375p.
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Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Gabriela Caldeira de. Feminicídio e violência doméstica no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56434/feminicdio-e-violncia-domstica-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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