Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar a possibilidade de inserção de cláusula penal por traição no pacto antenupcial diante da sua natureza jurídica e seus desdobramentos. Para tanto, partiu-se da análise dos princípios aplicados ao direito de família como o direito de família mínimo e a autonomia privada das partes, as quais exteriorizam a liberdade dos indivíduos e a mínima intervenção estatal. Após analisou-se o pacto antenupcial em si, sua natureza jurídica e limites na disposição. No decorrer do trabalho, constatou-se que o pacto antenupcial possui natureza jurídica de negócio jurídico e, portanto, a possibilidade de disposição patrimonial e extrapatrimonial em seu bojo e, dessa forma, a possibilidade de inserção da cláusula penal por traição como exercício da autonomia privada e com caráter reforçador do dever de fidelidade mútuo previsto no Código Civil Brasileiro. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo com pesquisas bibliográficas e estudo da legislação pátria vigente.
Palavras-chave: Autonomia privada. Cláusula penal. Pacto antenupcial.
Abstract: The present work aims to analyze the possibility of inserting a penal clause for treason in the prenuptial pact in view of its legal nature and its consequences. For that, it started from the analysis of the principles applied to family law such as the minimum family law and the private autonomy of the parties, which externalize the freedom of individuals and the minimum state intervention. Afterwards, the prenuptial agreement itself, its legal nature and limits on disposition were analyzed. In the course of the work, it was found that the prenuptial pact has the legal nature of a legal business and, therefore, the possibility of equity and off-balance sheet provision and, therefore, the possibility of inserting the penal clause for treason as an exercise of autonomy private and reinforcing the duty of fidelity mutual provided for in the Brazilian Civil Code. For this, the deductive method was used with bibliographic research and study of the current national legislation.
Key-words: Private autonomy. Penal clause. Antenuptial Pact.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Dos princípios aplicáveis ao direito de família: 2.1. Direito de família mínimo; 2.2. Da autonomia privada. 3. Do Pacto Antenupcial. 4. Cláusula penal por traição no Pacto Antenupcial. 5. Conclusão. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
As relações familiares têm sofrido grandes modificações no decorrer dos anos e, diante disso, tem-se a necessidade da releitura de diversos institutos. Atualmente, a família é vista sob o aspecto eudaimonista, ou seja, baseado no afeto mútuo e felicidade das partes, trazendo maior foco para a realização do indivíduo por meio da família e deixando as amarras institucionais de lado.
É nesse sentido que se aplica diversos princípios ao direito de família como a autonomia privada e o direito de família mínimo. Tais princípios visam dar maior autonomia às partes para se autorregrarem e decidirem o que é melhor para si dentro da entidade familiar desde que essa autonomia não vá de encontro com a lei e os bons costumes.
Assim, o presente trabalho tem como intuito demonstrar a possibilidade da previsão de cláusula penal por traição no pacto antenupcial como exteriorização da autonomia privada das partes que podem livremente decidirem sobre aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais que irão reger o seu casamento.
Para tanto, a metodologia utilizada é a dedutiva, pautada em pesquisa bibliográfica reunindo várias obras de doutrinadores brasileiros correlacionadas ao tema, com ênfase na literatura jurídica referente às relações no Direito de Família, além de pesquisa atinente ao negócio jurídico e autonomia privada. Por fim, baseou-se, também, na legislação pátria vigente.
Nesse contexto, para atingir o objetivo almejado, o presente trabalho perpassará pelos princípios do direito de família mínimo e da autonomia privada, após analisará o instituto do pacto antenupcial e, por fim, trará a possibilidade de disposição acerca da cláusula penal por traição no pacto antenupcial.
2 DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA
O direito de família sofreu diversas modificações com o passar do tempo. A promulgação da Constituição Federal de 1988 proporcionou a releitura das relações familiares até então. Uma das principais modificações foi a introdução do termo “entidade familiar” passando a reconhecer as mais diversas e possíveis formações de família. Assim, destaca-se o caráter eudaimonista de família, pois o foco deixou de ser a família como instituição e passou a ser família como exteriorização do afeto e local de conforto para o livre desenvolvimento de relações.
O foco da família como uma instituição engessada abriu espaço para uma maior autonomia tanto na sua formação quanto nas decisões tomadas no seio familiar. Destaca-se o artigo 226 da Magna Carta, principalmente o seu parágrafo sétimo e oitavo, o qual traz o livre planejamento familiar como sendo de livre escolha do casal baseado na dignidade da pessoa humana, competindo ao Estado promover acesso e meios para que esses desejos sejam realizados.
Além do dever positivo de promover políticas que deem acesso e possibilitem a efetivação dessas garantias constitucionais, vislumbra-se, também, a previsão de obrigações negativas ao Estado, compreendidas como o dever de não intervenção estatal nas decisões de homens ou mulheres no que se refere ao seu planejamento familiar, garantindo maior autonomia e liberdade aos indivíduos.
Dessa forma, não sendo contrário às normas de ordem pública, cabe aos indivíduos tomarem as melhores decisões em prol do bem estar da sua família. É nesse sentido que se tem o princípio do direito de família mínimo e autonomia privada que irão reger as relações familiares e protegê-las de inferências desnecessárias ou arbitrárias.
2.1 Direito de família mínimo
O princípio do direito de família mínimo preceitua a mínima intervenção estatal na esfera privada de decisões do indivíduo quando relacionadas a sua família, observando a autonomia privada das partes. Tem como fundamento o artigo 1.513 do Código Civil o qual reza que “é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família”.
Nesse sentido, pode-se inferir que a atuação do Estado nas famílias deve ser tratada como exceção, admitindo interferências com o intuito de garantir a realização pessoal dos seus membros ou a fim de proteger a parte hipossuficiente. Relevantes são as palavras de Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2015, p. 124-125):
Forçoso reconhecer, portanto, a suplantação definitiva da (indevida e excessiva) participação estatal nas relações familiares, deixando de ingerir sobre aspectos personalíssimos da vida privada, que, seguramente, dizem respeito somente à vontade e à liberdade de autodeterminação do próprio titular, como expressão mais pura de sua dignidade. O Estado vai se retirando de um espaço que sempre lhe foi estranho, afastando-se de uma ambientação que não lhe diz respeito (esperando-se, inclusive, que venha, em futuro próximo, a cuidar, com mais vigor e competência, das atividades que realmente precisam de sua direta e efetiva atuação).
Nas relações de família, a regra geral é a autonomia privada, com a liberdade de atuação do titular. A intervenção estatal somente será justificável quando for necessária para garantir os direitos (em especial, os direitos fundamentais reconhecidos em sede constitucional) de cada titular, que estejam periclitando.
Assim, o princípio do direito de família mínimo visa a mínima intervenção estatal como meio para a promoção do direito à autonomia e a autodeterminação familiar, uma vez que o ser humano é entendido como ser racional e, dessa forma, capaz de determinar o melhor para si e para a sua família, desde que tais decisões não vão de encontro com a ordem jurídica e os bons costumes.
2.2 Da autonomia privada
A mínima intervenção estatal na vida privada dos núcleos familiares também se exterioriza pelo respeito a autonomia privada dos indivíduos que livremente podem determinar seus projetos familiares. Além de ir de encontro com os preceitos constitucionais, a demasiada ingerência na vida privada pode ser danosa por constranger os cidadãos. Nesse ínterim, imperioso trazer o conceito de autonomia privada (PERLINGIERI, 2002, p. 17):
[...] pode-se entender por “autonomia privada”, em geral, o poder, reconhecido ou concedido pelo ordenamento estatal a um indivíduo ou a um grupo, de determinar vicissitudes jurídicas como consequência de comportamentos – em qualquer medida – livremente assumidos.
Na base desta concepção reside, frequentemente, de modo somente tendencial, a liberdade de regular por si as próprias ações ou, mais precisamente, de permitir a todos os indivíduos envolvidos em um comportamento comum determinas as regras daquele comportamento através de um entendimento comum.
Implica em afirmar que a autonomia privada reside na possibilidade de os sujeitos, quando de comum acordo de vontades, decidirem o que é melhor para si e os efeitos dessa decisão. Assim, a autonomia privada vem no sentido de garantir a livre manifestação das partes em todos os atos da sua vida civil, sejam eles patrimoniais ou extrapatrimoniais.
A intervenção demasiada do Poder Público na vida privada pode levar a uma série de constrangimentos aos indivíduos, além de impor decisões forçadas que muitas vezes não coaduna com o estilo de vida dessa família. Dessa forma, a regra geral a ser adotada é pela autonomia privada quando a relação se dá entre iguais, garantindo o exercícios das liberdades das partes. Tamanha é a sua importância que traz Judith Martins-Costa (2018, l. 159):
Negar-se a possibilidade de autonomia ou perspectivar-se a autonomia privada por um viés negativo equivaleria a violar uma das dimensões mais valiosas da própria personalidade humana, qual seja, a possibilidade de fazer escolhas, tomar decisões, responsabilizando-se por elas (autodeterminação); sua negação implicaria, ainda, o afastamento da garantia constitucional à liberdade de iniciativa econômica.
Nesse sentido, a autonomia privada possui estreita relação com a efetivação da dignidade da pessoa humana, com a promoção ao respeito das liberdades individuais e autorresponsabilização. Além disso, deve ser avaliada em consonância com os demais princípios como, por exemplo, o princípio da boa-fé.
Assim, a autonomia privada consiste na possibilidade dos sujeitos autorregulamentarem seus interesses privados levando em consideração aquilo que melhor coaduna com a sua realidade. A autonomia privada, então, “[...] constitui o fundamento da ação jurídico-privada e (ii) traduz uma fonte de poder normativo, pelo qual se formam e são criados os negócios jurídicos” (MARTINS-COSTA, 2018, l. 159), os quais podem ser entendidos como atos pelos quais as partes exteriorizam seus direitos de se autodeterminarem e determinarem os efeitos do negócio querido.
Dessa forma, considerando que o objetivo do texto constitucional é promover a dignidade da pessoa humana, as individualidades e singularidades de cada indivíduo devem ser respeitadas, pois cada indivíduo possui igual ao valor ao Direito, não cabendo ao Poder Público constranger aquele que toma determinadas decisões dentro da sua realidade.
3 DO PACTO ANTENUPCIAL
O pacto antenupcial está disciplinado nos artigos 1.653 a 1.657 do Código Civil Brasileiro e é o documento por meio do qual as partes, que estão se habilitando para o casamento, estipulam livremente acerca do regime de bens que irá reger o seu casamento. Salienta-se que a eficácia do pacto antenupcial se submete ao acontecimento de evento futuro, ou seja, a ocorrência do casamento.
A doutrinadora Maria Helena Diniz (2017, p. 174) traz o conceito do doutrinador Silvio Rodrigues para o qual o pacto antenupcial é um contrato solene celebrado antes do casamento dispondo acerca do regime de bens. Maria Berenice Dias leciona que nada mais é que um contrato matrimonial (DIAS, 2016, p. 313).
O termo “contrato” utilizado pelos nobres doutrinadores, contudo, leva a uma discussão acerca da natureza jurídica do pacto antenupcial se seria de contrato jurídico ou de negócio jurídico familiar. Referida discussão é de suma importância, pois gera efeitos no conteúdo que poderá ser disciplinado no pacto.
Diferentemente dos doutrinadores citados acima, o ex-ministro Francisco Cláudio de Almeida Santos critica o uso do termo “contrato” pois, conforme explica, leva a crer que se tratam de interesses contrapostos como, por exemplo, numa compra e venda (um quer comprar e outro quer vender) o que não ocorre no pacto antenupcial. O autor, então, traz que a natureza jurídica do pacto é de negócio jurídico (2006, p. 193-194). Quanto ao conceito de negócio jurídico leciona Marcos Bernardes de Mello (1988, p. 184):
[...] negócio jurídico é o fato jurídico cujo elemento nuclear do suporte fático consiste em manifestação ou declaração consciente de vontade, em relação à qual o sistema jurídico faculta às pessoas, dentro de determinado limites predeterminados e de amplitude vária, o poder de escolha de categoria jurídica e de estruturação do conteúdo eficacial das relações jurídicas respectivas, quanto ao seu surgimento, permanência e intensidade no mundo jurídico.
Assim, sendo a manifestação de vontade válida e os efeitos permitidos, o negócio jurídico será existente, válido e eficaz. Ressalta-se que o próprio Código Civil ao trazer sobre o pacto antenupcial traz a liberdade dos nubentes de dispor acerca do regime que irá reger o casamento, respeitando determinados limites. Dessa forma, por ser a exteriorização da vontade do casal, vontade essa que é comum aos dois, é que se adotará a natureza de negócio jurídico e todos os seus efeitos.
Quanto ao conteúdo do pacto antenupcial, a disposição acerca do patrimônio não gera controversas, contudo não há unanimidade sobre as disposições extrapatrimoniais. De um lado autores como Paulo Lôbo (2011, p. 336) que afirma que no pacto, diante das suas particularidades, não pode conter cláusulas que sejam estranhas a sua finalidade, ou seja, a regulamentação do regime de bens.
De outro, Maria Berenice Dias que entende que não há nada que impeça que os nubentes determinem, também, questões existenciais, de natureza não patrimonial (DIAS, 2016, p. 314), pois exercício da autonomia privada das partes encontram tão somente limitação na lei, ou seja, não se admite estipular situações que vão de encontro com o ordenamento jurídico pátrio. Com a devida vênia, vê-se como mais acertado o posicionamento da autora Maria Berenice Dias por melhor atender os interesses e direitos constitucionais e familiares.
Assim, o pacto antenupcial, sendo considerado um negócio jurídico, deve observar as balizas impostas pelo artigo 104 do Código Civil, ou seja, os sujeitos devem ser capazes e legítimos para praticarem o ato, o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável e a forma deve ser adequada. Além disso, as vontades dos agentes devem ser genuína e livre de vícios.
Quanto ao objeto, o artigo 1.655 do Código Civil estabelece que não pode haver proibição legal, ou seja, qualquer disposição que contrarie dispositivo legal será nula. Dessa forma, não poderá ser estabelecido no pacto aquilo que é ilícito ou contrário aos bons costumes.
Além disso, insta salientar que por ser ato solene deve celebrado da forma preceituada pelo Código Civil em seu artigo 1.653 o qual prevê que o pacto antenupcial deve ser feito por meio de escritura pública e a sua eficácia é condicionada a realização do casamento. A eficácia contra terceiros dependerá, ainda, de registro em livro especial pelo Registro de Imóveis competente. Dessa forma, para que seja válido o pacto antenupcial e todas as suas disposições, deve ser observado a forma que preceitua o ordenamento pátrio.
4 CLÁUSULA PENAL POR TRAIÇÃO NO PACTO ANTENUPCIAL
A finalidade do pacto antenupcial é justamente dispor sobre as questões relativas ao casamento e às relações familiares, assim a estipulação de aspectos extrapatrimoniais, ou seja, aqueles referentes ao íntimo da relação do casal nada mais é que a exteriorização do objetivo do pacto antenupcial. Além de valorizar o instituto é uma forma de garantir que as partes exerçam a sua autonomia privada e o livre planejamento familiar.
Usualmente, os elementos do negócio jurídico são classificados em: “a) elementos gerais, isto é, comuns a todos os negócios; b) elementos categoriais, isto é, próprios a cada tipo de negócio; c) elementos particulares, isto é, aqueles que existem em um negócio determinado, sem serem comuns a todos os negócios ou a certos tipos de negócio” (AZEVEDO, 2002, p. 32). Os elementos particulares resultam da vontade das partes e um dos exemplos de elementos acidentais é a cláusula penal.
O Código Civil não chegou a trazer um conceito de cláusula penal e, conforme leciona Judith Martins-Costa (2009, p. 607-608) o fez de maneira acertada diante da complexidade e multiplicidade de funções desempenhadas pela figura. Para a autora a cláusula penal se presta a distintas finalidades:
“[...] (a) visa a reparar o credor por meio da prefixação das perdas e danos; (b) ou tem por escopo estipular o devedor adimplemento através da ameaça de uma outra prestação que o credor terá faculdade de exigir, ou de maneira (b.1) substitutiva à prestação, a título sancionatório; ou (b.2) de modo cumulativo à execução específica da prestação ou à indenização pelo inadimplemento [...] (MARTINS-COSTA, 2009, p. 608).
Assim, pode-se afirmar que a cláusula penal consiste em um promessa condicional de caráter pecuniário caso a parte não venha cumprir o determinado ou o cumpre de forma inadequada. É o caso em que uma parte, no caso do pacto antenupcial, as partes de forma recíproca, negociam entre si que o descumprimento de um dever posto no pacto gerará indenização ao prejudicado.
A previsão acerca de assuntos extrapatrimoniais não é unânime, como citado alhures. Isto porque para alguns autores como Paulo Lôbo, o pacto antenupcial é instrumento próprio para disciplinar o regime de bens. Entretanto, como analisado durante o presente estudo o pacto antenupcial possui natureza jurídica de negócio jurídico, motivo pelo qual a sua finalidade é melhor atender os interesses daqueles que o fazem, isto é, dentro de certos limites abarcar tanto o regime que for conveniente, podendo os cônjuges, inclusive, dispor de um novo regime, quanto aspectos extrapatrimoniais que julguem necessário para abarcar a união.
Seria incoerente a defesa do pacto antenupcial como de natureza exclusivamente contratual, pois seus efeitos afetam diretamente a entidade familiar, além de que em seu bojo contempla o elemento volitivo e a autonomia privada das partes ao possibilitar a escolha do regime de bens que lhe melhor servirem. Ainda, tem-se que referido instituto está intrinsicamente ligado com o acontecimento do casamento e o seu fim, assim não há como dissociar o pacto antenupcial da entidade familiar.
Dessa forma, tem-se que a antinomia da cláusula penal por traição prevista no pacto antenupcial é apenas aparente. O artigo 1.566 do Código Civil traz os deveres conjugais, quais sejam: fidelidade recíproca (art. 1.566, I); vida em comum no domicílio conjugal (art. 1.566, II); mútua assistência (art. 1.566, III); sustento, guarda e educação dos filhos (art. 1.566, IV); respeito e consideração mútuos (art. 1.566, V). Assim, a própria lei determina que se tenha fidelidade na constância da união, sendo a cláusula penal, nada mais, que um reforço para o cumprimento legal.
Além do mais, como citado alhures, o limite de disposição sobre a vida familiar se dá nos limites da lei, ou seja, não seria possível cláusula que afastasse os deveres conjugais por irem de encontro com as determinações legais, contudo, cláusula que as reforcem não possuem impeditivos. É o exemplo da cláusula penal por traição que consiste em uma penalidade para a infração do dever de fidelidade determinado por lei.
Nesse ínterim, é clara a possibilidade de dispor acerca de indenização por quebra do dever de fidelidade no pacto antenupcial, principalmente diante da autonomia privada das partes e da mínima intervenção do Poder Público na esfera privada. Dessa forma, considerando que tal previsão não afronta qualquer dispositivo legal e que o instituto da responsabilidade civil é plenamente cabível nas relações familiares, a previsão é plenamente cabível.
Além do mais, a livre negociação e disposição do casal acerca de situações, sejam patrimoniais ou extrapatrimoniais, exigem que os indivíduos deliberem sobre o que melhor se adequa para a vida que escolheram levar a dois. O pacto antenupcial, então, passa a ser um instrumento fruto da deliberação conjunta e da autonomia privada dos nubentes o que gera maior segurança e diminui as possibilidades de constrangimentos futuros relacionados ao patrimônio ou particularidades de cada um, pois ambos já terão tido tais discussões e já terão chego a um acordo sobre o que é melhor para o casal.
Nesse sentido, verifica-se um caráter preventivo do pacto antenupcial que para além do patrimônio, visa ser documento pelo qual as partes exteriorizam os seus valores e desejos relativos a vida em comum. É nesse ínterim que se insere a cláusula penal por traição ou afronta ao dever conjugal de fidelidade, pelo casal dar grande importância à fidelidade recíproca que deverá reger a vida a dois. Assim, a cláusula penal visa dar maior segurança aos nubentes, além de reparação pela afronta caso ocorra.
5 CONCLUSÃO
Por ser a família uma exteriorização do afeto e meio para a realização dos indivíduos, o Poder Público deve promover e garantir os meios para que se atinja essa realização. Além disso, a família recebe proteção especial prevista na Constituição Federal e exige uma atuação positiva por parte do Estado.
O pacto antenupcial é um negócio jurídico o qual os nubentes, na maioria das vezes, realizam para atender as necessidades impostas legalmente diante da escolha do regime de bens. Entretanto, o pacto antenupcial pode servir de instrumento para regular além do patrimônio da vida a dois, é a possibilidade de previsão de conteúdo extrapatrimonial.
Referida possibilidade se baseia na natureza jurídica de negócio jurídico do pacto antenupcial além de seu objetivo que é servir de instrumento para regular o que melhor atende as necessidade dos nubentes. Dessa forma, pode ser utilizado como documento cujo conteúdo poderá ser de aspecto extrapatrimonial desde que não vá de encontro com a legislação.
É nesse sentido que se possibilita a previsão de cláusula penal por traição ou por descumprimento do dever de fidelidade recíproca como reforçador dos deveres conjugais previstos no Código Civil Brasileiro. Referida cláusula não vai de encontro com o ordenamento pátrio, mas apenas reforça o que já foi previsto pela legislação brasileira.
Além do mais, tal disposição nada mais é do que a exteriorização da autonomia privada das partes naquilo que irá reger a vida a dois, ou seja, é a possibilidade de adequar previsões que façam sentido na constituição da sua entidade familiar. É nesse sentido que deve prevalecer a vontade dos nubentes e a mínima intervenção do Poder Público na vida privada, pois tal disposição no pacto antenupcial pode servir de caráter preventivo de discussões futuras, por terem esclarecido valores que são importantes para os cônjuges.
Dessa forma, a previsão da cláusula penal por traição no pacto antenupcial consiste na exteriorização da autonomia privada das partes e do direito de família mínimo que preceitua a mínima intervenção estatal na esfera privada, além de trazer benefícios preventivos e reforçadores da confiança entre os nubentes.
6. REFERÊNCIAS
AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil -. São Paulo: Saraiva, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em: 08. abr. 2021.
BRASIL. Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 8 abr. 2020.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v. 5: direito de família. 31. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: famílias, volume 6. 7. ed. rev., ampl., e atual. São Paulo: Atlas, 2015.
LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação. 2. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao novo código civil, volume V, tomo II: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2009.
MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1988.
PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil. Tradução de: Maria Cristina de Cicco, 2. ed. – Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
SANTOS, Francisco Cláudio de Almeida. O Pacto Antenupcial e a Autonomia Privada. In: BASTOS, Eliene Ferreira; SOUSA, Asiel Henrique de. (Coord.). Família e Jurisdição. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p.183-209.
Advogada. Aluna especial pelo Programa de Mestrado e Doutorado da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal Econômico pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Pós-graduada em Direito Empresarial pela faculdade Legale. Pós-graduanda em Lei Geral de Proteção de Dados pela faculdade Legale. Graduada pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Franciele Barbosa. Limites do pacto antenupcial: da (im)possibilidade de cláusula penal por traição no pacto antenupcial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2021, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56436/limites-do-pacto-antenupcial-da-im-possibilidade-de-clusula-penal-por-traio-no-pacto-antenupcial. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.