RESUMO: A violência obstétrica ocorre diariamente nas instituições de saúde, sendo praticada pela equipe hospitalar, e mulheres em trabalho de parto, são praticamente obrigadas a se submeter, principalmente por desconhecimento dos seus direitos, e por temerem represarias contra o recém-nascido. A metodologia está centrada na pesquisa e coleta de informações de ordem teórica viabilizada, portanto, através de levantamento bibliográfico. Com o a finalidade de esclarecer e divulgar, pois é inegável o sofrimento causado a mulher na hora de dar luz, cabendo ao Poder Público, fiscalizar e estruturar os hospitais para for fim a essa “Violência no parto”.
Palavras-chave: Violência Obstétrica, Direitos Humanos, Princípios constitucionais.
ABSTRACT: Obstetric violence occurs daily in health institutions, being practiced by the hospital staff, and women in labor, are practically obliged to submit, mainly due their rights, and for the fear represarias against the newborn. There are several reports of violence, including verbal, trivialization of such conduct harmful to the rights of women, which is constitutionally guaranteed even in international treaties. With the aim to clarify and disseminate, it is undeniable the suffering of the woman at the time of giving birth, leaving the Government, supervise and structure for hospitals to end this "Violence in childbirth."
Keywords: Obstetric Violence, Human Rights, Constitutional principles.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. SOB À LUZ DO FATO: A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, CONCEITO E PRÁTICAS; 2.1 Conceito. 3. SAÚDE, DIGNIDADE E INTEGRIDADE: A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS DIREITOS HUMANOS; 3.1 A parturiente sujeito de direitos; 3.1.1 Dignidade; 3.1.2 Integridade; 3.1.3 Direito à Saúde; 4. OS DANOS E AS RESPONSABILIDADES: OS DISPOSITIVOS JURÍDICOS DISPONÍVEIS A PARTURIENTE EM CASO DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA; 4. 1 Responsabilização Criminal pela Violência Obstétrica; 5 A RESPONSABILIDADE PELO DANO: O DEBATE JURISPRUDENCIAL SOBRE A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA; 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Elencada ao catálogo de violências de gênero, a violência obstétrica cometida por agente de atendimento de saúde contra mulheres gestantes e/ou parturientes, caracteriza-se por uma violação aos direitos à saúde, à imagem objetiva e aos estados psíquicos do indivíduo, bem como contra a integridade e a dignidade da pessoa humana.
Presente na rotina laboral diária dos agentes de saúde, dos obstetras, clínicos gerais, enfermeiros e técnico em enfermagem, a violência obstétrica passa em branco nas tratativas do atendimento clínico e médico hospitalares muitas vezes por falta de cuidados e informações para com certas práticas e condutas geradoras de danos materiais, físicos e psicológicos na paciente, neste caso à mulher gestante e/ou parturiente.
É alicerçado neste contexto em que os danos e as responsabilidades por conta da violência obstétrica ainda são campos inexploráveis no contexto jurídico, por vezes inexistentes de legislação única que possa tratar do fato como objeto das Ciências Jurídicas. É que este trabalho de conclusão de curso se debruça para analisar a violência obstétrica como objeto de Direito dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
No âmbito do Direito, observa-se violência obstétrica um tipo de violência contra a mulher praticada por agentes institucionalizados do atendimento à saúde, provocada pelo obstetra, clínico geral, enfermeiro, técnico em enfermagem, contra a mulher no momento da gestação e/ou no parto.
Baseando-se neste debate, o presente artigo cientifico lança luz do ordenamento jurídico brasileiro na violência obstétrica para isso o presente trabalho se estrutura em três partes que dialogam uma com a outra, com a finalidade de debater as práticas de violência obstétrica pela via da Ciência Jurídica.
Portanto o presente artigo cientifico, intenta cumprir um papel informacional a partir do manejo legislativo da Ciência Jurídica e da demonstração dos danos e das responsabilidades dos agentes de atendimento de saúde diante do cometimento das práticas de violência obstétrica. Cumprindo um dever acadêmico científico, como institucional e social quando o trabalho se debruça sobre fatos sociais ainda não tipificados, ou quando tipificados encontram através de consecução do controle jurídico da matéria.
2. SOB À LUZ DO FATO: A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, CONCEITO E PRÁTICAS
2.1 Conceito
Mariana Pulhez (2013, p. 22), considera violência obstétrica atos e ações danosas praticados contra a mulher em estado de parturiente dentro de espaços públicos e privados de atendimento à saúde no decorrer do atendimento médico obstétrico e neonatal. O desígnio “violência obstétrica” é original do estudo realizado pelo Doutor Rogério Pérez D’Gregorio, quando na função de Presidente da Sociedade Obstétrica e Ginecologia da Venezuela.
Briena Andrade (2014, p. 01) complementa a informação de Pulhez ao afirmar que os atos de violência obstétrica são atos praticados “por profissionais da saúde no que concerne ao corpo e aos processos reprodutivos das mulheres” por intermédio do “abuso de ações intervencionistas, medicalização e transformação patológica dos processos de parturição fisiológicos”.
Ao requerer técnicas invasivas no corpo, o parto amplia o estado emocional da mulher em parturição, requisitando cuidados especiais por parte da equipe médica para que a experiência do parto seja o momento especial para a mulher que se torna mãe e para a criança que dá seus primeiros suspiros de vida. No entanto observa-se que neste momento tão especial para a nova família a mulher e a criança são submetidos a certas situações de desabono e agravo a suas personalidades objetiva assim como subjetiva.
Esses tipos de situações construídas no ambiente hospitalar por agentes do atendimento à saúde, neste caso por obstetras, clínicos gerais, pediatras, enfermeiros e técnicos em enfermagem, que colocam em diminuto os direitos reprodutivos e sexuais da mulher são considerados “violência obstétrica”. Apesar da terminologia ser nova no campo jurídico o termo “violência” remonta a categoria do agravo, uma vez que o abuso, a negligência e a imperícia sustentam o tipo de crime que é cometido contra os direitos reprodutivo e fisiológicos da mulher.
É neste contexto, que se considera “violência obstétrica” os tipos de abusos, praticadas contra a mulher em parturição e ao neonatal, crimes que afetam diretamente os elementos da intimidade e de acesso à saúde da criança.
O termo violência obstétrica agrupa atos de desrespeito, assédio moral e físico, abuso e omissão, e só nos últimos anos vem sendo levado a sério por pioneiros na comunidade dos profissionais de saúde, administradores hospitalares e na Justiça. “Ir para uma instituição para ter filho e ser desrespeitada é um problema de saúde”, diz a obstetra Suzanne Serruya, diretora da Organização Pan-Americana da Saúde.
Ressalta-se que no ano de 2014, a Organização Mundial da Saúde publicou um documento condenando a violência obstétrica, confirmando que essas práticas criminosas foram consideradas normais até o fim do século XX, o que se afigura num absurdo sem precedentes, bom lembrar que nos anos 1990, já havia atenção ao assunto entre defensores de direitos das mulheres, contudo a maior parte da comunidade médica não considerava o tema merecedor de debate, até mesmo por conta do corporativismo que domina a categoria médica como um todo.
Contudo, o primeiro documento científico sobre falta de respeito no parto é de 2000. Ou seja, “Por 30 anos, as mulheres se posicionaram dizendo ‘não queremos ser maltratadas'. Finalmente, conseguiram mover instituições a tomar um posicionamento”, afirma obstetra Suzanne Serruya, diretora da Organização Pan-Americana da Saúde. Insta evidenciar que países como a Venezuela e México, a legislação vigente em ambos países inclui um tópico específico sobre violência obstétrica.
3. SAÚDE, DIGNIDADE E INTEGRIDADE: A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DOS DIREITOS HUMANOS
Conforme o disposto no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 são direitos aplicáveis à mulher em momento de parturição, direito à saúde, direito à dignidade, direito à integridade e direito à privacidade, portanto a parturiente deve ser considerada um sujeito de direitos, que em momento de parto deve ter os elementos objetivos e subjetivos resguardados.
3.1 A parturiente sujeito de direitos
3.1.1 Dignidade
No artigo 1º, inciso II, da Constituição Federal de 1988, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana preceitua que o Estado Democrático de Direito é fundado na dignidade do pessoal humano. Núcleo do sistema constitucional e do sistema jurídico, político e social, o princípio da dignidade da pessoa “envolve todos os aspectos da pessoa, seja no seu aspecto exterior, como na sua individualidade, privacidade e intimidade, assim como o fato de pertencer ao gênero humano, seu aspecto físico, sua etnia” (SCHIAVI, 2011, p. 50).
Depreende-se que tal princípio traduz-se em matriz essencial da República Federativa do Brasil, de sorte que representa o reconhecimento do valor do indivíduo como fundamento de validade harmonizando todo o ordenamento constitucional, consubstanciando todo arcabouço jurídico. (CANOTILHO, 1998, p. 219).
Para Bulos (2012, p. 509) a dignidade da pessoa humana, funciona como vetor agregando em torno de si a unanimidade dos direitos e garantias fundamentais do homem, estatuído na Constituição Federal de 1988.
Alvarenga (2013, p. 99) contribui para o debate ao afirmar que o princípio da dignidade da pessoa humana é próprio do gênero humano “em vista a importância e a extensão do princípio da dignidade humana, como princípio matriz, do qual irradiam todos os direitos fundamentais do ser humano, vinculando o poder público como um todo”.
Constituição Federal de 1988 ao imbuir as normas gerais ao princípio da dignidade da pessoa humana garante o respeito à condição inata do ser humano, e ferir esse respeito significa afrontar a matriz do sistema normativo brasileiro, mister assinalar que ante a instrumentalização obstétrica e neonatal deve ser garantida o respeito à dignidade da parturiente afim de convalidar os direitos fundamentais do ser humano.
3.1.2 Integridade
Disposta no artigo 5º, inciso LXIX, da Constituição Federal de 1988, a integridade física entra no rol dos direitos fundamentais, depreendendo a ideia de que qualquer violência, imperícia, negligência e abuso cometido contra a parturiente e ao neonatal é um agravo cometido à garantia fundamental da integridade física.
Moura (2015, p. 60) afirma que o resguarde da integridade proclamada na Constituição Federal 1988, procura garantir ao cidadão em momentos de necessidade a proteção e segurança básica porque “legitimam sempre a ação do Estado, em prol da sustentação, integridade e observância dos direitos fundamentais. ”
Por analogia, considera-se que a mulher em parturição, sujeito aos atendimentos de saúde necessitam estar amparadas e a elas asseguradas os direitos sexuais e reprodutivos afim de controlar ao mínimo os agravos que possam acometê-la em momento limite. E ao neonatal que ganha vida é necessários cuidados processuais que resguardem sua integridade como recém cidadão.
3.1.3 Direito à Saúde
Nos artigos de 196 ao 200 da Constituição Federal de 1988, é normatizado o direito à saúde como garantia fundamental do Estado Democrático de Direito brasileiro, como dispõe o artigo 196, da Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Assim, o direito à saúde é um direito fundamental de cunho social, sendo obrigação do Estado brasileiro garantir o serviço de acesso e atendimento de saúde à população indistintamente, como especifica o artigo 197 da Constituição Federal 1988), in verbis:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Sendo assim, é obrigação do Estado brasileiro garantir e suprir as redes de acesso e atendimento de saúde por que “o conceito de saúde evoluiu, hoje não mais é considerada como ausência de doença, mas como o complemento do bem-estar físico, mental e sociais do homem” (MOURA, 2015, p. 10).
No entendimento contemporâneo da Organização Mundial de Saúde sobre o direito à saúde vê-se a extensão ao direito à saúde sexual e reprodutiva, pois reconhece-se os vínculos entre o indivíduo e o meio ambiente, porque “a vida sexual possibilita experimentar uma vida sexual informada, agradável e segura, baseada na autoestima, que implica numa abordagem positiva da sexualidade humana e no respeito mútuo nas relações sexuais” (CORRÊA, 2002, p. 09).
Por afinidade, ao assumir o dever de prover, manter as redes de acesso e atendimento à saúde como ponto fundamental para consecução do direito à saúde, o Estado brasileiro também assumi o dever de garantir os cuidados obstétricos às mulheres, estabelecendo metas de prevenção de práticas de violência obstétrica como forma de equacionar e equilibrar o direito à saúde dessa parcela cidadã e o mais importante garantir o respeito à dignidade da pessoa humana e a integridade física e subjetiva da parturiente. É previsto no § 7º, do artigo 226 da Constituição Federal de 1988, in verbis:
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
O artigo 16º da Recomendação Geral nº. 19 do Convention on the Elimination of AII Forms of Discrimination Against Women (CEDAW) recomenda todos os Estados a enfrentarem a desigualdade de gênero:
A violência familiar constitui uma das formas mais insidiosas de violência contra as mulheres. Esta violência é prevalecente em todas sociedades. No seio das relações familiares, as mulheres de todas as idades estão sujeitas a todos os tipos de violência (...) A falta de independência econômica obriga muitas mulheres a permanecerem em relacionamentos violentos. (...). Estas formas de violência colocam a saúde da mulher em risco e prejudicam a sua capacidade de participarem na vida familiar e pública numa base de igualdade (CEDAW, 1994, p. 76).
Nas alienas da Recomendação nº. 19, alienas a e b, a CEDAW obriga todos os Estados a se comprometerem na criação de políticas públicas de combate contra a mulher, vide:
a) Os Estados Partes devem tomar medidas apropriadas e eficazes para superar todas as formas de violência baseada no gênero, quer pelos atos públicos ou privados;
b) Os Estados Partes devem elaborar leis contra a violência e abusos na família, a violação, a violência sexual e providenciar uma proteção adequada a todas as mulheres, em relação a outras formas de violência baseada no género e de respeito pela sua integridade e dignidade. Devem ser providenciados serviços apropriados de proteção e apoio às vítimas. É essencial a capacitação quanto às questões do gênero dos funcionários judiciais e outros responsáveis públicos e agentes da ordem pública, para uma efetiva implementação da Convenção (CEDAW, op. cit.)
No mesmo sentido, aponta-se a Convenção de Belém do Pará que versa sobre a violência contra a mulher. O artigo 1º da referida Convenção conceitua a violência contra a mulher: “para os efeitos desta Convenção, entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.
Em 1995 é realizada em Pequim a Conferencia sobre os direitos da mulher, conforme o “Manual sobre os Direitos da Mulher” (2005), do Ministério da Saúde, os direitos sexuais serão definidos de forma autônoma pela decisão do indivíduo em relação aos direitos reprodutivos. É a partir da Conferencia de Pequim (1995) que o Brasil se comprometeu a basear nos direitos sexuais e nos direitos reprodutivos todas as políticas e os programas nacionais dedicados à população e ao desenvolvimento, inclusive os programas de planejamento familiar.
4. OS DANOS E AS RESPONSABILIDADES: OS DISPOSITIVOS JURÍDICOS DISPONÍVEIS A PARTURIENTE EM CASO DE VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Entende-se por prática de “violência obstétrica” o ato danoso causado por agente de atendimento de saúde, seja ele obstetra, clinico geral, pediatra, enfermeiro, técnico em enfermagem; cometido contra mulher parturiente, onde a vítima apresenta dano físico e/ou moral.
Quanto a isso o ordenamento jurídico nacional não possui um diploma capaz de apresentar as normas de comprovação e punição para crimes cometidos como violência obstétrica, devido a isso, este capítulo apresenta uma leitura civil e penal da violência obstétrica.
O Diploma Civil pátrio roga sobre os danos morais cometidos por médicos e enfermeiros no atendimento obstétrico público e/ou privado, dispondo desde a métrica de indenizações, a responsabilidade civil e a responsabilidade ética. Por este viés ler-se-a à matéria violência obstétrica.
Diante da violência obstétrica pratica fica o agente causador do dano à parturiente responsável de reparar o dano moral perpetrado, neste sentido o médico é obrigado a haver pecúnia indenizatória pela negligencia ou imperícia praticada no exercício laboral, sobre o dano Maria Helena Diniz (2003, p. 153) afirma:
O fundamento primário da reparação está no erro de conduta do agente, no seu procedimento contrário à predeterminação da norma, que atine com a própria noção de culpa ou dolo. Se o agente procede em termos contrários ao direito, desfere o primeiro impulso, no rumo do estabelecimento do dever de reparar, que poderá ser excepcionalmente ilidido, mas que, em princípio, constitui o primeiro momento da satisfação de perdas e interesses. Esse direito lesado, na perspectiva médico-legal, consiste no dano corporal (dano pessoal) que aponta para duas categorias jurídicas: O dano patrimonial ou econômico e dano extrapatrimonial ou não econômico.
Conforme o disposto pela doutrinadora em supra citação o dano moral fundamenta-se na extensão das perdas da parturiente, sendo o dano moral material relativo as pecúnias providenciais de atendimento, como gastos médico hospitalares, incapacidade laborativa provocada pela violência obstétrica, bem como as sequelas resultantes da violência cometida.
Além disso, de acordo com Maria Helena Diniz (2003, p. 55) o dano pode ser caracterizado por “injurias que ofendem a dignidade e a honra das pessoas, a sua reputação; é o caso dos sofrimentos físicos experimentados por causa de ferimentos e na sequencia deles por causa, nomeadamente, de tratamento a dor física. ”
Os sofrimentos ligados a dor, por analogia, podem fundamentar o dano moral, por que os estados de humor ligados a depressão, ao sofrimento e as angustias por conta da perda estendem o limite dos danos, pois evoluem desfavoravelmente no contexto social, familiar e laboral onde a vítima de violência obstétrica se encontra.
Quanto a indenização por prejuízo material e a reparação moral, Diniz (2003, p.57), explica: “primeira na reintegração pecuniária ou ressarcimento strictu sensu, ao passo que a segunda é sanção civil direta ao ofensor ou reparação da ofensa. ”
O obstetra que vier causar danos ou prejuízos (materiais, morais e/ou estéticos) a parturiente, neste caso a mulher figurando na posição de paciente e vítima, durante o exercício laborativa da assistência médica, o Código Civil pátrio obriga o agente do dano de reparar o agravo causado. Neste sentido a obrigação de reparar o dano no exercício laboral em saúde decorre da Responsabilidade Civil de erro médico no momento do parto, onde no sistema jurídico brasileiro essa responsabilidade civil decorre de três pressupostos, da culpa, do dano e do nexo de causalidade.
4. 1 Responsabilização Criminal pela Violência Obstétrica
No Direito Penal Considerando a violência obstétrica práticas danosas cometidas por agentes de atendimento à saúde no momento do parto, onde o agente danoso, obstetra, clínico geral, enfermeiro, técnico em enfermagem utiliza sua posição laborativa no atendimento à saúde para perpetra formas de abuso, negligência, imperícia contra paciente parturiente.
Devido à falta de um diploma especifico para tratar do conteúdo de forma jurídica, recorre-se a codificação penal para antever algumas previsões sobre a materialidade da violência obstétrica.
O primeiro dispositivo penal está previsto no artigo 146 do Código Penal, sobre o constrangimento ilegal, dependendo situação a pratica pode ser dada como agravo físico, in verbis:
Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
Não há como dissociar o fenômeno da violência obstétrica com a infringência ao princípio da dignidade da pessoa humana na pós-modernidade. Diga-se aspectos que envolvem a sua natureza jurídica, seus conteúdos mínimos e o modo como ela serve para estruturar o raciocínio jurídico na resolução de problemas reais, do cotidiano dos cidadãos.
Assim, convém ressaltar que, na medida em que surgem casos concretos de violência obstétrica em que as mulheres vítimas são desrespeitadas em sua dignidade humana, numa relação de vulnerabilidade, potencializada pela humilhação por parte dos médicos que lhes assistem, sua dignidade humana é fulminada, cuja concretude se apresenta na maioria dos casos em danos físicos e psicológicos, de tal sorte que sendo a dignidade da pessoa humana um valor moral que, absorvido pela política, tornou-se um valor fundamental dos Estados democráticos em geral, tal infringência apresenta-se no mínimo absurda em pleno século XXI. Outro dispositivo é previsto no artigo 61, inciso II, aliena h, que reza:
“Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime, II - ter o agente cometido o crime, h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida. ”
Ao se concretizar a violência obstétrica são desrespeitados os conteúdos mínimos da dignidade humana, qual seja, o valor intrínseco da pessoa humana, a autonomia da vontade e o valor comunitário. A mulher tem retirada do seu plano individual o valor intrínseco que é o elemento ontológico da dignidade, traço distintivo da condição humana, do qual decorre que todas as pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para a realização de metas coletivas ou propósitos de terceiros.
Desse modo, a inteligência, a sensibilidade e a capacidade de comunicação são atributos únicos que servem de justificação para essa condição singular, no caso do intimo feminino, de tal sorte que se extrai do valor intrínseco direitos fundamentais como o direito à vida, à igualdade e à integridade física e psíquica, especialmente lesados por essa conduta abominável, realizado pelos profissionais da área de saúde, especialmente médicos. Existe, ainda, o recurso previsto no artigo 129, § 1º, inciso IV, in verbis:
Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses a um ano.
§ 1º Se resulta: I - Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;
II - Perigo de vida; III - debilidade permanente de membro, sentido ou função; IV - Aceleração de parto.
Ao acelerar o parto a integridade da mulher é vilipendiada, a autonomia da vontade que representa o elemento ético da dignidade humana, vinculado à capacidade de autodeterminação do indivíduo, ao seu direito de fazer escolhas existenciais básicas, como por exemplo, o direito que a mulher tem de fazer as opções que entenda melhor para o seu corpo no momento do parto sem sofrer danos.
As parturientes detendo a capacidade de fazer valorações morais e de cada um pautar sua conduta por normas que possam ser universalizadas, de modo que essa autonomia tem uma dimensão privada, inerente aos direitos e liberdades individuais, e do mesmo modo uma dimensão pública, sobre a qual se apoiam os direitos.
No âmbito do direito das mulheres cabe dizer que o exercício adequado da autonomia pública e privada é o mínimo existencial, isto é, a satisfação das necessidades vitais básicas, que em se tratando da violência obstétrica é totalmente inobservado.
Em decorrência da violência obstétrica a mulher se sente violentada em seu íntimo, e no aspecto psicológico torna-se vulnerável, dificultando sua volta ao convívio social de forma sadia, de sorte que o denominado valor comunitário, sendo este o elemento social da dignidade humana, identificando a relação entre o indivíduo e o grupo, resta totalmente abalado, tornando-se vulnerabilidades sob o angulo dos valores compartilhados pela comunidade, assim como às responsabilidades e deveres de cada um, dentro do convívio social.
5 A RESPONSABILIDADE PELO DANO: O DEBATE JURISPRUDENCIAL SOBRE A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Como demonstrado na presente redação deste trabalho, a violência obstétrica padece de tratamento jurídico único dentro do ordenamento jurídico brasileiro, a conta da insuficiência unitária legislativa para o tratamento da matéria é debitada na forma de outros instrumentos jurídicos que incluem reparar os danos físicos, psicológicos e/ou materiais sofridos pela mulher na gestação ou na parturição, e estabelecer as responsabilidades dos agentes de saúde que provocaram o agravante contra a dignidade, a integridade física e psicológica da paciente e limitaram o direito constitucional à saúde do indivíduo.
O primeiro caso em tela de reparação dos danos ao qual lança-se vista e apreciação neste trabalho é do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, referente à responsabilidade civil com prerrogativa indenizatória a favor da vítima (parturiente):
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO MÉDICO. ERRO NA CONTAGEM DA IDADE GESTACIONAL. REALIZAÇÃO DE PARTO PREMATURO EM HOSPITAL QUE NÃO DISPUNHA DE CTI NEONATAL. COMPLICAÇÕES RESPIRATÓRIAS NA RECÉM-NASCIDA. MEMBRANA HIALINA. ÓBITO. FALHA NO DEVER DE INFORMAR. DESRESPEITO A AUTONOMIA DA VONTADE. DANO MORAL CONFIGURADO. DEVER DE INDENIZAR. Falha na prestação do serviço médico em razão de erro cometido por obstetra que, ao se equivocar no cálculo da idade gestacional da autora, antecipou o parto, mediante a realização de cesariana, sem considerar os riscos decorrentes do nascimento prematuro do bebê, que veio a falecer em decorrência de complicações respiratórias. Recém-nascido que, em razão da prematuridade, apresentou deficiência respiratória e por isso necessitava de atendimento em CTI neonatal, que não havia no hospital demandado. Necessidade de remoção um dia após o nascimento para outra unidade hospitalar, tendo lá desenvolvido infecções que levaram ao óbito. Ao avaliar que a gestante estava com 39 semanas, a médica antecipou o parto sem considerar a falta de condições de o hospital abrigar recém-nascido que, na realidade, contava com 36 semanas de gestação. Ausência de comprovação de esclarecimentos que deveriam ter sido prestados à autora acerca dos riscos da doença diagnosticada e do nascimento prematuro do bebê. Desrespeito à autonomia da vontade, que, aliado à comprovação do erro de avaliação da médica e o nexo de causalidade entre o nascimento prematuro e o óbito do recém-nascido, configuram o dever de indenizar. Responsabilidade objetiva do hospital pela falha do serviço por médico integrante de seu corpo clínico. [...]. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. Apelação Cível Nº 70056595937, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 14/05/2014.
O dever indenizatório no caso em tela se deu face a responsabilidade civil dos agentes de saúde que erraram o cálculo do tempo de gestação da vítima e “sem considerar os riscos decorrentes do nascimento prematuro do bebê” realizaram a cesariana “sem considerar os riscos decorrentes do nascimento prematuro do bebê, que veio a falecer em decorrência de complicações respiratórias. ”
Outro caso ilustrativo é do Tribunal de Justiça de São Paulo, quando a violência foi cometida durante o parto ao qual gerou graves sequelas ao feto, vide:
RESPONSABILIDADE CIVIL – PARTO NATURAL – FETO EM POSIÇÃO LONGITUDINAL (SENTADO) – COMPLICAÇÕES QUE GERARAM LESÃO IRREVERSÍVEL NA CRIANÇA – Criança que sofre enfermidade decorrente das complicações do parto, com graves sequelas – Conjunto probatório que configura o dever da ré de indenizar os danos materiais e morais sofridos pelo autor – Recurso da Prefeitura Municipal não conhecido. Preliminar afastada. Recurso do Hospital Infantil improviso. (TJ-SP - APL: 00092861020108260565 SP 0009286-10.2010.8.26.0565, Relator: Moacir Peres. Data de Julgamento: 26/10/2015, 7ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 28/10/2015)
Neste caso a responsabilidade civil recaiu a Prefeitura de São Paulo que foi a responsável pelos danos provocados ao feto, e que devido às complicações no parto o mesmo apresentou complicações de saúde, nesse sentido o dever de indenizar recaiu por danos morais e materiais, e acima de tudo, ao dano estético provocado por má condução do parto.
Acompanhando esse entendimento, a indenização por danos morais, materiais e estéticos parte da premissa de que cada pressuposto levantado no atendimento de saúde gera o entendimento de que tal conduta violou os direitos da parturiente, é o que se verifica no caso abaixo:
RESPONSABILIDADE CIVIL. NEGLIGÊNCIA MÉDICA-HOSPITALAR. PARALISIA OBSTÉTRICA. LESÃO CAUSADA NO MOMENTO DO PARTO. FA LTA DE CUIDADOS E A COMPANHAMENTO MÉDICO INDISPENSÁVEIS APÓS O DIAGNÓSTICO. DEVER DE INDENIZAR EXISTENTE. 1. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. Rejeito a preliminar de nulidade de sentença por cerceamento de defesa, com base no art. 243, parte final do Codigo Processo Civil. 2. DO REGIME DE RESPONSABILIDADE. A responsabilidade do estabelecimento médico-hospitalar, mesmo sendo objetiva, depende da comprovação de que houve efetivamente uma falha na prestação de seus serviços. E isso ocorre pela prova da atuação culposa do médico ou de algum outro preposto do hospital. 3. DO CASO CONCRETO. A prova pericial revelou que houve negligência dos prepostos do hospital que prestaram atendimento ao autor, por ocasião de seu nascimento. Após o parto, foi feito o diagnóstico de paralisia obstétrica decorrente de lesão no plexo braquial. Essa lesão, se não for adequadamente tratada desde o início da vida do bebê, faz com que a pessoa sofra restrições motoras nos membros superiores. No caso dos autos, a negligência vem introduzida justamente pela circunstância de que os prepostos do hospital fizeram o diagnóstico da lesão logo após o parto, porém, deram alta ao bebê, sem enfatizar e informar sobre a indispensabilidade de acompanhamento médico e outras medidas terapêuticas necessárias. Hoje, anos após a lesão havida no parto, a vítima apresenta restrição irreversível nos membros superiores. Daí a caracterização do ato ilícito civil. 4. Mantido o julgamento de parcial procedência do pedido indenizatório. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DESPROVIDO. UNÂNIME. Apelação Cível Nº 70037514452, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Iris Helena Medeiros Nogueira, Julgado em 25/08/2010.
Como se observou nos três casos o Código Civil, muito aplicado nos casos de violência obstétrica na falta de um diploma que trate do fato, predispõe a obrigação de reparar os danos físicos, materiais e morais cometidos quando na má conduta médica no atendimento pré-natal e no momento da parturição, tendo como pressupostos dessa reparação, a culpa, o dano e o nexo de causalidade.
No material apresentado nesta sessão se localizou o debate jurídico sobre a violência obstétrica cometida por agente de atendimento de saúde que perante ao Código Civil ensejou o dever de reparar, portanto na falta de um diploma jurídico sobre a violência obstétrica, o ordenamento jurídico brasileiro recorre a outros instrumentos garantidos para manter o controle dos direitos e dos deveres dos indivíduos.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante o exposto, cabe-nos fazer um balanço do percurso realizado, daquilo que se pode enriquecer na compreensão do objeto proposto e do que se percebe de lacunas; o que confirma as impressões iniciais do estudo e as surpresas e os novos estranhamentos trazidos pelo caminho percorrido. Ao se concretizar a violência obstétrica são desrespeitados os conteúdos mínimos da dignidade humana, qual seja, o valor intrínseco da pessoa humana, a autonomia da vontade e o valor comunitário. A mulher tem retirada do seu plano individual o valor intrínseco que é o elemento ontológico da dignidade, traço distintivo da condição humana, do qual decorre que todas as pessoas são um fim em si mesmas, e não meios para a realização de metas coletivas ou propósitos de terceiros.
Desse modo, a inteligência, a sensibilidade e a capacidade de comunicação são atributos únicos que servem de justificação para essa condição singular, no caso do intimo feminino, de tal sorte que se extrai do valor intrínseco direitos fundamentais como o direito à vida, à igualdade e à integridade física e psíquica, especialmente lesados por essa conduta abominável, realizado pelos profissionais da área de saúde, especialmente médicos.
Nesta discussão sobre os alcances e limites do percurso feito neste trabalho, discutiremos, em primeiro lugar, quais os fatores identificados como limites e obstáculos às propostas de humanização, e quais aqueles que se mostraram como facilitadores de sua implementação. O primeiro é a dignidade das mulheres fragilizadas por tal conduta lastimável, enquanto o valor comunitário que funcionaria como um limite às escolhas individuais, dentre os quais a proteção do indivíduo em relação a atos que possa praticar capazes de afetar a ele próprio (condutas autorreferentes), a proteção de direitos de outras pessoas e a proteção de valores sociais, dos ideais de vida boa de determinada comunidade.
Certo que as mulheres nessa condição são vítimas da tirania e do falso moralismo dos médicos, sendo que como o desiderato de mitigar os riscos do moralismo e da tirania dessa maioria, a imposição de valores comunitários deverá levar em conta a existência ou não de um direito fundamental em jogo, a existência de consenso social forte em relação à questão e a existência de risco efetivo para direitos de terceiros. Salientamos que as mulheres são verdadeiras vítimas das circunstâncias, e presas fáceis, tornando-se reféns desses médicos criminosos, considerando que a identificação da dignidade como um princípio jurídico e a determinação de seus conteúdos mínimos pode servir, dentre outras coisas, e em primeiro lugar, para unificar a utilização da expressão no âmbito doméstico e internacional, objetivando obstar a maximização da violência obstétrica.
Indicamos algumas das lacunas do percurso e questões para novas pesquisas, assim como os temas que emergiram como questões fundamentais, mas que não foram tratadas ou foram abordadas muito superficialmente no âmbito deste trabalho. De modo a contribuir para estruturar uma tese na solução de casos difíceis, como o da violência obstétrica, é permitindo que se identifique cada um dos elementos relevantes, agrupando-os de acordo com cada conteúdo associado à dignidade, leia-se princípio da dignidade da pessoa humana, de tal sorte possa impor uma maior transparência ao processo decisório, infelizmente ilegalmente posto a cargo dos médicos, possibilitando um controle mais eficiente, na busca incessante de não permitir que a violência obstétrica ocorra.
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Graduando do curso de Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - ULBRA.
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