RESUMO: Este artigo científico tem como finalidade discutir e comprovar, por meio de fundamentos jurídicos, o reconhecimento da adoção monoparental com todos os efeitos decorrentes da relação parental. Visa demonstrar a possibilidade da existência de múltiplos vínculos parentais em relação ao estado de filiação, sendo ela presumida, biológica ou afetiva, de acordo com a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002, o Estatuto da Criança e do Adolescente e outras leis relacionadas ao tema, como a Lei nº 6.015 de 1973 de Registros Públicos a qual é considerada de suma importância para o esclarecimento mais aprofundado da matéria, com o objetivo de demonstrar que é possível existir a parentalidade socioafetiva. Grandes são os problemas que ocorrem nas listas de adoção, como a árdua espera para ser adotado, não podendo mais este tipo de adoção viver com estes tipos de barreiras. Com isso, nesta monografia que ora se apresenta, mostrará que o conceito de pessoa solteira mudou, as condições e as necessidades para se adotar também mudaram, não havendo nenhuma expressão legal que proíba tal espécie de adoção. Tudo isso numa análise prismática, mostrando os fortes elos entre os princípios citados e a adoção monoparental. Ao final, conclui-se que o ordenamento jurídico precisa normatizar este tipo de adoção explicitamente, não precisando mais buscar na lei geral, ampla, a fundamentação necessária para justificar tal ato.
Palavras-chave: Adoção; Monoparentalidade; Direito de Familia.
ABSTRACT: This scientific article aims to discuss and prove, through legal grounds, the recognition of single parent adoption with all the effects arising from the parental relationship. It aims to demonstrate the possibility of the existence of multiple parental ties in relation to the state of affiliation, whether presumed, biological or affective, according to the Federal Constitution of 1988, the Civil Code of 2002, the Statute of the Child and Adolescent and other laws related to the topic, such as Law No. 6,015 of 1973 on Public Records, which is considered of paramount importance for the further clarification of the matter, in order to demonstrate that it is possible to have socio-affective parenting. Great are the problems that occur in the adoption lists, such as the arduous waiting to be adopted, and this type of adoption can no longer live with these types of barriers. With this, in this monograph that is now presented, it will show that the concept of single person has changed, the conditions and needs to adopt have also changed, with no legal expression that prohibits such kind of adoption. All of this in a prismatic analysis, showing the strong links between the aforementioned principles and single parent adoption. In the end, it is concluded that the legal system needs to standardize this type of adoption explicitly, no longer needing to look in the broad, general law, the necessary reasoning to justify such an act.
Keywords: Adoption; Single parenting; Family right.
SUMARIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. ASPECTO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO FAMILIAR; 2.1 Família Romana; 2.2 Família Medieval. 3. MODALIDADES DE FAMÍLIA; 3.1 Da União Estável; 3.2 Família Monoparental; 3.3 Família Anaparental. 4. DA ADOÇÃO; 4.1 Conceito. 4.2 ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES MONOPARENTAL. 5.CONSIDERAÇÕES FINAIS. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A família possui uma importância fundamental, pois constitui o alicerce da sociedade, tendo, portanto, grande responsabilidade no processo de socialização da criança. A escola e família são indispensáveis na formação do indivíduo, pois é participando da vida em grupo que este aprende a viver em sociedade.
A sociedade tem passado por diversas transformações e muitas delas têm refletido no modelo familiar considerado “ideal”, surgindo novas modalidades de família buscando sempre a melhor forma de integração e formação da criança e a sua adaptação na coletividade.
Vale ressaltar que não houve uma simples transformação na família, mais que isso, houve uma modificação no comportamento da sociedade, com reflexos diretos no Judiciário, que acabou por reconhecer a existência não só de uma, mas de várias espécies de famílias, visto que o ordenamento jurídico tem recepcionado diferentes institutos familiares que apresentem como finalidade o desenvolvimento e proteção daqueles que dela fazem parte.
A adoção monoparental é uma realidade que, a cada dia que passa, alimenta ainda mais as pessoas solteiras. O fato de não querer, ou não poder manter um relacionamento conjugal, seja ele formal ou não, não impede o solteiro de traçar planos que possibilitem exercer a paternidade ou a maternidade.
Os meios procedimentais não diferem muita coisa dos que são tomados nos outros tipos de adoção. As exigências podem ser ampliadas no que se refere ao contexto familiar do adotante, onde o adotado vai interagir e viver. Requisitos como um ambiente agradável, hábil para recepcionar um novo membro entre outros, facilitam para que seja logrado sucesso na adoção.
Não divergindo dos demais tipos de adoções, o referencial a princípios básicos, que regem em tal instituto, como o do melhor interesse da criança e do adolescente, da capacidade do adotante para que seja exercida uma paternidade saudável, responsável, e outros, devem ser observados, a ponto de se tornar inviável a adoção caso não haja a presença cumulativa dos mesmos.
Tal tipo de adoção surge conjuntamente com a possibilidade de novas estruturas familiares, sempre existentes e previstas na Constituição brasileira de 1988, possibilitando as pessoas solteiras começarem a assumir juridicamente novos papéis no seio da família, absorvendo responsabilidades e distribuindo afeto, na criação dos seus filhos adotivos.
Como em tudo que há, as flores não conseguem perfumar todos os ambientes, e algumas dificuldades e constrangimentos podem aparecer, manifestados por pessoas sem sensibilidade, marcadas pela ignorância e mediocridade. Esses problemas, com certeza, são muito maiores que os problemas decorrentes de se criar um filho só, sem ter uma das figuras, paterna ou materna, na formação da criança ou do adolescente.
2. ASPECTO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO FAMILIAR
Todo homem, a partir do momento em que nasce, passa a fazer parte integrante de uma instituição natural, uma organização familiar. A ela permanece ligado durante toda sua vida, ainda que venha a constituir família pelo casamento.
Os desdobramentos decorrentes das relações construídas entre os componentes da referida organização, originam um conjunto de arranjos, pessoais e patrimoniais, que formam o objeto do Direito das Famílias.
“A família é sem sombra de dúvida, o elemento propulsor de nossas maiores felicidades e, ao mesmo tempo, é na sua ambiência em que vivenciamos as nossas maiores angústias, frustrações, traumas e medos” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 38).
Ao longo do tempo, o Direito vem evoluindo, buscando propiciar harmonia entre os indivíduos que compõem uma família, objetivando a evolução de cada um, no sentido de que sejam reconhecidos como cidadãos capazes de construir um futuro digno e produtivo.
A conceituação de família nunca foi algo estático, haja vista as constantes mudanças ocorridas nas sociedades. A seguir apresentam-se então alguns conceitos e definições. Para Rodrigues (2002, p. 4-5) a expressão família,
É usado em vários sentidos. Um é o modo mais amplo, onde família é aquela formada por todas as pessoas ligadas por um vínculo de consanguinidade, providas de um tronco ancestral comum. E num modo mais limitado, é compreendido família os consanguíneos em linha reta e os colaterais até o quarto grau. E também o modo mais restrito, onde constitui família o conjunto de pessoas compreendido pelo pai e sua prole.
Para Diniz (2008, p. 12) “família é o grupo fechado de pessoas, composto de pais e filhos, e, para efeitos limitados, de outros parentes, unidos pela convivência e afeto numa mesma economia e sob a mesma direção”.
Gomes (2002, p. 36) leciona que:
Não há mais no direito brasileiro a restrição do conceito de família ao núcleo de pessoas vinculadas ao instituto do casamento. A família que hoje merece tutela da ordem jurídica é, indistintamente, a que se origina do casamento, como a que se forma a partir da união estável entre o homem e a mulher, ou a que simplesmente se estabelece pelo laço biológico de paternidade ou pelo liame civil da adoção.
Segundo Lôbo (2002, p. 96), “a família é um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade após o desaparecimento da família patriarcal, que desempenhava funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas”.
Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, obrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação (DIAS, 2010, p. 39).
No ponto de vista de Nogueira (2001, p. 5) compreende-se como família:
Nova estrutura jurídica que se forma em torno do conceito de família sócio afetiva, a qual alguns autores identificam como “família sociológica”, onde se identificam, sobretudo, os laços afetivos, solidariedade entre os membros que a compõe, família em que os pais assumem integralmente a educação e a proteção de uma criança, que independe de algum vínculo jurídico ou biológico entre eles.
Como regra geral, o Direito Civil moderno apresenta uma definição mais restrita, considerando membros da família as pessoas unidas por relação conjugal ou de parentesco. As legislações definem, por sua vez, o âmbito do parentesco.
O direito de família estuda, em síntese, as relações das pessoas unidas pelo matrimônio, bem como aquelas que convivem em uniões sem casamento; dos filhos e das relações destes com os pais, da sua proteção por meio da tutela dos incapazes por meio da curatela (VENOSA, 2006, p. 18).
Importa considerar a família em um conceito amplo, como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por um vínculo jurídico de natureza familiar, porém esse conjunto não recebe tratamento pacífico e uniforme. A ordem jurídica enfoca-a em razão de seus membros, ou de suas relações recíprocas (PEREIRA, 2012, p. 21).
Do disposto no art. 226 da Constituição Federal, Madaleno (2008, p. 05) pontua que:
A família é a base da sociedade e por isso tem especial proteção do Estado. A convivência humana está estruturada a partir de cada uma das diversas células familiares que compõem a comunidade social e política do Estado, que assim se encarrega de amparar e aprimorar a família, como forma de fortalecer a sua própria instituição política.
Entende-se, portanto, que a família é uma sociedade natural formada por indivíduos, unidos por laços de sangue ou de afinidade. Os laços de sangue resultam da descendência. A afinidade se dá com a entrada dos cônjuges e seus parentes que se agregam à entidade familiar pelo casamento.
2.1 Família Romana
No direito romano a família era organizada sob o princípio da autoridade. O pater famílias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte. Podia desse modo, vendê-los, “[...] impor-lhes castigos, penas corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordinada à autoridade do chefe da família e podia ser repudiada por ato unilateral deste” (GONÇALVES, 2007, p. 15).
O pater comandava todos os seus descendentes, sua esposa, bem como as mulheres casadas com seus descendentes. A família era compreendida como uma unidade econômica, religiosa, política e jurisdicional, onde o ascendente comum mais velho exercia ao mesmo tempo a função de chefe político, sacerdote e juiz, e, além disso, comandava e celebrava o culto dos deuses domésticos e distribuía justiça.
A organização do pater famílias, portanto, baseava-se na autoridade familiar ilimitada, tendo como objetivo apenas o interesse do chefe de família, concentrando-se na figura do pai, caracterizando o patriarcalismo. Discorrendo sobre essa autoridade Rizzardo (2004, p. 898) ensina que:
[...] representava um poder incontrastável, detentor de uma autoridade sem limites, na medida em que nem mesmo o Estado era capaz de lhe tolher tal característica. A esposa, os filhos, os demais descendentes e os escravos eram considerados personae alieni juris, ou seja, não possuíam qualquer direito. Sobre eles, o pai romano detinha, inclusive, o direito sobre a vida e a morte.
Portanto, significava a inteira submissão dos entes da família em relação ao chefe familiar, sendo este a autoridade maior, o dono e senhor de tudo, inclusive de seus bens patrimoniais.
Com o tempo, a severidade das regras foi atenuada, conhecendo os romanos o casamento sine manu, que era o casamento que se dava sem a subordinação da mulher à família do marido, nesse modelo de casamento a mulher tinha a permissão de usufruir de seus bens sem nenhuma forma de dominação. “Com o Imperador Constantino, a partir do século IV, instala-se no direito romano a concepção cristã da família, na qual predominavam as questões de ordem moral” (RIZZARDO, 2004, p. 898). Aos poucos foi então a família romana evoluindo no sentido de se restringir progressivamente a autoridade do pater, dando-se maior autonomia à mulher e aos filhos, passando estes a administrar os pecúlios castenses (vencimentos militares) (PEREIRA, 2012).
Em matéria de casamento, os romanos entendiam ser necessária a affectio não só no momento de sua celebração, mas enquanto perdurasse. A ausência de convivência, o desaparecimento da afeição era, assim, causa necessária para a dissolução do casamento pelo divórcio. Os canonistas, no entanto, opuseram-se à dissolução do vínculo, pois consideravam o casamento um sacramento, não podendo os homens dissolver a união realizada por Deus (GONÇALVES, 2007).
Não se conhece praticamente nenhuma sociedade em que a família elementar (nuclear) não tenha desempenhado papel importante. Como união mais ou menos duradoura e socialmente aprovada de um homem, de uma mulher e seus filhos, a família é um fenômeno universal, presente em todos os tipos de sociedade (ROUDINESCO, 2003, p. 13).
Outra demonstração dessa força, no convívio familiar, é a própria expressão utilizada para designar a família no período romano: famulus,1 que significava o conjunto de pessoas e escravos submetidos ao poder do pater, bem como o conjunto de bens que compunha o patrimônio familiar·.
Além dessa característica que remete invariavelmente à ideia de propriedade, a religião exerceu forte influência na formação cultural daquele povo e, consequentemente, na construção dos “laços” familiares daquela época.
A influência da religião na formação familiar mostra-se latente pelos poderes extremos outorgados ao pater famílias, que além de chefe (caput) da família, era juiz (domesticus magistratus) e sacerdote (pontifex) do culto familiar. Além disso, há que se levar em consideração a forma de transmissão desses poderes, uma vez que dependia do adimplemento de dois requisitos para ser considerada válida: a) o sucessor deveria ser do sexo masculino; e, b) deveria ter sido apresentado pelo pater famílias, junto ao fogo sagrado, como legítimo sucessor junto ao altar do seu Deus Lar (FUJITA, 2010, p. 13).
A religião considerava o poder familiar do pater um sacramento, mas, “com a separação entre Igreja e Estado, passou a ser regido pelo direito civil, e não mais pelo direito canônico, apesar de guardar, desde então, íntima relação com os princípios básicos estabelecidos pela doutrina cristã” (BITTAR, 2006, 57), e universalmente sufragados pelos povos ligados à tradição romana.
Percebe-se, portanto, que a filiação não estava relacionada unicamente ao vínculo sanguíneo, mas sim ao rito de apresentação daquele novo ser perante o fogo sagrado, que representava o Deus Lar e era composto por todos os familiares que já haviam falecido e que, por terem sido enterrados em local próprio, recebido as preces adequadas e recebido o repasto fúnebre, conforme previa a religião, protegiam e auxiliavam a caminhada dos descendentes ainda vivos.
2.2 Família Medieval
Durante a Idade Média, as relações familiares, não obstante a influência das normas romanas no que concerne ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges, regia-se exclusivamente pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o único reconhecido, observando-se também uma crescente importância das regras do direito germânico.
Pode-se dizer que a família brasileira, em seu atual conceito, sofreu influência da família romana, da família canônica e da família germânica. É notório que o direito das famílias foi fortemente influenciado pelo direito canônico, como consequência, principalmente, da colonização portuguesa. “As Ordenações Filipinas foram a principal fonte e traziam a forte influência do aludido direito, que atingiu o direito pátrio” (ROUDINESCO, 2003, p. 13). Não restam dúvidas que as estruturas familiares são conduzidas pelas variações temporais.
Só recentemente, em função das grandes transformações históricas, culturais e sociais, o direito de família passou a seguir rumos próprios, com as adaptações a nossa realidade, perdendo aquele caráter canonista e dogmático intocável e predominando “a natureza contratualista”, numa certa equivalência, quanto à liberdade de ser mantido ou desconstituído o casamento (RIZZARDO, 2004, p. 7-8).
A família traz consigo uma dimensão biológica, espiritual e social, afigurando-se necessário, por conseguinte, sua compreensão a partir de uma feição ampla, considerando suas peculiaridades (FARIAS; ROSENVALD, 2010).
3. MODALIDADES DE FAMÍLIA
Pensar em família ainda traz à mente o modelo convencional: “um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos. Mas essa realidade mudou. Hoje, todos já estão acostumados com famílias que se distanciam do perfil tradicional” (DIAS, 2010, p. 38).
A vastidão de mudanças das estruturas políticas, econômicas e sociais produziu reflexos nas relações jurídico-familiares. Os ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo voltaram-se à proteção da pessoa humana. A família adquiriu função instrumental para melhor realização dos interesses afetivos existentes entre seus componentes (GAMA, 2003, p. 101).
A Constituição Federal de 1988, rastreando os fatos da vida, viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das constituídas pelo casamento. “Assim enlaçou no conceito de família e emprestou especial proteção à união estável (CF 226, § 3º) e à comunidade formada por qualquer um dos pais com seus descendentes (CF 226, § 4º)” (DIAS, 2010, p. 39). No entanto, os tipos de entidades familiares são meramente exemplificativos, admitindo-se outras manifestações familiares (LÔBO, 2002).
3.1 Da União Estável
A união estável é o relacionamento entre homem e mulher que não sejam impedidos de casar. A principal característica dessa modalidade é a sua informalidade, visto que não precisa ser registrada, entretanto, também é permitido o registro quando solicitado pelo casal.
Essas estruturas familiares, ainda que rejeitadas pela lei, acabaram aceitas pela sociedade, fazendo com que a Constituição albergasse no conceito de entidade familiar o que chamou de união estável, mediante a recomendação de promover sua conversão em casamento (DIAS, 2010, p. 47).
Adequando-se ao art. 226, § 3º da Constituição Federal de 1988, o atual Código Civil, no Livro IV (Do direito de Família), abre um título para “união estável” (Título III); extingue o conceito de “casamento legítimo” para aceitar também a união estável como entidade familiar. No entanto, diferencia esta última do concubinato, definindo este, no art. 1.727, como sendo “as relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar”; e aquela no art.1.723 como sendo “a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
O termo companheiro (o) é utilizado para aqueles que vivem em união estável. Quanto à definição dada a esta entidade familiar, o Código volta a tempos passados, segue a definição dada pela Lei 8.971/94, enquanto que, na Lei nº 9.278/96, que regulamentou o § 3º, do art. 226 da Constituição, o termo era convivente.
Como a lei 9.278/96, o atual Código Civil não fixa prazo, lapso temporal, para obtenção dos efeitos jurídicos da união. Quanto a esta questão:
Seria interpretação restritiva e inconcebível vir a lei infraconstitucional, reguladora do instituto, impor prazo mínimo, para o reconhecimento dessa entidade familiar. Na verdade, o conceito "estável", inserido no pergaminho constitucional, não está a depender de prazo certo, mas de elementos outros que o caracterizem, como os constantes do art. 1º da Lei nº 9.278/96 (FIUZA, 2003, p. 537).
O § 1º, do art. 1.723 dispõe: “A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521, não se aplicando a incidência do inciso VI, no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente”.
Portanto, pode-se constatar que não há mais o impedimento quanto à constituição de uma união estável com um (a) companheiro (a) casado (a), mas “separado (a) de fato”, como a Lei nº 8.971/94 proibia, ao se referir em seu art.1º, expressamente, a "um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo".
Houve um avanço, pois existem inúmeras pessoas que, mesmo impedidas de casar, face não estarem divorciadas, encontra-se em união estável com outrem, porquanto, há muito tempo separadas de fato ou judicialmente do seu cônjuge, constituindo nova família por relações sócias afetivas consolidadas (FIUZA, 2003).
3.2 Família Monoparental
Compreende-se como família monoparental a entidade familiar constituída por um único progenitor que cria e educa sozinho de seus filhos, sendo essa unidade decorrente de uma situação voluntária ou não (REVISTA JURÍDICA, 2015).
A família monoparental foi reconhecida no parágrafo 4º, art. 226 da Constituição Federal, como entidade familiar e de acordo com a mesma é conceituada como “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
O surgimento da família monoparental decorre de vários fatores, podendo ser fruto de uma decisão voluntária ou involuntária. Nesse sentido, Madaleno (2008, p. 07) esclarece que:
A monoparentalidade, no entanto, não decorre exclusivamente das separações e dissenções conjugais e afetivas, sendo identificada no processo unilateral de adoção, ou na inseminação artificial de mães solteiras ou descompromissadas e de doadores anônimos de material genético.
Segundo a concepção de Pereira (2012, p. 21), a monoparentalidade deriva da própria “liberdade dos sujeitos de escolherem suas relações amorosas” o que sintoniza o seu reconhecimento enquanto família com as próprias garantias constitucionais.
A família monoparental não possui fundamento jurídico no Código Civil Brasileiro, porém, existe na Constituição Federal e também no Projeto do Estatuto das Famílias.
O Projeto do Estatuto das Famílias conceitua a família monoparental em seu artigo 69, § 1º (BRASIL, 2013):
Art. 69. As famílias parentais se constituem entre pessoas com relação de parentesco entre si e decorrem da comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar.
§ 1.° Família monoparental é a entidade formada por um ascendente e seus descendentes, qualquer que seja a natureza da filiação ou do parentesco.
Este novo conceito de família tornou-se forte historicamente, após as grandes guerras, pois várias mulheres tonaram-se viúvas e tiveram que cuidar de seus filhos sozinhas.
Após várias pesquisas, pode-se concluir que no Brasil, as famílias monoparentais são, em sua maioria, chefiadas por mulheres, como demonstra os dados fornecidos pelo IBGE (CORREIA, 2016): “Em 1970, 82,3% das famílias monoparentais eram chefiadas por mulheres e 17,7% por homens, já em 2003 a proporção é de 95,2% de mulheres e 4,6% de homens”.
Com estes dados supramencionados nota-se, claramente, que as mulheres vêm se tornando cada vez mais chefes de famílias ao longo dos anos, existindo um crescente aumento das famílias monoparentais.
A doutrina cita os motivos da causa do crescimento da família monoparental (LOBO, 2008, p. 41): “Aponta como causa disso a maior facilidade para os homens do que para as mulheres em reconstituírem novas uniões estáveis, consequentemente formando novas famílias segundo o modelo tradicional (pai, mãe e filho)”.
Outro importante fato gerador da monoparentalidade é o de que os homens, conforme dados do IBGE (CORREIA, 2008), estão morrendo mais cedo do que as mulheres e a consequência disso é que elas ficam viúvas, tendo que criar seus filhos sozinhas. Considere-se também o grande número de separação entre casais na sociedade atual, abandono ou morte de um dos cônjuges, viuvez, adotante solteiro, dentre outros.
3.3 Família Anaparental
A modalidade de família anaparental constitui a possibilidade de construção de uma entidade familiar mesmo sem a presença de um dos pais. Lobo (2008) traz o conceito desse tipo de estrutura familiar como a união de parentes e pessoas que convivem em interdependência afetiva, sem pai ou mãe que a chefie, especialmente no caso de grupo de irmãos após o falecimento ou abandono dos pais.
A convivência sob o mesmo teto, durante longos anos, por exemplo, de duas irmãs que conjugam esforços para a formação do acervo patrimonial constitui uma entidade familiar (DIAS, 2007).
Existem outros parâmetros para o reconhecimento desse instituto. Dias (2007, p. 41) amplia o conceito ao afirmar que “a convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família anaparental"
Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável (DIAS, 2007).
4. DA ADOÇÃO
4.1 Conceito
São diversos os conceitos de adoção, variando conforme as múltiplas interpretações que existem sobre tal instituto.
A adoção no direito romano, em sentido lato, significa colocar uma pessoa sob a pátria potestas, podendo reincidir sobre pessoa alheia (alieni júris), a adoção propriamente dita, ou sobre outra pessoa que tenha capacidade jurídica para praticar, por si, os atos da vida civil (sui júris). A doção propriamente dita é colocar a criança ou o adolescente sobre os cuidados de outra pessoa, responsável pela vida civil, sob outro pátrio poder. É marcada, sendo assim, pela transferência do adotado de pátrio poder, dos cuidados advindos do responsável civil.
Trata-se da medida mais comum de colocar uma criança ou adolescente numa família substituta, onde a convivência mostra-se como um fator de extrema relevância na concessão de tal instituto. Como bem assevera Maria Berenice Dias:
“É permitida a colocação de crianças e adolescentes no que é chamado de família substituta, não sendo definida a conformação dessa família. Limita-se a Lei a definir o que seja família natural, não se podendo afirmar que esteja excluída de tal conceito a família homoafetiva. De qualquer modo, diante da definição da família natural, descabe concluir que a família substituta deve ter a mesma estrutura.”
A jurista Maria Helena Diniz[9], assevera que:
“A adoção vem a ser o ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que geralmente lhe é estranha.”
Sendo assim, a adoção é um ato tratado pela ordem pública, diante de uma proteção prevista constitucionalmente, com caráter de soberania supranacional, já que na adoção internacional, por exemplo, aplica-se em tal relação a legislação nacional, para melhor proteção do adotado, ao invés das leis estrangeiras.
A Adoção está prevista em muitos dispositivos legais, e é importante citar, em primeiro lugar, a CRFB/88, artigo 227, §§ 5º e 6º, em que se prevê o direito à convivência familiar como um dever da família, da sociedade e do Estado; o direito à dignidade; e ainda o direito ao respeito. Estes direitos também estão previstos no ECA, artigos 17 e 18.
O Código Civil de 2002 discorre sobre o assunto a partir do artigo 1618, em que define que só cidadão maior de 18 anos pode adotar, opondo-se ao ECA, artigo 42, que cita os maiores de 21 anos, e, portanto, esta lei específica mostra-se desatualizada quanto a esta questão.
4.2 ADOÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES MONOPARENTAL
No Direito o que determina o estado civil é a situação em que a pessoa se encontra em relação a questão matrimonial, ou sociedade conjugal. Segundo as normas brasileiras os possíveis tipos de estados civis são: solteiro, casado, separado judicialmente, divorciado, viúvo e aqueles que vivem uma união estável.
A palavra solteiro (a) é oriunda do termo em latim solitariu e significa solitário, isolado ou que vive só. Tal palavra acabou por designar aquelas pessoas que ainda não se encontram casadas. Apesar da origem da palavra, ser solteiro não significa estar em estado de solidão sempre, e veremos que essa ideia desse sentido-origem não se aplica neste trabalho. São meras inconveniências da evolução fonética da palavra.
Nos dicionários facilmente encontra-se o conceito de solteiro como aquele que ainda não casou, aquele carecente, ou carente, falto; podendo ser considerado também aquelas pessoas que, apesar de casada, estão com seus cônjuges distante, ou ausente; e ainda aqueles que não se encontram casados, nem separados, nem “desquitados”.
Ao contrário do que muitos pensam, pessoas solteiras, homens ou mulheres sem nenhuma distinção, podem ser adotantes. O maior empecilho relaciona-se com o preconceito da sociedade tradicional, que insiste em acreditar num único modelo familiar, onde encontram-se presentes pais, mães e filhos.
Homens e mulheres solteiras estão cada vez mais buscando a realização de um sonho que anteriormente ligava-se apenas à gestação ou à questão matrimonial. Ter filho independente do casamento é uma realidade cada vez mais presente na sociedade brasileira.
No dia 11 de julho de 2001 a revista Veja trouxe à tona vários casos de adoção, dentre eles foi relatado o caso de Agnelo B. Pereira, professor, solteiro, que adotou uma criança cheia de doenças, como sarna, vermes e diarreia crônica. O ponto mais interessante que, inclusive, foi lembrado na sentença pelo juiz Dr. Siro Darlan, era o fato que o adotante educava inúmeras crianças no colégio que trabalhava. Ora, se Agnelo tem capacidade para educar várias crianças, mostrando-se responsável pelas mesmas, por que não poderia ser responsável pelos cuidados do seu próprio filho, apenas por ser solteiro e homossexual? Agnelo deu um depoimento à mesma revista, veja-se:
“Conheci meu filho em um orfanato do Rio, em meados de abril de 1997. Já na primeira visita, aquele menino franzino, de apenas 1 ano e 6 meses, me chamou a atenção. Foi amor à primeira vista. Lembro-me de tê-lo tomado nos braços e dizer: ‘Eu vou mudar a sua vida e você vai mudar a minha’. Quando o conheci, sua certidão registrava apenas o nome da mãe. Pai, desconhecido. Hoje ele é filho de Angelo Barbosa Pereira e mãe desconhecida. Faz quatro anos que ele chegou e posso garantir que minha qualidade de vida melhorou. Não acho relevante o fato de eu ter orientação homossexual. Não vejo diferença entre mim e outros pais. Um pai não é homossexual, nem heterossexual, nem médico, nem bicheiro, nem nada. Pai é pai e nada mais. Minha sexualidade nada tem a ver com a dele. Se um dia ele perguntar com todas as letras, responderei com todas as letras. Não há bondade na adoção. É ato de amor ou não é nada. Se falo sobre isso abertamente, é para incentivar outras pessoas a fazer o mesmo”.
Na adoção independe se a pessoa é solteira, casada ou está em união estável, já que a regra não traz nenhuma especialidade quanto à condição do estado civil em que se encontra o adotante. Solteiros podem adotar, pois o CC, ao tratar da adoção, não faz referência alguma ao estado civil da pessoa, somente da idade mínima para pleitear a adoção.
A adoção por pessoa solteira é uma realidade, um verdadeiro compromisso que o adotante se propõe, que pode mudar a dura realidade de milhares de crianças que se encontram em orfanatos e abrigos em todo o país. Hodiernamente, a não normalidade se encontra com aqueles que não querem reconhecer os novos modos de formação família, os novos meios de concretização da família. A família adotiva é marcada fortemente pelo afeto e pelo carinho, em vez de laços já conhecidos de outras épocas. A adoção, em regra, é um ato planejado, querido, o que muitas vezes não ocorre na filiação biológica, onde mães concedem filhos não desejados, frutos da irresponsabilidade, do descuido, por exemplo.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade evoluiu trazendo consigo a valorização das relações afetivas e, consequentemente, da pessoa humana. A família, nesse processo evolutivo, perdeu a função meramente procriadora e a mulher buscou seu lugar na sociedade. Assim, a concepção de família, hoje, é muito mais abrangente e seus componentes vivem igualitariamente. No Brasil a evolução política, econômica e social foi palco para a transformação da dimensão de família que se deu desde o Código Civil de 1916 até aos Princípios Constitucionais consagrados na Constituição Federal de 1988.
Neste contexto de inovações e adaptações é que os novos modelos familiares, formados pela união de afeto, passaram a fazer parte do Direito das Famílias. Assim, regido pelos princípios e regras constitucionais, pelas regras e princípios gerais do Direito das Famílias aplicáveis e pela contemplação de suas especificidades, a tutela da afetividade e da realização da personalidade humana passaram a compor o cerne das relações familiares, que é onde se pode nascer, amadurecer e desenvolver os valores da pessoa.
Sabe-se que a interminável espera pela adoção por um casal, faz com que crianças e adolescentes permaneçam numa instituição, onde ao completar sua maioridade, são postas para fora do recinto, lugar este que passaram toda a vida a espera daqueles que possibilitassem a doação do amor. Ao sair de tal local, são despejados, onde sem lar, muitas vezes são levados a cometer vícios sociais, roubando, traficando, matando etc., e no fim, sendo mortos ou presos pela polícia.
Todos aqueles que podem oferecer afeto, sustento e educação a uma criança, podem adotar, independente de orientação sexual, estilo de vida ou outras coisas. Devem ser levados em conta, principalmente, o bem-estar e o interesse do adotado, tendo fundamental importância no processo de adoção, mostrando-se como elo fundamental na filiação adotiva.
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Graduanda do Curso de Direito no Centro Universitário Luterano de Manaus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Ivaldete. Da adoção e família monoparental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2021, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56475/da-adoo-e-famlia-monoparental. Acesso em: 23 dez 2024.
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