ÉRICA CRISTINA MOLINA DOS SANTOS
(orientadora)
RESUMO: O presente artigo científico tem como objetivo estudar toda a sistemática do abuso sexual infantil intrafamiliar, e a dificuldade do Estado em identificar o abuso quando é praticado no âmbito familiar. O ordenamento jurídico passou por inúmeras mudanças a fim de garantir maior proteção à criança e ao adolescente, uma vez que são inseridos nas condições de vulneráveis e necessitam de proteção integral. Para garantir que os direitos da criança e do adolescente fossem cumpridos de forma plena e eficaz foram nomeados como seus protetores a família, a comunidade, a sociedade em geral e o poder público. Todavia, apesar das garantias legais aos infantes e as suas penalidade, ainda são notificados inúmeros casos de abusos infantil no Brasil. Deste modo, foi analisado que quando o abuso infantil ocorre no âmbito familiar, dificilmente o estado conseguirá identificar o abuso, pois a família que tinha papel de garantir a proteção aos infantes e notificar o caso, se torna cumplice do crime. Para que nestes casos o abusador seja punido, se faz necessária a intervenção da educação.
Palavras-chaves: Abuso sexual infantil. Criança e adolescente. Intrafamiliar.
SÚMARIO: INTRODUÇÃO. 1 OS PROTETORES DA CRIANÇA A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O ECA. 1.1 D a Vulnerabilidade da Criança e do Adolescente. 2 O ABUSO SEXUAL INFANTIL INTRAFAMILIAR. 3 DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERAVEL. 4 A ATUAÇÃO DO ESTADO. 4.1 O Papel da Escola e da Educação. 5 CONSIDERAÇÕES; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
O abuso sexual infantil é todo ato sexual envolvendo adulto e criança, ao qual pode ocorrer mediante contato físico, ou não. Quando tal violação ocorre entre membros da família, ou seja, entre a criança e o adulto do seu âmbito familiar ou de convívio, é denominado de abuso sexual infantil intrafamiliar.
Neste passo, entendendo a vulnerabilidade da criança e a maior necessidade de proteção, a Constituição Federal de 1988 juntamente com Estatuto da Criança e do Adolescente, delimitou como responsáveis por assegurar os direitos fundamentais da criança: a família, o Poder Público, a comunidade, e a sociedade no geral.
Porém, apesar dos infantes possuírem proteção assegurada por Lei, continuam sofrendo inúmeros abusos no Brasil.
Sendo assim, toda vez que o abuso sexual ocorre no âmbito familiar da criança, há uma omissão da família quanto a sua responsabilidade de proteção, necessitando os demais responsáveis buscar meios de garantir o integral amparo as crianças e adolescentes.
A questão é, enquanto o abuso sexual infantil estiver sendo praticado, a criança estará sujeita a diversos traumas psicológicos, emocionais, comportamentais, e sexuais, que refletirão em toda a sociedade.
Para obtenção de tais fins, foi realizada a pesquisa básica estratégica, através de doutrinas, leis, artigos acadêmicos, livros, entre outros, que são facilmente encontrados via internet, sendo exercida uma abordagem quantitativa e aplicando-se o método hipotético dedutivo.
Por conseguinte, quando se trata do abuso sexual infantil intrafamiliar, a maior dificuldade é fazer com que a criança consiga reconhecer o abuso e notificá-lo ao Poder Público, a comunidade ou a sociedade em geral, justamente pelo abusador ser alguém que a vítima confia. Desta forma os demais protetores dos infantes tem como objetivo buscar políticas de enfrentamento ao abuso infantil, como meio de atender de forma rápida as necessidades da vítima, bem como, garantir a punibilidade do agressor.
Logo, necessita-se o Estado de uma nova “ponte” entre a criança, uma vez que no abuso infantil intrafamiliar a família se torna omissa quanto aos seus deveres, rompendo-se a eficácia do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
1 OS PROTETORES DA CRIANÇA A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O ECA
Ao longo da história jurídica do Brasil o legislador se manteve omisso quanto as medidas de proteção à criança e adolescente, ao qual eram invisíveis para o direito, inexistindo o reconhecimento de sua vulnerabilidade. O cenário legislativo passou a reconhecer a dignidade da criança, somente no ano de 1988, através da Constituição Federal.
O Art. 227 da Constituição Federal de 1988, diz que:
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Nota-se que tal artigo, delimitou como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança os direitos fundamentais para a dignidade humana, permitindo uma maior ênfase e distinção entre o adulto e a criança.
Expressamente o artigo 227 da Constituição Federal de 1988, não se ateve a restringir a obrigação de proteção somente a família, e sim em uma forma conjunta com a o Estado e sociedade, ou seja, na ausência ou omissão de um deles os outros responsáveis possuem dever legal de interferir.
Já no ano de 1990, por meio de Lei nº 8.069/90 criou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, mais conhecido como ECA, ao qual, atualmente é a mais importante legislação que versa sobre os direitos e deveres da criança e do adolescente.
O Art. 3º e 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, fala que:
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Desta forma, conclui-se que o ECA foi justamente criado para complementar o artigo 227 da Constituição Federal, mantendo o dever da família, da comunidade, as sociedade em geral e do poder público, e incluindo inúmeros temas acerca do desenvolvimento da criança, bem como, reforçando os princípios da proteção integral, da dignidade da pessoa humana, da prioridade absoluta, e do melhor interesse do menor.
Acentua Pereira (2000, p. 388), que após a criação do ECA, foi extinta a doutrina situação irregular do menor, que restringia a proteção apenas aos abandonados e desprotegidos, para se assumir a proteção integral da criança e do adolescente, que por sua vez, acolheu toda a população infanto-juvenil, colocando-lhes em situação especial.
Outro marco muito importante para a evolução da dignidade da criança foi a criação do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, pois de nada adiantaria o legislador reconhecer a vulnerabilidade do menor e não se ater aos meios de efetivação das leis.
Desta forma, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, o Conanda, surgiu através da Lei nº 8.242, no ano de 1991, com intuito de garantir e efetivar a proteção da criança e do adolescente, ao qual se encontra prevista no artigo 88 da lei nº 8.069/90 do Estatuto da Criança e do adolescente (ECA), ao qual atualmente é o órgão mais importante para a promoção de garantia de direitos. (GOVERNO FEDERAL, 2018).
Partindo dessa premissa, o Conanda teve seu início quase que simultaneamente com o ECA, justamente por agir como fiscalizador e até mesmo criador de políticas públicas para os menores, garantindo que todas as leis que agem em benefício da criança e do adolescente sejam de fato cumprida de forma total e integral.
1.1 Da Vulnerabilidade da Criança e do Adolescente
Toda a legislação voltada para a criança e o adolescente foi elaborada com principal finalidade em tentar colocar os infantes em situação igual perante as demais pessoas da sociedade, justamente por se assumir que as crianças se encontram em situação de maior vulnerabilidade.
É inegável que todos os seres humanos se encontram em situação de vulnerabilidade, ou seja, podem ter seus direitos feridos de alguma forma, todavia existem grupos específicos que necessitam de maiores cuidados, como no caso das crianças, deficientes, mulheres, homossexuais, idosos e outros. (JUVÊNCIO; PAIVA, 2016).
Quando falamos em maior vulnerabilidade, estamos dizendo que um tipo específico de pessoa se encontra em situação desigual perante as demais, sendo considerada “especial”, ao qual requer maior cuidado e proteção. Desta forma, a intervenção jurídica se faz necessária para garantir que os direitos inerentes a pessoa humana sejam cumpridos de forma igual e eficaz para todos.
A criança, desde o nascimento, necessita de uma atenção maior, juntamente com uma legislação especial, pois até se tornar adulto passa por várias mudanças físicas, psicológicas e comportamentais. Justamente pensando em todas essas mudanças a criança é colocada em situação de vulnerável, ao qual deverá a família, o Estado e a sociedade lhe garantir neste período de formação, cuidado, empatia, saúde e educação. (JUVÊNCIO; PAIVA, 2016).
Insta salientar que a família também é responsável pelo primeiro contato e educação sexual para com as crianças, entretanto quando o abuso sexual acontece no âmbito familiar há uma ruptura do dever legal. (MIZAKA, 2014).
Ocorre que, a vulnerabilidade da criança facilita a ocorrência abuso sexual intrafamiliar, pois a família que tinha o papel de garantir a proteção infringe um direito. Neste caso, muitas das vezes a criança não consegue identificar o abuso, ou até mesmo notificar a terceiro, o que consequentemente faz com que o Poder Público, e a sociedade em geral não tenham conhecimento da prática do abuso.
2 O ABUSO SEXUAL INFANTIL INTRAFAMILIAR
Preliminarmente, para conseguir entender toda a sistemática do abuso, é necessária uma breve análise quanto ao conceito de criança e adolescente. Conforme o artigo 2º do ECA, “Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.
Quanto ao abuso sexual intrafamiliar, insta salientar que não é uma prática nova na sociedade brasileira, contudo somente entrou em foco na última década, sendo atualmente muito comentado em meios de comunicações, escolas, projetos de leis etc. É notório que o abuso sempre ocorreu em diferentes âmbitos, contudo somente hoje é um assunto discutido na sociedade, rompendo inúmeros tabus acerca do tema.
Feito os esclarecimentos, o abuso sexual infantil pode ser conceituado como:
Abuso sexual infantil é todo envolvimento de uma criança em uma atividade sexual na qual não compreende completamente, já que não está preparada em termos de seu desenvolvimento. Não entendendo a situação, a criança, por conseguinte, torna-se incapaz de informar seu consentimento. São também aqueles atos que violam leis ou tabus sociais em uma determinada sociedade. O abuso sexual infantil é evidenciado pela atividade entre uma criança com um adulto ou entre uma criança com outra criança ou adolescente que pela idade ou nível de desenvolvimento está em uma relação de responsabilidade, confiança ou poder com a criança abusada. É qualquer ato que pretende gratificar ou satisfazer as necessidades sexuais de outra pessoa, incluindo indução ou coerção de uma criança para engajar-se em qualquer atividade sexual ilegal. Pode incluir também práticas com caráter de exploração, como uso de crianças em prostituição, o uso de crianças em atividades e materiais pornográficos, assim como quaisquer outras práticas sexuais (WORLD HEALTH ORGANIZATION -WHO, 1999 apud ANDREINA MOURA, 2009).
Ou seja, todo ato de caráter sexual envolvendo criança e adolescente é considerado abuso sexual, pois devido a sua idade, não possui capacidade de expressar o seu consentimento.
Para Rodrigues (2017, p. 67), a violência sexual é praticada sem a anuência da vítima, violando os direitos humanos da criança e do adolescente, não sendo apenas uma submissão de caráter sexual imposta a outro, que quando praticada contra infantes constitui crime grave.
Neste passo, o abuso também pode ser classificado em extrafamiliar e intrafamiliar. O abuso intrafamiliar é aquele que o autor do crime possui algum laço afetivo ou sanguíneo com a vítima, ou seja, a pessoa é próxima da vítima; já no caso do abuso extrafamiliar o autor é pessoa desconhecida da vítima, sem qualquer tipo de vínculo.
Quando o abusador se encontra no âmbito de convívio da criança a violência se torna mais fácil, pois além de uma hierarquia, o abusador também possui a confiança perante a vítima. O abuso pode ser classificado em etapas, ao qual o primeiro estágio se inicia em atividades cotidianas da criança, sem conjunção carnal ou contato sexual, podem ser através de brincadeiras, massagens etc.; já na segunda fase o abusador começa a realizar atos sexuais, todavia sem a penetração; somente no terceiro estágio, após ter conquistado a plena confiança da criança é que o abusador se sente confortável para realizar a conjunção carnal (CARDIN; MOCHI; BANNACH, 2011).
No ano 2019 foram registradas 159 mil denúncias pelo Disque Direitos Humanos, ao qual 11% foram de violação sexual contra criança e adolescente, um número total de 17 mil ocorrências. Já o abuso praticado dentro da casa da própria vítima ou do abusador perfaz um total de 73% dos casos, sendo que 40% é realizado pelo próprio pai ou padrasto da vítima. Com as denúncias também foi possível delimitar o perfil do suspeito, tendo normalmente entre 25 e 40 anos, em 62% dos casos, bem como em 87% dos casos ser do sexo masculino (GOVERNO FEDERAL, 2020).
Analisando os dados é possível verificar que nos casos de abusos contra menores, o autor do crime na maioria das vezes é convivente com a vítima. Entretanto, o perfil do agressor não é idêntico ou único, pois apesar de prevalecer o sexo masculino, a idade, a cor, a condição social, a escolaridade são variáveis.
É importante destacar que o abuso infantil no âmbito familiar não ocorre somente através do contato físico, ou conjunção carnal. Existem também outras formas de abuso sexual sem necessariamente haver o contato físico, como: o voyeurismo, que consiste em observar a criança em situação de nudez, total ou parcial; exibicionismo, que consiste em adultos mostrar órgãos genitais a criança; pornografia, que consiste na exploração da criança com condão econômico, de forma sexual, como por exemplo vídeos e fotografias etc (RODRIGUES, 2017, p. 86).
O abuso sexual intrafamiliar cometidos contra a criança e o adolescente deve ser combatido através de uma intervenção estatal, de forma que os infantes consigam a proteção nos órgãos públicos ou na comunidade. A criança para romper o silencio necessita de confiar em terceira pessoa, a fim de que o abusador seja punido.
3 DOS CRIMES SEXUAIS CONTRA VULNERAVEL
Inicialmente, o Código Penal estabeleceu como vulnerável, a pessoa com menos de 14 anos incompletos, justamente por se encontrar em situação de desigualdade e de maior necessidade de proteção. O Código também menciona como vulnerável a pessoa portadora de enfermidade ou deficiência mental, que não possua discernimento para a prática do ato sexual, ou que por qualquer outra situação não consiga oferecer resistência (VEDANA; WENDRAMIN, 2019).
Além dos crimes sexuais contra menores de quatorze anos, o Código Penal traz também os crimes contra a dignidade sexual, que por sua vez não se restringe apenas aos vulneráveis, correspondendo a pessoa maior de 14 anos completos.
A tipificação dos crimes sexuais contra vulnerável é encontrado no Título VI, Capítulo II, do Código Penal, que possui finalidade de garantir a punibilidade do abusador, bem como buscar maior proteção a criança e ao adolescente. Neste capítulo são abordados os crimes de estupro de vulnerável, corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, e favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração de vulnerável.
O estupro de vulnerável, é encontrado no artigo 217-A do Código Penal, ao qual é tipificado como “ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”.
Neste artigo, não importa se a conjunção carnal ou o ato libidinoso é praticado mediante ameaça ou constrangimento, ou com consentimento da vítima, pois devido a sua idade, a criança não possui discernimento em entender o teor sexual, ou seja, o consentimento da vítima é desconsiderado.
Frisa-se que além da conjunção carnal, qualquer ato libidinoso com finalidade de satisfazer a libido de outro será tipificado no artigo 217-A, que para Prado, 2019 outros libidinosos são compreendidos como:
“fellatio ou irrumatio in ore, o cunni-lingus, o pennilingus, o annilingus (espécies de sexo oral ou bucal); o coito anal, o coito inter femora; a masturbação; os toques ou apalpadelas com significação sexual no corpo ou diretamente na região pudica (genitália, seios ou membros inferiores etc.) da vítima; a contemplação lasciva; os contato voluptuosos, uso de objetos ou instrumentos corporais (dedo, mão), mecânicos ou artificiais, por via vaginal, anal ou bucal, entre outros”.
O artigo 217-A traz o mesmo conceito do artigo 213, que tipifica o estupro, porém mostra-se a ressalva quanto o sujeito passivo, que sempre será a pessoa vulnerável, em especial a criança menor de 14 anos incompletos.
A pena para tal crime é de reclusão de 8 a 15 anos; com aumento de pena de 10 a 20 anos, se o estupro resultar em lesão corporal grave; além de aumento de pena de 12 a 30 anos, se o estupro resultar em morte da vítima.
O segundo artigo dos crimes sexuais contra vulnerável, ao qual está descrito no artigo 218 do Código Penal, que diz que “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem”.
Neste artigo o autor do crime não irá agir diretamente nos atos sexuais envolvendo a criança, mas sim oferecer assistência à libidinagem à terceiro, podendo obter vantagem econômica ou não. O verbo induzir descrito não se enquadra em coautoria, e sim participação (NUCCI, 2020).
Além disso, é importante destacar que essa satisfação a lascívia jamais será comparada com a conjunção carnal ou outros atos libidinosos, pois senão haveria o crime anteriormente descrito, quer seja, o estupro de vulnerável. São descritos como satisfação a lascívia o convencimento da vítima em realizar um ensaio nu, tomar banho na frente de terceiro, fazer danças eróticas nua ou seminua, e outras situações nesse sentido (GRECO, 2017).
Tal crime possui pena de reclusão de 2 a 5 anos.
Na sequência temos o artigo 218-A do Código Penal, que corresponde ao crime de satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente, que é tipificado como “Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem”.
São duas as ações do autor do crime, que pode ser em praticar ato libidinoso na presença do menor, ou então fazer com que o menor observe qualquer tipo de ato sexual. Assim como no artigo anterior, o autor do crime não pratica nenhum ato sexual, sob pena de ser tipificado no crime de estupro de vulnerável (NUCCI, 2020).
A pena é de reclusão de 2 a 4 anos.
O quarto crime corresponde ao favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável, com previsão legal no artigo 218-B, do Código penal, ao qual diz:
Submeter, induzir, ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone.
O primeiro aspecto relevante é que diferente dos artigos anteriores, o sujeito passivo deste crime não é apenas o menor de 14 anos, mas também o menor de 18 anos, compreendendo a criança e o adolescente.
Neste caso, para que ocorra no âmbito familiar, o autor deverá possuir algum vínculo com a vítima e convencê-la a se prostituir, ou até mesmo, facilitar que se prostitua, ou ainda não deixar cessar a prostituição. Ressalva-se que o autor não precisa obter vantagem econômica, todavia se a obtiver será aplicada multa, junto a pena privativa de liberdade. Também será punido pelo mesmo artigo, aquele que efetivar a conjunção carnal ou praticar qualquer ato libidinoso com menor de 18 anos e maior de 14 anos; bem como o proprietário (podendo ser o gerente ou responsável) pelo local em que se permite que a prostituição ocorra. A prostituição em si não é punida juridicamente.
Incorre na pena de reclusão de 4 a 10 anos.
O último crime previsto, trata-se de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia, o artigo 218-C do Código Penal, diz que:
Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio - inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia.
Tal artigo surgiu recentemente, pela Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, tipificando, de maneira resumida, a circulação de imagens, vídeos, áudios que contenham conteúdos sexuais, uma vez que devido a tecnologia se tornou mais fácil a circulação de tais conteúdos, expondo a vítima ao extremo constrangimento. Menciona-se tanto o estupro previsto no artigo 213, tanto o estupro de vulnerável previsto no artigo 217, ambos do Código Penal.
Possui pena de reclusão de 1 a 5 anos.
Todos os mencionados artigos visam proteger de forma integral os direitos da criança e do adolescente, ao qual quando qualquer um dos crimes anteriores forem praticados por pessoa que possuir autoridade perante a criança será aumentada em metade a pena. O artigo 226 , inciso II, do Código penal, diz que a pena será aumenta “De metade, se o agente é ascendente, padrasto, ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor, ou empregador da vítima, ou por qualquer outro título tiver autoridade sobre ela”.
Enfim, presumisse que quando os crimes sexuais contra vulneráveis (que tipificam os tipos de abusos infantil) for praticado no âmbito intrafamiliar haverá o aumento de pena, em decorrência da vulnerabilidade da criança e a “superioridade do adulto”.
4 A ATUAÇÃO DO ESTADO
A família possui total autonomia sobre a criança, ao qual toda a criação e ensinamentos são realizados sem intervenção de terceiros, tampouco do Estado. Todavia, existem algumas exceções, uma vez que tal autonomia não é absoluta, pois quando há a violação dos direitos humanos da criança e do adolescente o Estado se torna responsável pela proteção, bem como, pela aplicação de penalidades ao descumpridor do direito.
Para que tal proteção ocorra forma integral surgiu o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, que compreende em:
O sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente compreende centros de defesas, delegacias especializadas, a vara da infância e juventude, as promotorias da infância e juventude, conselho tutelar, conselho de direitos, entre outros. Essas instituições podem ser acionadas em caso de denúncia de abuso sexual (NATIVIDADE, 2017, p. 98).
Inúmeros são os órgãos responsáveis por garantir a proteção da criança e do adolescente, bem como garantir a punibilidade do agressor. Entretanto, os mencionados órgãos somente conseguem efetivar integral proteção se tiverem conhecimento do abuso, e para isso a criança precisa ser ouvida.
No abuso extrafamiliar, a criança que sofre o abuso de desconhecido facilmente conseguirá quebrar o silencio e exprimir o ocorrido a família, ou até mesmo a família conseguirá identificar o abuso, através dos sinais que a criança apresenta depois do ocorrido. Desta forma, a família acionará o Estado para que todo o amparo a criança seja realizado, bem como seja o abusar punido juridicamente.
Já no abuso intrafamiliar, a criança vítima do abuso dificilmente conseguirá notificar ao abuso ao Estado, pois a família serve como ponte para a quebra do silencio. No abuso intrafamiliar a família que tinha a obrigação de proteger e denunciar o abuso, se torna o autor do crime, tornando quase impossível que o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente seja efetivado de modo rápido e pleno.
Para que o Estado seja notificado do abuso infantil quando cometido por alguém próximo da vítima, é necessária uma intervenção direta da escola, para conseguir fazer com que a criança identifique o abuso e possa denunciá-lo.
4.1 O Papel da Escola e da Educação
Atualmente as escolas brasileiras não adotam em seu curriculum escolar a educação sexual, tratando de forma geral quando abordado o corpo humano nas aulas de biologia.
Como já mencionado, a intervenção da Escola se faz necessária como ferramenta de auxílio para garantir que o sistema de garantia dos direitos da criança e do adolescente seja cumprida, uma vez que através da educação sexual de uma forma adequada a criança conseguira identificar o abuso seja ele no âmbito familiar ou não, e até mesmo denuncia-lo.
Recentemente, um caso de abuso infantil foi muito noticiado em diversos meios de comunicação. O caso da menina de 10 anos que engravidou do tio de 33 anos, que a estuprava desde os 6 anos de idade (G1, 2020).
Tal notícia trouxe em foque a importância da implementação da educação sexual no currículo escolar infantil, como medida de prevenção do abuso. No mencionado caso a criança se manteve em silêncio por quatro anos, talvez por não no início não ter conhecimento para entender que estava sendo estuprada, ou até mesmo a família não perceber os sinais que a criança demonstrava.
Quando o abuso é praticado por alguém próximo da criança, a mesma não se sente segura para notificar o abuso para a família, pois muitas vezes o abusador faz parte de seu vínculo familiar. É neste momento que a criança reconhece a escola como o único lugar seguro para revelar a violência sexual, ao qual, através de profissionais capacitados saberá a forma correta de agir e encaminhar a denúncia para o Estado. (PROVENZI, 2020).
Os protetores da criança e do adolescente, em especial o Estado, somente conseguirá punir o agressor do abuso e garantir a proteção da vítima se houver a quebra do silencio e do medo. Não basta a existência do sistema de garantias da criança e do adolescente, mas sim uma efetiva política pública dentro das escolas, que garanta um lugar seguro e aberto para o diálogo, com profissionais especializados e capacitados para desenvolver um melhor atendimento aos infantes.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de todo o exposto, foi percebível que o Brasil como meio de assegurar a proteção integral da criança e do adolescente adotou inúmeras medidas preventivas, lhes garantindo equiparação entre os demais.
Apesar do ordenamento jurídico tipificar expressamente os crimes sexuais contra vulnerável, o abuso infantil intrafamiliar ainda é um enorme problema no Brasil, ao qual mesmo havendo a punição os abusadores muitas vezes não são punidos, tampouco identificados, havendo uma enorme falha no Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente.
É inegável, que o Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, se encontra atualmente ineficaz quando ocorre no âmbito familiar, pois os casos não conseguem ser notificados, havendo um ciclo silencioso, ao qual todos ao direitos dos infantes são brutalmente feridos, violados e ignorados, por aqueles que tinham a obrigação legal de lhe garantir proteção.
Neste passo, conclui-se que o abuso infantil intrafamiliar pede urgentemente a implementação da educação sexual no âmbito escolar, com a finalidade ser intermediador entre a criança e o Estado, nos casos em que a família se torna o abusador e não protetor.
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Bacharelanda do Curso de Direito da Universidade Brasil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Mayla Rubia Padula de. O abuso sexual infantil intrafamiliar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 maio 2021, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56490/o-abuso-sexual-infantil-intrafamiliar. Acesso em: 23 dez 2024.
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