MARCO ANTÔNIO COLMATI LALO
(Orientador)
RESUMO: O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), apresenta as medidas socioeducativas para as crianças e adolescentes, como meio de responsabilização a estes que cometem algum ato infracional. Entende-se que o ato infracional seja aquela conduta que contiver os mesmos aspectos que define a infração penal. As medidas socioeducativas e as medidas de proteção não possuem caráter punitivo e sim pedagógico. O papel da família na vida do adolescente infrator é de extrema importância. Não raras vezes o grupo familiar é desestruturado, pois está exposto à prostituição, ao alcoolismo e às drogas, frequentemente. Um dos principais objetivos das medidas socioeducativas, pode-se afirmar, é a busca de ressocialização dos jovens infratores, bem como sua reeducação. Neste sentido, a família é de suma importância para a recolocação do jovem na sociedade após sua saída de um regime de reeducação. Entretanto, a sociedade também exerce um papel de destaque na inserção do adolescente infrator em seu meio, entretanto, ainda há um grande problema na estrutura da família, que muitas vezes pode não estar preparado para receber o jovem novamente, o que pode causar reincidência do mesmo na criminalidade.
Palavras-chave: Ressocialização. Jovens. Criminalidade.
SUMÁRIO: Introdução. 1Desenvolvimento. 1.1Violência entre jovens. 1.2 Medidas socioeducativas. 1.3 Ressocialização e família. 2 Considerações Finais. Referências.
A legislação brasileira referente à criança e ao adolescente tem importância fundamental no estudo da intervenção jurídica sobre o jovem na atualidade que comete ato infracional, devido a inserção precoce de crianças e adolescentes no mundo do crime. No contexto da sociedade brasileira, a preocupação com a proteção da infanto-adolescência está descrita na Carta Constitucional de 1988. Cabe ao Estado, à sociedade e à família assegurar condições efetivas do exercício de cidadania plena à criança e ao adolescente, os quais devem ser protegidos e ter seus direitos garantidos (BRASIL, 1988).
O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), apresenta as medidas socioeducativas para as crianças e adolescentes, como meio de responsabilização a estes que cometem algum ato infracional. O Estatuto prevê que crianças são pessoas com até 12 anos incompletos e adolescentes, pessoas entre 12 e 18 anos incompletos, enquanto sujeito de direitos, optando por afastar-se do sistema punitivo.
Para Rios (2020), criança “é o ser humano no começo da existência, pessoa ingênua ou infantil”. De acordo com o ECA, “considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”. Ou seja, só não considera a conduta da criança e do adolescente como delito (no sentido analítico da palavra), pois ele é inimputável e não ostenta culpabilidade penal.Deste modo, o constituinte reconhece que a infância e a adolescência possuem uma fase especial de vida, com características próprias em desenvolvimento, dignos de proteção especial (SALUSTIANO, 2019).
Entende-se que o ato infracional seja aquela conduta que contiver os mesmos aspectos que define a infração penal. No entanto, o art. 228 do Estatuto aduz o preceito constitucional da imputabilidade penal da pessoa com idade inferior a dezoito anos. Para Ramidoff (2008, p.68):
Sistematicamente, restringe-se o poder de polícia – ou seja, intervencionista do Estado –, limitando-o formal e materialmente às opções políticas adotadas por decorrência mesmo do alinhamento nacional às diretrizes internacionais dos Direitos Humanos – aqui, os inerentes às crianças e adolescentes. Nesse sentido, ao resguardar o preceito constitucional da imputabilidade penal, a pessoa com idade inferior a dezoito anos permanece sujeita às medidas previstas na legislação especial.
As medidas socioeducativas e as medidas de proteção não possuem caráter punitivo e sim pedagógico, por esta razão as crianças e adolescentes deverão ser ressocializados quando aplicadas tais medidas, buscando a melhoria de suas condutas para que se tornem pessoas boas longe da criminalidade.
Neste sentido, Varela, Alves e Almeida dizem que:
Atualmente, os adolescentes que cometem atos infracionais são justamente aqueles que vivem em uma realidade bem precária, fazendo assim com que, furtar, por exemplo, seja um ato para sua sobrevivência; bem como para saciar vícios, tais como o de uso de drogas. Uma observação assustadora é que a marginalidade utilizada pelos jovens são as mesmas que se refletem no meio em que vivem, e o uso das drogas é visto como refúgio diante das adversidades enfrentadas diariamente. (VARELA, ALVES e ALMEIDA, 2015, p. 23).
O papel da família na vida do adolescente infrator é de extrema importância. Não raras vezes o grupo familiar é desestruturado, pois está exposto à prostituição, ao alcoolismo e às drogas, frequentemente. Também, muitas vezes, existe a ausência de uma figura paterna.
Também sobre o papel da família, poderão ser inseridos projetos sociais com equipes multidisciplinares, como assistência social e psicológica onde esses profissionais podem fazer com que a família e o menor delinquente se unam, e o jovem não se sinta desamparado pelo Estado e a Sociedade. Pois a união entre o menor infrator e a família é muito importante para a ressocialização do mesmo.
O direito à convivência familiar e comunitária está amplamente estabelecido no artigo 227 da Constituição Federal e nos artigos 19 e seguintes do ECA. Consequentemente é direito personalíssimo, intransferível e imprescritível de todas as crianças ou adolescentes terem uma família, seja ela biológica ou substituta (LIBERATI, 2007).
Ainda, sabe-se que muitos jovens que recebem medidas socioeducativas e são reinseridos no ambiente familiar, acabam por cometer outro ato infracional.
O Estatuto da Criança e Adolescente elencou as medidas socioeducativas, que estão previstas no art. 112, do ECA, e são aplicadas aos adolescentes havendo ocorrência de algum ato infracional, conforme abaixo:
Art. 112. Verificada a pratica de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. (BRASIL, 1990).
Para os adolescentes, poderão ser aplicadas além das medidas socioeducativas, as medidas protetivas previstas no art. 101, I a VI, do ECA. (Inciso VII do art. 112, ECA).
Sendo assim, é necessária uma discussão sobre as medidas socioeducativas e quais suas influencias para a ressocialização do jovem infrator no âmbito familiar.
A violência é uma das principais preocupações da sociedade atual. Com o avanço da urbanização e da maior concentração populacional, muitas famílias se viram em situações precárias, o que pode ser um fator determinante para o aumento da marginalização nos grandes centros.
Para a OMS, a adolescência é um período essencialmente biológico, durante o qual se acelera o desenvolvimento cognitivo e a estruturação da personalidade (LOPES e SILVA 2009). A violência praticada por jovens tem, gradativamente, se transformado em um grave problema para a sociedade brasileira, especialmente nos seus centros urbanos, acompanhando uma tendência mundial de crescimento deste fenômeno (ASSIS, 1999).
Para Oliveira (2012):
A crescente violência entre os jovens e adolescentes se manifesta nas mais diversas espécies, tais como, homicídios, roubos, latrocínios, entre outros. Estes têm suscitado grandes questões acerca da eficácia da legislação penal corrente, da redução da maioridade penal, da desigualdade social e a falta de incentivos governamentais, além de gerar em toda a sociedade um grande sentimento de medo e impunidade. E como é por meio de leis, que o Estado define e promove a ordem pública, há que se atentar a essa nova configuração criminal na delinquência juvenil.
Silva e Costa (2010) dizem que:
Um dos fatores que influenciam na inserção dos jovens e adultos na criminalidade são as condições familiares que esses vivem qual perspectiva de vida familiar terá, se no seio de sua família há uma precariedade nas relações afetivas. E deve-se mencionar que o fator econômico é decisivo para corromper qualquer relação afetiva, pois sem comida, sem teto, é muito difícil haver uma educação de base, conforme prevê a Constituição Federal.
Segundo Katzman (1999 apud MONTEIRO, 2011, p. 33) a vulnerabilidade é compreendida como o desajuste entre ativos e a estrutura de oportunidades, oriundos da habilidade dos atores sociais de aproveitar oportunidades nos demais contextos socioeconômicos e melhorar sua situação, impedindo a deterioração em três campos: os recursos pessoais, os recursos de direitos e os recursos em relações sociais.
Para SANTOS (2015):
O excessivo rigor aplicado à responsabilização dos jovens em face dos índices de violência e criminalidade não tem correspondência com uma análise rigorosa acerca do papel do Estado e da comunidade perante crianças e jovens em situação de extrema vulnerabilidade social. Neste caso o excesso, punição dos jovens como forma de atacar as causas da violência, oculta o défice, a violência como consequência do contexto social e de oportunidades no qual os jovens estão inseridos.
Ainda, a violência no Brasil está diretamente ligada a problemas de desigualdade social, exclusão social, impunidade, independente se as leis são leves ou pesadas, não são cumpridas, falha na educação na escola, familiar e individualismo (LEONARDO, 2016, p.6)
Os acontecimentos violentos entre os jovens no Brasil têm sido mais um dos problemas que a sociedade vem enfrentando e buscado controlar. Esse não é tema novo e exclusivo, quanto ao investimento teórico, empírico da ciência humana, social ou da saúde, bem como, da promoção de práticas sociais e políticas em relação aos caminhos que aponte para uma solução desse problema juvenil. Desta forma, compreender e identificar as variáveis que, tanto em termos conceituais quanto de pesquisas, incluam-se no fenômeno da violência entre os jovens,tem sido importante para promover uma agente de proteção em relação a um fenômeno tão grave na contemporaneidade (ARENDT 2009; MICHENER, DELAMATER e MYERS, 2005; SANTOS e KASSOUF, 2008).
Pereira e Oliveira (2002) apontam algumas das motivações relatadas por adolescentes, em cumprimento de medida de privação de liberdade, para terem começado a praticar infrações: a condição socioeconômica; a violência doméstica; o envolvimento com outros infratores; e a idéia de predestinação para o crime.
Neste sentido, a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em julho de 1990, inaugura um novo olhar sobre as crianças e adolescentes brasileiros, que passam a ter prioridade absoluta no que tange aos seus direitos como cidadãos (OLIVEIRA, 2009, p.12).
Ao definir o ato infracional o ECA considera o adolescente infrator um indivíduo de uma categoria jurídica, o qual é sujeito de direitos, inclusive do devido processo legal, isto também é definido pela Doutrina da Proteção Integral como visto anteriormente.
O ato infracional é um comportamento típico descrito pela Lei Penal, o qual é praticado por crianças e adolescentes e para sua caracterização é necessário que a conduta seja típica, antijurídica e culpável, através desse ato previsto pelo ECA, o menor infrator se adere a um sistema compatível com seu grau de responsabilização, não podendo segundo SARAIVA (2012), “o adolescente ser punido onde não o seria adulto”.
Conforme já mostrado anteriormente, o ECA (BRASIL, 1990) traz as seguintes medidas socioeducativas:
Art. 112. Verificada a pratica de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento educacional;
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.
§2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.
§3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Com a Constituição Federal de 1988 os menores encontraram a efetiva proteção do Estado e com isso começaram a ser tratados, em sua integralidade, como sujeitos de direito (MACIEL, 2010).
Para MELLO (2017):
As medidas socioeducativas são apuradas após processo legal, tendo como objetivo a efetivação de meio para reeducar a criança e o adolescente em conflito com a lei. Em suma, essas medidas socioeducativas são respostas aplicadas aos menoresautores de atos infracionais, e visam encontrar um meio de recuperação diante sua condição e necessidade.
Segundo LEONARDO (2016):
As medidas socioeducativas são imprescindíveis, usadas como forma de responsabilidade penal a esses menores que, por serem julgadas insuficientes pela sociedade, nos dão uma falsa sensação de impunidade. Esse quadro seria revertido se essas medidas só fossem aplicadas de uma forma mais eficaz, todos os dias da semana, não deixando o tempo desses jovens ociosos, de maneira que teriam um maior aproveitamento de suas habilidades motoras, sociais e cognitivas, recuperando-os de fato sem cometerem novamente atos ilícitos e consequentemente preservando a segurança pública.
A imputabilidade penal está relacionada diretamente com a inteligência e vontade de cada indivíduo, que deve ter a consciência sobre a prática de atos ilícitos. Sem isso, não há previsão legal de culpa ou de passar por um processo jurídico (NUCCI, 2009).
É necessário, neste momento, que se compreenda que a inimputabilidade difere da impunidade, conforme Silva (1999) ressalta:
Imputabilidade. Derivado de imputar, do latim imputare (levar em conta, atribuir, aplicar), exprime a qualidade do que é imputável. Nestas condições, seja nos domínios do Direito Civil, Comercial ou Penal, a imputabilidade revela a indicação da pessoa ou do agente, a que se deve atribuir ou impor a responsabilidade, ou a autoria de alguma coisa, em virtude de fato verdadeiro que lhe seja atribuído, ou de cujas consequências seja responsável. Do latim impunitas, de impunisin e poena (não punido), exprime o vocabulário a falta de castigo ao criminoso ou delinquente. A impunidade pode decorrer do fato de não ter sido possível a aplicação da penalidade imputável à pessoa, como pelo indulto ou perdão.
De acordo com Costa (2004), as medidas socioeducativas visam educar o adolescente para o convívio social, por isso o nome socioeducativo.
Um dos principais objetivos das medidas socioeducativas, pode-se afirmar, é a busca de ressocialização dos jovens infratores, bem como sua reeducação. Muitos tentam negar o caráter não punitivo, porém como bem observa a doutrina, as medidas apresentam similaridade com as penas previstas no Código Penal, possuindo assim um caráter penal especial, como forma de retribuição ou punição imposta ao menor infrator (SILVA, 2008).
A proposição de um conceito de ressocialização de jovens, lastreado pelo trabalho e pela qualificação profissional, com o propósito de se adotar políticas públicas mais eficientes de combate a estes déficits, baseia-se na afirmação inquestionável que o trabalho é fonte de equilíbrio na nossa sociedade e também como agente ressocializador nos centros educacionais. “[...] Por meio do trabalho os indivíduos garantem equilíbrio e melhor condicionamento psicológico, bem como melhor comprometimento social” (LEMOS, MAZZILLI e KLERING,1998.p.146)
O aumento dos índices de adolescentes que integram o sistema socioeducativo brasileiro indica que, apesar de todo aporte legal, muito pouco se faz no processo de ressocialização desses adolescentes na sociedade, fato percebido quando se observa o índice de reincidência dos atos infracionais.
Um estudo realizado pela Câmara Legislativa do Estado do Ceará (CEARÁ, 2008) ao comentar sobre os fins das medidas assim destaca:
Um dos maiores dilemas enfrentados pelo “Direito do Menor” refere-se à eficácia das medidas sócioeducativas na ressocialização e na reeducação de menores envolvidos em práticas ilícitas. Essas deverão ter como referência a reintegração do adolescente na sociedade, na família e na comunidade. Portanto, devem compreender ações de natureza pedagógica e inclusiva. Há, contudo, grande dificuldade na sua aplicação, problemas que vão desde a compreensão do sentido social e educacional destas medidas, passando pela qualidade da formação dos profissionais envolvidos com este público, indo até as instalações (infra-estrutura) das instituições que atuam na ressocialização de menores.
De acordo com Gagliano e Pampona Filho (2017, p. 52), a família é, sem sombra de dúvida, o elemento propulsor de nossas maiores felicidades e, ao mesmo tempo, é na sua ambiência em que vivenciamos as nossas maiores angústias, frustrações, traumas e medos.
Os adolescentes cujos pais são negligentes demonstram os menores níveis de autoregulação e de competência cognitiva. “O padrão de associações entre estilos de criação de filhos e competência instrumental provê o fundamento para o estabelecimento de relações adicionais para as tendências atribucionais do adolescente, as quais refletem níveis percebidos de auto-confiança, responsabilidade e capacidade de desempenho” (GLASGOW et al., 1997).
O período da adolescência significa uma mudança no estatuto social do sujeito. Neste sentido, cabe observar a ausência, em nossa sociedade, de rituais socialmente compartilhados, que permitam simbolizar essa nova posição social (SARTI, 2004).
A autora ainda destaca que:
Pode-se supor, então, que no lugar socialmente designado para o jovem/adolescente há uma projeção do mundo adulto em sentidos distintos. Em primeiro lugar, como objeto das expectativas familiares, os jovens têm os rumos de suas vidas traçados por seus pais de forma a cumprir o que a família espera para si. São conhecidos os conflitos deflagrados pela resistência dos jovens a concretizar essa forma de herança e de perpetuação de sua “família”. Gostaria, entretanto, de atentar para outra forma de projeção que se refere à tendência a localizar no jovem as situações que configuram problema para a família, eximindo o mundo adulto de nelas se incluir. Grande parte da dificuldade de lidar com as questões juvenis, sobretudo aquelas ligadas à sexualidade, a escolhas ou indagações existenciais, tem a ver com o fato de que tocam em pontos difíceis para os pais, em suas próprias vidas.
Segundo Nogueira (2003), a principal problemática dos adolescentes que cometem ato infracional está relacionada à inexistência de “UM PAI”, que possibilitaria a vivência do sistema de limites e proibições, que toda cultura instala. Como aponta o autor: “se a presença do personagem paterno não é suficiente para que o pai real exista, ela também é importante e sua ausência, principalmente na origem e na primeira infância, não é sem consequências” (NOGUEIRA, 2003, p.21)
A literatura especializada registra que algumas características familiares têm sido consideradas preditoras de conduta pró-social ou protetora dos atos infracionais dos jovens. São elas: a estrutura hierárquica definida (Valdés et al., 1997), a boa qualidade da relação entre os pais (Markiewicz, Doyle e Brendgen, 2001), o estabelecimento de um padrão de apego seguro pelo jovem (Laible, Carlo e Roesch, 2004), a boa qualidade de comunicação do jovem com os pais e entre eles (Valdés et al., 1997), bem como menos atitudes autoritárias pelos progenitores (Caputo, 2004; Stouthamer-Loeber, Wei, Loeber&Masten, 2004).
De acordo com Sá (2009)
A participação da família também insere-se no plano micro-sociológico, considerada um dos principais vetores de criminalidade juvenil. Devido a sua organização, origem comum e destinada a transmitir valores morais e pessoais, exerce bastante influência na transmissão dos padrões de conduta, sendo crucial para formação da personalidade, assim origens da conduta violenta muitas vezes advêm da infância. Da mesma forma os recursos propiciados na organização familiar influenciam nas habilidades infantis refletindo posteriormente em um bom desempenho escolar e consequentemente um ingresso no mercado de trabalho. O tamanho da família revela seu grau de importância, bem como o envolvimento de um irmão mais velho na criminalidade pode trazer influências.
Entendida por Souza e Costa (2013) como um sistema aberto e sempre em transformação, a família é preponderante para a estruturação sócio afetiva dos indivíduos em desenvolvimento. As relações estabelecidas na família e na escola podem funcionar como fator protetivo ou de risco, independentemente de classe social ou étnica.
Sudbrack (1992) destaca a função paterna, e ressalta que a passagem ao ato delinquente, além de seus aspectos individuais e sociais, culturais e institucionais, é uma manifestação, no exterior, daquilo que o jovem não pode dizer no interior da família. O ato delinquente projeta o jovem para fora de sua família, rumo a um terceiro – o juiz – e rumo a um sistema educativo de assistência.
Souza e Romera(2019), enfatizam que:
O trabalho em rede como um conjunto articulado de serviços, deve intervir com o adolescente para conhecer caminho que percorrem até cometer o ato Infracional e, inclusive na proteção de média complexidade a elaboração de um Plano Individual de Atendimento. É importante que essas ações abarquem também a família utilizando-se como meios os acompanhamentos com atendimentos individuais, entrevistas, visitas domiciliares, oficinas diversas e ações coletivas. Ação com a família é tão importante quanto a ação com o adolescente, em geral a família expressas diversas vulnerabilidades, inclusive de vínculos, de proteção, de organização, de identidade pessoal e social que são reproduzidas individualmente pelo adolescente. Algumas famílias precisam tanto de proteção quanto os próprios adolescentes. Possibilitar a elas famílias uma compressão de ainda é possível se construir mudanças, que não está tudo perdido, é de fundamental importância e pode ajudar no fortalecimento das potencialidades pessoais e individuais.
Neste sentido, a família é de suma importância para a recolocação do jovem na sociedade após sua saída de um regime de reeducação. Entretanto, a sociedade também exerce um papel de destaque na inserção do adolescente infrator em seu meio, com sabedoria, mais uma vez, Neri (2012) observa a importância de o adolescente ser recebido sem preconceitos pela comunidade em que faz parte, para que tenha as mesmas possibilidades e chances que os demais jovens possuem, lembrando que o bom convívio social, desprovido de discriminação, auxiliará o adolescente a desenvolver sua capacidade interpessoal.
De acordo com Araújo (2013, p. 02), que realizou uma pesquisa no Programa de Execuções de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – PENSEMA, as mães entrevistadas, informam que as famílias não são mais iguais, bem como a maneira que criam os filhos também não. Foi observado que as famílias participativas da ressocialização dos menores, obtinham mais sucesso do que as que não eram assíduas.
Gomide (2001, p.37) diz:
Há uma correlação estreita entre as características dos pais ou familiares e/ou dinâmica familiar e o posterior desenvolvimento de comportamentos desviantes. A família se enfraqueceu enormemente em nossa sociedade. Sua unidade interna foi minada pela pauperização, assolada pela arbitrariedade policial nos bairros periféricos, pelo trafico de drogas, pelo alcoolismo, pela violência, pela prostituição e pelo abandono dos filhos. Sem que os pais assumissem nenhuma responsabilidade sobre seus filhos, as mães repetiam casamentos similares várias vezes, perdendo-se os filhos dos primeiros matrimônios na rejeição e na violência das relações familiares degradadas.
Araújo (2019) ressalta que:
A família é meio mais comum em que o sujeito volta após a sua reabilitação. Pode ser realizado um trabalho positivo e eficaz com os sujeitos (o que não é muito comum), aplicando-lhes medidas corretas, mas se em sua reinserção na sociedade voltarem para um ambiente hostil, ou que não reforce seu comportamento de mudança, é de grande probabilidade que os indivíduos retornem a cometer atos infracionais. Não se pode responsabilizar apenas a família pela reincidência dos indivíduos, pois a má a aplicação de medidas sócio educativas não resultam em resultados positivos. Outros meios também são influenciadores, tais como vizinhança, escola e trabalho, mesmo tendo uma família que apoie a mudança, esses meios podem influenciar a reincidência.
Além do apresentado até o momento, há de se discutir a relevância de políticas públicas tanto para os jovens quanto para as famílias dos mesmos no processo de ressocialização, visto que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1990, não paginado).
Ou seja, os diretos que os jovens têm direito não se limitam apenas à responsabilidade da família, mas se estendem ao Estado e à sociedade.
Neste sentido, Trentin (2012) ressalta, em sua pesquisa, que:
A criação de políticas públicas que enfatizem a ressocialização dos adolescentes não terá êxito se não abranger a teia social e todo o aparato familiar em que estão inseridos esses adolescentes. Dentro desse contexto, os programas de intervenção que abrangerem a família, a escola e as outras instituições sociais que fazem parte da vida dos adolescentes em conflito com a lei serão mais eficientes e trarão melhores resultados na prevenção da criminalidade juvenil. Os resultados indicaram a necessidade de intervenções que fortalecem os fatores de proteção familiar, compreendendo a reeducação dos pais e o fortalecimento dos vínculos familiares. Ou seja, abordar a instituição familiar como a protagonista da intervenção e prevenção, por meio de programas que objetivem uma avaliação rigorosa e sistêmica das famílias dos adolescentes em conflito com a lei.
Em relação ao papel da sociedade, Leontino e Portella (2019) afirmam que:
A sociedade cobra medidas repressivas, porém é totalmente omissa na luta por melhoramento das qualidades de atendimento para estes jovens. As instituições, que teriam a função de ressocializar, apenas estigmatizam estes adolescentes, o que pode ser comprovado pelo insucesso das medidas socioeducativas, ou seja, após o cumprimento da penalidade devida, este jovem continuará desamparado e com poucas chances de uma reinclusão verdadeira na sociedade, ou seja, estes continuarão a serem rotulados como um “perigo” para a população.
Lépore (2017, p.73) afirma que:
A educação, seguida da profissionalização e do trabalho, são essenciais para a consecução da desejada autonomia, pois apoderam o jovem de condições para torná-lo um ser independente, social e economicamente.
A fala do autor vai de encontro à necessidade de implementação de políticas públicas que reinsiram os jovens na sociedade após o período de ressocialização, visto que, além da família, a sociedade deve enxergar os jovens com novos olhos sob uma perspectiva mais social e acolhedora, contribuindo efetivamente para que o menor infrator se sinto pertencente a um espaço, a uma sociedade e a um local que ele realmente deva estar: com qualidade de vida, acesso |à educação, ao trabalho e à dignidade.
No Brasil, o Estatuto da criança e do Adolescente (ECA) é um instrumento jurídico que visa reeducar e ressocializar jovens infratores. O ECA tornou-se, assim, um instrumento do Estado que faz parte da proteção de crianças e adolescentes, fazendo com que este cumpra seu dever de protetor já que, segundo a Constituição Federal, é dever do Estado, da família e da sociedade a proteção às crianças e aos jovens.
A família, assim como o Estado e a sociedade, também tem papel fundamental na ressocialização. Jovens infratores, de acordo com o observado na revisão deste artigo, comumente são provenientes de famílias desestruturadas, muitas vezes de baixa renda ou com histórico de criminalidade no ambiente que estão inseridos.
As medidas socioeducativas, nestes casos, se apresentam como uma alternativa na tentativa de reinserção destes jovens no ambiente familiar, entretanto, ainda há um grande problema na estrutura da família, que muitas vezes pode não estar preparada para receber o jovem novamente, o que pode causar reincidência do mesmo na criminalidade.
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[i] Graduação em Direito pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (1997). Atualmente é professor de pós graduação e cursos preparatório da Fundação Atitude de Educação Continuada, Professor da Universidade Brasil e Relator do Tribunal de Ética e disciplina da Ordem dos advogados do Brasil. e-mail: [email protected]
bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Vilma Cristina Castro. Medidas socieducativas e seus efeitos para a ressocialização do adolescente no âmbito familiar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2021, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56530/medidas-socieducativas-e-seus-efeitos-para-a-ressocializao-do-adolescente-no-mbito-familiar. Acesso em: 23 dez 2024.
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