RESUMO: Esta pesquisa objetiva analisar a violência intrafamiliar, fazendo uma alusão aos aspectos característicos do abusador e da vítima, a fim de delinear juridicamente ações preventivas. Denota-se que o tema ganhou grande importância no cenário nacional após uma mudança legislativa realizada pela Lei Nº 12.015/2009, a qual incluiu no Código Penal vários tipos visando à proteção de tal classe de indivíduos. Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica onde foi possível reunir autores de diversas obras e artigos que discutissem diretamente sobre a temática. No desenvolvimento dividiu-se a pesquisa em 03 itens, quais sejam, abuso sexual na infância, abuso sexual intrafamiliar e, ações preventivas. Portanto, a participação da sociedade nas políticas públicas de proteção e atendimento à criança e ao adolescente, prevista pelo Estatuto é fundamental para o combate a violência intrafamiliar.
Palavras chaves: Violência intrafamiliar; Violência sexual; Criança.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA - 2.1 VIOLÊNCIA FÍSICA - 2.2 VIOLÊNCIA SEXUAL - 2.3 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA - 2.4 NEGLIGÊNCIA - 3. ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR - 3.1 CARACTERÍSTICAS DA FAMILIA INCESTOGÊNICA – 4 AÇÕES PREVENTIVAS – 5 CONCLUSÃO – 6 REFERÊNCIAS
1. INTRODUÇÃO
A violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes, silenciada até poucos anos atrás, faz-se cada vez mais presente no debate público. A par das instituições públicas de atendimento, são diversas redes de proteção a trazer essa questão a público, demandando, consequentemente, maior compreensão de suas práticas e representações sociais, de modo a possibilitar um olhar mais amplo sobre as violências como fenômeno social. Apesar de ter provocado, na última década, vários estudos, pesquisas e literatura, a violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes ainda é uma questão de difícil análise.
As questões referentes à criança, ao adolescente e à violência intrafamiliar têm saído da obscuridade, chamando cada vez mais a atenção de profissionais, de grupos e da sociedade civil, tornando-se assunto a ser tratado em termos de políticas sociais.
O presente trabalho versa sobre a violência intrafamiliar contra a criança e o adolescente, dando ênfase aos casos de violência sexual, ocorridos no espaço doméstico, tendo como agressores, pessoas com vínculos consanguíneos e/ou afetivos com as vítimas, diferentemente da violência doméstica, pois esta ocorre no espaço doméstico, no entanto, o sujeito ativo pode ser qualquer pessoa, não exige parentesco.
A violência intrafamiliar é uma problemática que existe em todas as camadas sociais, no entanto, erroneamente acredita-se que só está presente nas classes menos favorecidas, isto porque, a classe alta tem condições de contratar psicólogos e pagar consultas médicas particulares, com isso, a violência sofrida pelas crianças e adolescentes dessa classe social é camuflada. Diferentemente, a classe menos favorecida, por não possuir outros meios, procura os hospitais, prontos-socorros, postos de saúde e atendimento psicológico na rede pública e assim, as vítimas da violência intrafamiliar aparecem em maior número.
A presente pesquisa teve como objetivo demonstrar os tipos de violência intrafamiliar sofrida por crianças e adolescentes além de caracterizar e apontar os fatores desencadeadores da violência intrafamiliar, citando as possíveis consequências, na formação do futuro cidadão que sofreu violência intrafamiliar.
Diante do exposto, é notória a necessidade da pesquisa, tendo em vista ser necessário o esclarecimento da população, sobre a verdadeira realidade da violência intrafamiliar e assim, despertá-la para os altos índices de ocorrências, contribuindo desta forma, para a melhora dos programas de auxílio às vítimas, uma vez que, será mais fácil o trabalho de prevenção da violência, proteção das vítimas e responsabilização dos agressores.
Para alcançar o objetivo da pesquisa, utilizou-se a pesquisa explicativa por meio do estudo bibliográfico, tendo como fontes de pesquisa livros, artigos de revista, internet, anais ligados à violência intrafamiliar contra a criança e adolescente.
2. ABUSO SEXUAL NA INFÂNCIA
Segundo Dobke (2011), o reconhecimento do maltrato infantil e o estudo das diversas formas de vitimização das crianças tiveram início na década de 50, nos Estados Unidos e norte da Europa. Já o interesse científico pela questão do abuso começou a despertar interesse somente a partir da década de 70, após mobilizações, no sentido da gravidade, e por isso a importância de se debruçar sobre tal problemática. A mesma autora traz que no Brasil somente na década de 80 começou-se a fazer questionamentos na área da infância e juventude sobre “Política Nacional de Bem-Estar do Menor”. A partir disso, torna-se acirrada a batalha pela garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Dentro da atenção que vem sendo destinada a essa parcela da população atualmente, Dobke (2011) traz que “o abuso sexual, principalmente o intrafamiliar, é tema a ser enfrentado com redobrada atenção. Os danos que causa – primário e secundário; as suas características e dinâmicas estão assim a exigir” (p. 22).
Definindo o abuso sexual, Caminha (2011) diz que pode ser considerado abuso sexual todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um adulto (ou mais) e uma criança ou adolescente que não possui condições maturacionais, biológicas, neuropsicológicas e psicológicas, tendo por finalidade estimulá-lo sexualmente e obter estímulo para si ou outrem. Nos estudos sobre tal fenômeno, todos os autores que indicam a existência de abuso sexual no âmbito familiar apontam como sendo os principais agressores: o pai, o padrasto, ou ainda pessoas conhecidas e do relacionamento familiar da vítima. A quantificação da violência sexual intrafamiliar é muito difícil porque envolve tabus culturais, relações de poder nos lares e discriminação das vítimas como culpadas..
Corsi (2017), apontando para a gravidade da situação, afirma que, de todas as formas de abuso, o sexual de crianças pode ser considerado um dos de mais difícil detecção. Traz investigações, realizadas na época da publicação de sua obra, mostraram que uma em cada quatro meninas e um em cada oito meninos serão sexualmente abusados antes de completarem 16 anos. Desses casos, mais de 90% terá como abusador a figura masculina e em mais de 80% será uma pessoa conhecida pela criança.
Dando seguimento às colocações de Caminha e Corsi, Faiman (2004) acrescenta alguns questionamentos: o que define o caráter abusivo em um relacionamento? O que ocorre com a vítima que a impede de se defender? A partir de suas interrogações, traz a questão do desejo que, muitas vezes, apresenta-se em conflito entre dois níveis. O primeiro, o desejo criado sob pressão, converte-se em ato, e o segundo, que se contrapõe a ele, o desejo que silencia. O mesmo autor aponta para a sedução, que é um nível de desejo em que a vítima é presa pela confusão de sentimentos, não apresentando uma resistência clara ao ato abusivo por estar envolvida em uma situação na qual encontra-se eroticamente estimulada. Nesses casos, o autor coloca que, mesmo sem a resistência da criança e seu possível consentimento e obtenção de prazer, não é possível desconsiderar a violência implicada no ato, uma vez que se trata de uma invasão do espaço psíquico pela concretização direta da fantasia geralmente recalcada que deveria ficar na área do segredo.
Ressaltando a questão da resistência ao ato, Herman, apud Silva (2010), afirma que o sistema de defesa do indivíduo no momento traumático é completamente desativado. Assim, a pessoa sobrevive não por se defender reagindo, mas por alterar seu estado de consciência, dissociando-se da realidade.
Segundo Caminha (2010), algumas variáveis podem ser qualificadas de “estressores sociais”, que facilitam o surgimento expressivo do fenômeno dos maus-tratos. Funcionariam como um “estopim” ou ainda um “gatilho” que facilita o disparo da ação: presença de padrasto na família; alcoolismo; multigeracionalidade da agressão nos agressores e familiares; pais socialmente agressivos; pais com conduta sexual não usual; mãe ausente psicológica, temporal e espacialmente; família socialmente rígida; e transtornos psiquiátricos do agressor ou dos pais.
De acordo com material do Ministério da Saúde (2018), a violência intrafamiliar pode se manifestar de várias formas e com diferentes graus de severidade. Estas formas de violência não se reproduzem isoladamente, mas fazem parte de uma seqüência crescente de episódios, do qual o homicídio é a manifestação mais extrema.
Além do abuso sexual, existem outras formas de abuso contra crianças e adolescentes, não menos graves, que podem evoluir para uma situação de abuso sexual. Caminha (2010) refere os tipos de violência existentes como sendo conceitos que devem ser entendidos de modo dinâmico e interativo entre as categorias, pois raramente se encontra uma forma isolada de abuso infantil. Para o autor, o mais comum é a comorbidade entre as classificações, ou seja, a combinação entre algumas ou todas as variáveis descritas. Traz os tipos de violência intrafamiliar existentes como sendo: violência física, violência psicológica, negligência e violência sexual.
2.1 VIOLÊNCIA FÍSICA
Entende-se como o uso da força física contra a criança ou o adolescente, causando-lhe desde uma leve dor, passando por danos e ferimentos de média gravidade, até a tentativa ou execução do homicídio. Em geral, as justificativas para tais ações vão desde a preocupação com a segurança, a educação, até a hostilidade intensa. O lar aparece como o local privilegiado para tal prática, embora as crianças que vivem nas ruas ou nas instituições sejam também vítimas frequentes (GUERRA, 2016).
Os castigos corporais têm sido considerados como violência ou abuso físico, assim como, o emprego de força física e todos os atos de ação ou de omissão que tenham como objetivo: ferir ou destruir a criança; queimá-la; cortá-la; sufocá-la; espancá-la; esbofetear; apertar ou torcer qualquer parte do corpo, usando objetos, as próprias mãos ou pés, independentemente do grau de severidade do ato. Geralmente esses atos deixam hematomas e ferimentos.
2.2 VIOLÊNCIA SEXUAL
Violência sexual, vale reprisar, se configura como todo ato ou jogo sexual, relação hetero ou homossexual entre um adulto (ou mais) e uma criança ou adolescente, o qual não possui condições maturacionais, biológicas, neuropsicológicas e psicológicas, tendo por finalidade estimulá-los sexualmente e obter estímulo para si ou outrem. Nos estudos sobre tal fenômeno, todos os autores indicam a existência de abuso sexual no âmbito familiar. Os principais agressores são o pai, o padrasto, ou ainda pessoas conhecidas e do relacionamento familiar com a vítima. A quantificação da violência sexual é muito difícil porque envolve tabus culturais, relações de poder nos lares e discriminação das vítimas como culpadas.
O abuso ou violência sexual contra crianças e adolescentes é praticada por aquele que possui uma autoridade sobre a vítima. É uma relação de força, imposta através de silêncios, segredos, cumplicidades e sedução. Conforme Azevedo & Guerra (2011), a violência sexual pode ser considerada como todo ato ou jogo sexual, na relação hetero ou homossexual entre um ou mais adultos e uma criança ou adolescente, tendo por finalidade estimular sexualmente a criança ou o adolescente ou utilizá-los para obter uma estimulação sexual.
Essa conceituação abrange o incesto que se define como toda atividade de caráter sexual, implicando uma criança ou adolescente e um adulto que tenha para com ela uma relação de consanguinidade ou responsabilidade. Considera-se como incesto a relação: pai-filha; padrasto-enteada, através de atos voyeuristas e de condutas confusas, enganosas; avô-neta; tio sobrinha; mãe filho; tia sobrinho; madrasta-enteado; avó-neto; irmão-irmã, entre outras.
De acordo com o estudo feito no livro de Azevedo & Guerra, (2001), pode-se incluir na aludida violência, o espectro de atos sexuais, sejam homossexuais ou heterossexuais, com contato físico (abrangendo coito ou carícias apenas); sem contato físico (incluindo exibicionismo, voyeurismo etc); com força física (incluindo agressões e até assassinato) e sem emprego de força física.
A violência sexual pode ser caracterizada pela prática de atos libidinosos diferentes ou não da conjunção carnal como: exibicionismo, conversas que estimulam a libido/sexualidade, quando observa e toca o corpo contra vontade, sob pressão ou chantagem, procurando excitá-lo. Pode acontecer de não deixar marcas físicas, mas nem por isso, deixam de ser grave devido às consequências emocionais que traz para suas vítimas.
O Estupro é um tipo de violência sexual, previsto nos artigos 213 ao 217-A do Código Penal que têm como sujeito passivo o homem e/ou a mulher, isto porque o artigo usa a expressão alguém, não discriminando se homem ou mulher quando prevê: constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Os artigos 215, 217-A, 218 e 218-A do Código Penal referem-se a este tipo de violência em diferentes modalidades, ou seja, violência sexual mediante fraude, corrupção de menores, satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente.
2.3 VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
A violência psicológica ocorre quando pais, responsáveis, parentes consanguíneos ou afetivos constantemente depreciam a criança ou adolescente, chantageiam ou bloqueiam seus esforços de auto aceitação, causando-lhes grande sofrimento mental. Tal violência pode assumir duas formas básicas: a de negligência afetiva e a de rejeição afetiva.
Ameaças de abandono também podem tornar uma criança medrosa e ansiosa, podendo representar formas de sofrimento psicológico, assim como, a depreciação da criança ou do adolescente pelo adulto, através de humilhações, ameaças, impedimentos, ridicularizações que diminuem sua autoestima, fazendo com que acredite ser inferior os demais, causando-lhe grande sofrimento mental e afetivo e assim, gerando profundos sentimentos de culpa, mágoa, insegurança, até de uma representação negativa de si mesmo que podem acompanhá-la por toda a vida.
A violência psicológica se manifesta no desrespeito às opiniões, às decisões e à imagem, por meio de ameaças, humilhações, desqualificações ou bullying.
O art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que “nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punindo na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
2.4 NEGLIGÊNCIA
A negligência nega à criança e ao adolescente o cuidado de que necessitam para seu pleno desenvolvimento físico, psicológico, cultural e ético. Ela e o abandono são a porta de entrada de diferentes formas de violência praticadas contra crianças e adolescentes, uma vez que a criança e o adolescente nestas condições estão expostos a múltiplas privações e constante exposição a riscos. Além disso, situações de violência contra criança são sempre cumulativas, ou seja, a violência física implica em violência psicológica, a violência sexual é também violência física e psicológica, a exploração sexual é também exploração econômica, violência física, sexual e psicológica.
Negligência significa omissão, falta de cuidado, desatenção com a criança e/ou adolescente. O deixar de fazer a obrigação que lhe compete é que caracteriza essa violência. Essa violência é uma violação aos direitos humanos fundamentais da criança, tais como: direito à vida, à liberdade, à segurança e ao lazer.
A alimentação precária (menos nutritiva ou em menor quantidade), redução dos cuidados com saúde, o menor acesso à escola ou menor tempo que passa nos bancos escolares, a falta de afeto e carinho configuram situações de negligência que podem levar a sérias consequências para o desenvolvimento infantil. Também configura negligência a falta ou o menor monitoramento do comportamento do filho, quando permite que brinque em rua de muito tráfego ou que caia do alto de uma janela na qual não foram postas grades de proteção, apesar de os pais terem recursos ara tanto, as situações de risco.
Na negligência é comum a presença do crime tipificado no caput do artigo 148 do Código Penal que prevê “privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”. O cárcere privado seria um crime característico dessa violência, pois como há confinamento ou clausura pode-se dizer que os sujeitos ativos da violência intrafamiliar podem encarcerar a criança e/ou o adolescente em um quarto, em uma sala, em uma casa etc.
As condições sociais de vida dos pais é um aspecto relevante à negligência, isso porque, esta decorre também dessas condições sociais, ou seja, não podemos configurar como negligência, a má alimentação de uma criança em que os pais ou responsáveis encontram-se desempregados, sem condições de garantir uma boa alimentação. No entanto, caso a família consiga obter algum dinheiro para o sustento e o mesmo sendo desviado para outros fins, a negligência está configurada.
3. ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR
O campo da violência doméstica é um “terreno movediço”, como afirma Miranda (2008), em que se mesclam fantasia e realidade, cena que causa horror e curiosidade. Diante do número imenso de variáveis culturais e psíquicas, torna-se muito complexa a tarefa de bem lidar com este problema.
Corsi (2017) diz que os maus tratos no âmbito familiar são considerados um problema “recente”, e expressões como “crianças maltratadas”, “mulheres espancadas” e “abuso sexual” passaram a ser consideradas um problema social grave somente a partir dos anos 60, quando alguns autores descreveram a “síndrome da criança espancada”. Confirmando esse novo olhar construído sobre a violência doméstica, Miranda (2008) assinala que o estudo da violência em suas causas, consequências, objetivos e justificativas, ganhou atualidade, parecendo depender desta compreensão a possibilidade de sobrevivência da humanidade e construção de alternativas para um futuro melhor.
Caminha (2011) define a violência intrafamiliar como toda ação ou omissão que prejudique o bem-estar, a integridade física, psicológica ou a liberdade e o direito ao pleno desenvolvimento de outro membro da família. Pode ser cometida dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que passam a assumir função parental, ainda que sem laços de consanguinidade, e em relação de poder à outra. Portanto, quando se fala de violência intrafamiliar, deve-se considerar qualquer tipo de relação de abuso praticado no contexto privado da família contra qualquer um de seus membros. Ainda deve-se ressaltar que o conceito de violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde a violência ocorre, mas também às relações em que se constrói e efetua.
Farinatti, apud Mees (2011), coloca que a expressão “abuso sexual intrafamiliar” permite a reunião entre os termos “abuso sexual” e “incesto”, pois retém os aspectos do abuso relativos ao papel sexual feito à criança, bem como destaca tal ocorrência no interior da família.
Segundo Caminha (2010), há elevados índices de violência contra a criança de rua ou em situação de rua no Brasil, sem dúvida nenhuma. Entretanto, estes números são pouco representativos se comparados ao montante de casos que ocorrem de violência intrafamiliar.
O mesmo autor conclui, a partir dos dados apresentados, que os abusos intrafamiliares são uma gama de fenômenos complicados, envolvendo um grande número de variáveis e podem ser chamados de problema multifatorial.
3.1 CARACTERÍSTICAS DA FAMILIA INCESTOGÊNICA
Embora não haja um perfil definido que identifique famílias incestogênicas, existem alguns fatores que analisados dentro de um conjunto fazem parte do universo destas famílias. Corsi (2017) fala sobre uma família caracterizada pela verticalidade, disciplina, obediência, hierarquia e respeito, como sendo elementos indispensáveis para regular as relações destas famílias. E complementa, ressaltando que a aceitação irrestrita destas normas abre margem para diversas formas de abuso intrafamiliar, trazendo, como exemplo, o abuso sexual em que as crianças se submetem à situação abusiva devido à aceitação das normas de respeito e obediência que devem ter pelos maiores, principalmente pela figura paterna.
Segundo debate proferido pelo Laboratório de Estudos da Criança – LACRI (1996), pode se tecer algumas características quanto à família incestogênica: mães deprimidas, que não conseguem assumir sua própria vida e acabam tendo poucas possibilidades de se preocupar com os filhos; falta de comunicação entre os membros da família, fazendo com que o segredo se mantenha; desvalorização das necessidades individuais, não existe espaço para discordâncias e sim uma ideia de hierarquia do adulto sobre a criança; presença de álcool e outras drogas; vínculo erotizado; e família com características moralistas onde as meninas não podem usar saias curtas, sair sozinhas, namorar.
A transgeracionalidade também é uma característica presente em muitas dessas famílias. Este conceito vem sendo cada vez mais utilizado no entendimento da dinâmica de violência intrafamiliar, incluindo o abuso sexual. Escosteguy (2007) apresenta o prefixo “trans” como transporte, transferência ou projeções – normais ou patológicas – parentais no que se refere à relação que estabelecem com crianças e adolescentes pertencentes ao grupo familiar, impondo a estes, a partir de outras gerações, a marca do abuso sofrido no passado.
Sustentando a ideia da transgeracionalidade, Tilmans (2011) traz que pais que abusam de seus filhos foram abusados durante a infância e/ou outra etapa da vida e que este passado passa a formar parte de sua vida, ficando em um plano psicológico oculto.
Ainda dentro da transgeracionalidade como uma das possíveis causas do abuso sexual intrafamiliar, Faiman (2004), a partir do referencial teórico freudiano, fala sobre a compulsão à repetição, que consiste em uma tentativa inconsciente de conferir um sentido que permita a inscrição no psiquismo de uma experiência que extrapolou a possibilidade de compreensão do sujeito. A repetição seria uma tentativa de domínio da situação traumática, por meio do deslocamento para uma posição de sujeito da ação. Por este prisma, a dicotomia abusador/vítima perde sua força e o ciclo da violência, se não trabalhado, tende a se perpetuar passando de uma geração para outra sucessivamente.
Faiman (2004) ainda traz a violência sexual intrafamiliar como sendo proveniente da não consistência da ordem simbólica que sustenta o projeto identificatório, podendo levar o psiquismo ao limite de colapso, momento em que pode ocorrer a passagem ao ato violento.
Essa seria considerada, segundo a autora, como sendo a única saída para a sobrevivência narcísica do corpo, para o sujeito não sucumbir na “mortificação masoquista”.
4. AÇÕES PREVENTIVAS
Estabeleceu-se a lei nº 9.970 no ano de 2000, a qual instituiu-se no dia 18 de maior, como o dia nacional do combate ao abuso e a explosão sexual das crianças.
Como precursor e exemplo para que fosse escolhido a referida data, trouxe como um caso notório o fato que ocorreu no ano de 1973 da menina Araceli que com apenas 09 anos de idade, foi sequestrada e cruelmente assassinada, onde esta foi encontrada de forma irreconhecível, em virtude da utilização do uso de ácido, tendo ainda, marcas fortes de violência sexual.
Esta lei, portanto, tornou-se fundamentais, visto que nessa data, são postos ações de prevenções que visam coibir esse tipo de ocorrência, através da conscientização por meio de palestras e manifestações públicas. Tal dia permite que haja o fortalecimento da comunicação para que haja revelações de casos de abusos.
Segundo Cardin & Mochi, os programas de prevenção se dividem em três tipos e são eles:
Os programas de prevenção primária visam reduzir a incidência da violência intrafamiliar, e isso pode ser feito por meio da conscientização da população acerca dos efeitos nocivos dessa prática; do oferecimento de cursos que ensinem aos pais como educar os filhos de uma forma não violenta; da instrução às crianças e aos adolescentes sobre como se defender de abusos e a quem denunciar etc. Já a prevenção em nível secundário envolve meios de identificar as crianças e adolescentes mais vulneráveis, bem como desenvolver a habilidade de diagnosticar se um menor está sofrendo violência dentro do seu lar, procedendo aos encaminhamentos necessários. Uma vez que a criança ou o adolescente tenha sofrido maus-tratos intrafamiliares, as políticas públicas devem ser voltadas para a minimização das consequências da violência. Isso implica estratégias de prevenção terciária, que envolvem, por exemplo, o atendimento psicoterápico da vítima, dos familiares e do agressor, o encaminhamento jurídico do caso e o acompanhamento social de toda a família. A complexidade do fenômeno da violência intrafamiliar e as sequelas que acarreta na vítima, na família e na sociedade, exigem uma atuação interdisciplinar, em que diversos atores rompem com o isolamento de suas áreas de conhecimento para alcançar uma meta única: tutelar a criança vitimizada e, na medida do possível, colaborar para que o abuso não prejudique ainda mais o desenvolvimento de sua personalidade. (2011, p 18).
Denota-se que mesmo que haja avanços nesse sentido, tendo milhares de formas para que seja denunciado, casos em que envolvem violência sexual intrafamiliar ainda é considerado algo complexo para que seja naturalmente enfrentado, visto que todos devem se engajar fortemente para que os meios de enfrentamento possam ser eficazes.
5. CONCLUSÃO
Ao concluirmos a pesquisa do tema aqui exposto verificamos que mais precisamente nos anos 90, a sociedade começou a despertar para a violência intrafamiliar, buscando coibi-la através de denúncias. Isso porque, nesse período começaram a surgir estudos e campanhas de prevenção e combate à aludida violência, com o intuito de orientar a população e despertá-la para uma realidade constante e que pode estar nos seus próprios lares ou até mesmo ao seu redor.
A participação da sociedade nas políticas públicas de proteção e atendimento à criança e ao adolescente, prevista pelo Estatuto é fundamental para o combate a violência intrafamiliar. Essa participação, entretanto, é efetivada através da implantação dos organismos que a possibilitam como: Conselhos Tutelares, Centros de Defesa, Conselhos de Direitos e Secretarias.
A violência intrafamiliar – violência sexual – traz consequências muito sérias às vítimas porque muitas vezes os abusos sofridos deixam sequelas psíquicas que dificultam o aprendizado, o relacionamento com outras pessoas; tornam a pessoa agressiva, revoltada, insegura e medrosa. Também é possível que traga problemas de saúde diversos, além de cicatrizes e distúrbios emocionais. Todos esses fatores, geralmente, quando essas vítimas tornam-se adultas, tendem a reproduzir a violência sofrida na infância com outras pessoas de sua convivência.
Uma criança tem muita dificuldade de assimilar o abuso e por isso demora ou nunca denúncia o abusador. Por ser muito inocente, a vítima entende que este sofrimento faz parte e que assim deve ser.
Acreditamos que a sociedade evoluiu com o tempo e estamos no caminho da priorização da criança, mas muito ainda há de se investir em pesquisas e meios da efetivação do que a lei instituiu.
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Graduanda em Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, Elizangela Pinheiro. Violência sexual intrafamiliar contra a criança e o adolescente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2021, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56534/violncia-sexual-intrafamiliar-contra-a-criana-e-o-adolescente. Acesso em: 23 dez 2024.
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