RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo abordar e compreender a sistemática da pena dentro do direito penal brasileiro contemporâneo, bem como, realizar uma análise sobre sua possível projeção a nível de futuro. Se utilizará como método de abordagem, a análise crítica dedutiva, através do procedimento técnico de pesquisa bibliográfica e fontes interdisciplinares de forma exploratória e qualitativa. Quanto ao resultado da presente pesquisa, podemos dizer que, aquele que deseja e profetiza um longo futuro para o direito penal terá de admitir que a justiça criminal, apesar de sua evolução, ainda hoje, estigmatiza o condenado e o leva à desclassificação e à exclusão social, consequências que não podem ser desejadas num Estado social de direito, que tem como ideal a integração e a redução de discriminações.
Palavras chave: Constituição. Direito Penal. Futuro. Minimalismo. Pós-modernidade.
ABSTRACT: The present work aims to approach and understand the systematic of punishment within contemporary Brazilian criminal law, as well as to carry out an analysis of its possible projection in the future. Deductive critical analysis will be used as the approach method, through the technical procedure of bibliographic research and interdisciplinary sources in an exploratory and qualitative way. As for the result of this research, we can say that those who want and prophesy a long future for criminal law will have to admit that criminal justice, despite its evolution, even today, stigmatizes the convict and leads him to disqualification and exclusion. social consequences that cannot be desired in a social rule of law, whose ideal is integration and the reduction of discrimination.
Keywords: Constitution. Criminal Law. Future. Minimalism. Postmodernity.
Apesar dos avanços no campo da ciência penal, muito se tem discutido sobre a crise do Direito Penal no Brasil e no mundo, e a discussão sobre esse tema funda-se na necessidade de rever o instituto da pena privativa de liberdade e das práticas punitivas, em sentido amplo. A pena, desde a sua origem, sempre teve o caráter predominantemente de retribuição, de castigo, de imposição de um “mal”. Trata-se, na verdade, não de um simples “mal”, como sustentam os defensores das teorias retribucionistas, mas, sim, de uma grave e imprescindível necessidade social a que recorre o Estado, quando necessário, para tornar possível a convivência entre os homens.
Várias teorias foram elaboradas para fundamentá-la, reconhecendo-se, além da finalidade retributiva, já que pena, por definição direta, sempre será um castigo imposto a quem erra fins preventivos, gerais e especiais, sendo hoje, quase unânime, no mundo da ciência do Direito Penal, a afirmação de que a pena, ainda com todos os seus males, justifica-se por sua necessidade. No Brasil, o desempenho estatal tem ocorrido de maneira insuficiente, principalmente no que pertine à implementação de políticas de prevenção e recuperação da delinquência, estimulando assim o avanço da criminalidade. "Entretanto, não é demasiado dizer que a responsabilidade há de ser atribuída também à sociedade, posto que esta apenas exige; em raras situações colabora" (KUEHNE, 1998, p. 62).
Hoje, o que se vivencia no Brasil, é um cenário de crise do sistema penal, no qual a violação de garantias e direitos corresponde à realização da justiça para o senso comum e a prisão é considerada a única resposta penal possível e eficiente no combate à criminalidade. O cenário atual brasileiro é marcado por um aumento progressivo: da criminalidade e da violência; da sensação de impunidade e insegurança; da falência e ineficiência do sistema penal brasileiro.
Dito disso, deve-se refletir sobre os modelos de justiça penal adotados e buscar construir um novo direito penal, eficiente, para o futuro. Deste modo, diante de um sistema penal atual punitivo-retributivo, surge a problemática que gira em torno deste trabalho, qual seja: o direito penal conseguirá manter-se, e se merece ser preservado?
Uma resposta afirmativa não é de modo algum tão segura quanto em outras criações culturais, pois certamente o direito penal é uma instituição social muito importante. Deste modo, a hipótese que mais se aproxima à problemática do presente trabalho, aponta para um abandono ou esquecimento da fundamentação filosófico-antropológica do Direito Penal, o que tem repercutido na perda do seu caráter garantista.
Este trabalho, tem como objetivo geral, demonstrar os avanços do Direito Penal desde a redemocratização brasileira pós 1988, e quais suas possíveis projeções numa visão futurista, visto esta através da análise histórica, doutrinária, constitucional e dos direitos neles pleiteados, dentre outras.
Este trabalho se justifica, pela necessidade de provocar um questionamento e reflexão sobre alguns aspectos estruturantes da política criminal, por uma parte, e histórico e sociológico por outra, inclusive sobre quais os efeitos de uma possível mudança do Direito Penal, de modo que esse novo cenário se explique e que essa possível mudança (política, jurídica e social) seja entendida, com suas consequentes formas de legitimação do poder e atuação de suas instituições na aplicação do Direito Penal brasileiro.
Se analisarmos a ponderação bipolar da liberdade, da vítima e do infrator, podemos dizer que essa liberdade consiste na manifestação mais evidente da elevação da pessoa humana como sujeito e não simples objeto da ordem jurídica, conforme aliás, a segunda fórmula do Imperativo Categórico Kantiano, que irá dar lugar ao conhecido princípio de proteção da dignidade da pessoa humana, tal como se contém no artigo 1º, III da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, podemos ter uma postura crítica em relação ao pensamento Kantiano, em face de seu formalismo ético; mas, de qualquer forma, graças à sua influência ainda se consigna nas leis fundamentais o respeito à dignidade da pessoa humana como fundamento da ordem jurídica (MONTENEGRO, 2015).
Este trabalho realizar-se-á através de uma pesquisa exploratória de forma qualitativa, através do procedimento bibliográfico e fontes interdisciplinares, se utilizando como método de abordagem a análise crítica dedutiva sobre a sistemática do direito penal brasileiro contemporâneo, bem como suas possíveis projeções e perspectivas a nível de futuro, tendo em vista que na medida em que o pressuposto do direito subjetivo se vê abandonado, segue-se uma alteração de rumos do direito penal.
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE O DIREITO PENAL BRASILEIRO PÓS CONSTITUIÇÃO DE 1988
A Lei n.º 7.209/84 traz consigo a incumbência do Direito Penal de se modernizar de acordo com a atual sociedade:
Que o Estado não deixe de exercer seu jus puniendi, mas que proteja a sociedade e seus bens jurídicos fundamentais, conferindo ao Direito Penal a repressão às condutas lesivas realmente necessárias de ataque contra a esses bens e, ao mesmo tempo, coibindo arbitrariedades do Estado e respeitando os direitos fundamentais garantias do cidadão, sobretudo, os princípios jurídicos e a dignidade humana.
Que o Direito Penal exerça seu papel funcional, de construir políticas criminais, de perseguir seus propósitos, vinculado a um modelo de Estado.
Que a pena adequada seja aplicada, não necessariamente a prisão, fugindo da ideia de que pena significa prisão, de modo a manter o controle social, com recondução do infrator a sociedade.
E que nela se observe dignidade e humanidade, assim como sua execução, respeitando a individualização, a progressão, até a ressocialização e que o ser humano jamais seja um instrumento de uso para consecução das finalidades político-criminais do Direito Penal.
E, nas razões e propósitos da reforma penal da Parte Geral do Código Penal em 1984, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988 que traz uma série de princípios constitucionais penais e aplicáveis ao Direito Penal, extrai-se a ideia de que o Direito Penal deve ser legítimo, passando por uma filtragem constitucional (FELICIO, 2019).
As balizas e princípios da Reforma Penal de 1984 encontrados na Constituição Federal de 1988 remete a concluir que tudo caminhou para uma preparação e entrega do Direito Penal à Constituição. A partir daí, faz-se uma leitura de que o Direito Penal deve se fundamentar na Constituição, respeitando seus princípios e uma pauta mínima de direitos humanos. Visto que o legislador de 1984 enxergou o Direito Penal não como prima ratio, mas como ultima ratio, partindo da premissa de um Estado Democrático de Direito em que a regra não é proibir, mas permitir, reprimindo apenas o necessário, a Constituição Federal de 1988, no seu advento, caminhou no mesmo sentido (DOTTI, 1999).
Por vezes o Direito Penal através dos Códigos Penais esteve separado da Constituição vigente e a partir de 1988, aderindo à Constituição Federal às premissas anteriormente adotadas pela grande reforma, permitiu o surgimento de novas teorias e uma concepção ganhou destaque: o Direito Penal fundamentado na Constituição.
A forma como se comportou o legislador de 1988, qual seja, em sintonia com o legislador 1984 demonstra que o Direito Penal deve ser encarado à luz da Constituição e de suma importância que, se quisermos adotar uma linha filosófica-sistêmica de como se fez naquela oportunidade, esse é o primeiro ponto de partida (BONAVIDES, 2003).
O Direito Penal partindo da premissa de um Estado Democrático de Direito fortaleceu a obrigação e necessidade de se respeitar os direitos e garantias fundamentais, lutados às duras penas ao longo dos séculos. Os princípios constitucionais penais são a prova verdadeira dessa conquista (BUSATO, 2013).
A Constituição Federal de 1988, no Título II (Dos Direitos e Garantias Fundamentais, capítulo I, erigiu os direitos e deveres individuais coletivos. Neste capítulo também definiu vários princípios constitucionais penais, garantidores de garantias aos cidadãos quando o Estado é obrigado a colocar em prática o jus puniendi, para que não existam arbitrariedades e nem regimes de exceção (MORAES, 2017, p. 637).
Tais princípios são norteadores da atuação Estatal no campo penal, para a garantia de um processo imparcial e justo, afastando qualquer punição exacerbada e desmedida quando da aplicação da pena e garantidor do devido processo legal, amparado no contraditório e na ampla defesa. Fundamentos de um Estado Democrático de Direito. Assim, a observância dos princípios constitucionais penais é de suma importância para a garantia dos direitos fundamentais e para a aplicação da lei penal, sendo, pois, repetido no Código Penal e nas demais leis, como forma de concretização da Justiça (BITENCOURT, 2010).
Deste modo, ao analisarmos a evolução do Direito Penal no Brasil, é possível perceber como o desenvolvimento de uma nação é refletido em seu ordenamento jurídico; e não é possível compreendermos as leis que temos atualmente sem uma análise sistemática de como elas foram um dia. Uma sociedade não tem existência sem o Direito Penal.
Ou seja, uma sociedade evoluída é aquela na qual a punição ocorre sem a desvinculação dos direitos básicos inerentes à própria condição de pessoa humana, lição que nosso país aprendeu, infelizmente, à custa de séculos de terror imposto pelas Ordenações Portuguesas e vergonhosos erros judiciários, como o caso da “Fera de Macabu”[1] (CHAVES; SANCHEZ, 2009).
Espera-se, assim, que o Direito Penal continue cada vez mais se aperfeiçoando, tornando-se um efetivo instrumento de controle social que proteja à sociedade e, ao mesmo tempo, opere de forma humana, sempre observando os direitos e garantias dos cidadãos. A grande lição, portanto, e de inspiração para o futuro é a importância de se adotar uma linha filosófica sistêmica e harmônica das legislações que regem o país, sem nunca fugir de vista a dignidade da pessoa humana.
A Constituição Federal de 1988 também se preocupou com a questão penal, sobretudo da sanção penal, haja vista o disposto no art. 5.º, que trata dos direitos e garantias fundamentais, citando-se como exemplo o inc. XLVI, o qual dispões que, “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos" (BRASIL, 1988).
Assim, após o advento da Carta Magna (LGL\1988\3) de 1988, começaram a surgir novas leis de interesse para o direito penal, tais como: a Lei 8.069/90 - Estatuto da Criança e do Adolescente (LGL\1990\37), que, além de manter a inimputabilidade penal para os menores de 18 anos de idade, criou figuras penais típicas, tendo o menor como sujeito passivo (arts. 228 a 244), além de estabelecer agravamentos para tipos penais já existentes (art. 263); a Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), que estabeleceu novas figuras penais em defesa dos direitos do consumidor (arts. 61 a 80); a Lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos), que criou nova definição para infrações penais tomadas como de maior gravidade, por isso sancionadas com maior severidade; a Lei 8.666/93 (Licitações e Contratos), que revogou o art. 335 do CP(LGL\1940\2) e seu parágrafo único e apresentou dez novas figuras típicas, protegendo o procedimento das licitações (LAGO, 2001).
Não podíamos deixar de mencionar para tanto, as recentes mudanças na legislação penal e processual penal com a entrada em vigor do pacote anticrime promovida pela Lei nº 13.964/2019. O chamado “Pacote Anticrime”, além de reduzir pontos de estrangulamento do sistema de justiça criminal, tem como foco, aumentar a eficácia no combate à corrupção, ao crime organizado e demais crimes violentos.
Em relação ao Código Penal, a nova lei criou uma hipótese fictícia de legítima defesa do agente de segurança pública, de aplicabilidade e técnica jurídica discutíveis (novo art. 25, parágrafo único); dispôs-se sobre a execução da pena de multa (novo art. 51); alterou de 30 para 40 anos o tempo máximo de cumprimento de penas privativas de liberdade (novo art. 75); ampliou os requisitos para concessão de livramento condicional (novo art. 83, inc. III); criou uma hipótese de perda "dos bens [...] correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele que seja compatível com o seu rendimento lícito", de difícil e perigosa aplicação concreta (novo art. 91-A); ampliou o rol de causas impeditivas da prescrição (novo art. 116, incs. III e IV); incluiu novas hipóteses de roubo majorado – a saber, pelo emprego de arma branca (novo art. 157, § 2º, VII) e pelo emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido (art. 157, § 2º-B); e aumentou de 8 para 12 anos a pena máxima do crime de concussão (novo art. 316), equiparando-a à do crime de corrupção e corrigindo o que parece ter sido um esquecimento do legislador da Lei 10.763/03 que, à época, aumentou somente as penas da corrupção ativa e passiva (NOVO, 2020).
Como podemos notar, no campo penal, um dos pontos mais relevantes é a elevação do tempo máximo de prisão para 40 anos (antes 30 anos), e a inversão do ônus da prova sobre a identificação do produto do crime. Sobre este último ponto, produto do crime é tudo aquilo que se obtém com a prática delitiva, como o carro roubado, os recursos desviados em peculato, ou oriundos da corrupção passiva. Salienta-se, que o supracitado “Pacote Anticrime”, também fez, alterações na Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).
Já, no campo processual a principal novidade é a previsão do juiz de garantias. Pelas novas regras, o juiz que atua na fase de investigação criminal, que decide sobre escutas telefônicas, prisões preventivas, buscas e apreensões e outros incidentes, não pode julgar o mérito do caso. “[...] Busca-se do juiz que decidirá o mérito da questão a serenidade e a imparcialidade, estados mentais nem sempre presentes naquele que atuou na investigação, decretou medidas cautelares ou teve contato com elementos precários de prova” (BOTTINI, 2020).
O que se tem, portanto, com o juízo de garantias está para além de uma simples alteração formal nas regras de competência ou no método de organização judiciária. Trata-se, sem qualquer exagero, de uma verdadeira revolução política no campo do processo penal em direção a um paradigma de maior compromisso democrático. A mudança, no entanto, para que seja efetiva demanda uma profunda alteração do próprio ‘modo de ser’ do juiz. Enfim, uma exigência de real transformação quanto à cultura jurisdicional.
Verifica-se que a lei traz novidades importantes, como o juiz de garantias, a definição mais clara da natureza probatória da delação premiada, limites à prisão preventiva, mas também regras questionáveis, como a relativização da vedação à execução provisória da pena e a inversão do ônus da prova nos casos de perdimento, que podem abrir precedentes para violações mais claras e profundas a regras constitucionais consagradas. Não restam dúvidas de que o Pacote Anticrime, trata-se de reforma legislativa de grandes impactos para a Justiça Criminal, visto que, de uma só vez, modificou nada menos do que 17 leis atualmente vigentes, entre as quais o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal (NOVO, 2020).
3. SISTEMA CARCERÁRIO BRASILEIRO EM FACE DA INEFICÁCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
As penitenciárias e presídios brasileiros estão inseridos numa realidade pelo qual não estão preparados estruturalmente, há um crescimento na população carcerária que não está sendo acompanhado, dificultando a melhoria da estadia do preso durante seu cumprimento de pena, ocasionando, a não eficácia da Lei de Execução Penal.
Conforme dados da Agência Brasil, o país (números relativos a junho de 2019) conta com uma população carcerária de mais de 773 mil presos, esses números ainda mostram um déficit de 312.125 vagas nas unidades prisionais, e que as vagas disponíveis são 461.026, podendo chegar a um total de 100 mil até 2022. Em números relativos, o Brasil hoje, possui a 3ª maior população carcerária do planeta, bem como, ocupa a 24ª posição entre os países com o maior número de presos provisórios (AGÊNCIA BRASIL, 2020).
Acerca da condição do sistema carcerário brasileiro, Castro e Kelner (2014, p. 103) afirmam que, “o sistema carcerário brasileiro, além de desumano, não comporta mais presos”. Devido à superlotação das penitenciárias os programas que envolvem políticas públicas ressocializadoras não conseguem se desenvolver, pois são muitos presos inseridos em um mesmo ambiente.
Naturalmente que essa superlotação carcerária gera, por si, um infindável número de problemas que culmina por inviabilizar o sistema para o fim de obter os objetivos da pena. Os presos são entulhados em cubículos, onde mal podem se mover. Numa mesma cela muitas vezes se agrupam homicidas, estelionatários, estupradores, ladrões, traficantes (FERREIRA; RABAGLIO, 2015, p. 35-36).
Diante das afirmações supracitadas torna-se difícil a ressocialização dos detentos, pois a implantação da ressocialização é iniciada no momento em que os direitos dos presos são mantidos e principalmente sendo tratados como premissa maior. É importante que eles sejam recebidos em lugares adaptados para indivíduos que permanecerão por todo o tempo de cumprimento de pena, ressaltando que, não irão ter acesso a outra moradia, viverão dentro do estabelecimento penal. Sendo assim, não há como falar em ressocialização sem cumprir preceitos básicos da Constituição Federal.
Nesse sentido:
A reintegração do presidiário à sociedade esbarra em vários obstáculos, os quais inviabilizam qualquer esforço institucional de recuperação do indivíduo infrator. Nessa luta é preciso contar não apenas com uma estrutura carcerária eficiente, capaz de proporcionar ao preso uma capacitação mínima de subsistência ao ser liberto, mas também, com o apoio da sociedade (SANTOS, 2001, p. 32).
A Lei de Execução Penal é moderna e garante aos detentos uma execução penal digna e com a finalidade de alcançar a ressocialização, a fim de obter um retorno pacífico à sociedade, no entanto, o que notamos na realidade é diferente. Desse modo, se aos presos não forem apresentadas outras oportunidades, o crime será sempre o primeiro deles. Ressalta, ainda que, é necessário estimular o preso para que o objetivo de reinserir o detento que almeja a LEP seja cumprido (ZALUAR, 1990, p. 73).
Sobre a Assistência Educacional, “o grande problema é que esta oferta se organiza de forma precária e sem uma institucionalização na rede de ensino, como prevê a LEP. Na maior parte das Secretarias responsáveis pela Administração Penitenciária não há um setor para organizar a assistência educacional [...]” (TEIXEIRA, 2007).
Tampouco a dificuldade encontrada na Assistência Educacional, podemos notar ainda, que o Trabalho do Preso, conforme muitas correntes doutrinárias acreditam que dentre os programas que visam ressocializar, seja ele o que mais é efetivo e mais fácil de aplicar nos estabelecimentos penais tem se encontrado com dificuldades na aplicação, na realizada brasileira do Sistema Carcerário.
[...] devemos entender que, mais que um simples problema de Direito Penal, a ressocialização, antes de tudo, é um problema político-social do Estado. Enquanto não houver vontade política, o problema da ressocialização será insolúvel. De que adianta, por exemplo, fazer com que o detento aprenda uma profissão ou um ofício dentro da penitenciária se, ao sair, ao tentar se reintegrar na sociedade, não conseguirá trabalhar? E se tiver de voltar ao mesmo ambiente promíscuo do qual fora retirado para fazer com que cumprisse sua pena? Enfim, são problemas sociais que devem ser enfrentados paralelamente, ou mesmo antecipadamente [...] (GRECO, 2008, p. 477).
Nesse diapasão, o preso na atualidade brasileira ao entrar e ao sair do estabelecimento penal sofre com as dificuldades encontradas. Diante desta análise do autor, podemos entender o motivo do qual, há o preconceito por parte da sociedade para com o preso, devido ele não estar nos padrões. Ainda, ao que parece para a sociedade brasileira é que ele nunca poderá retornar, sempre será um criminoso e agente ativo de atentados aos costumes.
Para Molina a pena não tem função ressocializadora, ainda escreve:
A pena não ressocializa, mas estigmatiza, não limpa, mas macula, como tantas vezes se tem lembrado aos expiacionistas; que é mais difícil ressocializar, a uma pessoa que sofreu uma pena do que outra que não teve essa amarga experiência; que a sociedade não pergunta por que uma pessoa esteve em um estabelecimento penitenciário, mas tão-somente se lá esteve ou não (MOLINA, 1988, p. 41).
Diante da explanação do autor acima, a sociedade brasileira não costuma se preocupar no motivo em que levou o indivíduo vivenciou o cárcere, importa é que esteve lá, e se esteve lá, tornou-se um problema sem solução para a coletividade, não importando as condições subumanas que foi submetido e nem as oportunidades de ressocialização que não teve acesso. O preconceito está nisso, está na negatividade em que ele é recebido e tratado, fora ou dentro dos estabelecimentos penais.
Para falar em reinserção social deverão ser entendidas as condições que os presos convivem e que são expostos, pois ao que tange a ressocialização é necessário um agrupamento de características para se chegar ao objetivo final, ou seja, a pena privativa de liberdade, por si só, não irá ressocializar o detento, é preciso mais, é preciso programas instituídos com o fim ressocializador e profissionais para contribuir na aplicação destes programas.
Nas palavras de Nogueira (1996, p. 7), “a pretensão de transformar a pena em oportunidade para promover a reintegração social do condenado esbarra em dificuldades inerentes ao próprio encarceramento”. Para ele há a existência da agressão nos estabelecimentos penais no Brasil devido ao despreparo dos agentes e policiais, e ainda, dos próprios detentos que ao adentrarem no Sistema Prisional brasileiro, além de já estarem em um caminho do crime, durante seu cumprimento de pena possuíram a tão chamada formação na “escola do crime”
Contudo, as críticas negativas em tela mostram a dificuldade do egresso no Sistema Prisional Brasileiro se ressocializar, não reincidir criminalmente e poder retomar sua vida em liberdade sem que seu interior ainda esteja tomado pelos malefícios do crime
4. CRIMES MODERNOS (DOS CRIMES INFORMÁTICOS)
Entre os vários crimes passíveis de acontecimentos em ambiente cibernético, insta citar que alguns decorrem de práticas que o próprio Direito Penal coíbe, desde sua gênese. Exemplo disso são os crimes contra a honra nas suas três espécies: calúnia, difamação e injúria. Além disso, não raras vezes se noticiam práticas de injúria racial ou pornografia infantil.
Muito se discute em sede doutrinária qual seria a terminologia mais adequada para se referir aos crimes que ocorrem no espaço virtual, ou seja, se o mais correto seria “delito cibernético”, “delito eletrônico”, “delito digital” ou “delito informático”. Apesar de não haver um consenso entre aqueles que escrevem acerca do tema, ou, nem mesmo, na jurisprudência dos tribunais superiores, o Brasil conta, nos dias de hoje, com o Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico (IBDE), cuja posição é no sentido de que a melhor nomenclatura seria “crime eletrônico” (SPINIELI, 2018).
Augusto Eduardo de Souza Rossini, que escreve com propriedade sobre o assunto, assevera que a melhor denominação é aquela que leva o termo “informático” em sua composição, como demonstra:
Ouso denominá-los “delitos informáticos”, pois dessa singela maneira abarcam-se não somente aquelas condutas praticadas no âmbito da internet, mas toda e qualquer conduta em que haja relação com sistemas informáticos, quer de meio, quer de fim, de modo que essa denominação abrangeria, inclusive, delitos em que o computador seria uma mera ferramenta, sem a imprescindível “conexão” à Rede Mundial de Computadores (ROSSINI, 2002).
Quer dizer que, conforme interpretação majoritária na doutrina jurídica penal moderna, delitos informáticos seriam gênero, do qual o delito cibernético, como explicita o sobredito autor, este se refere tão somente aos crimes realizados especificamente no âmbito da internet, cabendo também a expressão “delito telemático”, é espécie.
Nesse sentido, importante a reflexão trazida à tona por Mário Antônio Lobato de Paiva, em artigo sobre o tema, considerando que o ramo jurídico denominado “direito informático” nada mais é senão o:
[...] conjunto de normas e instituições jurídicas que pretendem regular aquele uso dos sistemas de computador – como meio e como fim – que podem incidir nos bens jurídicos dos membros da sociedade; as relações derivadas da criação, uso, modificação, alteração e reprodução do software; o comércio eletrônico, e as relações humanas realizadas de maneira sui generis nas redes, em redes ou via internet (PAIVA, 2003).
Cumpre salientar, finalmente, a existência de certa divergência entre autores no que diz respeito ao reconhecimento do Direito Informático como ramo jurídico autônomo, o que ocasionou a formação de duas correntes bem delimitadas, tema este que sobrevive com aceitações e restrições de ambos os lados da doutrina. Num primeiro ponto, os partidários do tradicionalismo negam sua existência em separado, enquanto outros da mesma corrente entendem que as novas práticas de caráter penal, consumerista, civil, empresarial etc., no âmbito da internet representam um meio e, por esse motivo, são meros reflexos de condutas antes reguladas. Para a segunda corrente, porém, é indiscutível a necessidade de organizar legislativamente a atividade informática, que hoje tanto carece de proteção específica. Além disso, sustentam que o Direito Penal do século XIX restringe-se, em sua maioria, aos bens jurídicos advindos da primeira e da segunda geração de direitos fundamentais, isto é, aqueles relativos à liberdade e à igualdade (SPINIELI, 2018).
O objeto ou bem jurídico que é tutelado pela normal penal representado nos dizeres do clássico penalista Francisco de Assis Toledo como todos os objetos materiais ou imateriais que são protegidos pelo Estado é todo valor ético-social que o direito seleciona, com o objetivo de assegurar a paz social, colocando-o sob sua proteção para que não seja exposto a perigo de ataque ou lesões efetivas (TOLEDO, 1994).
Com a evolução do direito, nas sociedades modernas, novos dispositivos jurídicos são criados e usados, por exemplo: no direito penal, há a criação de dispositivos para regular os crimes informáticos e econômicos, além de haver também um novo direito penal focado na cibernética. No Brasil, há a Lei nº 12.737/2012, com foco em tipificar crimes realizados no ambiente digital como invadir computadores das pessoas, roubar senhas de dados dos usuários, dentre outros.
Os legisladores atuais tendem a criminalizar novos tipos de conduta, as quais se desviam dos padrões de conformidade, assim abordam novos tipos de crimes e, nos dispositivos, incluem também as sanções penais. Criam-se uma enorme quantidade de dispositivos para adicionar maneiras de se punir tais comportamentos, que estão sendo tipificados. Essa hipertrofia do direito penal ocorre por causa das transformações tecnológicas, políticas, culturais ocorridas na sociedade, e elas necessitam de um ajustamento, o qual no Direito Penal é um alargamento no sistema de controle social (ANDRADE, 1997, p. 435-436).
A criminalidade aumentou, mesmo que a vigilância também tenha sido acrescida, no entanto tais fatos não significam o fracasso do direito penal, são fruto das transformações socioculturais e econômico-políticas na sociedade.
5. O DIREITO PENAL DO RISCO E O PARADIGMA PENAL CLÁSSICO
A sociedade de risco traz constantes alterações dos cenários social, político e econômico. Não se pretende desconsiderar aqui, por óbvio, os inquestionáveis benefícios que o desenvolvimento tecnológico trouxe para o bem estar das pessoas. Pretende-se, isso sim, demonstrar que não se pode ignorar as suas consequências negativas, por exemplo, o crescimento gradativo da sensação de medo e insegurança diante do aumento considerável de riscos em uma dimensão cada vez mais global.
Porém, o Direito Penal foi elaborado para tutelar bens jurídicos tradicionais como a vida, a integridade física, a saúde, o patrimônio, enquanto que, no atual universo pós-moderno, as ações humanas, potencializadas pelo desenvolvimento da razão técnico-instrumental, alcançaram novas dimensões, em relação de espaço-tempo, em que os riscos se globalizam, e geram danos muitas vezes diferidos, atingindo novos bens jurídicos (MACHADO, 2014).
A verdade é que a globalização econômica vem contaminando o sistema jurídico, ora propugnando pela descriminalização de condutas que atrapalhem a eficiência econômica, ora postulando pela adoção irracional de novos tipos aptos a tutelar interesses que impliquem maximização de riquezas. Na medida em que o direito, em termos gerais, amplia o seu âmbito de regulação, naturalmente mais conflitos passam a possuir uma relevância jurídico-penal. Em outras palavras, pode-se dizer que a expansão do direito penal é a consequência natural da expansão de todo o direito. Desse modo, o direito penal moderno, marcado por novos paradigmas, visa definir a realidade atual:
a) a ineficiência do Estado em executar políticas públicas básicas, o que aumenta o índice de criminalidade; b) a ineficiência do Estado em fiscalizar e executar adequadamente o sistema penitenciário, ensejando a mitigação do Direito Penal clássico, com o advento de um Direito de segunda velocidade (mitigação da pena de prisão e adoção de penas alternativas), o que vem demonstrando o aumento da reincidência; c) aumento da sensação subjetiva de insegurança da população, em virtude do avanço tecnológico dos meios de comunicação (forma sensacionalista com que a mídia antecipa o julgamento e veicula notícias – como produto de mercado); d) sociedade marcada pelo risco, em decorrência dos avanços da tecnologia (novos meios de transportes, de comunicação etc.), surgindo, na legislação penal, novos tipos de perigos abstratos e omissivos impróprios como respostas aparentemente adequadas para evitar tais riscos; e) aumento considerável da demanda penal, diante da tutela dos interesses difusos e coletivos e outros decorrentes das “novidades” da era pós-industrializada (econômicos, de informática etc); f) globalização econômica que vem intensificando as desigualdades sociais e incrementando no Direito novos conceitos, com novos tipos penais, com o abandono de consagradas figuras em nome da eficiência econômica; g) utilização do Direito Penal como instrumento para soluções aparentemente eficazes a curto prazo, mediante o fisiologismo de políticos que acabam hipertrofiando o sistema penal, criando uma colcha de retalhos legislativa incongruente e desproporcional; h) o desprestígio de outras instâncias para a solução de conflitos que poderiam ser, a princípio, retirados da tutela do Direito Penal (como por exemplo, o Direito Administrativo); i) considerável descrédito da população nas instituições e na possibilidade de mudança a curto prazo que, acentuado pela crise do próprio homem, vem fomentando a criação de “Estados paralelos” à margem da ordem jurídica posta, aumentando e fortalecendo organizações criminosas, proliferando a justiça “pelas próprias mãos” (linchamento, grupo de extermínio etc.), desmobilizando os movimentos sociais e desarticulando os mecanismos de resistência à miséria etc. (CAMPILONGO, 2000, p. 54).
Com efeito, o caráter “expansivo” do chamado “direito penal do risco” vem acolhendo novas demandas e interesses penais e antecipando a tutela penal. Assim, criando novos tipos penais ou majorando a pena de um já existente, cria-se a ilusão de segurança jurídica para o problema, tendo em vista que o direito teria conseguido apreender o fenômeno, entender sua dinâmica e resolver seus conflitos (MACHACO, 2014, p. 63-64).
Cabe considerar, por fim, que o panorama crítico atual tem estabelecido a exigência de renúncia aos princípios que estão atravessados nessa modernidade, na medida em que exige que o direito penal se torne mais flexível e abrangente para poder responder de maneira adequada às crescentes perturbações.
6. POSSÍVEIS PROPOSTAS E MEDIDAS A SEREM ADOTADAS NA CONSTRUÇÃO DO DIREITO PENAL DO FUTURO
O Direito Penal parece ser um mal necessário e por isso, deve ser promovido. A abolição do direito penal na vida em sociedade não se revela viável, uma vez que o crime é um fenômeno social. A conduta criminosa é um desvio social, que deve ser combatido e reprimido.
A justiça criminal estigmatiza o condenado e promove sua exclusão social, uma atuação contraditória a um Estado Social de Direito, em que se deve buscar a integração social e a redução das discriminações. A inevitabilidade de mecanismos de controle social pode ser observada no estudo, em que foi desenvolvida a Teoria das janelas quebradas, pelo psicólogo Philip Zimbardo, em 1969 (QUEIROZ, 2019).
Monaliza Montenegro explica como o estudo foi realizado:
No final da década de 60, psicólogos americanos resolveram dar início a uma curiosa experiência. Deixaram dois automóveis idênticos abandonados em bairros diferentes do Estado de Nova York, um em bairro nobre e outro na periferia. O resultado não poderia ser diferente. O carro que estava na periferia foi rapidamente depredado, roubado e as peças que não serviam para venda foram destruídas. O carro que estava na área nobre da cidade permaneceu intacto. Mas isso os pesquisadores já poderiam prever. O que eles queriam mesmo comprovar era um outro fenômeno. Com isso, prosseguiram quebrando as janelas do carro que estava abandonado em um bairro rico e o resultado foi o mesmo que aconteceu na periferia: o carro passou a ser objeto de furto e destruição (MONTENEGRO, 2015).
De acordo com essa teoria, a desordem gera desordem, e a ausência zelo pelas regras, quer pela figura da autoridade ou pela própria sociedade, acarreta em uma degradação social. Estabelece, desse modo, que a criminalidade está relacionada ao desenvolvimento das relações sociais e à natureza humana (QUEIROZ, 2019).
A eficiência de controles sociais preventivos no combate à criminalidade, pode ser observada ainda, em casos como o Japão e como Munique. No caso japonês, há um controle social consideravelmente mais intenso, em que a família, os vizinhos e a polícia de imagem assistencial, atuam, conjuntamente, e dificultam o comportamento desviante. A estrutura social japonesa é bem menos individualista que a ocidental e a criminalidade acaba sendo consideravelmente menor quando comparada aos países industriais do ocidente. Da mesma forma, constata-se em Munique, em que o policiamento muito intenso acarreta em uma eficácia preventiva, tornando esta, a cidade mais segura da Alemanha (ROXIN, 2008, p. 25-30).
Dessa forma, observa-se que um controle preventivo mais intenso, pela autoridade ou própria sociedade, poderia representar uma medida eficiente para a política criminal, desde que observado o respeito aos direitos fundamentais. O Estado de Direito é incompatível com qualquer proposta de diminuição de garantias, por isso a pena não pode implicar jamais na perda ou diminuição dos direitos fundamentais, ou seja, a prisão só pode ocorrer quando houver a necessidade de aplicação de pena para a proteção de bens jurídicos relevantes. Dessa forma, o policiamento ostensivo, preventivo, que encontra limites constitucionais deve ser observado como uma medida efetiva e necessária para a eficiência de qualquer sistema punitivo.
Ademais, a manutenção dos presos e dos presídios acarreta em custos elevadíssimos para o Estado. O Estado deveria promover, por meio do cumprimento da pena, a reintegração do preso ao meio social, dotando-o de capacidade ética, profissional e honra. Contudo, acaba somente impondo ao condenado constantes violações a direitos humanos e à sua dignidade, em nada contribuindo para seu aperfeiçoamento pessoal e profissional (QUEIROZ, 2019).
Nesse cenário, deve-se buscar a construção de um Direito Penal Mínimo. O Abolicionismo destaca as desvantagens do direito penal estatal, ao estabelecer que o aparelho de justiça voltado para o combate ao crime não é tão eficiente quanto um combate às causas sociais da delinquência. No entanto, a proposta não seria da abolição do Direito Penal (ROXIN, 2008, p. 31).
Baratta (2008, p. 162) destaca que o sistema penal brasileiro funciona da seguinte forma:
O Direito Penal não defende todos e somente os bens essenciais nos quais todos os cidadãos estão igualmente interessados e quanto castiga as ofensas aos bens essenciais, o faz com intensidade desigual e de modo parcial; a lei penal não é igual para todos. O status criminal é desigualmente distribuído entre os indivíduos; O grau efetivo de tutela e de distribuição do status de criminoso é independente da danosidade social das ações e da gravidade das infrações à lei, pois estas não constituem as principais variáveis da reação criminalizadora e de sua intensidade.
As considerações trazidas pela criminologia crítica possuem relevância em um país marcado pela desigualdade social, como o Brasil. Constata-se, no sistema punitivo brasileiro, fenômenos como a criminalização da pobreza e da influência das causas sociais na delinquência.
Consoante o pensamento de Salo de Carvalho, A perversão da equação que agrega a histórica omissão de políticas sociais integradoras com a ingerência ativa na ampliação das hipóteses de criminalização, obtém, como resultado, a barbarização dos espaços de encarceramento, barbarização das prisões significa a manutenção pelo poder público de locais totalmente inadequados a implementação dos programas de ressocialização divulgados pelas próprias agências oficiais, locais precarizados que, em razão dos déficits de investimentos, sequer propiciam condições de sobrevivência mínima aos apenados em cárceres, manicômios judiciais e instituições juvenis. Os limites de urgência no sistema prisional foram ultrapassados há décadas e, dia a dia, são acumulados fatos que revelam a indecência da execução penal no Brasil [...] (CARVALHO, 2020, p. 31).
Diante disso, percebe-se que a importância das políticas sociais na construção de um direito penal eficiente. A realidade social exerce um papel fundamental nos índices de violência e criminalidade. Deve-se buscar um Estado de Bem-Estar Social para todos, por meio de investimentos sociais voltados para a erradicação da pobreza e redução da desigualdade.
7. DESLEGITIMAR PARA ALCANÇAR A RELEGITIMAÇÃO DA INTERVENÇÃO PENAL
Diante da regulação e do Estado Solidário, parecem ser pertinentes as discussões acerca do Direito Penal e das políticas criminais. São discussões instigantes que acabam por desafiar a grande maioria dos estudantes, entusiastas, doutrinadores e operadores do Direito. A problemática da sua aplicação e do papel que desempenha na sociedade ultrapassa os limites da área jurídica: engloba o estudo do comportamento humano, das relações sociais, da sociologia, da filosofia, da hermenêutica e assim por diante (YAMAZAKI, 2017).
O direito do Estado Democrático de Direito está sob constante ameaça. Isso porque, de um lado, corre o risco de perder a autonomia (duramente conquistada) em virtude dos ataques dos predadores externos (da política, do discurso corretivo advindo da moral e da análise econômica do direito) e, de outro, torna-se cada vez mais da frágil em suas bases internas, em face da discricionariedade/arbitrariedade das decisões judiciais e do conseqüente decisionismo que disso exsurge inexoravelmente (STRECK, 2010, p. 164).
Percebe-se, portanto, que é difícil encontrar soluções em apenas uma área do conhecimento, já que o direito é dinâmico, vivo, envolvente e mutável. Não se pode esquecer que, “o direito como causa final, colocado em meio da engrenagem caótica dos fins, das aspirações, dos interesses humanos, deve incessantemente ansiar e esforçar-se por encontrar o melhor caminho e, desde que se lhe depare, deve terraplanar toda a resistência que lhe opuser barreiras” (IHERING, 2009, p. 29).
Nesse sentido, a crença nas políticas criminais de Lei e Ordem, a aplicação de um Direito Penal voltado à criminalização e na efetividade do cárcere é comum entre os membros da sociedade. Isso porque, proporciona a falsa sensação de se viver em uma sociedade mais segura e mais justa. No entanto, o que se observa na prática é uma política criminal muito mais repressiva e incriminadora, com o condão de mostrar resultado imediato (YAMAZAKI, 2017).
É a partir desse cenário que o caos penal surge como uma onda devastadora que precisa ser contida. Então, com o objetivo de conter o caos e trazer, de fato, respostas para o clamor social por segurança, surgem novas propostas, como é o caso do Direito Penal Mínimo, ou ainda, minimalismo penal, pautado no “garantismo” dentro do Estado Constitucional e Democrático de Direito.
O minimalismo é um movimento de crítica ao atual sistema de justiça penal, com proposta de redução desse sistema. Sob esse ângulo, o minimalismo penal é caracterizado pela disposição de promover a (des)legitimação do Direito Penal vigente e, no mesmo passo, a apresentação de uma proposta alternativa de política criminal crítica, que represente um programa de contenção da violência punitiva estatal, baseado nas mais rigorosas afirmações das garantias próprias do Estado de Direito e numa ampla política de descriminalização. Sob essa ótica, o Direito Penal seria reduzido a um mínimo necessário, alcançando um campo de incidência limitado a condutas inexoravelmente danosas (BARATTA, 2003, p. 348).
Ocorre que, não existe um minimalismo, mas, sim, diferentes minimalismos em perspectivas teóricas e práticas. Existem minimalismos como caminho a se chegar ao abolicionismo, minimalismo como fim em si mesmo e minimalismo reformista. Vale evidenciar, no entanto, que, tanto o minimalismo como o abolicionismo são movimentos caracterizados pela deslegitimação do Direito Penal vigente. A distinção básica entre esses movimentos é que, diferentemente do abolicionismo, o minimalismo defende a necessidade do Direito Penal, desde que reduzindo a um campo mínimo de incidência (ANDRADE, 2005).
Por minimalismo reformista (ou minimalismo de reforma penal), entende-se o movimento de reforma que, sob o prisma da intervenção mínima e do uso da prisão como ultima ratio, pretende a busca por alternativas penais à pena de prisão. No Brasil, podemos citar como exemplo a reforma penal e penitenciária de 1984 e a implantação dos juizados especiais. Essa denominada reforma penal e penitenciária diz respeito às Leis ns. 7.209/84 e 7.210/84, que introduzem as penas alternativas, sendo posteriormente editada a Lei nº 9.714/98. E, em 1995, a implantação dos juizados especiais criminais, com a Lei nº 9.099/95 (SILVA, 2017).
O abolicionismo, por sua vez, apesar dos diferentes níveis de defesa de teses abolicionistas, é considerado como um movimento que pretende superar a cultura ideológica do sistema penal, pois tem como princípio cardeal a descriminalização na maior rigorosidade possível do sistema penal, e não simplesmente abolir as instituições de controle. Assim, os modelos que utilizam o minimalismo como meio para se chegar ao abolicionismo partem da ideia de que a crise estrutural do sistema penal é irreversível e assumem o abolicionismo como objetivo final, pois não acreditam na (re)legitimação do sistema penal no presente ou no futuro (SILVA, 2017).
É certo que vivemos num momento de ruptura social, no qual as recentes ameaças causadas pelos novos riscos (terrorismo, aquecimento global, crime organizado, manipulação genética, tráfico de drogas, tráfico de seres humanos etc.), causam um colapso nos tradicionais instrumentos de segurança. Todavia, não é o direito penal que possui os instrumentos de defesa social suficientes para proteção desses mega riscos. Conforme Dias, é a filosofia que deve repensar os caminhos de superação, os líderes da comunidade que devem promover a interiorização das novas ideias e dos valores nos indivíduos, os agentes econômicos e sociais que devem se auto-organizarem e autorregularem (DIAS, 2003).
Como limite de proteção penal na tutela de bens jurídicos deve existir um diálogo entre o direito constitucional e o direito penal, mais especificamente uma relação material entre os mandados de criminalização constitucionais e a ordem legal dos bens jurídicos. Ocorre que, de acordo com Jorge de Figueiredo Dias, esses mandados de criminalização devem ser expressos, pois “não existem imposições jurídico-constitucionais implícitas de criminalização” (DIAS, 1999, p. 80).
Por fim, há os modelos que partem da deslegitimação do sistema penal para uma futura reafirmação ou (re)legitimação. Trata-se da utilização do minimalismo como fim em si mesmo, pois acredita que o sistema penal possa ser (re)legitimado (ANDRADE, 2005). É esse modelo de minimalismo como fim em si mesmo que Ferrajoli, partindo de uma “teoria garantista dos vínculos e dos limites”, defende, com o objetivo de alcançar critérios de deslegitimação do poder punitivo estatal. Porém, o autor reconhece que essa deslegitimação não pode ser total, pois o direito penal, quando aplicado apenas na tutela dos direitos fundamentais, é o mal menor se comparado a outras reações não jurídicas. Com isso, essa legitimação mínima do sistema penal evita os altos custos de uma anarquia punitivista (FERRAJOLI, 2002, p. 271).
Nessa crise de legitimidade e expansão do sistema penal, enquanto o abolicionismo dialoga com os minimalismos teóricos, o minimalismo reformista ainda corre o risco de se tornar um minimalismo pendular e, paradoxalmente, aumentar a via de controle penal, uma vez que, a pretexto de minimizar a tutela penal, o controle sobre as menores práticas acaba por aumentar a fronteira de atuação, abandonando a essência minimalista e se transformando em uma verdadeira expansão do Direito Penal, desprovida das garantias processuais (SILVA, 2017).
Para guiar a atuação de intervenção penal, Dias traz ao debate a aplicação do princípio da não intervenção moderada, de maneira que, para o controle da criminalidade dentro dos fatores sociais suportáveis, todo o aparato estatal de controle do crime deve intervir o menos possível, desde que na medida indispensável para assegurar as condições essenciais de funcionamento da sociedade (DIAS, 1999, p. 80).
Portanto, conforme Vera Andrade (2005), é preciso dar novo significado ao minimalismo e erguer novos muros de fronteiras para essa expansão penal. Entre a aversão do abolicionismo e a “colonização do eficientismo”, a solução que parece mais possível é a de deslegitimar o Direito Penal para legitimá-lo futuramente, sob um verdadeiro enfoque de Direito Penal mínimo.
Assim, teríamos que destacar, ainda que de forma vaga e imprecisa, seguindo a mesma linha argumentadora deste ensaio, que as normas orientadoras do microssistema seriam aplicadas como discurso, com o fim de resgatar um consenso racionalmente motivado, por meio de argumentos, em processos de entendimento, nos quais, sob especiais condições de interação, os participantes ingressam em um discurso negociado, buscando cooperativamente a verdade e a justiça, excluídas na conciliação quaisquer coações exceto a dos melhores argumentos (GÜNTHER, 2004, p. 75 e ss), retirando da esfera de proteção penal aqueles fatos que, motivados pela proteção a bens jurídicos supraindividuais, em sua tutela exigem elementos de flexibilidade, com utilização de novos elementos alternativos de voluntariedade, oportunidade e consenso, que em um sistema repressivo penal ficariam comprometidos ou constituiriam elementos violadores de garantias, direitos e princípios, nucleares do direito penal.
Daí, então, delineadas algumas linhas iniciais de uma proposta alternativa, uma “terceira via”, para uma atuação material e instrumental, apta à demanda decorrente da proteção de bens jurídicos universais, construída segundo as características marcantes destes próprios bens jurídicos, a necessidade de elementos de consideração de aptidão na responsabilidade de pessoas jurídicas, na recepção de construções materiais, agora extrapenais, de perigo, com a utilização procedimental primária da negociação ampla, regulada por elementos objetivos e subjetivos de represamento, com uma voluntariedade na recepção do procedimento e a oportunidade da persecução de causas que apresentem como dignas de importância, em real afronta ou perigo de afronta aos bens protegidos, sempre se sujeitando à adoção ou aplicação de sanções entre as quais nãos se inclui a prisão (PEREIRA, 2000).
Apenas a título de argumentação, as alternativas restariam adequadas aos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, porquanto respeitariam a dignidade da pessoa humana, reprimindo mais adequadamente as violações a determinada classe de bens, que não são aptos a uma resposta penal exata, justa e eficaz, optando por elementos de oportunidade e voluntariedade que, alinhados ao direito de escolha e participação ativa dos envolvidos na própria produção de soluções argumentadas para os prejuízos ou o perigo de prejuízos produzidos, manteriam intactas as próprias estruturas do sistema penal de persecução e proteção, em uma segurança jurídica adequada aos reclamos da sociedade atual.
Da leitura do trabalho, extraímos que a pena no decorrer da história brasileira sofreu inúmeras modificações, tendo funções distintas em cada momento, tendo influenciado de forma direta na sociedade. Entretanto ainda existem dúvidas em relação ao verdadeiro caráter da pena, pois mesmo diante de toda essa evolução, a sua função não tem se mostrado muito eficaz, restando a dúvida se seria melhor uma função punitiva, coercitiva ou reeducativa.
Uma sociedade não tem existência sem o Direito Penal. E uma sociedade evoluída é aquela na qual a punição ocorre sem a desvinculação dos direitos básicos inerentes à própria condição de pessoa humana, lição que nosso país aprendeu, infelizmente, à custa de séculos de terror imposto pelas Ordenações Portuguesas e vergonhosos erros judiciários. Mas nosso ordenamento vem conseguindo superar suas limitações e consolidar-se como um trunfo que cada cidadão brasileiro dispõe para defender-se da opressão Estatal.
Enfim, conhecer as leis que regem e regeram seu país é o mínimo que um cidadão pode fazer para entender como este país funciona e o que se pode fazer para contribuir com ele, torná-lo cada vez melhor. Isto é ato de cidadania e, mais que direito, é dever de cada membro da sociedade.
Pois bem, em razão da atual realidade de inchaços dos presidiários e fundamentado na ideia de que as clássicas prisões nada mais são do que um erro erguido sobre pedras que têm sido utilizadas, não raras vezes, para a aplicação de suplícios e descaracterização da autoconceito do indivíduo, observa-se na atualidade uma forte intenção de modificar a aplicação desse castigo há tanto já realizado na história da humanidade. A prisão, a nosso ver, deve ser sempre a última das soluções, mas a extinção total dessa instituição não seria realmente a maneira mais eficaz para a realização de uma justiça plena.
No ramo do Direito Penal, deve-se ser muito mais cauteloso, pois a realização de uma decisão precipitada envolve a retirada de um bem preciosíssimo para o ser humano: a liberdade. Portanto, deve ser realizado da observação aperfeiçoada e minuciosa de fatos, na tentativa de alcançar uma solução não só perfeita, mas também eficaz, ou seja, é o passo a passo de uma realização constante da prevenção. Importante destacar que se torna quase impossível “ressocializar” alguém que conviveu (ainda que por curto espaço de tempo) em uma situação adversa de valores e ideais daqueles que estão na sociedade liberta e, ainda, fazê-lo sentir-se igual àqueles que sempre estiveram libertos quando da sua prisão (PEDROSO; BEZERRA, 2016).
A pena privativa de liberdade apresenta diversas dificuldades, por exemplo, o custo da construção das instituições bem como a manutenção destes, além do custo com o indivíduo preso. Mas é necessário destacar que a maior dificuldade da pena privativa de liberdade é aquela realizada no íntimo do indivíduo uma vez preso, através da convivência dos infratores primários com transgressores reincidentes e de "vasta experiência", assim como aqueles que ficam no aguardo de julgamento.) Porém, não só a prisão, mas também as instituições totais de maneira geral, "em nossa sociedade, são estufas para mudar pessoas; cada uma é um experimento natural sobre o que se pode fazer ao eu”, a desconstrução da identidade individual (GOFFMAN, 1961).
Como prova do exposto, percebe-se, então, que a prisão promove, através da força, o desenvolvimento de padrões de comportamento e de crenças diversos do mundo exterior, até mesmo porque são criados, na maioria das vezes, pelo próprio grupo na intenção de preservar a sua integridade e, apesar de essas normas serem típicas de uma sociedade, não desenvolvida culturalmente, são cumpridas com extremo rigor, por isso a prisão deve ser reservada apenas aos que representam gravíssimos riscos à sociedade.
Surge, também, paralelamente, a necessidade de estimular nos aplicadores de penas a aplicação constante das penas alternativas. O fracasso dessa instituição deve ser de qualquer maneira evitado, pois tal fracasso nos serviria como uma máquina do tempo, reportando-nos há séculos, o que, de uma maneira ou de outra, seria abominável para nossa sociedade. Pois bem, não se pode negar que o momento, que não é atual, é de instituição de uma nova cultura e qual seja esta, senão aquela que defende a humanização da pena privativa de liberdade fundamentada na garantia dos direitos humanos (PEDROSO; JARDIM, 2019).
Faz-se necessário que a sociedade adquira a capacidade de indignação não apenas em face do crime, mas, também, diante do abandono das prisões, não silencie diante da infâmia e da barbárie. É bem verdade que a crise dos presídios tem seu lado positivo - em determinados momentos, faz a sociedade repensar o real sentido da pena.
O motim, uma erupção de violência e agressividade, que comove os cidadãos, serve para lembrar a comunidade que o encarceramento do delinquente posterga o problema. Ele rompe o muro de silêncio que a sociedade levanta ao redor do cárcere. Partindo dessa premissa, os presídios manifestam-se, atualmente, instituições inadequadas à recuperação do autoconceito do indivíduo, fazendo parecer que a sua subsistência atende às finalidades de retribuição do mal cometido pelo infrator (BITENCOURT, 2001).
Assim sendo, o sistema punitivo no Brasil que não realizou adequadamente nenhuma das funções próprias da pena criminal: não previne, não ressocializa, nem prevê a retribuição de forma correta. Portanto essa negligência do Estado ao não socializar, nem educar, contribuiu tão somente para o processo de marginalização. O sistema carcerário brasileiro foi reconhecido pelo Supremo Tribunal de Justiça como um Estado de Coisas Inconstitucional, já que corresponde à uma verdadeira institucionalização da violência, degradação humana e constantes violações à direitos fundamentais (QUEIROZ, 2019).
Diante disso, demonstrou-se a importância das políticas sociais na construção de um direito penal eficiente. Ressaltou-se que a realidade social exerce um papel fundamental nos índices de violência e criminalidade. Portanto, deve-se buscar um Estado de Bem-Estar Social para todos, por meio de investimentos sociais voltados para a erradicação da pobreza e redução da desigualdade.
Por outro lado, lá onde o direito penal ultrapassa suas tarefas político-criminais, a descriminalização é possível se levada a cabo. Também através da diversificação se conseguirá substituir não a punibilidade, mas a punição concreta em casos menos graves, arquivando-se o processo, o que quase sempre é feito sob certas condições. Apesar das limitadas possibilidades de descriminalização e dos mais intensos esforços de prevenção, o número de dispositivos penais e de infrações a eles deve crescer.
Isto em nada altera o fato de que o direito penal do futuro se tornará ainda mais suave do que é hoje. Isto decorre principalmente das possibilidades de diversificação, da substituição da pena privativa de liberdade pela de multa, da utilização de novas sanções menos limitadoras de liberdade (como a prisão domiciliar ou a proibição de dirigir), e de que, especialmente no campo da microcriminalidade econômica e ambiental, as indispensáveis sanções a pessoas jurídicas, apesar de sua grande eficácia preventiva, mal provoquem sofrimentos individuais (ROXIN, 2001).
Deve-se reconhecer que o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), pilar do Estado Democrático de Direito, irradia efeitos jurídicos para além da Constituição, de modo que se expande para o Direito Penal Material e, logicamente, Processual. A dignidade processual deve carregar a mesma natureza da dignidade da pessoa humana. O réu, como pessoa humana que é, não pode ser instrumentalizado pelas instâncias judiciais de atuação para o descobrimento da verdade a qualquer custo, para que seja imposta a sanção penal. O interesse pela reparação do crime deve sobrepor-se à representação do processo de aplicação da pena, pois a imposição penal expansiva não (re)estabelece a justiça, apenas demonstra o império do poder.
Em resposta à pergunta que ensejou este trabalho, o Direito Penal, sim, conseguirá manter-se e será preservado. Porém, para isso, ele necessita ser visto, como uma âncora, e essa âncora deve estar no presente, não no presente dos instantes, mas em qualquer coisa outra que mostre os problemas, “os problemas criminais” que atormentam o nosso quotidiano.
Portanto, no presente trabalho, o que se pretende é que o Direito Penal, se preocupe com a criminalidade organizada, sobretudo com aquela de cariz transnacional; se preocupe como terrorismo, também ele de matriz internacional ou mesmo transnacional e sem coloração, pelo menos aparentemente ideológica; se preocupe com a efetiva e concreta punição de atos de corrupção de modo a que um tal comportamento não se transforme em doença endémica tolerada; se preocupe com as manifestas violações ambientais, visíveis e elas são tantas no presente; se preocupe a construir, em sistema organizado dentro de um perfil mundial, com novas normas de aplicação da lei penal no espaço; se preocupe a ser um direito penal de corpo inteiro e não um direito penal que admita, como boa ou até desejável, uma fissura nos seus objetivos e na definição das suas regras elementares; se preocupe a ter como referente inescapável a proteção de bens jurídicos que possam encontrar referência na Constituição ou em espaços normativos de igual dignidade; se preocupe com a hipertrofia insustentável da carcerização; se preocupe em ser uma defesa, uma cidadela, dos direitos fundamentais de todos, do arguido à vítima (COSTA, 2014).
Eis um rol de preocupações do presente que são tarefas mais do que suficientes para mostrar que o futuro das mais próximas gerações futuras, só essas racionalmente estão no nosso horizonte, estará bem assegurado se conseguirmos cumprir esta pauta de encargos. Deste modo, tendo presente que a crise do Direito deve ser dada pelo próprio Direito, é preciso realinhar os termos do processo aos direitos humanos e à própria Constituição Federal, pois não é possível invocar os conceitos, os princípios e as garantias do passado para dar sentido e fundamentar o processo penal do presente.
Diante das mudanças reais e políticas da pós-modernidade, que vêm acontecendo muito rapidamente, quiçá, seja a hora de (re)pensar as políticas públicas antes de agir. Ou seja, trazermos as alternativas ao debate antes de incrementa-las na prática (dia-dia), para que possamos, deste modo, tentar libertar o imaginário punitivista da sociedade pós-moderna.
AGÊNCIA BRASIL. Brasil tem mais de 773 mil encarcerados, maioria no regime fechado. Presos provisórios são o segundo maior contingente. Publicado em 14/02/2020 - 12:47 Por Luciano Nascimento - Repórter da Agência Brasil – Brasília. Disponível em:
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[1] O Brasil foi o primeiro país a extinguir a pena de morte por uma decisão de foro íntimo do imperador. O princípio legal que estabelecia a pena de morte, entretanto, continuou subsistindo no Código Criminal até a proclamação da República. Segundo os historiadores do Direito Penal, o primeiro país a extinguir legalmente a pena de morte foi Portugal, em 1867; no Brasil, nenhum homem livre era mais executado desde fins da década de cinquenta. Logo, o Brasil foi o primeiro país a abolir a pena de morte, embora em caráter informal. Como à época a lei obrigava que todo condenado à morte apelasse à graça do imperador, o poder de Pedro II era suficiente para garantir que ninguém mais seria executado no Brasil, mesmo que a lei continuasse subsistindo - bastava que o imperador concedesse as graças pedidas. MACHI, Carlos. A Fera de Macabú. A História de Motta Coqueiro. Disponível em: http://www.macae.rj.gov.br/conteudo/leitura/titulo/a-historia-de-motta-coqueiro. Acesso em: 14 dez. 2020.
Graduado em Direito pelo ILES/ULBRA Itumbiara-GO. Ex-estagiário concursado pelo Ministério Público do Estado de Goiás entre 03/2019 e 12/2020. Aprovado no IV Processo Seletivo de estudantes para estágio na área de Direito - Justiça Federal em Goiás/Subseção Judiciária de Itumbiara, no ano de 2019. Aprovado no processo de seleção pública de estagiários do Tribunal Regional do Trabalho da 18ª Região-Itumbiara/Goiás, no ano de 2019. Aprovado no VII Concurso Público – TRF 1ª Região, no ano de 2017, para provimento de cargos e formação de cadastro de reserva para o cargo de técnico judiciário-área administrativa do quadro de pessoal da Justiça Federal de 1º e 2º graus. Premiado com Certificado de Reconhecimento ao Mérito em 2020, pelo Comitê Científico do XXI Simpósio de Pesquisa, tecnologia e Inovação realizado pelo ILES/ULBRA. E-MAIL: [email protected]. ORCID ID: https://orcid.org/0000-0001-8054-761X. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5389487250090217
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Márcio Barsanulfo da. Perspectivas e desafios sobre o futuro do Direito Penal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2021, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56539/perspectivas-e-desafios-sobre-o-futuro-do-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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