KETHLEEN HUANNA DA SILVA MATOS[1]
(coautora)
FRANCISCA JULIANA CASTELLO BRANCO EVARISTO DE PAIVA [2]
(orientador)
RESUMO: A presente pesquisa abordou a contribuição da lei nº 12.318/2010 no enfrentamento da alienação parental, pois em razão das transformações sociais trazidas pela contemporaneidade, os casos de ruptura familiar se tornaram mais frequentes, o que propiciou a incidência do fenômeno da alienação parental. Destacou-se como objetivo da pesquisa analisar os avanços e a importância da lei nº 12.318/2010 no combate à alienação parental no decorrer de sua vigência, a fim de verificar a eficiência da lei nesse cenário. A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica por meio da abordagem dedutiva, com enfoque na avaliação do texto legal, de doutrinas e outras publicações referentes ao tema. Observou-se que a alienação parental representa uma interferência no desenvolvimento psicológico da criança, promovida por um de seus responsáveis, com o intuito de prejudicar o vínculo daquela com a outra parte e, uma vez que a família é permeada por constantes mudanças, é inevitável o surgimento de adversidades. Assim, a alienação parental é cada vez mais expressiva, porém, combatida pela lei nº 12.318/2010, que ao longo de uma década mostrou-se fundamental para a proteção e o resguardo do melhor interesse da criança e do adolescente, devendo ser vista como um benefício para a sociedade.
Palavras-chave: Direito de família; Alienação parental; Convívio familiar; Lei nº 12.318/2010.
Sumário: 1 Introdução - 2 A evolução do instituto da família: 2.1 Conceito de família; 2.2 A mudança da família sob a ótica legal; 2.3 Espécies de família - 3 Crise nas relações das famílias contemporâneas: 3.1 Desenvolvimento dos modelos familiares; 3.2 A guarda de crianças e adolescentes frente aos transtornos familiares - 4 Alienação parental: 4.1 Conceito; 4.2 Características; 4.3 Efeitos; 4.4 Alienação Parental versus Guarda Compartilhada - 5 Impactos da lei nº 12.318/2010: 5.1 Existência ou não da alienação parental?; 5.2 Explicação dos dispositivos legais; 5.3 Resguardo do melhor interesse da criança e do adolescente - 6 Considerações finais – Referências.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo dos anos, a prática da alienação parental vinha sendo aferida em casos concretos, promovendo intensos debates acerca do seu conceito e suas consequências legais para os envolvidos. Desse modo, vendo-se a patente necessidade em regulamentar a situação, os legisladores brasileiros editaram a lei nº 12.318/2010, que ao completar uma década de vigência, traz à tona a discussão sobre sua real importância e os avanços em combater a alienação parental.
Nesse sentido, o presente estudo busca entender as mudanças, bem como a relevância que referida lei teve desde sua entrada em vigor, no enfrentamento da problemática da alienação parental, a fim de perceber seu caráter imprescindível ou não nesse cenário.
Nota-se que a estrutura familiar, como base da sociedade, não se mantém estática frente às transformações sociais, culturais e ideológicas que surgiram com o passar do tempo. Embora a família tenha sido definida inicialmente de forma restrita, exigindo-se para sua constituição um homem e uma mulher, que deveriam estar unidos pelo casamento, no qual o marido exercia sobre a esposa um poder abusivo, as mudanças que advieram com a chegada de novos séculos fizeram com que tal conceito fosse revisto, e passou-se a admitir hoje a afetividade e a igualdade como fundamento primordial para a formação da família.
Vale observar que na contemporaneidade foram originados diversos casos de ruptura familiar, isto é, quando os pais se divorciam ou se separam, ocorre uma crise familiar, que é permeada por uma tendência vingativa, e atinge sobretudo os filhos do casal. Assim, os filhos passam a ser manipulados e influenciados por um dos pais a formar sentimentos de aversão em relação ao outro (FREITAS, 2019).
Verifica-se, pois, nesses casos, a existência da alienação parental, promovida ou induzida por um dos pais, avós ou quaisquer outras pessoas que exerçam autoridade, guarda ou vigilância sobre a criança ou o adolescente, com o intuito de que repudiem um dos genitores ou sejam prejudicados os vínculos entre estes e seus filhos, e que gera interferência no desenvolvimento psicológico da criança ou do adolescente (BRASIL, 2010).
Perante essa situação de crianças e adolescentes envoltos pela alienação parental, a lei nº 12.318/2010, almejando atender o melhor interesse da criança e do adolescente, definiu as consequências legais da prática da alienação e, por consequência, a modalidade de guarda a ser adotada. Porém, embora haja uma repercussão positiva trazida pela citada lei, que proporcionou o melhor conhecimento sobre a criança e do adolescente, entendendo-se suas verdadeiras necessidades diante da definição de sua guarda, adquiriu uma natureza negativa em alguns aspectos, ao passo que, por exemplo, passou a ser utilizada como ferramenta para acobertar abusos sexuais ao tornar-se um “véu”, isto é, um meio utilizado pelos abusadores para se passarem por vítimas, alegando serem a figura parental alienada (BATISTA, 2016).
Por conseguinte, discussões sobre a revogação da lei e sua real eficácia no plano concreto ganham espaço, uma vez que se entende que tanto a criança e o adolescente como os próprios genitores podem ser expostos a situações prejudiciais decorrentes de sua aplicação.
Visando encontrar os resultados para a problemática em questão, utilizou-se neste estudo a metodologia de pesquisa bibliográfica, através do método de abordagem dedutivo, que se fez por meio do levantamento e análise de dados em livros, doutrinas, teses, dissertações, artigos, revistas, e-books e publicações on-line.
Logo, o que está sendo apresentado visa analisar os avanços e a importância da lei nº 12.318/2010 sobre a alienação parental no decorrer de sua vigência, sendo assim, de suma relevância para a sociedade, a legislação brasileira, a jurisprudência e o meio acadêmico, à medida que traz situações jurisprudenciais e doutrinárias que auxiliam na definição dos critérios aplicáveis no enfrentamento judicial do tema.
2 A EVOLUÇÃO DO INSTITUTO DA FAMÍLIA
2.1 Conceito de família
Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2020), a família é entendida como uma realidade sociológica presente em todas as sociedades, e compõe o alicerce sobre o qual o Estado é construído. Trata-se de uma instituição que precisa ser resguardada pelo Estado, sem, contudo, haver definições rígidas do que a família é ou deva ser, pois sua natureza e extensão variam, dessa forma, a Constituição Federal e o Código Civil apenas se referem a ela a fim de estabelecer sua estrutura.
Nesse contexto, o advento da família tem um passado extenso, porém, que sempre encontra um ponto em comum: as pessoas se unem e constroem vínculos desde o seu surgimento, visto que são imbuídas pelo instinto de se perpetuar com o objetivo de que não estejam sozinhas, mas sim em pares, maneira pela qual poderão encontrar a felicidade (AZEREDO, 2020).
Ademais, a família está cercada de uma significação psicológica, jurídica e social, que torna seu conceito amplo, devendo-se, pois, conferir especial atenção à sua delimitação teórica, uma vez que ela deve estar em consonância com a realidade social, pois ao ser permeada pela dinamicidade das relações socioafetivas, torna impossível estabelecer um “conceito único e absoluto de Família” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2021).
Portanto, a Constituição Federal de 1988 ao cuidar dessa temática, definiu a família como a base da sociedade, que deverá ser especialmente protegida pelo Estado. Porém, esta instituição que sempre esteve presente na vida do ser humano sofreu diversas transformações ao longo dos anos, de modo que hoje a compreensão que se tem sobre a entidade familiar e suas formas são baseadas na dignidade da pessoa humana e na afetividade.
2.2 A mudança da família sob a ótica legal
Inicialmente, a norma regulamentadora da família no Brasil era o Código Civil de 1916, cujo teor indicava que a instituição estava adstrita a regras que pregavam a indissolubilidade do casamento, a chefia do marido sobre a sociedade conjugal, assim como a discriminação entre os filhos legítimos e ilegítimos, semelhante ao que ocorria na família patriarcal (NASCIMENTO, 2019).
Contudo, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, considerada o marco de ruptura que fixou um novo entendimento acerca da família, essa instituição passou a ser interpretada com base no direito à igualdade e à dignidade da pessoa humana, ou seja, o conceito de família evoluiu e se adequou aos novos ditames sociais (VILASBOAS, 2020). Logo, a entidade familiar começou a ser compreendida além da questão biológica, alcançando também os laços de afetividade, respeito e afinidade (SOUZA, 2019).
Neste particular, percebe-se que a família visa concretizar metas existenciais de quem a compõe, ou seja, confere-se importância à dignidade da pessoa, ressaltando seus interesses em detrimento de sua coisificação antes defendida. Esse direcionamento se trata do fenômeno jurídico-social chamado de repersonalização das relações civis, na qual existe um sujeito de direitos em razão de ser uma pessoa, que busca primordialmente sua realização afetiva e existencial (LÔBO, 2020).
Posteriormente, entrou em vigor o Código Civil de 2002 que carregou consigo resquícios das disposições civilistas de 1916, em total descompasso aos preceitos constitucionais, havendo, portanto, a necessidade de interpretá-lo à luz das mudanças sociais (SOUZA, 2019).
Dessa forma, almejando-se ajustar a família aos padrões culturais e legislativos atuais, o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, da igualdade jurídica entre os cônjuges e os companheiros, da igualdade entre os filhos, da paternidade responsável e planejamento familiar, da comunhão plena de vida baseada na afeição entre cônjuges ou conviventes e da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar, assumem um papel fundamental na nova significação que se deve conferir à família no Brasil (GONÇALVES, 2020).
Outrossim, frente às transformações ocorridas no cenário sociocultural brasileiro, o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) se preocupou em realizar o projeto de lei n. 2.285/2007, com o intuito de reformar o Direito de Família e, desse modo, criar o Estatuto das Famílias. O referido estatuto ressalta os valores embutidos nos princípios constitucionais, evidenciados nos arts. 226 a 230 da Constituição Federal de 1988 e, visando a resolução de conflitos existentes na sociedade brasileira atual, assegura proteção às mais diversas modalidades de família (MADALENO, 2020).
Com efeito, não se reconhece mais hoje como família apenas aquela formada pelo casamento civil e religioso, pois se entende que uma família pode ser constituída por meio da união estável, inclusive pode ser formada por casais homoafetivos, admitindo-se também a família monoparental, multiparental, anaparental, simultânea, unipessoal, dentre outras (BUSCARIOLO, 2019).
É evidente que a família brasileira evoluiu com o passar do tempo, e ainda que os legisladores e os juristas busquem conferir a melhor interpretação a essa instituição, trata-se de uma tarefa constante, pois a cada dia a família se transmuta e reflete novas realidades sociais.
2.3 Espécies de família
Cumpre analisar que a estrutura familiar era patriarcal, de maneira a se permitir que o homem exercesse poder sobre a mulher e os filhos, o que se chamava de poder marital e pátrio poder, respectivamente (LÔBO, 2020). Nesse modelo, a relação entre o homem e a mulher não se baseava em sentimentos e sim pela necessidade. Assim, os interesses do homem se sobrepunham a todos os demais membros, podendo ele exercer autoridade sobre os filhos, os servos, os escravos e a mulher. A palavra “família” estaria associada ao poder do pater em face de familiares ou não (PAIVA; SIQUEIRA, 2015).
Remetendo-se ao direito romano, verificava-se que a família era regida pelo princípio da autoridade, no qual o pater família tinha sobre seus filhos o direito de vida e de morte, e a mulher era submissa à vontade do marido, em contrapartida a definição romana da affectio, necessária no casamento desde sua celebração, sob pena de dissolução pelo divórcio. Os canonistas entendiam o casamento como sacramento e, por assim ser, indissolúvel. Desse modo, há de se perceber que a família brasileira se baseou nas concepções da família romana e canônica (GONÇALVES, 2020).
Nesse contexto, frisa-se que embora a família matrimonial - união monogâmica e indissolúvel entre um homem e uma mulher por meio do sacramento da Igreja e solenizado pelo Estado - tenha sido por um longo período reconhecida como a única entidade familiar legítima, com as mudanças ocorridas no ordenamento jurídico no que diz respeito à família, novas configurações puderam ser devidamente reconhecidas, além de receber proteção legal e, consequentemente, ter os respectivos direitos assegurados (MADALENO, 2020).
O Código Civil Brasileiro de 1916 trazia apenas uma modalidade de constituição de entidade familiar, a saber, o casamento. O texto constitucional, quando da promulgação da Lei Maior de 1988, também era bastante restritivo quanto ao modo de constituição de família, prescrevendo o art. 226, à época, apenas o casamento como instituto consolidador das entidades familiares. Entretanto, como a complexificação da sociedade e com o surgimento de novas realidades sociais, o direito passou a admitir novos arranjos familiares e a conceder garantias aos novos modelos de famílias. Exemplo disso foi a consolidação das uniões estáveis e das famílias monoparentais no texto constitucional, e o reconhecimento das uniões homoafetivas pela mais alta Corte do país (AFONSO et al, 2019, p. 01).
Assim, pode-se falar sobre a família informal, comumente conhecida como união estável, que foi definida no art. 226, §3º, da Constituição Federal de 1988 como entidade familiar, de modo que a lei deve facilitar sua conversão em casamento. Vale destacar que embora o texto constitucional estabeleça a condição de tal união ser formada por homem e mulher, em detrimento do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132, aos casais homoafetivos foi assegurado o direito de constituírem união estável, nos termos do artigo supracitado (BRASIL, 1988; MARTINS, 2016).
Destaca-se também a família monoparental e multiparental, em que uma é formada por 01 (um) dos pais e seus filhos menores, e a outra compreende uma entidade que poderá ser constituída por 02 (dois) pais e/ou 02 (duas) mães. Porém, a existência da família multiparental pressupõe a presença de laços afetivos que devem ser tão concretos quanto os laços sanguíneos, e deve ter tempo mínimo de convivência (LÔBO, 2021; OLIVEIRA et al, 2019).
Noutro norte, ainda que não tenha os efeitos jurídicos legalmente assegurados no cenário da ordem sucessória e dos alimentos, a família anaparental emerge na sociedade atual, ao passo em que as pessoas estão unidas com o intuito de constituir um vínculo familiar que seja estável, sendo integrada apenas pelos filhos (GONÇALVES, 2020; MADALENO, 2020).
Ademais, cumpre frisar que é possível haver a família simultânea, na qual um indivíduo, ao mesmo tempo, faz parte de mais de uma família, ou seja, famílias distintas possuem um membro em comum, bem como há a possibilidade da família unipessoal, que será constituída por uma só pessoa, independentemente se é solteira, divorciada ou viúva (LOPES; BARROS, 2017; BUSCARIOLO, 2019).
Por fim, é imperioso salientar as espécies de família que são delineadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e que cumprem uma função de extrema importância, a exemplo da família extensa, que é definida como aquela que se estende e ultrapassa a relação de pai e filho, e é constituída por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e mantém vínculos de afetividade e a família substituta, que é composta pelos pais casados ou em união estável que realizam, de forma unilateral ou bilateral, um cadastro visando a adoção (MADALENO, 2020).
Portanto, nota-se que a família, ao ser permeada pelas mudanças ocorridas no meio social, cultural e econômico, adquiriu novas formas de ser, deixando para trás o modelo estático, estritamente biológico e hierárquico, para se moldar de acordo com a socioafetividade, de modo que o Direito, ao regulamentar a vida em sociedade, reflete tais mudanças e visa o reconhecimento das mais diversas espécies de família que surgem e evoluem no decurso do tempo.
3 CRISE NAS RELAÇÕES DAS FAMÍLIAS CONTEMPORÂNEAS
Com o passar do tempo, nota-se o aparecimento de novos elementos constituintes ou relevantes nas relações conjugais, observam-se diversas novidades quanto ao deslinde das relações, e podem ser citados: o reconhecimento da união estável e da união homoafetiva, monoparentalidade e multiparentalidade, a diminuição proporcional do número de divórcios litigiosos e o aumento brutal do número de divórcios.
Esses novos fenômenos fizeram com que as transições familiares se tornassem alvo de diversos estudos, sendo reconhecidos muitas vezes como garantidores da dignidade humana, como mostra o fragmento:
O princípio da dignidade da pessoa humana ganha espaço no ordenamento jurídico brasileiro, juntamente com os novos modelos familiares. A dignidade é o princípio basilar no Direito das famílias e rege as mais diversas formas de cultivá-la e desenvolvê-la (KIRSCH; FORTES, 2018, p. 09).
3.1 Desenvolvimento dos modelos familiares
As alterações significativas que ocorreram no modelo familiar romano, atreladas às questões características da sociedade contemporânea, fazem com que temas antes não discutidos tornem-se palco para o aparecimento de discussões ainda mais complexas, contudo necessárias ao desenvolvimento de modelos familiares saudáveis, os quais são guiados pelo princípio da função social da família, tida como a base da sociedade e como o meio para a concretização de anseios e pretensões de membros de uma comunidade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).
Os modelos familiares em que os cônjuges propositalmente fazem a opção de não ter filhos, seja motivados por ideias como a liberdade feminina, ou a busca pelo pleno emprego e melhores compensações financeiras, fazem oposição a grande maioria dos tipos familiares brasileiros, que são pautados em um controle de natalidade pouco expressivo e muito seletivo (CAETANO; MARTINS; MOTA, 2016; MENANDRO, 2018).
Nesse contexto, muito se discute sobre o tão temeroso divórcio, e apesar da presença de discussões e desentendimentos, entende-se que a culpa não é do casal, e sim consequência da extinção do affectio, ou seja, da afeição entre as duas pessoas, pois o afeto não é só um laço que envolve os integrantes, mas o ponto fundante da família (GONÇALVES, 2020).
Ademais, sobre esta seara, é importante destacar que nem somente de crises está marcado o Direito da Família, visto que são notáveis algumas mudanças no tratamento dos modelos familiares. Percebe-se de forma exponencial o melhor tratamento conferido aos diferentes modelos familiares, como o reconhecimento da união estável, a monoparentalidade, e as discussões atuais quanto à família poliafetiva (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2017).
Contudo, verifica-se que as mudanças das estruturas familiares não constituem um fenômeno restrito ao século XXI, uma vez que, a partir do século XX, o legislador brasileiro tem tentado acompanhar as mudanças no cenário familiar. A busca do Direito em auxiliar essas alterações estruturais, pode ser explicada pelo fato de que o matrimônio como um fenômeno jurídico é posterior à união de fato, que seria um fenômeno natural, ou seja, primeiro nasce a família que é positivada pelo direito como modelo familiar (VENOSA, 2017).
3.2 A guarda de crianças e adolescentes frente aos transtornos familiares
Do ponto de vista jurídico, é importante entender as nuances legais e os tipos de separação pelas quais os grupos familiares podem passar. Primeiro, opta-se por avaliar os tipos de separação com base na sociedade conjugal, sendo esta o principal pilar da relação matrimonial. Desse modo, restam dois principais tipos de separação: a separação judicial e o divórcio.
A separação judicial foi o que substituiu o desquite e que dissolve a sociedade conjugal, porém não desfaz o vínculo, de modo que os indivíduos permanecem vinculados, mas sem os deveres de coabitação, fidelidade recíproca e regime matrimonial de bens (VENOSA, 2017).
Já o divórcio elimina tanto a sociedade conjugal como o vínculo, estando os ex-cônjuges completamente desobrigados um com o outro. Todavia, é importante ressaltar que embora antes houvesse a necessidade de que o casal estivesse em estado de separação judicial ou separação de fato, hoje basta a simples vontade de ambos para efetivação do divórcio (VENOSA, 2017).
É preciso entender que as separações jamais devem comprometer as obrigações dos membros das sociedades conjugais quanto a seus dependentes, visto que essa é uma relação jurídica distinta da realizada entre os sujeitos da sociedade conjugal, portanto, os pais não podem se escusar de cumprirem deveres quanto aos filhos sob a justificativa de término da relação conjugal. Assim, como efeito do divórcio, tem-se o fim do casamento e da sociedade conjugal, e nesse cenário, o poder familiar, diretamente relacionado ao modo como os genitores e os filhos convivem, será tratado de maneira alheia a decisões relativas ao casamento, vez que também é direito da criança a vivência com ambos os genitores (VENOSA, 2017).
De fato, qualquer comportamento possui um imenso poder diante da criança, pois existe um enorme laço afetivo na sua relação com os pais. Além disso, várias pesquisas apontam que a partir dos seis meses, a criança exposta aos conflitos tende a ter batimentos cardíacos mais acelerados e níveis mais altos de estresse, que por sua vez, prejudicam a formação de conexões neurais nos cérebros infantis (HAROLD, 2018).
Neste particular, é importante entender o que pode influenciar no desenvolvimento da criança e, pode-se citar, por exemplo, os conflitos gerados pela indiferença dos genitores às demandas dos menores. Portanto, após a fase das discussões no relacionamento e a chegada do fim da relação, a criança precisa aprender que agora existem duas casas, duas “vidas”, duas maneiras de conviver, o que pode afetar totalmente seu psicológico que não está acostumado com essa situação. Por esse motivo, os pais precisam resolver seus conflitos de forma saudável, pois a qualidade do relacionamento entre eles é um elemento central da qualidade de vida da criança (HAROLD, 2018).
Sendo assim, é preciso existir uma ligação de cumplicidade entre os genitores para que consigam refletir para a criança ou adolescente que o motivo da separação não se deu por nenhuma intempérie da relação entre pai e filho, que sempre existirá uma relação de amor que não será afetada e nenhum dos genitores irá colocá-lo para escolher um lado.
Logo, é imprescindível que os genitores envolvidos no divórcio tenham consciência de que continuam sendo pais daquela criança, e devem se tratar de forma que não atrapalhe a dinâmica da criação dos filhos que deve existir entre os pares (DIAS, 2017).
Sob esta égide, também se fazem necessárias discussões quanto à violência doméstica, porque tais debates auxiliam no progresso das medidas de garantia da segurança e da proteção da criança.
Conforme os dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, cerca de 30% dos atos de violência doméstica contra a mulher são praticados pelo cônjuge (CERQUEIRA; MOURA; PASINATO, 2019). Tal fato é relevante, pois atualmente existem institutos de proteção de direitos das mulheres e crianças, como a Delegacia da Mulher e os Conselhos Tutelares, que possibilitam a contagem e a responsabilização por esses atos, os quais podem culminar na dissolução do núcleo familiar, fenômeno que no passado era percebido menos expressivamente, por conta da falta de instrumentos legais de amparo a entes familiares violentados.
4 ALIENAÇÃO PARENTAL
Diante das crises nas relações das famílias contemporâneas, vem à tona um problema antigo, mas presente até os dias atuais: a alienação parental, considerada por alguns como uma síndrome que atinge a vida de todos os envolvidos e arruína vínculos parentais que jamais serão recuperados.
4.1 Conceito
Alienação parental é uma expressão que foi utilizada inicialmente por Richard Gardner em 1985, quando se verificava que numa ação de guarda de filhos, o genitor ou genitora fomentava o afastamento da criança do outro cônjuge (GONÇALVES, 2020). Nesses casos, um dos genitores da criança desenvolve ódio pelo outro, bem como sentimento de vingança, assim, um dos pares, motivado pelo ódio, tenta punir o ex-cônjuge pelo fim do relacionamento e incutir no filho o mesmo sentimento (DIAS, 2019).
Percebe-se que a alienação parental se baseia em atitudes tomadas por genitores, que envolvidos por uma lide, fazem dos próprios filhos meios para alcançar o outro, considerado o causador da separação, com o intuito de puni-lo. O direito à convivência é mitigado, ao passo em que um dos genitores, responsável pela alienação, possibilita que o filho rejeite o outro que é alvo dela (MALUF; REGO, 2018; LÔBO, 2020).
Vale ressaltar que o conceito de alienação parental não é igual a síndrome de alienação parental (SAP), pois a segunda é vista como a síntese de resultados da primeira e, diferentemente de psicólogos e psiquiatras que reconhecem a SAP como verdadeira síndrome, sua existência não é amplamente aceita pelos demais profissionais voltados ao estudo dessa problemática (LEITE; NETA, 2016).
Nas palavras de Rolf e Ana Carolina Madaleno (2018), a alienação seria um termo geral que diz respeito ao distanciamento justificado entre o genitor e a criança, o que não se confunde com uma síndrome, visto que não existe uma série de sintomas evidenciados concomitantemente.
4.2 Características
Percebe-se a alienação parental como uma ação praticada pelos pais, avós ou outrem, com o intuito de manipular a criança ou o adolescente para obter sua guarda e gerar obstáculos em sua convivência com o genitor alienado (SILVA; VILELLA, 2018).
Ou seja, o autor da alienação parental pode não ser o genitor da criança, uma vez que os avós, os tios, os companheiros, aqueles que convivem com ela, ou quaisquer que sejam da unidade do núcleo familiar, podem desenvolver a prática de denegrir a imagem do outro genitor, ao reprovar suas atitudes e alterar a realidade dos fatos para que seja odiado pela criança e afastado dela (DINIZ, 2019).
O genitor que detém a guarda ingressa numa campanha a fim de que o filho passe a ter repúdio pelo genitor não guardião, o que prejudica os laços entre eles. Ademais, envolvidos nesse contexto, a criança e o adolescente tendem a criar um vínculo de dependência e submissão com o genitor que pratica alienação parental (MADALENO, ANA; MADALENO, ROLF, 2018).
Configura-se como ato de alienação parental a falta de comunicação a um dos pares acerca dos compromissos do filho, bem como fazer o menor acreditar que se sente triste quando ele vai visitar o outro genitor. Sendo assim, o alienador procura ser visto como a vítima da situação, com objetivo de fazer a criança desenvolver culpa em gostar de estar na companhia do genitor alienado. Dessa forma, o infante sente a necessidade de odiar o genitor alienado, pois acredita que ele não o ama mais e que possa vir a lhe causar algum mal (PAIVA; SIQUEIRA, 2015).
Nessa perspectiva, inventam-se mentiras, falsas acusações e manipulações que confundem a criança, de maneira que ela não consegue mais distinguir o amor que tinha pelo genitor alienado do ódio que precisa ter, conforme as alegações do genitor alienador. A criança não entende mais o que é certo ou errado e confunde a realidade com a imaginação (DIAS, 2019).
Essas falsas memórias na criança ou adolescente são implantadas, e estabelecem no âmbito psicológico desses indivíduos situações, impressões e sensações que nunca existiram. Compreende-se que o genitor alienador por diversas vezes transmite ao menor histórias que não condizem com a realidade, ao relatar circunstâncias de maus tratos, violência e abusos perpetrados pelo outro genitor. Assim, a criança é confundida e passa a acreditar que tudo de fato aconteceu, pois já se sentia abandonada pelo genitor alienado e, sem discernimento suficiente, toma para si todos os fatos que o alienador lhe transmitiu como verdadeiros (CORDEIRO; ANJOS, 2020).
Cumpre ressaltar que para estar devidamente caracterizada como alienação parental, a conduta do genitor alienador deve influenciar no desenvolvimento psicológico da criança ou do adolescente, ou ainda ocasionar prejuízo à convivência com o genitor alienado e sua respectiva família (LÔBO, 2020).
Observa-se também que dentre todas as práticas que configuram a alienação parental, a desqualificação do genitor alienado pode chegar a extremos, e o alienante imputa àquele a prática de atos incestuosos requerendo, para tanto, o auxílio de outras pessoas, como psicólogos e advogados, tendo em vista que almeja demonstrar a veracidade dos fatos. Tal alegação causa danos irreparáveis à criança, pois não sendo verdade, esta será totalmente afastada do genitor alienado (PAIVA; SIQUEIRA, 2015)
4.3 Efeitos
Em face da campanha que o genitor alienador impôs contra o genitor alienado, a criança afetada inicia, por conta própria, ataques ao genitor que é vítima de alienação parental, de modo a depreciá-lo, agredi-lo e, por fim, decide romper os laços que tinha com ele. O genitor alienado agora já não é mais a figura paterna ou materna que se quer por perto, pois embora haja amor, ele deve necessariamente ser odiado e considerado um estranho (MADALENO, ANA; MADALENO, ROLF, 2018).
Por conseguinte, os efeitos da alienação parental ultrapassam a esfera particular do genitor alienante e alienado, prejudicando, especialmente, a criança ou o adolescente, à medida em que sofrem fisicamente e mentalmente. Isso, em alguns casos, pode causar distúrbios alimentares, timidez excessiva e indecisão exacerbada. O menor, que devia ser protegido, é colocado em uma situação de estresse, e deixa de compreender criticamente o que é bom ou ruim na relação, imaginando uma vivência com os genitores que não é verdadeira (SILVA; VILELLA, 2018).
Verifica-se que as crianças que sofrem alienação parental poderão manifestar distúrbios de ordem psicológica e comportamental, a exemplo da depressão, ansiedade, pânico e até mesmo pensamentos suicidas. Associado a isso, em detrimento do prejuízo à convivência com o genitor alienado, o infante pode ter sua autoestima diminuída, o que resultará quando adulto em embaraços nos seus relacionamentos (MALUF; REGO, 2018).
Além disso, verifica-se que a criança, com medo de ser rejeitada ou até mesmo castigada pelo genitor alienador, obedece suas ordens acima de tudo, estabelecendo-se uma relação de dependência e submissão, que ela não tem capacidade para se desvencilhar (DINIZ, 2019).
Outrossim, os filhos, ao conviverem com brigas constantes entre seus genitores, são postos diante de uma situação conflitante entre o bom e o mau, que causa temores, ansiedade, agressividade, introspecção, inversão de valores, etc (LEITE; NETA, 2016).
Nesse sentido, havendo a incidência da alienação parental na relação familiar, o direito à convivência familiar é desrespeitado e a criança começa a apresentar o sentimento de ausência e vazio. As crianças e os adolescentes envolvidos nesse ciclo vicioso e prejudicial, além de demonstrarem ansiedade de separação, baixa autoestima, angústia, depressão, tornam-se manipuladoras e revelam falsas emoções, pois por egoísmo do genitor alienante, eles não tiveram a possibilidade de ter um desenvolvimento sadio, já que sua infância e a manutenção de uma boa relação com o genitor alienado simplesmente lhes foi tirada (MADALENO, ANA; MADALENO, ROLF, 2018).
No âmbito jurídico, os efeitos da alienação parental são definidos pela lei nº 12.318/2010, que regulamentou a temática, a fim de sanar possíveis dúvidas sobre sua definição, caracterização e os meios punitivos a essa prática. A referida lei foi, e ainda é, objeto de discussão, e para alguns juristas representa um mecanismo fundamental no combate à alienação parental, e o caminho que assegurará que a separação dos pais não acarrete na separação destes dos filhos (DIAS, 2019).
4.4 Alienação Parental versus Guarda Compartilhada
Nota-se que em face da constante mutabilidade das relações sociais e dos problemas que nelas incidem, entidades familiares são formadas ou desconstruídas, dando sempre lugar ao surgimento de um novo modelo familiar, e é possível mencionar como uma das causas, a separação ou o divórcio de casais, que possuindo filhos, precisarão discutir a guarda dessa criança ou adolescente.
A guarda é inerente aos cônjuges em relação aos filhos comuns, que de maneira ampla, revela-se como direito-dever de convivência familiar, vista como prioridade absoluta da criança, segundo o art. 227 da Constituição Federal de 1988. Ademais, existe para os pais como decorrência do poder familiar a obrigação de manter o filho sob vigilância e amparo, com oposição a terceiros, conforme delineia o art. 1.630 do Código Civil e, nos termos do art. 33 do Estatuto da Criança e do Adolescente, a guarda impõe ao seu detentor que preste assistência material, moral e educacional à criança (LÔBO, 2021).
Nesse ínterim, menciona-se a existência da guarda unilateral, alternada e compartilhada, porém a terceira merece especial destaque por sua intrínseca relação com a repressão à alienação parental. De acordo com Conrado Paulino da Rosa (2015), a partir da lei nº 11.698/2008, a guarda compartilhada foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro, mas, antes disso já era adotada em diversas entidades familiares.
Desse modo, em face das alterações promovidas pela lei nº 11.698/2008, o Código Civil definiu a guarda compartilhada em seu art. 1583, §1º, como a “responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.” (BRASIL, 2002).
No contexto em que pese a guarda compartilhada já ser vivenciada na doutrina e na jurisprudência antes da sua inserção legal no cenário brasileiro, com a referida lei, essa espécie de guarda passou a ser utilizada gradativamente nas Varas de Família, pois se pauta na cooperação recíproca entre os genitores que se separam ou divorciam, a fim de estabelecer um acordo em que se voltarão ao cuidado e proteção dos filhos (GONÇALVES, 2020).
Verifica-se que na guarda compartilhada, o período que a criança ou adolescente irá conviver com os genitores deve ser distribuído de forma equilibrada entre eles, levando-se em consideração as condições fáticas e os interesses dos filhos (BRASIL, 2002).
É evidente que será assegurado à criança ou adolescente cuja guarda é compartilhada, o seu melhor desenvolvimento, uma vez que aos genitores são impostos iguais direitos e obrigações que decorrem do seu respectivo poder familiar, permitindo-se a manutenção do vínculo afetivo e a convivência com ambos os genitores, mesmo diante da separação ou divórcio (MARQUES; SOUZA, 2018).
Portanto, sendo a guarda compartilhada o meio pelo qual o filho em comum de um casal convive proporcionalmente com os genitores e, por consequência, com seus parentes, revela-se como a modalidade de guarda que deve preferencialmente ser adotada, a fim de assegurar o melhor interesse da criança e do adolescente.
Vale observar que durante o processo de separação do casal, podem surgir dificuldades e sentimentos maléficos em uma das partes, que passa a utilizar o filho em comum para atingir o outro, seja implantando falsas memórias na criança ou adolescente, ou gerando neles aversão e repúdio ao outro genitor, o que se caracteriza como prática da alienação parental.
Neste particular, cumpre ressaltar que a guarda compartilhada é tida como uma maneira eficaz de prevenir a prática da alienação parental, visto que confere prioridade ao melhor interesse da criança ou adolescente, garante que ambos os genitores sejam guardiões do infante, e possam participar ativamente de sua vida. Isso torna a comunicação entre eles mais dinâmica, de maneira que a alienação parental acompanhada de seus efeitos são obstados (FROES, 2021).
5 IMPACTOS DA LEI Nº 12.318/2010
Destacados tais pontos, urge a discussão quanto ao próprio texto normativo em análise. Para tal, inicia-se tratando sobre a maneira como a lei nº 12.318/2010 já em seu segundo artigo traz um rol exemplificativo quanto aos atos que configuram alienação parental, em que a exemplificação contida na norma fornece ao juiz mais condições para identificar a veracidade das alegações (ZORZI, 2019).
Nesse sentido, os impactos da criação da lei de alienação Parental, não são somente expressivos quando avaliados sob o ponto de vista da conceituação do problema, mas também porque este instrumento legislativo foi inserido no ordenamento em um momento no qual o Direito da Família necessitava de um resguardo maior e de uma prestação jurisdicional à criança que fosse mais extensa, uma vez que o número de divórcios aumentou, e com ele a alienação parental também, como informa: “Nos dias atuais houve um grande aumento do número de casais que recorreram ao divórcio e com isso a quantidade de casos de Síndrome da Alienação Parental tem surgido com um grande destaque em nossa sociedade” (JONAS, 2017, p. 02).
5.1 Existência ou não da alienação parental?
Segundo Ana Paula Zorzi (2019), os instrumentos que resguardavam a proteção da população infanto-juvenil, anteriores à lei nº 12.318/2010, tratavam do fenômeno da alienação parental apenas de maneira implícita, assim, a criação da lei em estudo representou um avanço na efetivação do amparo às crianças e aos adolescentes, além de servir como base para análise quanto a existência ou não da alienação parental em processos que envolvem a guarda e a convivência com o filho menor de idade.
Destarte, é possível inferir que a alienação parental é um fenômeno real que assola a sociedade, tão logo se nota que passa de comportamentos a uma síndrome. Assim, a alienação parental é vista sempre que o genitor utiliza artifícios para mudar a consciência de seus filhos contra o outro genitor. Desse modo, o fenômeno nada mais é do que a manipulação de uma criança ou adolescente, para que sinta raiva ou mágoa de um dos seus genitores sem motivos (JONAS, 2017)
Neste ponto, quando se trata sobre a importância da lei de alienação parental, o que se pode discutir é se a síndrome de alienação parental se mostra de forma alarmante na sociedade brasileira ou não. Todavia, a partir de uma perspectiva mais abrangente, pode-se perceber que a lei de alienação parental, embora almeje evitar a SAP, na verdade, penaliza somente os atos de alienação parental, vez que o art. 2º tipifica não o estado mental da criança, mas as ações de seus genitores, potenciais alienadores.
Tais atos de alienação são indiscutivelmente palpáveis, e nota-se isso pela própria possibilidade instaurada pelo instrumento normativo, onde são descritos, de maneira exemplificativa, os atos que consistem em formas de alienação parental, que são responsáveis por ferir direitos fundamentais das crianças e adolescentes, principalmente a convivência familiar saudável (BRASIL, 2010).
5.2 Explicação dos dispositivos legais
Uma importante informação trazida pelo legislador no texto normativo da lei nº 12.318/2010 é o fato de que, para fins de caracterização, não estão excluídos outros membros externos ou do núcleo familiar que possam exercer autoridade sobre a criança, podendo estes figurar no polo de alienadores ou alienados (ZORZI, 2019). De acordo com a redação do art. 2º da referida lei:
Art. 2º Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (BRASIL, 2010, grifo nosso).
Os motivos do legislador para a edição de tal norma se tornam evidentes no próprio texto normativo, o qual, em seu terceiro artigo, defende que a prática de alienação fere os direitos fundamentais da criança e do adolescente, pois a Constituição Federal preza pela convivência familiar saudável. Além disso, o legislador tratou de identificar a alienação parental não somente como um fenômeno, mas como abuso moral contra os alienados e descumprimento de deveres dos genitores ou responsáveis legais pelas crianças (BRASIL, 2010).
O art. 4º por sua vez possui a seguinte redação:
Art. 4º Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso (BRASIL, 2010, grifo nosso).
Esse artigo explicita que, em consonância com princípios constitucionais, a legislação infraconstitucional trata a criança como parte crucial do processo, sendo seu interesse a prioridade do Poder Estatal e, por consequência, da própria prestação jurisdicional. Nesse cenário, o menor precisa de celeridade, de modo que esta disposição, além de resguardar seus direitos, tem o intuito de salvaguardar os direitos do genitor alienado, que é visto pelo legislador também como uma vítima nos casos de alienação parental. Isso é um diferencial evidente percebido na inovação trazida pela lei nº 12.318/2010 (ZORZI, 2019).
Posteriormente, os artigos 5º e 6º da lei nº 12.318/2010 representam significativo desenvolvimento do âmbito normativo sobre este tema, sendo o primeiro deles a inauguração da possibilidade de apreciação da incidência de alienação parental em uma ação autônoma, sem impossibilitar a realização de tal admiração em ação incidental.
Nesse mesmo dispositivo, o legislador fornece os caminhos para a elaboração de laudo pericial, de caráter psicológico ou biopsicossocial, reconhecendo a importância de áreas extrínsecas ao direito para a formação de juízos mais competentes, e define a necessidade de um perito e de uma equipe multidisciplinar, para regrar um processo que pode ser responsável por alterar significativamente a vida de um menor (BRASIL, 2010).
Ademais, o art. 6º inova ao relatar quais são os instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar os efeitos da alienação parental. Consta ressaltar que a lei de alienação parental não trata da síndrome de alienação parental, esta compreendida como um conjunto de sintomas, mas de atos isolados de alienação parental, e por isso a relevância de exemplificá-los (ZORZI, 2019).
5.3 Resguardo do melhor interesse da criança e do adolescente
Por ter o fito de identificar a alienação parental antes que esta constitua SAP, infere-se que o fim da norma é preventivo, e ela se posiciona de forma a identificar os menores sinais de alienação parental e realizar medidas para combatê-los, proporcionalmente ao seu grau de gravidade, pois se a intervenção não fosse realizada de maneira prévia, a intervenção jurídica e psicológica seria grandemente obstada (TASSEMEIER, 2020).
A finalidade preventiva da lei acaba por torná-la alvo de críticas, uma vez que se alega que, por conta da extrema celeridade e importância que se dá ao assunto e tendo em vista que um genitor acusa o outro par de ser abusador, o suposto abusador se utiliza do instituto da alienação parental como forma de esquivar-se das acusações (COSTA, 2020).
Não obstante a essas alegações, ainda se vê que o ordenamento brasileiro tem como um de seus propósitos não exclusivos, mas com certo grau de prioridade, garantir o resguardo do melhor interesse da criança ou adolescente, e é responsabilidade do Estado e de toda a sociedade civil a proteção de seus interesses (BRASIL, 1990; ZORZI, 2019).
Ademais, para que se entenda como a lei de alienação parental pode auxiliar no resguardo do melhor interesse da criança e do adolescente, faz-se necessária a avaliação de como a síndrome de alienação parental pode afetar sua vida, e para tal se utiliza dos conceitos retomados por Aline Jonas (2017), que propõe um resgate da classificação de Gardner, dividindo os estágios da alienação em três: a) leve, em que os filhos ainda possuem fortes vínculos com ambos os genitores, mas o genitor alienador começa a ter atitudes que visam desqualificar o outro; b) moderado, no qual surgem conflitos mais severos e a criança passa a não querer mais estar na presença do genitor alienado; e por último c) o estágio grave, em que as crianças já demonstram raiva, ódio e recusa diante do genitor alienado e amor incondicional, completo e irracional pelo alienador.
Dessa forma, o que se percebe é que a lei é benéfica, pois, ao ser avaliada do ponto de vista ontológico, ou em uma relação de causa e consequência, ela tem o intuito de barrar a ocorrência da síndrome de alienação parental por meio do impedimento dos atos de alienação, descritos em seu artigo 2º. Tudo leva a crer que ao garantir que a criança não seja alienada, a lei se posiciona visando proteger o direito do infante à convivência familiar saudável, tão caro ao seu desenvolvimento.
Ainda na esteira da defesa da relevância da lei nº 12.318/2010 para a garantia do melhor interesse da criança, é possível citar um de seus próprios artigos como corroborante desse entendimento, uma vez que o art. 7º define que é do interesse do Estado preservar a convivência da criança com o genitor que viabilizará a convivência da criança ou adolescente com o outro par, nos casos em que a guarda compartilhada não é viável (BRASIL, 2010).
Nesse ínterim, percebe-se a necessidade de garantir o direito à convivência familiar da criança até mesmo com o genitor alienador, e isso é um dos motivos pelos quais a lei não deve ser percebida como temerária, e sim como instrumento de proteção às crianças, aos adolescentes e à sua unidade familiar.
Além de todo o exposto, rebate-se a crítica de que a lei esteja sendo um malefício, com o entendimento de que se há algum erro, é o de aplicação e hermenêutica, pois nos casos em que não está comprovada a alienação, a própria lei (art. 5º) define que o juiz deverá determinar, por meio de equipe multidisciplinar, a perícia psicológica ou biopsicossocial, mitigando assim a possibilidade da utilização do instrumento legal para fins indevidos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em virtude dos fatos mencionados, vislumbra-se que a família, permeada pela dinamicidade social, cultural e econômica, transfigura-se a cada momento, assim, não é possível delimitá-la de forma concisa. As entidades familiares são formadas por uma complexidade de configurações e, desse modo, na contemporaneidade o surgimento de adversidades é inevitável.
Nesse sentido, como fruto do contexto social e familiar atuais, a alienação parental é cada vez mais presente, porém, não de forma desenfreada, visto que há 10 (dez) anos a lei nº 12.318/2010 trabalha de forma eficaz no combate a essa prática tão prejudicial aos núcleos familiares, impedindo-a preventivamente, ou atenuando seus efeitos quando já instalada.
Verifica-se, pois, que mais que inovações em reprimir a alienação parental, a lei nº 12.318/2010 ao definir acertadamente seu conceito, características, sujeitos, efeitos jurídicos, mostrou-se, ao longo de uma década, fundamental para a proteção e o resguardo do melhor interesse da criança e do adolescente, bem como de suas respectivas famílias, ao desconstruir a alienação parental.
Portanto, entende-se que embora haja críticas a sua aplicação, depreende-se que tais desacertos estejam relacionados a quem a pratica e como ela é praticada, e não ao seu texto propriamente dito. Assim, a lei nº 12.318/2010 no lapso temporal de 10 (dez) anos, representa um verdadeiro avanço e é imprescindível no combate à alienação parental em todos os seus aspectos, devendo ser vista como benefício à sociedade que precisa ser mantido, protegido, ampliado e disseminado em todas as situações.
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Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
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