SARA RESENDE DE OLIVEIRA[1]
(orientadora)
RESUMO: A abordagem realizada pela polícia tem chamado a atenção da sociedade há algum tempo, devido ao aumento de casos onde há um flagrante de abuso de poder e autoridade por parte do agente estatal. Práticas violentas e persuasivas são frequentemente praticadas por esses agentes em desfavor dos cidadãos. Tal ato chegou a ser pauta de movimentos jurídicos que buscavam barrar essas práticas. Nesse sentido, emergiu no ordenamento jurídico brasileiro a Lei nº 13.869/2019 denominada de Lei de Abuso de Autoridade que busca penalizar aquele agente da segurança pública que extrapole os limites do seu trabalho. Essas práticas delituosas podem ser facilmente analisadas sob o viés das abordagens policiais, onde os policiais acabam por cometer excessos, abusando do poder a eles concedidos para atender a interesses próprios. Diante disso, o presente estudo tem como objetivo analisar a aplicabilidade da lei de abuso de autoridade em abordagem policial. Na metodologia, trata-se de uma revisão da literatura, baseada em artigos científicos, doutrina jurídica, jurisprudência e legislação vigente. Nos resultados, ficou nítido observar que as práticas de abuso de autoridade por parte dos policiais ainda estão muito frequentes, ficando claro que a Lei em estudo, ainda que necessária, não vem produzindo o efeito desejado.
Palavras-chave: Abuso de Autoridade. Abordagem. Polícia. Prisões Indevidas.
ABSTRACT: The approach taken by the police has been drawing the attention of society for some time, due to the increase in cases where there is a flagrant abuse of power and authority by the state agent. Violent and persuasive practices are often practiced by these agents to the detriment of citizens. Such an act became the subject of legal movements that sought to stop these practices. In this sense, Law nº 13.869/2019 called the Law of Abuse of Authority emerged in the Brazilian legal system, which seeks to penalize that public security agent who goes beyond the limits of his work. These criminal practices can be easily analyzed under the bias of police approaches, where the police end up committing excesses, abusing the power granted to them to serve their own interests. Therefore, the present study aims to analyze the applicability of the law of abuse of authority in a police approach. In the methodology, it is a literature review, based on scientific articles, legal doctrine, jurisprudence and current legislation. In the results, it was clear to observe that the practices of abuse of authority by the police are still very frequent, making it clear that the Law under study, although necessary, has not been producing the desired effect.
Keywords: Abuse of authority. Approach. Police. Undue Arrests.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Abordagem policial: realidade fática. 4. Lei de abuso de autoridade: aspectos gerais. 4.1 As mudanças trazidas pela Lei nº 13.969/2019. 5. Abuso de Autoridade em abordagem policial nas prisões indevidas. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Um dos assuntos mais discutidos na sociedade atual é em relação à questão da Segurança Pública. A discussão sobre esse tema é bastante decorrente devido o número cada vez maior da violência urbana. Homicídios, execuções, tráfico de drogas, latrocínios, dentre outros crimes, são praticados diariamente nas cidades e nas regiões mais isoladas.
Uma vez ocorrido algum delito, o Poder Público possui a obrigação e o poder de resolver essa situação. É o que se chama de intervenção do Estado. Em casos bem específicos, que cause dano à sociedade como um todo, devem-se tomar algumas medidas para solucionar esse problema instalado. No caso em tela, encontra-se o uso da força policial como medida imediata para combater a criminalidade e a diminuição da violência.
Ocorre que na prática, o que se tem observado é o chamado abuso de autoridade, quando o agente policial no exercício de sua função envolve ato praticado com excesso descabido, inadequado a omissão policial, injusto e até mesmo ilegal, porque em desacordo com a obrigação institucional, é cometido contra alguém que deveria zelar da própria corporação.
Apesar de benéfica, a denominada Lei de Abuso de Autoridade tem na doutrina jurídica e na esfera política, entendimentos diversos. De um lado encontram-se entendimentos que consideram alguns artigos inconstitucionais; para outros essa lei traz o rigor necessário para que ações dos órgãos públicos sejam corretos e eficazes, evitando um comportamento inadequado e para além de sua limitação.
Com base nesse contexto, o respectivo estudo tem como escopo discutir sobre o abuso de autoridade em abordagem policial. Busca-se apresentar quais ações caracterizam o abuso de autoridade por parte de policiais e principalmente quais os efeitos que essas atitudes trazem aos cidadãos, que muitas vezes são vítimas de prisões indevidas. Tendo como fundamentação jurídica a norma supracitada, também se objetiva em discorrer sobre as penalidades e sanções impostas a esses profissionais.
A problemática desta pesquisa reside em detectar se a nova Lei do Abuso de Autoridade é efetiva ou não, bem como identificar possíveis consequências negativas ou positivas.
Insta salientar que não é foco dessa pesquisa sanar todos os pontos normativos e as consequências da respectiva norma, haja vista que ela só começou a entrar em vigor em Fevereiro de 2020, portanto ainda não há como medir o seu real impacto na prática. O que se busca é analisar essa lei e apresentar os pontos que podem ser importantes no exercício laboral das autoridades desde a sua entrada em vigor.
2. METODOLOGIA
Para a realização da pesquisa foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. Para Koller et al. (2014, p. 40) revisão de literatura “caracteriza-se por avaliações críticas de materiais que já foram publicados, considerando o progresso das pesquisas na temática abordada”.
A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos, dentre outros, onde se buscou material que colocasse a tona o posicionamento de doutrinadores e da jurisprudência, com o intuito de se trazer uma nova abordagem ao tema tratado.
A coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, entre os dias 01 a 28 de fevereiro de 2021. Os descritores foram: Abuso de Autoridade. Abordagem Policial. Legislação Brasileira. Jurisprudência.
3. ABORDAGEM POLICIAL: REALIDADE FÁTICA
No Brasil, é perceptível que a violência urbana e a criminalidade estão entre os maiores problemas enfrentadas pela sociedade e pelo Poder Público. Diariamente milhares de cidadãos são vítimas de homicídios e de todo tipo de crime. Nesse espectro situacional, se destaca os delitos cometidos nas ruas e em espaços públicos das cidades, aos quais são analisados pelo olhar do agente policial.
Antes de prosseguir com essa temática, é importante destacar que a segurança constitui um direito fundamental de todos os cidadãos, conforme expresso no art. 5º, caput do texto constitucional. No caso da segurança pública, está ligada diretamente ao dever do Estado e direito e responsabilidade de todos (art. 144 da Constituição Federal de 1988). Para efetivar essa segurança, o constituinte originário concedeu aos órgãos policiais os deveres de prevenir (polícia administrativa) e reprimir (polícia judiciária) infrações penais (HOFFMANN; FONTES, 2017).
Ao exercer o seu ofício, dentre outras funções, cabe às forças de segurança a abordagem policial, que também é denominada de busca pessoal. Bezerra; Agnoletto (2017, p. 21) explicam que na busca pessoal – realizada com fundamentada suspeita de ocorrência de algum delito, nos termos do artigo 240 do Código de Processo Penal – “deve ser feita em diferentes níveis conforme o grau de ameaça, seguindo o uso proporcional da força (desincentivando o uso de expressões pejorativas como dura e baculejo).
Em termos conceituais, a abordagem policial é um ato administrativo imperativo, autoexecutório e presumidamente legítimo. Significa o exercício prático do poder de polícia estatal frente à limitação da liberdade individual ou da propriedade em razão da proteção do interesse público (MARINELA, 2016).
Por conta da prerrogativa constitucional da sua atividade, os policiais militares são os profissionais de segurança pública que mais realizam as revistas diárias nas vias públicas, na modalidade preventiva. Esse fato ainda que legítimo, tem sido pautado por ações que extrapolam os limites de sua função.
Muito tem se observado que os policiais de modo geral vêm agindo de modo arbitrário e coercitivo em nome de garantir o interesse coletivo. Agressões desnecessárias, desrespeito à dignidade da pessoa humana, violência física e verbal exagerada, dentre outras atitudes, tem emitido o alerta de que a abordagem policial não vem sendo realizado de modo proporcional e correto.
De acordo com Magalhães (2018) não é difícil encontrar nas redes sociais e em outros veículos de comunicação, vídeos e imagens de flagrantes de abordagens policiais inadequadas ou inapropriadas, demonstrando nitidamente o despreparo para a profissão das autoridades policiais em todo o Brasil.
Com tais atitudes, é perceptível verificar que há um excesso de poder exercido pela polícia no Brasil. Sendo assim, há uma não observância na proporcionalidade e a razoabilidade. Muitos agentes revestidos pelo poder de polícia cometem atos além das suas limitações. São profissionais que se valem dos seus poderes jurídicos garantidos para efetivar objetivos que não estão na lei (CARVALHO, 2015).
Dentro desse abuso de poder, tem-se como espécie o chamado excesso de poder, que nas palavras de Camargo (2018, p. 25) ocorre quando “há o extrapolamento pelo agente administrativo dos limites conferidos em lei, atuando de maneira excessiva”.
A título de exemplo, tem-se a situação onde ao realizar uma fiscalização de trânsito, o agente utiliza da força física e age com desprezo com o particular sem ter uma motivação plausível. Nota-se que há um excesso de poder, pois esse mesmo agente poderia realizar o seu serviço sem necessariamente desrespeitar o particular.
Em outro exemplo, cita-se:
[...] como exemplo de excesso pela intensidade da medida de polícia pode-se citar o emprego de violência para dissolver reunião não autorizada, porém pacífica, enquanto que por extensão da medida de polícia configura-se a apreensão de todos os exemplares de jornal, por prejudicial à moralidade, quando a medida necessária ao fim que se pretendia era unicamente impedir a sua distribuição nos locais em que o bem jurídico fosse realmente ofendido (MELLO, 2010, p. 843).
Quando se realiza uma ação que excede ao poder inerente, se está exercendo uma estrapolação na competência dada pela lei para o cumprimento correto das normas sociais. Nos dizeres de Carvalho Filho (2014, p. 48) o “Excesso de poder é a forma de abuso própria da atuação do agente fora dos limites de sua competência administrativa”.
Nesse sentido, o que se pode verificar dentro desse tema é que a faculdade repressiva não é ilimitada. Ela está sujeita a delimitações jurídicas, aos quais cabe mencionar: os direitos do cidadão, as prerrogativas individuais e liberdades públicas asseguradas na Constituição e nas leis (SENE, 2017).
Assim como os direitos individuais gozam de relatividade, do mesmo modo o poder de polícia jamais poderá colocar em perigo bens tutelados ao longo da história como conquistas democráticas, sob pena de sua utilização excessiva resultar em abuso de poder. Restando, pois, o controle jurisdicional do ato de polícia (SENE, 2017).
Buscando efetivar esses direitos fundamentais, adentrou no regimento jurídico a Lei de Abuso de Autoridade, o que será analisado no tópico seguinte.
4 LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE: ASPECTOS GERAIS
O histórico de abuso de autoridade no Brasil não é recente. Já em 1965 foi promulgada a Lei nº 4.898 ao qual regulava o Direito de Representação e o processo de Responsabilidade Administrativa Civil e Penal, nos casos do crime de abuso de autoridade. Cabe lembrar, que no surgimento desta norma, o país vivia um período de ditadura, causado pelo golpe militar de 1964, onde os militares assumiram o poder (SANTANA, 2016).
Esse período fora marcado por turbulências, uma vez que se flagrava atos de tortura, de censura artística e política, de violência extrema, de limitação do direito de liberdade e de locomoção, dentre outros atentados aos Direitos Humanos. Portanto, o período em que a presente norma estava em vigor era justamente um dos períodos marcados pelos excessos do poder de autoridade, exercido nesse caso pelos militares (SANTANA, 2016).
No texto dessa lei, em seu art. 5º entendia-se como autoridade “quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração” (BRASIL, 1965). Assim, pode ser considerada autoridade qualquer funcionário público.
No mesmo texto, traz o significado do que representa o abuso por parte da autoridade: qualquer forma de atentado a uma série de direitos do cidadão, tais como a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício do culto religioso, dentre várias outras (BRASIL, 1965).
Mesmo sendo necessária a sua criação nesse período, desde a volta da democracia no país em 1985 e firmada em 1988 com a promulgação da Constituição Federal atual, a sociedade, a política e os costumes mudaram significamente. Com isso, foi necessária uma atualização do texto da lei que vigorava sobre o tema em estudo.
Nesse ponto, em 2009 o Senado começou a discutir a importância em atualizar o texto normativo que discorria sobre o Abuso de Autoridade, haja vista que a lei anterior tratava a matéria de maneira genérica e superficial.
Anos depois, foi editado o Projeto de Lei nº 280/2016 que trouxe novas mudanças a esse tema, como por exemplo, a sua penalidade, que variam de três meses a cinco anos de prisão e multas (SILVEIRA; BLUME, 2016).
Apesar disso, o Projeto de Lei (PL 7.596/2017) alterou alguns pontos do antigo projeto, o que trouxe uma série de críticas. A título de exemplo, o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) argumentou que esse projeto limitava a autoridade e prejudicaria a independência do Ministério Público, do Poder Judiciário e principalmente dos agentes policiais (BRASIL, 2017).
Depois de 9 artigos vetados, foi promulgada a nova Lei nº 13.869/2019 de alcunha Lei de Abuso de Autoridade, que substituiu a antiga Lei nº 4.898/65, dentre outras, e que trouxe significativas mudanças nesse tema, que será explanado no tópico seguinte (MARQUES; MARQUES, 2019).
4.1 AS MUDANÇAS TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.869/2019
A Lei nº 13.869 de 5 de setembro de 2019 é a mais nova norma a regular o tema em estudo. Em seu art. 1º traz o seguinte texto:
Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade.
(BRASIL, 2019)
Com base nesse artigo, nota-se inicialmente que a norma começa a deixar claro quem são os agentes que cometem abuso de autoridade, assim como define o que seja esses abusos. Novamente, o conceito é entendido como aquele onde o agente público ou servidor pratica atos cujo objetivo seja a de prejudicar outrem (BRASIL, 2019).
Cabe mencionar que, pelo trecho desse artigo, o dolo aqui passou a ser específico, ou seja, se consagra a finalidade de “prejudicar outrem” ou “beneficiar a si mesmo ou a terceiro”, ou agir por “mero capricho” ou por “satisfação pessoal” (BRASIL, 2019).
É o que também assenta a jurisprudência; a saber:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PENHORA DE ATIVOS EM NOME DO DEVEDOR VIA BACENJUD. POSSIBILIDADE. NÃO CONFIGURAÇÃO DE CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE. O sistema BACENJUD é uma ferramenta que possibilita a rápida comunicação entre o Poder Judiciário e as instituições financeiras, facilitando o bloqueio de valores do devedor e a requisição de informações entre os participantes. É, assim, imprescindível para que a execução chegue a seu termo, com a satisfação do crédito mediante a entrega do dinheiro ao credor. A utilização desse mecanismo, portanto, não pode configurar crime de abuso de autoridade. De acordo com o art. 1º, § 1º, da Lei 13.869/2019, para a configuração das condutas enquadráveis como crime de abuso de autoridade, exige que a sua prática tenha se dado com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal, não sendo, pois, o caso dos autos. Outrossim, para configurar crime de abuso de autoridade, faz-se necessário que a indisponibilidade de ativos financeiros seja decretada em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida, não constituindo qualquer infração, portanto, a indisponibilidade dos valores indicados pelo credor como necessários para a satisfação do crédito, como dessume da interpretação literal da Lei 13.869/2019. Reforma da decisão agravada para permitir a penhora de ativos em nome do devedor via BACENJUD.AGRAVO PROVIDO. UNÂNIME.(TJ-RS - AI: 70083977306 RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Data de Julgamento: 02/09/2020, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação: 08/09/2020). (grifo meu)
Nucci (2019) ao explicar esse ato, traz o seguinte exemplo: agente público que prenda determinado cidadão com a finalidade de prejudicá-lo. Soma-se a isso o fato desse agente tirar proveito dessa prisão, motivado também por satisfação pessoal.
O § 2º nos traz que quando houver uma divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas, isso não configura abuso de autoridade. Novamente Nucci (2019) nos explica que em uma situação onde dois magistrados possuem correntes de entendimento diferentes, como prender ou soltar um indivíduo, não se configura abuso de autoridade, uma vez que isso é apenas posicionamento diverso e não crime em si.
A presente lei também traz como novidade, a possibilidade de indenização para a vítima. Esta é delimitada na sentença penal, desde que o ofendido assim tenha requerido (LEITE, 2019).
Destaca-se também que o sentenciado por tal crime pode tornar-se inabilitado para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos, além de perder o cargo, mandato ou função pública (BRASIL, 2019).
A par de outros artigos, o que se nota perante essa nova lei é que o legislador evidenciou uma maior proteção aos cidadãos diante de uma configuração do crime em contento. Também foi abarcado no conjunto de artigos, ações como a decretação coercitiva de testemunhas ou investigados num período anterior ao da intimação, ou realizar condutas sem a devida autorização judicial (ANGELO, 2020).
Cabe destacar que membros do Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, de tribunais ou conselhos de contas também podem ser alvos de penalidades (BRASIL, 2019).
5. ABUSO DE AUTORIDADE EM ABORDAGEM POLICIAL NAS PRISÕES INDEVIDAS
Conforme expresso no tópico anterior, a legislação brasileira tem adotado medidas legislativa no combate ao abuso de autoridade por parte da polícia, principalmente nas abordagens. Dentre todo o sistema de Segurança Pública, a Polícia Militar (PM) ganha destaque nesse tema, porque é por meio dela que se encontra a função preventiva.
Ocorre que na prática, ainda que a lei esteja ampliando o leque de possibilidades sobre o abuso de autoridade policial e suas penalidades, a sociedade ainda assiste a casos onde há um flagrante de violência destemida e desnecessária de policiais à civis.
Isso faz com que ainda se discuta a respeito do despreparo ou usurpação de função da Polícia Militar (PM), perante as suas abordagens. Apenas no Estado de São Paulo, de acordo com a Ouvidoria da corporação da Polícia Militar, no primeiro semestre de 2020, houve 208 queixas de abuso de autoridade de policiais militares (LOPES, 2020).
A grande maioria das queixas apresentadas remete à ação truculenta de policiais militares aliada a prisão indevida. Este último tem-se mostrado um fator importante nesse cenário. Uma vez que já é possível afirmar que a abordagem policial no Brasil em sua maioria é de forte apelo violento e intimidador, após esse ato, há ainda a prisão indevida de cidadãos. Ou seja, não basta maltratar, tem que prender indevidamente (LOPES, 2020).
Cabe salientar que no sistema processual penal, a prisão para ser efetivada depende de uma série de procedimentos. A título explicativo, após a prisão feita por uma abordagem policial, o cidadão deve ser levado ao delegado da área (que decide manter ou não a prisão), depois é, ainda, submetida a audiência de custódia perante o Judiciário. Esses dois últimos pontos têm por objetivo evitar erros e não manter presa a pessoa ilegalmente (COGAN; SILVA, 2019).
No entanto, até o cumprimento desses procedimentos, o cidadão fica encarcerado em prisões preventivas. Muitas delas, porém, são feitas de forma indevida, o que atinge diretamente os princípios da liberdade e principalmente da Dignidade da Pessoa Humana.
A abordagem policial além de truculenta e agressiva também resulta em prisões indevidas. A jurisprudência brasileira, inclusive, há anos vem penalizando essas ações ilegais por parte da polícia. Para exemplificar essa afirmativa, cita-se o seguinte julgado:
DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PRISÃO ILEGAL. DANOS MORAIS. 1. O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo, prisão ilegal. 2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sobre o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir. 3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. 4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado. 5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no direito brasileiro, está fundamentada na expressão contida no art. 5º, LXXV, da CF. 6. Recurso especial provido (REsp. n.º 220.982/RS, 1ª T., rel. Min. José Delgado, j. 22/02/2000, DJ 03/04/2000, p. 116).
Nota-se conforme o julgado acima, que além de caracterização da prisão indevida ocorrida, emerge o direito indenizatório por parte do Estado em face do cidadão, uma vez que essa ação atenta claramente os preceitos pregados pelos Direitos Humanos.
A esse respeito, importante mencionar a fala de Moraes (2017, p. 152) que ao conceituar os Direitos Humanos explica que “são direitos relacionados aos valores liberdade e igualdade positivados no plano internacional”. Ou seja, quando existe uma violação à dignidade do indivíduo, surge de imediato uma violação aos Direitos Humanos. Nos casos de agressão destemida, violência verbal ou mesmo prisão indevida exercida por um policial numa abordagem, há de fato uma agressão aos Direitos Humanos.
Nesse sentido:
[...] há um liame que diferencia a abordagem legal, da abordagem ilegal, quando ocorre utilização indevida, por despreparo de alguns policiais, ou quando, dolosamente, marginais transvestidos de Estado se utilizam desse recurso legitimado pela sociedade para exercer condutas criminosas, depreciando a dignidade e os direitos individuais do homem e marginalizando um instrumento de disseminação da segurança, com o intuito de satisfazer seus sadismos, ou propagar a violência gratuita, através de agressões, abusos e humilhações físicas e morais, além de outras condutas inaceitáveis (CORREIRA, 2016, p. 02).
Na visão de Maia Neto (2009, p. 02) “o abuso de poder e de autoridade de policiais são delitos graves que lesionam a humanidade, em geral vítimas diretas e indiretas, razão pela qual poderiam ser crimes imprescritíveis, contra a ordem constitucional e o Estado democrático”.
Portanto, ao conceder o dano moral nesses casos, as Cortes brasileiras têm entendido que, a prisão indevida praticada por autoridade policial viola os princípios e direitos fundamentais da Constituição, como dignidade da pessoa humana, honra, imagem e liberdade. O desrespeito à dignidade da pessoa humana nesses casos, não pode ficar impune, razão pela qual o cidadão ofendido faz jus ao ressarcimento integral dos danos morais sofridos pela indevida mácula à sua honra, imagem e liberdade, decorrente de sua prisão indevida.
Frente a essa questão, o presente estudo defende uma maior penalização por parte da lei aos agentes policiais que durante uma abordagem excedem nas suas prerrogativas, sob ‘desculpa’ de estar cumprindo o seu dever legal. Tal razão não pode dar ensejo a agressões, ao descaso e maltrato ao indivíduo, que ainda não enfrentou o devido processo legal.
Nesse sentido, é imperioso estabelecer que a Lei de Abuso de Autoridade, em que pese a sua importância e finalidade, deva ter um maior rigor na questão do aumento de penas para os agentes abusadores a fim de causar ‘medo’ para aqueles que usam o poder para outros fins diversos do seu cargo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como mostrado no início desse estudo, muito tem se observado que os policiais de modo geral vêm agindo de modo arbitrário e coercitivo em nome de garantir o interesse coletivo. Agressões desnecessárias, desrespeito à dignidade da pessoa humana, violência física e verbal exagerada, dentre outras atitudes, tem emitido o alerta de que a abordagem policial não vem sendo realizado de modo proporcional e correto.
Buscando resolver tal questão, no âmbito legislativo houve um avanço sobre a matéria de abuso de autoridade exercida por agentes de segurança pública. Nesse sentido, em 5 de setembro de 2019 foi promulgada a nova Lei nº 13.869 de alcunha Lei de Abuso de Autoridade, que substituiu a antiga Lei nº 4.898/65.
Esta lei trouxe importantes renovações no que diz respeito às práticas abusivas de servidores públicos e autoridades. Dentre as inovações apresentadas, têm-se as medidas administrativas (perda ou afastamento do cargo), cíveis (indenização) e penais (detenção, prestação de serviços ou penas restritivas de direitos). A penalização dessas ações delitivas chegam até 4 anos de reclusão.
Ocorre que apesar da sua importância e da sua necessidade de estar em vigor, caso houvesse uma maior penalização por parte desses agentes, poderia esta lei ter maior efetividade, uma vez que na prática ainda é possível encontrar inúmeros casos de abusos cometidos por policiais em suas abordagens.
Essa questão deve ser sempre discutida, principalmente quando se verifica um flagrante atentado aos preceitos defendidos pelos Direitos Humanos, em especial a proteção à dignidade e liberdade de cada cidadão.
Fica nítido considerar que a prisão indevida é uma das mais graves ações cometidas por esses agentes, e a que mais representa o desrespeito ao semelhante, haja vista que além de sofrer violência física e moral, o ofendido sofre a limitação da sua liberdade de forma errônea e desleal.
Para isso, entende-se que haja uma maior penalização a esses agentes, que por ora ainda continuam a praticar atos alheios ao seu ofício, sentido-se deuses e acima da lei.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANGELO, Tiago. Catapultada por excessos da "lava jato", lei contra abuso entra em vigor. 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-jan-03/lei-abuso-autoridade-entra-vigor-nesta-sexta. Acesso em: 28 mar. 2021.
BEZERRA, Clayton da Silva; AGNOLETTO, Giovani Celso. Busca e Apreensão. Rio de Janeiro: Mallet, 2017.
BRASIL. Lei nº 13.869 de 5 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm. Acesso em: 25 mar. 2021.
BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (MPRJ). Lei de Abuso de Autoridade. 2017. Disponível em: http://www.mprj.mp.br/lei-abuso-de-autoridade. Acesso em: 27 mar. 2021.
CAMARGO, Marcelo. Poder de polícia: possibilidade de delegação. 2018. Disponível em: https://monografias.brasilescola.uol.com.br/direito/poder-policia-possibilidade-delegacao.htm. Acesso em: 12 fev. 2021.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: Juspodivm, 2015.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
COGAN, Bruno Ricardo; SILVA, Marco Antonio Marques da. Considerações sobre o abuso de autoridade: desenvolvimento histórico e atualidades. Revista DIREITO UFMS. Campo Grande, MSv. 5 n. 2 p. 270 – 293. jul./dez. 2019.
CORREIRA, Lauro Chamma. Busca pessoal e abordagem policial tem previsão legal? 2016. Disponível em: https://laurochammacorreia.jusbrasil.com.br/artigos/388119560/busca-pessoal-e-abordagem-policial-tem-previsao-legal. Acesso em: 15 mar. 2021.
HOFFMANN, Henrique; FONTES, Eduardo. Cidadão tem o direito de filmar abordagem policial. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-out-03/academia-policia-cidadao-direito-filmar-abordagem-policial. Acesso em: 18 fev. 2021.
KOLLER, Silvia H. DE PAULA COUTO, Maria Clara P. HOHENDORFF, Jean Von. Manual de produção cientifica. Porto Alegre: Editora Penso, 2014.
LEITE, Gisele. Lei de Abuso de Autoridade. 2019. Disponível em: https://www.lex.com.br/doutrina_27966122_LEI_DE_ABUSO_DE_AUTORIDADE_1.aspx. Acesso em: 25 mar. 2021.
LOPES, Eliseu Soares. Erros e abuso de autoridade em prisões. 2020. Disponível em: https://correio.rac.com.br/_conteudo/2020/10/campinas_e_rmc/1014631-erros-e-abuso-de-autoridade-em-prisoes.html. Acesso em: 20 mar. 2021.
MAGALHÃES, Mariana Cardoso. As abordagens policiais inapropriadas e o desrespeito aos direitos fundamentais e individuais. 2018. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/283156/as-abordagens-policiais-inapropriadas-e-o-desrespeito-aos-direitos-fundamentais-e-individuais. Acesso em: 28 fev. 2021.
MAIA NETO, Cândido Furtado. Abuso de poder e de autoridade. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 28 jan. 2009.
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2016.
MARQUES, Ivan; MARQUES, Gabriela. A nova lei de abuso de autoridade. Lei 13.869/2019 – Comentada artigo por artigo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. A nova lei de Abuso de Autoridade. 2019. Disponível em: http://genjuridico.com.br/2019/10/04/nova-lei-de-abuso-de-autoridade/. Acesso em: 15 mar. 2021.
SANTANA, Jonathan. Abuso de autoridade: Lei 4.898/65. 2016. Disponível em: https://fsjonathan.jusbrasil.com.br/artigos/313016579/abuso-de-autoridade-lei-4898-65.Acesso em: 02 abr. 2021.
SENE, Thais Sanson. O exercício do poder de polícia pela Administração Pública sob a luz do princípio da proporcionalidade. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 29 ago. 2017. Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.589650&seo=1. Acesso em: 20 fev. 2021.
SILVEIRA, Matheus; BLUME, Bruno André. Abuso de autoridade: o que é o novo projeto de lei e quais os possíveis impactos na operação lava jato? 2016. Disponível em: https://www.politize.com.br/lei-abuso-de-autoridade-reforma/. Acesso em: 03 abr. 2021.
[1] Professora Orientadora do curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG.
Graduanda do curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIAS, ANA CLARA DE JESUS BARBOSA. Abuso de autoridade em abordagem policial: um grito por justiça diante de prisões indevidas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 04:35. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56556/abuso-de-autoridade-em-abordagem-policial-um-grito-por-justia-diante-de-prises-indevidas. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.