RESUMO: O objetivo principal é analisar a questão da esquizofrenia e sua compatibilidade com a inimputabilidade penal. Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, onde reuniu-se livros, artigos para que pudesse ser realizado um debate sobre a temática. A pesquisa justifica-se por traçar de forma clara e concisa aspectos que permeiam a esquizofronia, no sentido de entender o que acontece com as pessoas que são acometidas pelo transtorno e eventualmente cometem crime. A pesquisa dividiu-se em três itens, quais sejam, a inimputabilidade penal e seus aspectos históricos e conceituais, a esquizofrenia como transtorno mental, e por fim, as consequências jurídicas aos acometidos pelo transtornam sofrem quando no cometimento do delito.
Palavras-chave: Inimputabilidade; esquizofrenia; direito penal
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. INIMPUTABILIDADE PENAL - 2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS - 3. TRANSTORNOS MENTAIS - 3.1 ESQUIZOFRENIA - 4. CONSEQUÊNCIAS DA REALIZAÇÃO DO ILÍCITO PENAL POR PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA – APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA - 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS - 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
O sistema penal brasileiro é dotado de direito público subjetivo estatal, que se consubstancia no poder de punir. Contudo o sistema em que se gere a reação penal visa-se, sobretudo, a conservação da segurança jurídica forma e material impostos pelo Estado Democrático de Direito através dos princípios constitucionais de direito.
Existe dentro da sistemática punitiva estatal uma divisão de institutos previstos como consequentes do cometimento de atos delitivos, ou seja, atos antijurídicos, típicos e culpáveis. O critério de aplicabilidade diferenciada é a inimputabilidade penal. Ou seja, aplica-se pena aos imputáveis; e medida de segurança aos inimputáveis, chamado de sistema vicariante. Afora discussões doutrinárias a respeito da culpabilidade ou não, como elemento do fato punível, essa sofre uma descaracterização diante da inimputabilidade, pois um ato culpável deve ter presente a imputabilidade penal.
Aos inimputáveis, o fundamento da resposta penal está voltado para a prevenção e controle das circunstâncias a que está sujeito o agente portador de enfermidade penal, o ordenamento jurídico denomina de periculosidade penal, ou seja, um critério de probabilidade de reincidiva criminal.
Este trabalho será desenvolvido sob a temática da inimputabilidade com fundamento em doença mental - esquizofrenia - sob a perspectiva de uma abordagem transdisciplinar, com o objetivo de elucidar os fundamentos que tratam da questão do agente inimputável atualmente no Brasil, de conteúdo biopsicossocial, através da aplicabilidade do art. 26 do Código Penal Brasileiro.
Será feita uma síntese dos aspectos fundadores do instituto da inimputabilidade, enquanto condição jurídica aceitável de incapacidade psíquica de sujeição à prática punitiva estatal, em uma linha histórica-ético-filosófica, abordando os conflitos entre ciências de diferentes conhecimentos e poderes – direito versus psiquiatria - situando as divergências dogmáticas envolvidas e a criação da ciência dos considerados anormais.
Diante da conceituação de transtorno mental, o estudo estabelece os diferenciais entre o que é, para o direito e para a psiquiatria, a doença mental, inclusive salientando a evolução histórica da sua conceitualização e tratamento da figura do louco nos últimos séculos, para então chegar ao estudo da esquizofrenia, com vistas à abordagem de alguns aspectos históricos e de como vem sendo tratada ao longo dos anos. Com estudo direcionado a sua sintomatologia com o objetivo de demonstração de que trata de doença que possibilita a configuração do instituto da inimputabilidade.
E, por fim, como consequência do cometimento de ilícito penal, atenta aos aspectos processuais, a medida de segurança como sanção substitutiva à pena, de aplicabilidade obrigatória caso seja a inimputabilidade o fundamento da absolvição do agente criminal.
2. INIMPUTABILIDADE PENAL
2.1 ASPECTOS HISTÓRICOS
No Direito Romano, segundo a Lei das XII Tábuas, em 450 ac., alguns aspectos eram voltados à preocupação em torno da figura dos loucos, os quais eram denominados de furiosus e demens. Os primeiros eram considerados os doentes agitados, que apresentavam intervalos de lucidez, durante os quais deveriam ser considerados plenamente imputáveis; ao passo que os segundos eram considerados desequilibrados totalmente (FÜHRER, 2010).
Vale destacar que essa atenção era voltada especialmente na esfera cível, no que tange ao instituto da curatela (CRETELLA, 2007). Isso, de certa forma, era lógico, pois as implicações nesta esfera eram dadas a toda existência do indivíduo. Na seara penal, doutro lado, o tema em análise somente era aventado, mediante a ocorrência de algum fato criminoso (PONTE, 2012).
Quanto ao tratamento dado à figura do louco, à qual melhor nos ateremos adiante, era, e ainda é, uma questão circunstancial diferenciado. No Direito Civil, esses são incapazes, ao passo que para o Direito Penal, são irresponsáveis, inimputáveis. (PALOMBA, 2016)
Nestes casos, não havia punição do louco em razão de dois fundamentos distintos: uma corrente, de cunho ético-filosófica, defendida por Modestino, que atentava especialmente à condição humana do criminoso baseada na piedade advinda da doença já que era considerada, na tradição pagã, como um castigo infligido pelos deuses, quer por puro arbítrio, quer por punição a uma falta cometida anteriormente; e uma outra, defendida por Gaio, que se detinha aos princípios jurídicos, recorrendo à noção de irresponsabilidade, ou seja, a total ausência de compreensão dos atos cometidos pelo doente mental. Por fim, falta de compreensão da realidade (PONTE, 2012).
Entretanto, a ideia da inimputabilidade do doente mental não esteve totalmente presente ao longo da história, vez que não superou a superstição que permitia a punição dos alienados delinquentes considerados “endemoninhados”, especialmente durante a Idade Média. Sob a ética da Igreja, era atribuída à loucura a manifestação de obras diabólicas, e aos loucos, a característica de seres enfeitiçados e dominados pela imaginação imoral. Desta forma, eram muitas vezes submetidos ao tormento de horríveis suplícios, resultando na ausência de tratamento jurídico ao louco, embora estes questionamentos permaneçam ativos até hoje.
No século XVII, na Idade Moderna, no contexto médico, a loucura se integrou ao lado das doenças venéreas num espaço moral de exclusão (PONTE, 2012). Equiparada ao fenômeno da lepra, a loucura era considerada como uma paisagem imaginária da Renascença, momento em que passou a ser dado de observação social, frente à ociosidade do sistema produtivo e, logo após, ao esconderijo do desatino e da inutilidade social na figura do internamento.
Essa situação é retratada por conflitos de valores de áreas diversas dentro das ciências em um panorama da evolução histórica em que ainda não se encontrava um lugar específico para a loucura, conforme bem explicita Foucault: “Enorme era a confusão nesses anos, difícil era determinar o lugar que a loucura deveria ocupar na ‘humanidade’ que estava sendo reavaliada, difícil era situar a loucura num espaço social que estava em reestruturação (FOUCAULT, 2003)”.
Foi a Revolução Francesa, no século XVIII, com o advento da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que inspirou o desenvolvimento de certos institutos jurídicos voltados ao confinamento dos loucos e à assistência pública. Estes confinamentos já haviam sido criados no século XVII mas, derradeiramente, foi no fim do século XVIII que a loucura passa a ser vista como doença, abandonando o simples caráter transgressor da normalidade para assumir fundamentos cientificistas. Trata-se de “um poder que não age pela separação em grandes massas confusas, mas por distribuição de acordo com individualidades diferenciais”, com um propósito de especificidade em relação ao problema com a investidura de “um poder que não é ligado ao desconhecimento, mas ao contrário, a toda uma série de mecanismos que asseguram a formação, o investimento, a acumulação, o crescimento do saber’” (CARRARA, 2008).
Nesse sentido, dentro de um novo modelo aplicado, procurou-se uma diretriz mediana no dever de assistência aos loucos diante da ausência da razão. Assim, esse diferencial proposto levou a uma busca do que podemos chamar de solução, o que é assustador à sociedade da época:
[...] é preciso encontrar um termo médio entre o dever de assistência, que prescreve uma piedade abstrata, e os temores legítimos, que suscita um assombro realmente sentido; será o caso de proporse naturalmente uma assistência intra muros [...] Todavia, o ponto mais decisivo é a procura ainda hesitante, de um equilíbrio entre a exclusão pura e simples dos loucos e os cuidados médicos que lhes são dados na medida em que são considerados como doentes. Prender os loucos é essencialmente imunizar a sociedade contra o perigo que eles representam [...] (FOUCAULT, 2003).
Para um bom entendimento, o surgimento do instituto da inimputabilidade, antes de entrarmos na questão da patologia propriamente dita, é importante salientar que os desvios de comportamentos assumem duas linhas de pensamento no âmbito da responsabilidade, que se atribui ou não aos transgressores, que embora sejam distintas entre si, muitas vezes podem estar sobrepostas nos atos desviantes simbolizando “fronteiras diluídas”. Uma compõe-se dos atos frutos da loucura, e outra, dos atos frutos da delinquência. O que caracteriza a sobreposição mencionada é a figura do louco-criminoso, objeto de determinado ramo da Criminologia, a Psiquiatria Forense. Esta encontrava-se na busca de compreensão da “complexa articulação de fatores contextuais (extrapsíquicos) e psicopatológicos (intrapsíquicos) e a verdadeira responsabilidade de cada um pela conduta delituosa” (TABORDA et al, 2014).
É pertinente, para melhor entendimento, ensejar a crença de que “quem não compreende é louco”, pensamento da psiquiatria criminal alienista. A questão da vontade livre com capacidade de internalização e escolha difere-se da capacidade de fala e compreensão que não admite a estabilidade psíquica como sinônimo.
É importante fazer aqui um parêntese, a luz dos princípios do determinismo e do livre arbítrio, atributo que torna os homens responsáveis, em confronto com as ideias positivistas de direito, no fim do século XIX, criou uma ampla e sistemática reflexão em torno do crime e dos criminosos e da ‘mente criminosa’, e novas estratégias de prevenção e controle do crime abalavam os alicerces tradicionais do sistema judiciário francês. Nesse sentido, bem retrata Ruth Harris em estudo específico deste momento na França:
Fundamentando as investigações quanto à ‘maldade ou loucura’ dos réus, havia a questão ainda mais profunda de se saber se estas ideias divergentes dentro do sistema legal francês ainda valiam numa época impregnada de teorias médicas e sóciocientíficas subversivas (HARRIS, 2009).
O objetivo era de estabelecer um olhar crítico frente a uma nova concepção do homem e de suas relações sociais, ancorado em formulações positivistas e cientificistas, discutiam a problemática política máster, em meio a todo um processo de urbanização e industrialização, ou seja, um conceito de civilização em evolução e transformação face ao que Carrara chama de “limites reais e necessários da liberdade individual”.
No Brasil, desde a época imperial, a matéria da inimputabilidade penal dos doentes mentais já havia sido inserida no ordenamento jurídico-penal brasileiro. o primeiro Código Penal Brasileiro da era imperial, de 16 de dezembro de 1824, assim dispunha: “Não se julgarão criminosos e loucos de todo o gênero, salvo se tiverem intervalos lúcidos e neles cometerem crimes” (CORREA, 2016).
Apesar de, nesta época, ainda não haver distinção dos pressupostos do crime e da pena, o Código do Império parece ter acolhido as tendências de exclusão do crime, salvo se cometido em intervalos lúcidos. E, ainda, já poderia ser observada uma espécie de medida de segurança, através do procedimento desencadeado decorrente de algum fato de caráter criminoso, cometido por algum doente mental, que consistia na sua internação ou entrega em confiança à família, firmadas na convicção do juiz, época que o desatino do inimputável era deixado a cargo exclusivo do juiz. “Não havia julgamento dos loucos e determinavam que fossem recolhidos em hospitais alienados, se o seu estado mental assim exigir para a segurança do público” (SOUTO, 2013).
Ainda no último ano desta fase, antes de proclamada a República, iniciaramse os projetos de um novo código, o que surgiu devido à necessidade de mudanças imediatas, sobretudo em face da abolição. Assim, em 11 de outubro de 1890, houve a conversão do Código Penal Imperial, no Decreto 847, que passou a ser conhecido como Código Penal da República, que tratava a questão do doente mental como segue: “Não são criminosos os que por imbecilidade nativa, ou enfraquecimento senil, forem absolutamente incapazes de compreensão e os que se acharem em estado de completa privação dos sentidos e da inteligência no ato de cometer crime” (CORREA, 2009).
Nesta fase, constata-se grande evolução, vez que as internações, embora ainda submetidas ao juízo crítico dos juízes, passaram a exigir as suas fundamentações com base na doença mental ou na periculosidade, o que, acertadamente, pode se atribuir à Lei Republicana inegável progresso no tratamento dos inimputáveis.
Com o advento da Lei 7.209, de 11 de julho de 1984, que trouxe alteração da parte geral do Código de 1940, permanece a presunção absoluta de periculosidade, mesmo diante do publicado na “Exposição de Motivos” que revela o fim puramente preventivo e assistencial da medida de segurança, passando a ser aplicada aos inimputáveis sem a elaboração de qualquer exame ou juízo de periculosidade. E o instituto ficou vinculado à qualidade da pena, detenção ou reclusão, não sendo estabelecido qualquer liame com a doença e o caso concreto.
3. TRANSTORNOS MENTAIS
Os transtornos mentais são definidos com base em uma série de conceitos. O significado parte da associação de outros conceitos, tais como: sofrimento, descontrole, desvantagem, inflexibilidade, irracionalidade, padrão de síndrome, etc. Cada um é indicador útil ou característico a um tipo de transtorno específico ou são tidos de forma associada, mas não são a definição deste em si.
Em outras palavras, o termo transtorno é utilizado para indicar a existência de um conjunto de sintomas ou comportamentos clinicamente reconhecível associado, na maioria dos casos, a sofrimento e interferência com funções pessoais.
Essas interferências nas funções pessoais contribuem para a criação de um mundo diferenciado da realidade. Ou melhor, são vivências com certas especificidades psicológicas, que ocorrem dentro de uma dimensão própria, genuína, não se tratando apenas de supradimensões, ou seja, exageros. Por outro lado, embora sejam interferências pessoais, o indivíduo não se sujeita somente às experiências próprias, mas também se mantém em contato com a psicologia complexa dos normais.
Dessa forma, diante do entendimento do que vem a ser um transtorno - e dentre vários existentes -, passaremos à análise da Esquizofrenia.
3.1 ESQUIZOFRENIA
A principal característica da esquizofrenia reside na apresentação de sintomas psicóticos, como definidores, portanto, é sensato, primeiramente, saber em que estes consistem.
O termo psicótico tem recebido, ao longo da história, uma série de definições diversas, que geraram a ausência de um consenso universal com relação a ele.
Sua definição mais estreita está relacionada a delírios ou alucinações proeminentes, sendo que, nestas, ocorrem falta de insight quanto a sua natureza patológica. Isto é, os pacientes acreditam na realidade das alucinações, não percebem que tais vivências são irreais. Há uma outra definição, mais restrita, especificamente quanto a esta última característica, onde existe a consciência das experiências alucinatórias. Em contraponto, uma terceira definição, mas agora mais ampla, onde são inclusos os sintomas positivos da esquizofrenia, quais sejam, os discursos e comportamentos desordenados, por exemplo:
Um episódio psicótico é freqüentemente prenunciado por uma crescente dissonância entre a pessoa e o ambiente social. Geralmente precipitado por uma sucessão de comportamentos vistos como intoleráveis pela família ou ambiente social, o conflito resultante freqüentemente evoca respostas da pessoa ou para outros. É comum alguma forma de coerção, indo desde a intensa persuasão até a ação legal involuntária, ser exercida com o objetivo de levar a pessoa à atenção médica (LINPTON E CANCRON, 2009).
Em relação aos estados psicóticos são, muitas vezes, molas propulsoras da violência. Referente aos mais desorganizados (tipo esquizofrênico), apresentam tendências focalizadas e menos perigosas, entretanto, vinculados aos delírios persecutórios. Está-se diante de especial probabilidade de ser atuados. Assim, exemplifica Menezes:
Vozes de comando alucinatórias são situações que podem também levar a comportamento violento: um estudo encontrou que cerca de metade dos casos de homicidas psicóticos estavam tendo alucinações, e que destes 84% tinham vozes de comando (MENEZES, 2011).
Na maioria dos casos o comportamento agressivo requer uma certa soma de organização, oportunidade e necessidade de defender a si mesmo.
As classificações anteriores (DSM-II, CID-9) se fixaram demasiadamente na gravidade do prejuízo funcional, perda de capacidade para as atividades cotidianas, de maneira que um transtorno tinha o nome de “psicótico” caracterizado em “prejuízo que interfere amplamente na capacidade de atender às exigências da vida”. Entretanto, atualmente existe uma definição conceitual, que reside em perda dos limites do ego ou um amplo prejuízo no teste de realidade. No que tange ao diagnóstico de esquizofrenia, o termo psicótico refere-se a delírios ou alucinações proeminentes, comportamento e discurso desorganizado, e comportamento catatônico, assumindo o caráter amplo de sua definição.
Este prejuízo, que está sujeito o portador de esquizofrenia, entende-se como um abalo da maior virtude de um ser, do ponto de vista psicodinâmico:
Para os pacientes, a esquizofrenia ameaça a perda do que quase todos nós tomamos como algo natural – o próprio senso de sermos, o senso ontológico de ser alguém e algo. Apenas quando falta esta sensação, sua importância, seu valor para a sobrevivência e sua função de endossar as pessoas como criativas e conscientes são apreciados. Uma vez que a esquizofrenia freqüentemente invade este núcleo do narcisismo humano, as pessoas sempre a consideraram com intensa ambivalência. Em um lado, está a fascinação em vista do segredo que a doença mantém para o entendimento do cérebro, o órgão unicamente humano para o entendimento. Do outro lado, está o horror, porque ela ameaça uma paralisia máxima – a de uma vida sem sentido. Para médicos e cientistas, a esquizofrenia gera um senso de confusão e ignorância inevitável repetidamente, desta forma atacando outra fortaleza do narcisismo humano - o orgulho por conhecer (MAGLASCHAN; HOFFMAN, 2009).
Na esquizofrenia a perturbação, quanto ao caráter da temporalidade, é de no mínimo seis meses, sendo que é incluído pelo menos um mês da fase ativa, que resulta na presença de dois ou mais de seus sintomas, ou seja, delírios, alucinações, discursos desorganizados, comportamento significativamente desorganizado ou catatônico, sintomas negativos, que serão analisados a posteriori.
Manifesta-se por surtos irregulares quanto à frequência. Intercalam-se períodos de calmaria e exacerbação dos sintomas mórbidos. Mesmo distante da fase aguda, o indivíduo permanece a apresentar tais sintomas chamados de defeito esquizofrênico que consistem em ensimesmamento, falta de auto e hetero-crítica, distúrbios do pensamento, etc., podendo haver manifestações isoladas ou em conjunto. Assim como padrões duradouros de retraimento, instabilidade de humor e falta de inclinação para relacionar-se emocionalmente, como, por exemplo, nos casos de confronto social, eles podem apresentar reações mais inapropriadas que o normal.
Independente da frequência em que os períodos agudos da manifestação aparecem, apresentam sempre gravidade e difícil abordagem terapêutica. Quanto maior for o número de surtos, mais ativo será o caráter progressivo da patologia, dessa forma, comprometendo, mais rapidamente, a totalidade das esferas psíquicas, ocasionando a demência com perda da sua unidade ontológica e potencializando a característica da incurabilidade.
A essencialidade da esquizofrenia consiste na mescla de sintomas negativos e positivos, por no mínimo um mês, conforme referido, sendo que alguns desses sinais (critério A e C) deverão persistir no mínimo por seis meses. Num segundo plano, esses sintomas deverão ser associados com acentuada disfunção social ou ocupacional (critério B).
A perturbação não se confunde com Transtorno de Humor com Características Psicóticas, nem mesmo com o transtorno Esquizoafetivo. Assim como, não se deve às conseqüências dos efeitos fisiológicos em face de alguma substância ou de condição médica em geral (critérios D e E).
Os sintomas característicos da esquizofrenia são a contento da doença mental na concepção jurídica, vez que implica em uma faixa de disfunções cognitivas e emocionais. A esquizofrenia abarca uma série de transtornos: do pensamento e da fala, do afeto, de ambivalência, do comportamento, da percepção, e alterações do sensório.
4. CONSEQUÊNCIAS DA REALIZAÇÃO DO ILÍCITO PENAL POR PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA – APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA
Qualquer que seja o ilícito cometido diante do ordenamento jurídico brasileiro, se está sujeito à sanção penal. Contudo, estando acobertado por alguma causa excludente de culpabilidade, como é o caso da inimputabilidade, com presente impossibilidade moral de aplicação de pena, está-se diante da aplicação de medida de segurança como consequência da realização do ilícito, ao invés de pena, como espécie de sanção penal. Aos quais serão ressaltados alguns aspectos históricos, ideológicos e conceituais.
As medidas de segurança foram criadas em um momento histórico de transição. De estado escravocrata a colonial, o seu objetivo era de contenção/prevenção das massas dispersas e de segurança pública, frente à parte da população que não tinha uma posição social segura, na sua maioria, os mestiços, e viviam numa ociosidade de classe inferior e inútil, vagando às ruas com suspeição de perigosidade. O controle social, por meio dessas medidas, era, especialmente voltado aos loucos, e desocupados (SOUTO; TOLEDO, 1984).
Inicialmente, a aplicação das medidas de segurança estava adstrita ao sistema do duplo binário, introduzido em 1930 no Codice Rocco e abandonado após a reforma penal de 1984. Esse sistema implicava na aplicação conjunta de pena mais medida de segurança nos casos em que fosse necessário algum tratamento para o agente penal (PRADO, 2007).
A partir da adesão dessas medidas, pelo código de 1940, consideradas “medidas de prevenção e assistência”, a gama de combate ao crime, passa a desvalorizar, de certa forma, a base do voluntarismo determinista, quanto à formação da consciência de base cultural elementar, para atentar ao fenômeno da degeneração, questionando as questões em termos de responsabilidade moral/penal (TOLEDO, 2005).
A criação das medidas retrata a institucionalização do paradigma positivista e todo o seu ideário das ciências que a ele se integram – antropologia criminal, sociologia criminal, criminologia - com visão aos mecanismos de controle das anomalias, face aos critérios de periculosidade e controle social, juntamente à ressocialização, assumindo, então, status de segregação punitiva e incorporando o sistema dualista de sanção penal.376 Entretanto, sua natureza não é, propriamente, de cunho punitivo, é de prevenção geral e especial, embora exija um tratamento penal formal submetido ao controle do juiz de execução , principalmente no que tange à execução das medidas de segurança detentivas. “Buscam apenas a prevenção especial, consistente na recuperação social ou na neutralização do criminoso.”
A essência das medidas de segurança é, portanto, o meio de resposta que a sociedade se utiliza contra o perigo social, como bem explicita seus fundamentos e objetivos. Foucault retrata de que maneira isso ocorre:
Em suma, a sociedade vai responder à criminalidade patológica de dois modos, ou antes, vai propor uma resposta homogênea com dois pólos: um expiatório, outro terapêutico. Mas esses dois pólos de uma rede contínua de instituições, que têm como função, no fundo, responder a quê? Não a doença exatamente, é claro, porque, se só se tratasse da doença, teríamos instituições propriamente terapêuticas; tampouco respondem exatamente ao crime, porque nesse caso bastariam instituições punitivas. Na verdade, todo esse continuum, que tem seu pólo terapêutico e seu pólo judiciário, toda essa miscibilidade institucional responde a quê? Ao perigo ora essa (FOUCAULT, 2002).
Na verdade, para que as medidas de segurança atingissem de forma integral o que vem a ser o seu objetivo primordial seria preciso que: “A perigosidade pré delitual valeria, assim, do mesmo modo que a pós-delitual para aplicação da medida”. Esse raciocínio faz sentido diante da admitida existência de personalidades portadoras de uma criminalidade latente de tamanho grau que torna possível prever a probabilidade de que venham efetivamente a praticar crime. Casos em que potencializaria a sua função, somente mediante ação prévia. Entretanto, para universalizar sua eficácia, teria de surpreender esse estado antes que se desse à efetiva violação do bem jurídico, o que, evidentemente, desrespeitaria os postulados de garantias individuais.
Dessa forma, ou seja, com toda essa compreensão em torno da anormalidade, a adoção dessa medida de caráter humanitário abandona de vez a resposta soberana e a ideia de castigo inevitável frente ao crime. As atrocidades não mais se refletiram nas penas, pois, na medida em que escapa da atribuição à razão – escapa do direito de punição. A medida de segurança, enquanto providência preventiva, tem lugar após o crime, mas não em razão dele, pois não visa a atribuir culpa ao doente mental infrator da lei, mas a impedir um novo perigo social.
O instituto assegura que o poder de punir do estado não somente julgará os indivíduos, como estes serão avaliados, apreciados, medidos, em termos de normal e de patológico, caracterizando as novas regras da economia do poder de punir.
Quanto à análise desse instituto, nos ateremos, tão somente a sua conceituação a aplicação para o caso de inimputabilidade, expressas nos artigos 96 e 97 do Código Penal.
Atualmente as medidas de segurança referem-se, estritamente, aos inimputáveis e aos que se encaixam nas situações de culpabilidade diminuída. Embora não tenha essência punitiva, leva ao comprometimento da liberdade pessoal do agente pelo seu aspecto detentivo ou restritivo de direito, por tempo indeterminado, o que do ponto de vista dogmático afeta as garantias individuais. A começar pelo princípio da legalidade que conforme crítica de Luiz Régis Prado, parece o legislador ter esquecido ser a medida de segurança uma espécie de sanção penal:
Todo o cidadão tem o direito de saber antecipadamente a natureza e duração das sanções penais – pena e medida de segurança – a que estará sujeito se violar a ordem jurídico-penal, ou, em outros termos, vige também para as medidas de segurança o princípio da anterioridade legal (PRADO, 2017).
Face à garantia de não exacerbação dos direitos individuais, questiona-se a temporalidade indeterminada de aplicação das medidas de segurança. Diante da ausência de previsão legal, quanto ao tempo de aplicação, entende-se que não é constitucionalmente aceitável a possibilidade de privação em caráter perpétuo, dessa forma, cabe ao intérprete essa delimitação. O entendimento é que não supere o tempo estabelecido pela pena privativa de liberdade, no que se refere à questão da prescrição da pretensão executória.
De acordo com art. 99 do Código Penal: “O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”. Do ponto de vista interpretativo de Zaffaroni, traz a garantia legal de que o inimputável não será internado em estabelecimento penitenciário normal (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2002).
Quando da análise das possibilidades de cumprimento da medida de segurança, no seu art. 97, que dispõe o internamento ao inimputável, com a ressalva de que, ao tratar-se crime apenado com detenção, o internamento poderá ser substituído por tratamento ambulatorial.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É incontestável que o doente mental, alvo de discriminações e de características diferenciadas, levou muito tempo para ter seu lugar e conquistar os seus direitos na estrutura social. Era natural de ocorrer e assim procedeu também no âmbito do direito.
As ferrenhas contradições entre os saberes das ciências jurídico-positivas e liberais-deterministas, por fim chegaram ao entendimento de que o crime não poderia ser analisado somente do ponto de vista agressor da moralidade e que as transgressões, muitas vezes, eram dotadas de essência patológica, o que levou ao surgimento da inimputabilidade penal, concretizando a necessidade de tratamento desigual aos desiguais, em nível de abstenção da racionalidade, mesmo que temporária. Marcada pelas reivindicações e garantias dos direitos humanos.
O instituto da inimputabilidade, além de restrita aplicabilidade, requer a atuação associada de três elementos: doença, alteração da consciência e a presença de um vínculo com o agir delituoso.
O que se pretendeu neste trabalho foi a demonstração do conteúdo da inimputabilidade por meio da análise conceitual e dinâmica da consciência, enfatizando as funções psíquicas, com ênfase nas suas perturbações, a fim de identificação de situações compatíveis com o instituto, ou seja, os casos de Esquizofrenia clinicamente diagnosticados.
A crítica se resolve não em um sentido garantista abstensivo do caráter repressivo estatal, mas sim no sentido de que sejam postas as diferenças e coerências à mesa a ponto de possibilitar um tratamento digno e em conformidade com os postulados e garantias do Estado.
Por fim, o doente mental, mesmo com tratamento diferenciado diante do sistema penal brasileiro, ainda sim é alvo de descriminação social, retratado principalmente pela figura da presunção de periculosidade.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ZAFFARONI e PIERANGELI. Manual de Direito Penal Brasileiro – Parte Geral. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus- CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: IZEL, MICHAEL JAQUES DA COSTA. Esquizofrenia transtorno mental compatível com a inimputabilidade penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 06:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56561/esquizofrenia-transtorno-mental-compatvel-com-a-inimputabilidade-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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