MARCO ANTONIO COLMATI LALO
(orientador)
RESUMO: Não há dúvidas de que um sistema de justiça criminal, precisa ser eficiente e justo, tendo consequência o aumento da credibilidade para a sociedade brasileira. De forma simplória pode-se afirmar que o Inquérito Policial, trata-se de um conjunto de coleta de fatos e evidências, sendo a primeira fase de um processo penal. Pode-se definir o inquérito policial como um procedimento policial administrativo, executado pelas polícias judiciárias brasileiras que se preocupa em estabelecer a autoria e a materialidade de delitos e de infrações penais que após conclusão será enviado para a correta propositura da ação penal. A investigação pode ser reativa, ou seja, aplicada a crimes já perpetrados, ou proativo, isto é, visando prevenir determinada atividade criminosa planejada para o futuro. Uma consequência direta de todo o esforço da polícia em investigações que não sejam reconhecidas pelos cidadãos, está associada à falência das estruturas e funções da instituição polícia onde não há supervisão da atividade diária do polícia de investigação.
Palavras-Chave: Advogados; Crimes; Delitos; Inquérito Policial.
Sumário: Introdução. 1. O funcionamento do sistema penal de justiça brasileiro. 2. O inquérito policial e suas fases; 2.1 Principais mudanças (Lei 13.245/2016). 3. O caráter inquisitivo versus o direito à ampla defesa e contraditório. 4. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Um sistema de justiça criminal justo e eficaz, é composto por elementos inseparáveis, que quando caminham de forma equilibrada aumenta a confiança do público e os incentiva a respeitar a ordem pública, mediada pelo poder patriarcal do Estado. Em essência, a investigação do crime é o processo pelo qual o perpetrador é reconhecido por ter cometido ou planejado um crime. Através da coleta de fatos (ou evidências) (BEM, 2012).
A investigação pode ser reativa, ou seja, aplicada a crimes já perpetrados, ou proativo, isto é, visando prevenir determinada atividade criminosa planejada para o futuro. Existindo assim duas abordagens básicas para o gerenciamento de investigação de crime. Em alguns sistemas, caracterizada por jurisdições com tradição de direito romano, o responsável pela investigação é o Delegado de Polícia, que também conta com o auxílio de Promotores e Magistrados, compondo assim a “polícia judiciária”, salienta-se que os envolvidos no processo trabalham em estreita colaboração com os investigadores na aplicação da lei. Independentemente do sistema, os princípios e fundamentos permanecem os mesmos: estabelecer quem cometeu o ato ilícito e reunir provas suficientes para garantir a convicção (BONFIM, 2015).
Para a maioria da população brasileira e boa parte dos nossos profissionais da área, visualizam o sistema inquisitorial e jurisdicional como procedimentos burocráticos e lentos, um processo penal primitivo. Porém com o passar do tempo, mesmo que de forma gradual vem apresentando mudanças como as incorporadas pela Lei 13.245/2016, que assegura a presença do advogado na fase do inquérito policial, ou seja, dá a vítima ou ofendido participação no processo desde a investigação até a sentença, conhecendo as provas apresentadas no âmbito da investigação (BRASIL, 2016).
Para Lima Filho (2016, p. 2),
A importância da efetivação dos direitos fundamentais durante toda persecução penal, inclusive na fase investigatória. Como principal meio de investigação criminal, o inquérito policial, presidido pelo Delegado de Polícia, deve ser abordado à luz dos valores constitucionais como o devido processo legal (administrativo) e, dentro do possível à sua eficácia, os consequentes desdobramentos do contraditório e da ampla defesa.
Dar mais importância ao "ritual judiciário" é fundamental para melhorar a própria estrutura do processo penal brasileiro, nitidamente inquisitório, ainda que alguns insistam em pensar que o conceito de "sistema processual misto" (LOPES JÚNIOR, 2016).
Invariavelmente, o acusado será culpado ou inocente do processo realizado por a polícia no inquérito preliminar. Provavelmente este contexto de falhas estruturais e funcionais do modelo penal inquisitorial e do desenvolvimento e implementação do sistema acusatório no Brasil, tem provocado em todas as suas dimensões (legislativa e administrativa), opiniões contraditórias.
1 O FUNCIONAMENTO DO SISTEMA PENAL DE JUSTIÇA BRASILEIRO
No Brasil, além dos Juízes Especiais, ou Juizados Especiais (Juizados Militares e Eleitorais), existem Ministros Federais e Estaduais. Em geral, a Justiça Federal (Tribunais Federais) tem jurisdição sobre os crimes que envolvem os interesses da União e os demais crimes indicados pela Constituição Federal (CF). A competência da Justiça Estadual (Tribunais Estaduais) é residual. O Ministério Público (MP) Federal atua na Justiça Federal, investigando e processando crimes federais, como falsificação de moeda; contrabando; sonegação de impostos federais; evasão de contribuições previdenciárias; trabalho escravo; formação de cartéis; lavagem de dinheiro; transferência ilegal de dinheiro para o exterior; fraudes bancárias; tráfico internacional de drogas; pedofilia na internet; crimes cometidos por funcionários da Receita Federal, Policiais Federais ou funcionários de qualquer órgão ou departamento federal; crimes ambientais, etc. O Ministério Público Estadual atua na Justiça Estadual e apura e pune crimes como homicídio, roubo, fraude e todos os delitos não enquadrados nos demais Tribunais (MANZANO, 2017).
Em essência, existem quatro momentos distintos no funcionamento do sistema penal brasileiro de justiça: em primeiro lugar, a Polícia de investigação, o Ministério Público ou outro órgão legalmente autorizado reúne, se necessário, provas de fato que possa ser crime e seu agente (investigação), em segundo lugar, o Ministério Público ou, excepcionalmente, a vítima acusa o possível agente (Ministério Público); em terceiro lugar, o Judiciário condena ou absolve o réu (julgamento); em quarto lugar, a condenação criminal é implementada (execução) (BONFIM, 2015).
Na primeira fase, existe um sistema inquisitorial e não um contraditório, podendo os suspeitos optar por ser julgados ou não por advogado e, por sua própria iniciativa, aceder a provas não lacradas a seu respeito. A intervenção judicial ocorre excepcionalmente, por exemplo, quando uma prisão temporária é necessária (BARBOSA, 2016).
Para Castro e Costa (2016), na segunda fase, o MP decide se processa ou não. Essa decisão não é discricionária e, sempre que houver indícios de crime, haverá denúncia. No entanto, existem algumas atenuações a esta regra:
(i) desconformidades insignificantes com a lei criminal podem ser consideradas irrelevantes;
(ii) algumas infrações menores podem não ser investigadas e julgadas se, dadas certas condições, o possível agente aceitar voluntariamente “penalidades” leves.
Na terceira e quartas fases, há um processo judicial em um sistema adversarial; a instância legal é obrigatória. O Brasil mantém a quarta maior população carcerária do mundo, sendo superada apenas pelos EUA, Rússia e China. Quase metade da população encarcerada do Brasil é composta por pré-presos de julgamento” e “80%” dos presos no Brasil não podem pagar um advogado particular (LIMA FILHO, 2016).
Entre as funções do Estado, temos a proteção dos direitos fundamentais e a promoção da justiça. A notícia da prática de um ilícito penal faz surgir para este o dever de, por meio de seus órgãos constitucional e legalmente legitimados, de modo que apurar os fatos, vindo a confirmá-lo ou não, promovendo a ação penal correspondente com a finalidade de que seja proferida (pelo Estado-Juiz) uma decisão de mérito, condenando ou absolvendo o imputado. A esse conjunto de atividades dá-se o nome de persecução penal (FEITOSA, 2020).
Segundo Calobrich (2016, p. 44):
A persecução penal - jus persequendi - abarca tanto o direito (dever) do Estado de promoção do processo penal acusatório (jus persequendi injudicio) quanto à atividade de investigação que o antecede (jus persequendiextra judicio), quando necessária.
Os órgãos e entidades responsáveis pelas investigações criminais no Brasil são, principalmente, a Polícia Federal (como o nome indica, atua em todo o país) e a Polícia Civil (que atua em cada Estado). A Polícia Federal investiga: (i) infrações penais contra a ordem política e social ou em prejuízo de bens, serviços e interesses da União e de seus entes autônomos de governo e empresas públicas (em uma palavra, crimes federais), bem como como outras infrações com efeitos interestaduais ou internacionais e exigindo repressão uniforme conforme a lei estabelecer; (ii) o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, bem como o contrabando, sem prejuízo da ação das autoridades da Fazenda e demais órgãos públicos nas respectivas áreas de competência. (ESPÍNOLA FILHO, 2018).
De acordo com a Constituição brasileira, compete à Polícia Civil, ressalvada a competência da União, a investigação das infrações penais, com exceção das militares. Em outras palavras, a Polícia Civil investiga os crimes julgados pela Justiça Estadual e a Polícia Federal os crimes julgados pela Justiça Federal, o tráfico ilegal de entorpecentes e afins, o contrabando e outros crimes com efeitos interestaduais ou internacionais que requeiram repressão uniforme conforme a lei deve estabelecer (ESPÍNOLA FILHO, 2018).
Além disso, existem outras agências governamentais que investigam crimes em suas respectivas áreas de competência, embora esta não seja sua atribuição principal. Essas agências investigam quando um crime é descoberto durante o exercício regular de suas funções legítimas. Por exemplo: (i) O Órgão Ambiental (Ibama) é responsável pela apuração de infrações relacionadas ao meio ambiente; (ii) a Receita Federal (“Receita Federal”) é responsável por apurar infrações relacionadas a fraudes fiscais e outras fraudes fiscais federais; (iii) o Banco Central (“Banco Central do Brasil”) investiga crimes financeiros; (iv) a Comissão de Valores Mobiliários (“Comissão de Valores Mobiliarios-CVM”) investiga infrações no mercado de valores mobiliários; (v) o COAF é a FIU - Unidade de Inteligência Financeira do Brasil - que atua no combate à lavagem de dinheiro e combate ao financiamento de atividades terroristas (KFOURI, 2016).
Como dito acima, essas agências não têm como foco principal a investigação de crimes. Elas o fazem quando, no desenvolvimento de suas atividades, percebem que um crime foi cometido. Em geral, ao término de suas atividades, esses órgãos comunicam-se ao Ministério Público, enviando a prova da ocorrência de uma infração. Às vezes, apenas com as informações enviadas por esses órgãos, é impossível instaurar um processo imediato, para que o promotor possa complementar as investigações, ou é possível ordenar que a polícia continue a investigação (CAPEZ, 2019).
2 O INQUÉRITO POLICIAL E SUAS FASES
A investigação conduzida pela Polícia é realizada em inquérito policial dirigido por um chefe de polícia ou comissário de polícia. Esses agentes são graduados em direito e conduzem o inquérito policial sob a supervisão do promotor. O juiz atua na investigação de forma excepcional, justamente quando é necessário restringir direitos ou garantias do suspeito (BONFIM, 2015).
No Brasil, em geral, os promotores públicos não podem comandar as organizações investigativas acima mencionadas diretamente na investigação criminal, mas podem requerer procedimentos de investigação e a instauração de inquérito policial. De acordo com a Constituição Federal de 1988, entre outras funções institucionais do Ministério Público, compete-lhe instaurar, exclusivamente, o processo penal público, nos termos da lei (artigo 129, I) e exercer controle externo sobre a atividade policial (artigo 129, VI). Segundo parte da doutrina e da jurisprudência, com base nestes artigos constitucionais, é possível ao Ministério Público conduzir sua própria investigação, alicerçada na teoria implícita do poder. Na verdade, muitos casos de corrupção e crimes importantes foram resolvidos por causa das investigações dos promotores, levando a um tribunal muitos políticos e agentes acostumados à impunidade. Em geral, as investigações dos promotores são mais eficientes e independentes do que as conduzidas pela polícia, principalmente porque os policiais não têm independência nas suas investigações e podem ser retirados do processo pelo seu superior hierárquico, o que é impossível quando se trata de promotores (BRASIL, 1988).
Por outro lado, parte da doutrina discorda sobre a possibilidade de investigação do Ministério Público, com base nos supostos abusos cometidos pelo Ministério Público e na falta de regulamentação legal sobre o assunto. Na verdade, não existe uma regulamentação legal sobre as investigações conduzidas pelo Ministério Público.
Apesar dessa discussão, é comum os promotores investigarem uma série de crimes por conta própria, especialmente crimes cometidos por policiais e corrupção, com resultados muito bons. Nesse sentido, para regular essas atividades, existe uma resolução (cujo nível está abaixo da lei) do Conselho Nacional do Ministério Público que regulamenta a investigação feita pelos promotores. Quando o Ministério Público faz a investigação diretamente, ele pode entrevistar os suspeitos e as testemunhas principais diretamente. Além disso, está autorizado a acessar bases de dados públicas, para solicitar informações, exames, perícias e documentos de autoridades públicas e privadas e solicitar à polícia para auxiliar na investigação (DEMERCIAN; MALULY, 2018).
A Grande Bancada do Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu se é possível aos promotores investigarem, embora haja outras decisões daquele tribunal, das bancadas, 12 aceitando a investigação do promotor. A tendência desse Supremo Tribunal é aceitar a investigação do Ministério Público, pelo menos nos casos que envolvem crimes cometidos por policiais e nos demais casos em que a polícia não tem interesse em investigar. Muito recentemente, houve uma proposta legislativa para alterar a Constituição de 1988 a fim de restringir a legitimidade de conduzir investigações exclusivamente pela Polícia, especialmente para proibir a investigação do Ministério Público. Essa tentativa, entre outras coisas, motivou várias manifestações populares em todo o Brasil, e acabou sendo rejeitada pelo Congresso em 25 de junho de 2013. Havia uma crença geral de que a alteração legislativa proposta propiciaria impunidade, pois as investigações criminais se tornariam mais improváveis, especialmente porque a taxa de eliminação de crimes policiais é muito baixa, abaixo de 10% (HAAG, 2013).
Em suma, há muita discussão nessa área no Brasil atualmente, mas a tendência é aceitar, embora com limitações, a possibilidade de os promotores investigarem. Nos casos em que os promotores investigam, o juiz fiscaliza a investigação, especialmente autorizando medida restritiva. Além disso, quando os direitos de um suspeito são desrespeitados, o juiz pode ser obrigado a corrigir o alegado abuso (GOMES, 2016).
Neste ponto, é importante delinear o procedimento investigativo. Na verdade, não existe um procedimento a ser estritamente observado. O presidente da investigação (o policial, no inquérito policial) tem um relativo poder discricionário para determinar a coleta de provas por meio da investigação. Em outras palavras, a estratégia da investigação fica a critério do policial. Apesar disso, o Ministério Público, ao longo de toda a investigação, pode interferir nessa estratégia, mandando a polícia tomar medidas específicas ou obter mais provas. Isso se explica porque a investigação tem por objetivo dar ao promotor as informações necessárias para abrir uma denúncia (GOMES, 2016).
Em geral, a Polícia brasileira não tem uma boa estrutura. Há muitos crimes para investigar e pouca estrutura. Além disso, principalmente na Polícia Estadual (PE), infelizmente é muito comum que agentes policiais sejam corrompidos. Em geral, a investigação se baseia apenas na obtenção de depoimentos de suspeitos, vítimas e testemunhas-chave, como principal meio de obtenção de provas, sem o uso de novas técnicas. Às vezes, são feitos exames simples (para provar a falsidade de um documento). Nas investigações relacionadas ao tráfico de drogas, é comum o uso de escuta telefônica. Porém, a Polícia Federal vem desenvolvendo, desde 1988, uma melhor estrutura para investigar e, às vezes, utilizar novas técnicas de investigação (ESPÍNOLA FILHO, 2018).
Durante a investigação, as entrevistas do suspeito são, em geral, documentadas em registro escrito, assinado pelo suspeito. Geralmente, deu ao suspeito a oportunidade de confirmar e corrigir erros na declaração gravada. Em alguns casos, os registros policiais em vídeo são entrevistados, para dar mais confiança à confissão dos suspeitos. Para evitar novas alegações de confissão forçada - infelizmente ainda muito comum no Brasil - especialmente durante a detenção, a polícia às vezes pede um exame médico para mostrar que nenhum dano ocorreu durante a entrevista. De acordo com a regulamentação brasileira, em todos os casos, o advogado do suspeito pode comparecer à entrevista realizada por órgãos de investigação (KFOURI, 2016).
2.1 Principais Mudanças (Lei 13.245/2016)
Ao buscar entender a real profundidade das alterações trazidas pela Lei 13.245/2016, e verificar se ela trouxe mudanças, é primordial entender do que trata o dispositivo evidenciado na Lei 8.906/94, a qual trata do Estatuto da Ordem dos Advogados, esta por sua vez ressalta a regulamentação da atividade da advocacia. O Estatuto dispõe, dentre outras, a indispensabilidade do causídico à prestação jurisdicional, consoante o disposto no artigo 133 da Constituição Federal de 1988.
Pois bem, o dispositivo alterado no estatuto está topograficamente inserto no capítulo da Lei que trata sobre os direitos do advogado no exercício de sua função. Dentre estas funções, está a de prestar assistência ao acusado na etapa das investigações preliminares. Tal possibilidade já era amplamente aceita no meio policial, contudo não era normatizada, estando agora prevista no artigo 7º, XXI do Estatuto, dispositivo incluído pela Lei 13.245/2016 (WALCÁCER, 2015).
O texto traz como inovação o direito do advogado “assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações”, ou seja, não fica agora mais ao arbítrio da autoridade que conduz a investigação (seja em repartição policial, no MP, ou mesmo em qualquer outro órgão)a presença do advogado durante a apuração de infrações, mormente no que tange aos interrogatórios de seu cliente ou mesmo seus depoimentos, sob pena de nulidade do ato e de todos os atos subsequentes, podendo inclusive apresentar razões e quesitos no curso da investigação preliminar (WALCÁCER, 2015).
O texto da Lei é claro, e o artigo 7º inciso XXI “assistir a seus clientes investigados”, ou seja, apenas quando o investigado tiver um causídico atuando em seu interesse. Não poderia uma alteração no Estatuto da Ordem trazer uma mudança de ordem processual como a obrigatoriedade para todos da presença de advogado quando do interrogatório ou depoimento. Para que houvesse tal alteração necessário seria uma mudança no diploma processual penal, como por exemplo uma mudança no artigo 261 ou seguintes do Código de Processo Penal (CASTRO; COSTA, 2016).
Ainda, foram criados os parágrafos 10, 11 e 12, traçando regras do exercício funcional do defensor durante a investigação. Com isso, no caso de investigação em que tenha sido decretado o sigilo, será necessária a apresentação de procuração para que possa ter acesso aos autos (FANAIA, 2016).
Houve assim um fortalecimento da defesa (na possibilidade de atuar na formação probatória em perícias, por exemplo, formulando quesitos), e a ampliação do contraditório em sua primeira etapa. Contudo, diferentemente do defendido por alguns, não vejo onde o dispositivo colocou como obrigação a presença de defesa a todos, e nem mesmo poderia, visto que o dispositivo alterou uma lei que trata da atividade do advogado, e de suas prerrogativas quando designado pelo investigado (WALCÁCER, 2015).
Também, em qualquer tipo de investigação, ou seja, com sigilo ou sem sigilo, a autoridade que estiver presidindo a investigação poderá delimitar o acesso do advogado aos elementos de prova relacionados a diligências em andamento e ainda não documentados nos autos, quando houver risco de comprometimento da eficiência, da eficácia ou da finalidade das diligências (SUMARIVA, 2016).
Prevê também o novo ordenamento jurídico que a inobservância aos direitos agora estabelecidos, o fornecimento incompleto de autos ou o fornecimento de autos em que houve a retirada de peças já incluídas no caderno investigativo implicará responsabilização criminal e funcional por abuso de autoridade do responsável que impedir o acesso do advogado com o intuito de prejudicar o exercício da defesa, sem prejuízo do direito subjetivo do advogado de requerer acesso aos autos ao juiz competente (BARROS, 2016).
A lei 13.245/2016 trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro uma ampliação dos direitos concedidos aos advogados no que diz respeito ao acesso dos elementos de informação colhidos durante a fase de investigação preliminar, buscando, com isso, a defesa técnica e a garantia do contraditório, ainda que de forma mitigada (SOUZA, 2016).
Reafirmando o que foi discorrido, a presença do advogado na fase do inquérito policial, não assegura a garantia do princípio do contraditório, permite apenas que os advogados tenham acesso aos elementos informativos documentados, podendo acompanhar todos os atos dos procedimentos do IP, desde que não haja violação ao sigilo, o que poderia acarretar dificuldades para as autoridades investigativas (BARROS, 2016).
Castro (2015, s.p), afirma que de forma construtiva e reflexiva, temos o seguinte pensamento:
Outrossim, considerada que a instrução preliminar não caracteriza via de mão única, medida que se impõe é a ampliação da participação da defesa no curso do inquérito policial. O defensor deve ter a oportunidade de se manifestar nos autos do procedimento policial, ainda que após a conclusão das diligências, tendo em conta que não se pode admitir interferências nas atividades policiais em curso (segredo interno), sob pena de total ineficácia do aparelho persecutório à disposição do Estado-Investigação. Destarte, nada impede a incidência dos postulados do contraditório e da ampla defesa na fase inquisitiva, mesmo que de forma mais tênue do que no processo penal, de maneira a evitar o estabelecimento de utilitarismo exacerbado que acentue o fosso que separa acusação e defesa.
É preciso salientar que antes mesmo da citada lei vigorar, já se cogitava sobre ampliar direitos e garantias fundamentais asseguradas aos indivíduos, acredita-se que a presença de um advogado em todo o processo inquisitivo é de extrema importância, mesmo que limitado apenas ao acompanhamento dos procedimentos. Para confirmar tal premissa Lima (2016) reforça que,
À primeira vista, poder-se-ia pensar que o exercício do direito de defesa nas investigações preliminares, inclusive com a obrigatória presença de advogado no interrogatório policial, poderia funcionar como obstáculo à eficácia das investigações. Pelo contrário. Como exposto anteriormente, as investigações preliminares não têm como finalidade única a obtenção de elementos de informação para que o titular da ação penal possa ingressar em juízo. Também visam inibir a instauração de um processo penal infundado, temerário. Logo, o exercício do direito de defesa na investigação preliminar não depõe contra a eficácia do trabalho investigatório. Depõe, sim, a favor dessa suposta eficiência, evitando que possíveis inocentes sejam processados criminalmente. (2016, p. 122).
Analisando de forma mais objetiva, fica evidenciado o direito à informação e não ao princípio do contraditório, o escopo é possibilitar o acompanhamento do processo de forma a assegurar a defesa técnica, e um procedimento limitado a sua forma legal, sem a presença de constrangimentos físicos e morais.
Há também que discorrer sobre a inviabilidade do procedimento investigatório e sobre este assunto Lopes Júnior (2016) esclarece que:
É importante compreender que o procedimento não é uma atividade que se esgota, se realiza, em único ato, senão que exige toda uma série de atos e de normas que os disciplinam, conexamente vinculadas, que definem a sequência do seu desenvolvimento. E aqui está um ponto crucial para estruturar um sistema (democrático e constitucional) de nulidades processuais e repensar o princípio da contaminação: cada um dos atos está ligado ao outro, como consequência do ato que o precede e pressuposto daquele que o sucede. (2016, p.228).
Souza (2016), frisa dizendo que, não se deve ter a ideia fechada de que no procedimento investigatório não se aplica o contraditório, pois, como sedo o processo penal uma sucessão de atos entre a fase criminal preliminar e a fase processual, ocorrendo uma ilegalidade na primeira, seria todo o processo contaminado, além de não conferir direitos positivados na própria Constituição Federal, no Código de Processo Penal e no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB).
3 O CARÁTER INQUISITIVO VERSUS O DIREITO À AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO
O inquérito policial, possui expediente administrativo e inquisitorial, acredita-se que nesta fase não exija a preservação da defesa, pois ainda não existe a lide, não há partes, portanto, não há o que cogitar sobre os princípios do contraditório e da ampla defesa, o qual é observado com exclusividade na persecução penal.
Como forma de corroborar com a premissa acima, Marques afirma que:
Logo também é desaconselhável uma investigação contraditória processada no inquérito... Sob pena de fracassarem as investigações policiais, sempre que surja um caso de difícil elucidação. (Elementos, vol. I, 1997, p. 183)
É preciso salientar que a lei 13.245/2016 não estabeleceu que o inquérito policial deve ser regido pelo princípio do contraditório e ampla defesa, apenas assegurou assistência dos advogados na fase investigativa, ou seja, tais princípios são legalmente reconhecidos pela CF/88 que estabelece que estes somente serão evidenciados nos processos judiciais, administrativos e são destinados aos acusados em geral, pode-se então afirmar que as investigações criminais não se trata de processos judiciais, não havendo assim a necessidade do contraditório, também não há acusados na persecução penal extrajudicial.
Posição dominante do Superior Tribunal Federal (STF):
Inexistência do contraditório no inquérito policial – A inaplicabilidade da garantia do contraditório ao procedimento de investigação policial tem sido reconhecida tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência dos Tribunais, cujo magistério tem acentuado que a garantia da ampla defesa traduz elemento essencial e exclusivo da persecução penal em juízo. (RT n° 522/396)
Posição dominante do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
O atentado ao princípio constitucional da plenitude de defesa inexiste na fase investigatória, somente dizendo respeito à fase judicial. (STJ – RHC 1.223/SP; Sexta Turma; p. 13.498).
Afrânio Silva Jardim, combatendo os argumentos da doutrina que defende na lei 13.245/2016 inseriu o contraditório no inquérito policial, afirma:
Discordo deste entendimento e julgo que ele decorre justamente da falta de visão sistemática de como opera o nosso processo penal, consoante advertimos no início desta breve reflexão. Inicialmente, como já deixei escrito em texto anterior, entendo que a nova regra não tenha trazido o contraditório para o inquérito policial, o que o transformaria em uma primeira fase do processo: juizado de instrução sem juiz! O que a nova lei assegura é a assistência jurídica do advogado ao seu cliente, quando convocado a participar de algum ato no procedimento investigatório, com sua presença e aconselhamento, tendo tomado conhecimento do que já foi realizado. Por outro lado, se há nulidade em algum ato probatório em qualquer procedimento investigatório inquisitivo o que cabe fazer é reconhecer a sua “eficácia” natural, vale dizer, retirar-lhe o seu valor probatório. Acho até que a documentação deste ato probatório deveria ser desentranhada do procedimento investigatório, preclusa a decisão que reconheceu tal nulidade.
Analisando as ideias apresentadas acima, é possível concluir que mesmo diante das alterações mencionadas pela Lei 13.245/16, o inquérito policial continua apresentando caráter inquisitivo, pois mesmo o indiciado sendo assistido, todo o procedimento desta fase de persecução penal extrajudicial, ainda está vinculada nas mãos do Delegado de polícia. (BRASIL, 2016).
Neste sentido o novo inciso XXI do artigo 7º, da lei n° 8.906/1994, artigo 7º, XIV, (alterado pela lei 13.245/2016) não tornou obrigatória a presença do advogado durante a investigação criminal, o inciso supracitado estabeleceu uma nova garantia para os defensores, qual seja, a presença no interrogatório do investigado, se assim o defensor ou o próprio investigado desejarem. Com o intuito de impedir nulidades, a autoridade deve presidir os procedimentos, dando o direito de o indiciado prestar depoimento sob a presença de seu representante legal (advogado), deixando devidamente registrado no ato do interrogatório é dado ao mesmo o direito de silêncio (BRASIL, 2016).
A opção do investigado em prestar seu depoimento na ausência de um defensor, não pode causar nulidade, aplicando-se o princípio da tipicidade das formas. O código de processo penal prevê quais os atos que devem ser praticados e como devem ser praticados, devendo esse modelo ser respeitado, mas não é razoável declarar uma nulidade que, mesmo preterindo a forma legal, não haja resultado prejuízo para uma das partes, ademais, uma vez dispensada a presença do defensor, não poderá o indiciado alegar a sua própria torpeza (BARROS, 2016).
4 CONCLUSÃO
A Constituição Federal de 1988 estrutura o sistema de justiça criminal brasileira de forma razoável. Na prática, entretanto, ele não funciona corretamente. Diversos motivos foram apontados para explicar o problema, tais como: influência política, um Código de Processo Penal de 1941 obsoleto, ausência de uma regulamentação sistemática sobre a cooperação jurídica.
Não se pode negar que a Lei 13.245 / 2016 proporcionou maturidade para o entendimento obsoleto no sentido de que as garantias fundamentais relacionadas ao devido processo judicial, à medida que a contradição e a defesa se ampliam, não afetam a fase investigativa. Ademais, em decorrência da incidência das garantias constitucionais e da convencionalidade dos tratados e convenções de direitos humanos, a Vinculação Súmula do STF, que visa garantir o exercício da defesa, que deve ser exercida pelo Delegado de Polícia, o proprietário instituiu o defensor tem amplo acesso a questões documentadas.
O Brasil está recebendo pressão para possíveis alterações no Código Penal e no Código de Processo Penal, estão em andamento a discussão e muitas regras federais esparsas.
Acredita-se que as diferenças substanciais entre o modelo inquisitório e misto, incorrem em erros nos processos de preparação e a implementação, causando uma distorção de ambos os modelos. Consequentemente, se o modelo não for devidamente implementado sempre haverá um espaço escuro, que irá gerar descrença por parte da população.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, R.M. Lei 13.245/2016 exige mais do que o advogado na investigação criminal. 2016. Disponível em: <www.conjur.com.br/2016-jan-15/lei-1324516-exige-advogado-investigacao-criminal>. Acesso em: 12 set. 2020.
BARROS, F.D. A Lei nº 13.245/2016 e as inovações no inquérito policial da relativização do sigilo e do caráter inquisitivo nas investigações criminais. 2016. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/45936/a-lei-n-13-245-2016-e-as-inovacoes-no-inquerito-policial>. Acesso em: 14 set. 2020.
BRASIL. Lei 13.245/2016. Altera o artigo 7º da Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994. (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13245.htm>. Acesso em: 12 set. 2020.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 12 set. 2020.
BEM, L. O processo penal brasileiro e sua matriz inquisitória. 2012. Disponível em: <http://atualidadesdodireito.com.br/leonardodebem/2012/03/27/o-processo-penal-brasileiro-e-sua-matriz-inquisitoria/>. Acesso em: 12 set. 2020.
BONFIM, E.M. Curso de processo penal. 5ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
CAPEZ, F. Curso de Processo Penal. 27ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2019.
CASTRO, H.H.M. COSTA, A.S. Advogado é importante no inquérito policial, mas não obrigatório. 2016. Disponível em: <www.conjur.com.br/2016-jan-14/advogado-importante-inquerito-policialnao-obrigatorio>. Acesso em: 12 set. 2020.
COUTINHO, J.N. de M. Introdução aos princípios do Direito Processual Penal brasileiro. Separata ITEC, ano 1, nº 4 – jan/fev/mar 2016.
DEMERCIAN, P.H.; MALULY, J.A. Curso de Processo Penal. 19ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
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Bacharelando do curso de direito da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, JADER CARLOS SANTOS. A Lei 13.245/2016: caráter inquisitivo do inquérito policial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 06:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56563/a-lei-13-245-2016-carter-inquisitivo-do-inqurito-policial. Acesso em: 23 dez 2024.
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