RESUMO: A pesquisa objetiva traçar de forma inteligente uma análise sobre a lei das interceptações telefônicas e a proteção ao direito fundamental à intimidade. Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica, onde foi possível reunir artigos, livros e monografias para que fosse discutido sobre o tema ora proposta. A pesquisa é relevantemente fundamental em virtude de tecer considerações sobre a proteção da intimidade, mesmo que seja utilizado como forma de combater a criminalidade a interceptação telefônica, devendo ser observado, as criteriosidades que o ordenamento jurídico brasileiro impõe. Delineou-se a pesquisa em 04 itens, quais sejam, a persecução penal e os limites do Estado; as garantias constitucionais e a restrição de direitos fundamentais; o fenômeno da interceptação das comunicações telefônicas e por fim, a vida privada e o direito fundamentais à intimidade.
Palavras-chave: Interceptação telefônica; intimidade; direitos fundamentais.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. PERSECUÇÃO PENAL E LIMITES DO ESTADO - 3. AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E A RESTRIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - 4. O FENÔMENO DA INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS - 5. A VIDA PRIVADA E O DIREITO FUNDAMENTAL À INTIMIDADE - 6. CONCLUSÃO - 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. INTRODUÇÃO
Em tempos de macrocriminalidade, entendemos necessária a reflexão acerca das atividades de Estado que venham a restringir direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988. Não raras vezes, por meio de agentes públicos, o Estado, cujo papel de guardião dos direitos e prerrogativas individuais emerge da própria Constituição, realiza intromissões na seara da individualidade dos seus tutelados. A estrutura administrativa posta acaba sendo utilizada como escudo protetor por parte daqueles que a gerenciam, na qualidade de mandatários dos cidadãos (HASSEMER, 2008).
Ao mesmo tempo, procuramos analisar a instrumentalidade da interceptação das comunicações telefônicas, tida como uma das mais importantes ferramentas de combate à criminalidade de todos os níveis. Prevista em lei, a interceptação está ao alcance dos órgãos de Estado encarregados do estabelecimento da persecução penal, em cuja missão constitucional insere-se a preservação de liberdades públicas, do direito à vida e à segurança.
Na condição de tutelador dos direitos e garantias individuais, o poder público constantemente é instado a agir, por meio da implementação de políticas públicas que possibilitem aos seus tutelados - os cidadãos – o direito de viver em paz. A sociedade moderna caracteriza-se pelo constante surgimento de novos desafios, e a elaboração e implementação de tais políticas no âmbito da segurança é discussão razoavelmente recente, embora recorrente na última década. Não raras vezes, as estratégias de Estado no combate ao crime são pautadas pela improvisação e por posturas meramente reativas. O desenvolvimento de algumas delas, inclusive, não progride além de meras especulações teóricas, em que fatores práticos são desconsiderados, permanecendo a ciência distanciada da realidade.
As sociedades democráticas são responsáveis pela articulação capaz de buscar o estabelecimento de uma ordem social comprometida com a dignidade humana e o respeito aos direitos fundamentais. Mais do que positivação e definição, tal comprometimento diz com a sua necessária efetividade. Assim, na busca de resultados satisfatórios, antes da disponibilização e uso dos parcos recursos públicos em aventuras políticas e eleitoreiras na área da segurança, as condutas adotadas pelo Estado pressupõem ações de inteligência. Tais ações deverão, necessariamente, estabelecer competências e priorizar métodos que façam convergir respeito às garantias individuais e resposta adequada aos reclames sociais na área da segurança, mantendo-os em constante sintonia.
Inegavelmente, e este é o pressuposto do qual partimos na discussão que se avizinha e nas diversas vertentes sobre as quais ela possa se dispersar, as garantias individuais, tão importantes e de conquista tão difícil em nossa história, só cedem quando o seu exercício importar a negação do próprio Estado Democrático de Direito. Toda a atividade estatal de caráter restritivo está limitada à proporcionalidade entre meios e fins, priorizando reduzir ao mínimo as garantias constitucionais de toda ordem. Até aonde vão, portanto, os limites do Estado frente a direitos fundamentais consagrados constitucionalmente? Em especial, no âmbito das interceptações telefônicas, quais as exigências impostas ao Estado frente à iminente restrição de um direito fundamental, o da não-violação da intimidade?
Desta forma, a pesquisa vem com o objetivo de traçar inteligente uma abordagem sobre a instrumentalidade da interceptação telefônica e de que forma poderá ser observado o direito fundamental a intimidade.
2. PERSECUÇÃO PENAL E LIMITES DO ESTADO
As últimas duas décadas foram pródigas no nascimento de novas leis penais. A partir da Lei nº. 8.072/90 – a Lei dos Crimes Hediondos-, que teve por missão delimitar a repulsa, a repugnância de certas condutas criminosas, testemunhamos a profusão de inúmeros textos legislativos na área criminal, em especial na esfera penal. No que pertine à LCH, a titulo de exemplo, o legislador, não satisfeito com a produção original, promoveu inserções no texto vigente 4 , tendo sempre como norte a retorção imediata do Estado em face de condutas geradoras de grave instabilidade social.
O século XX findou com uma diversidade de novas leis penais, que deram vida a novos tipos incriminadores, sanções mais gravosas e instrumentos de persecução distintos. Incursões legislativas foram realizadas na esfera do combate ao crime organizado, do trânsito de veículos automotores, do transplante de órgãos, do meio ambiente, da lavagem de dinheiro, da ordem tributária, entre tantas outras normatizações, de maior ou menor importância. Posturas rotineiras que evidenciaram o método de um Estado decidido (e convencido) a fazer da formalização da conduta típica, instrumento de equilíbrio (e também de coação), em face da franca desvantagem sofrida na seara da realidade socioeconômica vivida.
No começo de um novo século velhas tradições foram mantidas, entre as quais a de um método legislativo, em matéria penal, contumaz na utilização da lei como apanágio de todos os males sociais, e reconhecidamente como instrumento de manuseio político. Como exemplo, pela sua repercussão e significância na esfera penal, podemos citar a antiga Lei de Tóxicos, Lei nº. 10.409/02, que logo a seguir – menos de quatro anos após o início de sua vigência - foi ab-rogada pela Lei nº. 11.343/06, a atual Lei de Drogas.
Procurando, no entanto, nos mantermos afastados de análise crítica em relação às posturas e estratégias políticas na área criminal adotadas pelo legislador pátrio, porquanto distanciadas do foco deste estudo, impõe-se que adentremos, ao longo de nossa abordagem, no conteúdo de alguns desses ordenamentos legais. E o fazemos à luz da possibilidade de intervenção e dos limites do Estado que deles emergem no âmbito das garantias individuais consagradas na Constituição Federal de 1988.
Almejamos, ainda, analisar se da produção legislativa posta à disposição do Estado nasceram ferramentas realmente eficazes no combate à criminalidade contemporânea. Em especial, diante do desafio imposto pela proliferação de organizações criminosas, fruto dos tempos modernos, nascidas em meio à evolução tecnológica, à inversão de valores e à omissão do Estado no que se refere à implementação de políticas públicas de qualidade.
Entendemos que, quer seja na forma de novos tipos penais, adequados aos tempos em que vivemos, ou de novos veículos de coleta e formação de provas, há que se ter na legislação vigente uma necessária credibilidade como mecanismo de efetiva proteção da sociedade. Pela eficácia no combate à criminalidade contemporânea ou pela condição de instrumento limitador das intervenções do Estado na individualidade dos cidadãos, a norma penal jamais poderá afastar-se da legitimação social, da adequação à realidade, e da aceitação pelo cidadão, na condição de destinatário, como algo importante na sustentação de um Estado Democrático de Direito.
A criminalidade contemporânea, não é novidade, tem sido marcada pelo emergir de organizações criminosas dadas à prática dos mais diversos tipos de crimes. Organizadas, no sentido literal do termo, tem se apresentado, reconhecidamente, como atividades de natureza transnacional, porquanto não respeitam as fronteiras de cada país. Merecedoras de toda a atenção e esforço por parte do poder público na sua inibição, tem características assemelhadas em várias nações e efeitos sociais observados em todo o globo.
A 1ª Convenção realizada pela Organização das Nações Unidas, a ONU, sobre crime organizado, em Palermo, na Itália, no ano de 2000, aponta um crescimento na proporção de 50% ao ano 9 . Entre os inúmeros tentáculos das organizações criminosas, sobressaem-se o tráfico de drogas, de armas, de órgãos humanos, a prostituição e a lavagem de dinheiro decorrente de ilícitos de natureza fiscal (ABREU, 2013).
O Estado, que insistiu, ao longo dos últimos vinte anos, em estratégias de segurança pública arcaicas, além da volumosa produção de leis penais especiais, nesse ponto acabou por pecar pela insipiência. A legislação pátria é carente do conceito legal de organizações criminosas, e os estudiosos tentam alinhar as suas principais características, como já visto. A conceituação, porém, permanece polêmica. Surge, ainda, ombreando-se com a necessária atualização do texto legal em termos de conceituação, a exigência ao poder público para que confira efetividade à nova legislação. A operacionalização também passa a ser ônus Estatal, no sentido de desenvolver estratégias e disponibilizar recursos para que os instrumentos previstos em lei sejam adequadamente utilizados.
A repressão ao crime organizado avança, pois, a nosso sentir, cada vez mais em direção ao direito especial ou de exceção, postura essa que, segundo Beck (2004), não importa em aceitar a renúncia às garantias do direito clássico, mas apenas reconhecer a sua insuficiência, diante dessa nova realidade criminal. São posturas de política criminal em conflito com noções liberais do direito penal e do direito processual penal, garantidoras da esfera de liberdade do indivíduo frente ao Estado, pelo que também merecem análise.
Nesse andar, a atividade do Estado, e os limites que lhe são impostos, no âmbito da persecutio criminis estarão estreitamente vinculados aos direitos fundamentais postos em cheque – e a sua possível restrição - quando do detonar da pretensão punitiva. Desde o local do crime até o trânsito em julgado da sentença, as condutas dos agentes públicos serão regularmente sopesadas quando da utilização dos meios disponíveis, dos reflexos daquele tipo de instrumento utilizado e dos fins almejados naquele procedimento, ou seja, no caso concreto.
3. AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS E A RESTRIÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os direitos à segurança e à justiça estão insculpidos na Constituição Federal como direitos fundamentais do cidadão. Lembra Sarlet (2014) que:
[...] No caso da ordem jurídica brasileira, a Constituição Federal de 1988, após mencionar a segurança como valor fundamental no seu Preâmbulo, incluiu a segurança no seleto elenco dos direitos “invioláveis” arrolados no caput do artigo 5º, ao lado dos direitos à vida, liberdade, igualdade e propriedade [...]
Ao Estado, por sua vez, cumpre criar as condições necessárias para a efetivação de tais garantias. O que está em jogo, não raras vezes, é a própria viabilidade do Estado Democrático de Direito. Importa relembrar, neste contexto, e na linha do sustentado por Sarlet, que a segurança e todas as suas facetas – em especial a segurança jurídica, a social e a pessoal - integram, na condição de subprincípios, também os elementos nucleares da noção de Estado de Direito plasmada na Constituição de 1988 desta sendo indissociável (SARLET, 2007).
Segundo Rocha (2012):
[...] todos os Estados Democráticos de Direito contemplam a viabilização da justiça criminal como causa legítima para justificar a vulneração de direitos fundamentais. O que caracteriza o Estado de Direito é o submetimento dessa possibilidade a um critério de excepcionalidade extrema, bem assim de máximo controle quanto à sua execução.
Conforme afirma Vanise Monte (2011), “[...] a normatividade deve alcançar o seu fim maior, que é a paz social”. Cuida-se de opção legislativa, em que se colocou na linha de frente da política criminal, seguindo modelo mundial, a proteção dos direitos da vítima, e a efetividade da persecução penal na prevenção e repressão dos delitos penais.
Entenda-se política criminal como adequação da realidade social com o texto legal a ser produzido, algo positivo, que constrói parâmetros de comportamento, sem ser casuísta ou ideológico. Nessa linha, importante a reflexão trazida por Silva Sanchez (2012), para quem a política criminal proporciona a necessária referência a fins e valores, cumprindo a missão política de orientar a evolução da legislação penal e a sua própria aplicação ao presente.
Não podemos olvidar jamais, na linha do sustentado por Moraes (2015), que as garantias individuais não podem ser consideradas escudos protetivos da prática de atividades ilícitas, tampouco como argumento para o afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena da total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito.
Sem nos desviarmos da presente linha de sustentação, impõe-se a nunca demasiada lembrança de que a dignidade da pessoa humana, como núcleo intangível de cada um dos direitos fundamentais, jamais há de ser vulnerada quando da sua possível restrição por instrumentos de Estado. Reitera-se, por oportuno, que sob tal enfoque, a dignidade da pessoa humana há que ser realizada a partir do respeito e da concretização dos direitos referidos como liberdades negativas (defesa), muito embora não se descuide dos direitos de liberdade positiva (caráter promocional/prestacional) que dela (dignidade) dependem ou decorrem precipuamente (FREY, 2005).
A dignidade da pessoa humana vem sendo, pois, na linha do sustentado por Weingartner Neto, considerada fundamento de todo o sistema de direitos fundamentais, sua fonte jurídico-positiva, dando-lhes unidade e coerência (WEINGARTNER NETO, 2012). Tornase, assim, segundo o autor, ao mesmo tempo limite e tarefa dos poderes estatais, impondo-se o seu núcleo inviolável como limitação à atividade dos poderes públicos.
Na seara das restrições impostas aos direitos fundamentais tão somente “[...] o conteúdo em dignidade da pessoa em cada direito fundamental encontra-se imune à restrições [...]” (SARLET, 2014) pelo que a violação deste núcleo essencial de cada um dos direitos consagrados na Constituição será sempre e em qualquer caso desproporcional.
4. O FENÔMENO DA INTERCEPTAÇÃO DAS COMUNICAÇÕES TELEFÔNICAS
No contexto das soluções legislativas antes verificadas, surge, como meio amplamente utilizado nos dias atuais, a interceptações das comunicações telefônicas. Guarda, na sua essência, a especial condição de veículo arregimentador de informações na esfera criminal, para instruir investigação ou processo-crime. A larga escala de utilização se dá por inúmeros fatores, sociais, jurídicos e operacionais, que passam a ser analisados, pontualmente, no capítulo que segue. Por ora, impende que avaliemos os aspectos conceituais do instrumento.
A interceptação é, segundo Moraes (2015) :
[...] a captação e gravação de conversa telefônica, no mesmo momento em que ela se realiza, por terceira pessoa, sem o conhecimento de qualquer dos interlocutores. Difere-se da gravação clandestina, que é a captação e gravação de conversa pessoal, ambiental ou telefônica feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento dos demais. A escuta, por sua vez, é a interceptação da conversa telefônica por um terceiro, com o assentimento de um dos interlocutores.
No ano de 1996, por meio da Lei nº. 9.296, de 24 de julho, houve a devida regulamentação do inciso XII do art. 5º da Constituição Federal. Até então, a possibilidade de interceptação, haja vista a carência de texto legal normatizador, gerava polêmica no âmbito dos tribunais superiores. O Supremo Tribunal Federal chegou a manifestar-se, à época, no sentido de que provas colhidas mediante interceptação telefônica, mesmo que autorizadas judicialmente, eram ilícitas, porquanto desprovidas de base legal, muito embora, na esfera desta mesma Corte Constitucional, existissem decisões divergentes (GRECO FILHO, 2006).
Nasceu no texto constitucional, vale sempre a pena relembrar, a interceptação, vinculada à denominada cláusula de reserva jurisdicional, afastando de qualquer autoridade que não seja o magistrado, o poder de quebra da inviolabilidade da vida privada. Tais poderes cautelares, cuja ausência de competência jurisdicional, segundo Canotilho (2013), dado o caráter instrumental da investigação posta, afasta igualmente o poder de julgamento, exigem a presença do Estado-juiz na análise da sua imprescindibilidade, ou seja, da verificação da necessidade da relativização de garantias no caso concreto
Atualmente, a interceptação é um dos mecanismos mais importantes de formação de prova no curso da persecução penal, no que tange a materialidade e autoria de determinados delitos, conforme sustenta Siqueira Filho (2008). Embora a operacionalidade do sistema mereça revisão e atualização constante, diante dos mecanismos utilizados pelo crime organizado para bloquear ou dificultar a intervenção do Estado, é a interceptação, entre os modernos instrumentos de investigação, aquele que efetivamente se consolidou e apresentou resultados importantes e rápidos.
A disseminação do número de terminais telefônicos, em especial os de telefonia móvel, dá à informação velocidade e amplitude, conforto que está ao alcance de todos e para todos os fins. Por tais motivos as comunicações telefônicas, em especial a telefonia móvel, tem sido comumente utilizada na elaboração, gerenciamento e perpetração de empreitadas delituosas das mais diversas espécies, não guardando proximidade com tipos penais específicos, mas com estruturas criminosas minimamente organizada
Mais do que discorrer, nesse momento, acerca dos requisitos legais, impõe-se que observemos alguns tópicos de execução da “escuta” ou “grampo”. Assim é vulgarmente conhecida a interceptação telefônica, em referência a antigo e em desuso método de captação de telefonia fixa, no qual a aparelhagem usada é conectada nos terminais telefônicos, de onde fazem diretamente o desvio de áudio, “grampeando a linha”, na linguagem popular.
A interceptação telefônica é um instrumento extremamente eficaz e importante no combate à criminalidade contemporânea, organizada ou não. Lamenta-se, entretanto, a ampla divulgação pela mídia de tal mecanismo, inclusive com reprodução de conversações captadas pelas “escutas”, em meio a investigações inacabadas ou processos em curso.
Quem pratica condutas ilícitas e se utiliza da telefonia fixa ou móvel para entabular tratativas criminosas, tendo conhecimento, por meio dos mais diversos veículos de imprensa, dos resultados da investigação Estatal, dimensionará os seus próprios riscos. Não raras vezes sentirá temor ante a divulgação de conversações e consequentemente haverá, imediatamente à divulgação e nos dias que se seguem, significativa redução no fluxo de informações monitoradas. Nada seria mais óbvio, mais cristalino, se muitas vezes a visão do gerenciador não fosse obscurecida pelo afã da notoriedade
5. A VIDA PRIVADA E O DIREITO FUNDAMENTAL À INTIMIDADE
Entenda-se a vida privada como a esfera de individualidade em que se inclui o direito fundamental à intimidade. Nem tudo o que faz parte de nossa vida privada está dentro do contexto da intimidade. A compra de um imóvel, por exemplo, é algo que diz com a vida privada de cada um, assim como o processo de escolha, negociação e pagamento. No entanto, a consolidação da propriedade se dá por meio de uma escritura pública, de conhecimento de todos, portanto, ultrapassando a esfera da intimidade. O que temos ou o que fazemos dentro desse imóvel, que passa a ser o nosso lar, isso sim terá relação com a nossa vida íntima, que só deve dizer respeito a nós mesmos e cuja violação ofende um direito consagrando constitucionalmente.
Os conceitos constitucionais de intimidade e vida privada são interligados, sendo o primeiro de menor amplitude e no âmbito de incidência do segundo. A ofensa a ambos ou qualquer deles, dessa forma, resultará em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III) (MORAES, 2015).
O ser humano sempre traz presente consigo a busca em velar aspectos da própria vida e da sua forma de ser, conforme pondera Caldas (2017) :
[...] por mais simples, por mais subalterno, por mais prestigiado, por mais vassalo, por mais poderoso que seja, a pessoa sempre tem um aspecto, um desvão de sua existência, uma relação de família, um interesse negocial etc., que procura manter longe dos olhos, do conhecimento ou da percepção de terceiros.
Dotti (1980) critica a expressão “direito à intimidade”. Assevera que tal bem jurídico não pode ser considerado isoladamente, mas em referência a algo, a um ambiente ou situação, da mesma forma como o direito à privacidade era considerado um prolongamento da moradia. No entanto, o autor costuma empregar indistintamente as denominações direito à vida privada, direito à intimidade da vida privada e direito à privacidade.
A intimidade, segundo Ferreira Filho (2011), diz com as relações subjetivas e de trato particular da pessoa, seus vínculos familiares e de amizade, enquanto a vida privada envolve todos os demais relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho ou de estudo (2007) . A intimidade compreende aspectos como inviolabilidade domiciliar, sigilo da correspondência, segredo profissional, tranquilidade privada e liberdade de comunicação, entre outros exemplos possíveis (COSTA JUNIOR, 2007).
Dois são os modos de agressão à intimidade, conforme esse autor. Por meio de processo tecnológico ou qualquer outro meio, quando impede o recato sobre fato, imagem, escrito ou palavra que alguém pretenda manter na esfera da vida privada ou quando alguém propala ou divulga imagem, escrito, palavra ou fato, ainda que deles tenha participado.
Conclui Silva (2013) , em análise ao inciso X do artigo 5º da CF, que no direito positivo a palavra privacidade deve ser entendida como gênero, a comportar vários âmbitos de expressão: intimidade, vida privada, honra e imagem. A exposição pública de informações que dizem respeito a esta esfera de individualidade do cidadão tem efeitos tanto na seara penal, na forma de tipificações de condutas criminosas, quanto na civil, por meio do direito de pleitear-se indenização por danos morais, no que se refere à macula da honra e da imagem.
Segundo Costa Jr. (2007) o processo de corrosão das fronteiras da intimidade, na forma do devassamento da vida privada, tornou-se mais agudo e inquietante com o advento da era tecnológica. Segue o autor, afirmando que:
[...] o mais desconcertante não é a verificação objetiva do fenômeno, não é observar que a tecnologia acoberta, estimula e facilita o devassamento da vida privada; é tomar conhecimento de que as pessoas condicionadas pelos meios de divulgação da era tecnológica sentem-se compelidos a renunciar à própria intimidade.
Gize-se, por oportuno, que ferramentas como a interceptação viabilizam acesso a dados que dizem respeito não somente à vida privada dos investigados, mas de todos aqueles que com estes mantiveram contato por meio telefônico, informático ou telemático.
Nesse andar, terceiros passam a ser objeto da ingerência estatal, de maneira reflexa, vez que, na linha dos ensinamentos de Hassemer (2008), tais dados “[...] não são esquecidos, não são apagados, são arquivados e isso constitui uma invasão da privacidade de cidadãos não-suspeitos. Essa privacidade tem que ser respeitada e está fora do direito de intervenção federal [...]”.
Muito embora a Lei nº. 9.296/96 faça previsão da inutilização da “prova que não interessa”, por decisão judicial, entendemos que o texto legal seja vago em relação aos procedimentos cabíveis, deixando a condução destes ao arbítrio do Estado, na que tange à maneira, ao momento e à participação de interessados.
Dessa forma, devemos considerar a possibilidade de também a terceiros deve ser dado o direito de conhecer, requerer e de acompanhar a inutilização das conversações captadas a sua revelia. Nesse mesmo sentido, caberá ao juiz, na medida em que a interceptação deve ser autorizada somente após a devida avaliação entre fins e meios, fazer com que a lesão ao direito fundamental venha a ser a menor possível, inclusive em relação aos terceiros, cuja privacidade também será violada, principalmente quando os diálogos em nada interessam ao contexto investigatório. E poderá fazê-lo sem inviabilizar a ferramenta, mas exercendo a efetiva fiscalização sobre a destinação dos dados captados.
Não obstante tal ponderação, no que tange à informação coletada em face da interceptação telefônica, autorizada pelo juiz mediante provocação dos legitimados pela lei, em nome de uma equivocada concepção da liberdade de expressão presenciamos, cotidianamente, agressões à dignidade humana, na forma de violações da individualidade. Não raras vezes, fatos que são objeto de investigações sigilosas são tornados públicos, maculando a honra alheia, violando a imagem, a vida privada e a intimidade das pessoas. Dados sigilosos, de acessibilidade restrita, são publicizados, veiculados pela mídia, em frontal desrespeito a legislação vigente, e em franca distorção do importante dever de informar atinente aos órgãos de imprensa
A imprensa, por certo, exerce papel de fundamental importância numa sociedade livre e pluralista. A liberdade de expressão e o dever de informar constituem princípios impostergáveis em um Estado que se pretenda democrático e de direito (ROCHA, 2013). No entanto, tais liberdades também guardam limites em face dos direitos fundamentais igualmente elencados na Carta Magna.
Quando interceptações telefônicas “vazam” e são publicadas em periódicos ou transmitidas, imagem e áudio, por canais de televisão, em horário nobre, o povo é, muitas vezes, levado a aplaudir aquilo que deveria repudiar com veemência, em face da forte indignação social diante da impunidade noticiada pela mídia. O aplauso, como sinal de assentimento público ao excesso, leva inevitavelmente ao abuso, seja por parte do Estado que investiga como pela imprensa que informa.
Nessa mesma linha, há que se ter todo o cuidado possível com o conteúdo e com os fins que possam estar por trás de cada matéria veiculada pela imprensa, conforme alertam os críticos. A conversa telefônica informal é basicamente coloquial, e qualquer um poderá, analisando trechos de sua própria conversa, ao telefone, verificar que uma grande quantidade de declarações, tiradas do contexto, poderá dar margem a interpretações dúbias. E a comunicação social, na linha do sustentado por Weingartner Neto (2012), “[...] ao distorcer deliberadamente ou desrespeitar as esferas pessoais da honra e vida privacidade, torna-se um conglomerado negocial a manipular a vida das pessoas ”
Exatamente por tais razões, o sistema processual está a exigir que etapas sejam cumpridas, numa garantia que atinge a todos e não exclusivamente à acusação ou defesa. O teor das conversações captadas interessa somente ao procedimento que se estabelece e do qual é parte e a interpretação das conversas deve ter o destino exclusivo e único de ser confrontada com os demais elementos colhidos no curso do procedimento investigatório ou do processo em fase de dilação probatória
6. CONCLUSÃO
No âmbito da manipulação e controle da informação, há que se ressaltar a possibilidade sempre presente de ferramentas como a interceptação viabilizarem acesso a dados que dizem respeito não somente à vida privada e mais especialmente à intimidade dos investigados, mas de todos aqueles que com estes mantiveram contato por meio telefônico, informático ou telemático. Nesse andar, terceiros passam a ser objeto da ingerência estatal, de maneira reflexa, e, portanto, igualmente sujeitos de direito em relação ao trato dado pelo Estado ao material coletado.
Não raras vezes, fatos que são objeto de investigações sigilosas são tornados públicos, atingindo a vida privada e a intimidade das pessoas, não obstante a sua condição de investigados ou não. Dados sigilosos, de acessibilidade restrita, são publicizados, veiculados pela mídia, em frontal desrespeito a legislação vigente, e em franca distorção do importante dever de informar atinente aos órgãos de imprensa. Exatamente por tais razões, o sistema processual está a exigir que etapas sejam cumpridas, numa garantia que atinge a todos e não exclusivamente à acusação ou defesa. O teor das conversações captadas interessa somente ao procedimento que se estabelece e do qual é parte e a interpretação das conversas deve ter o destino exclusivo e único de ser confrontada com os demais elementos colhidos no curso do procedimento investigatório ou do processo em fase de dilação probatória.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Graduando em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, EVANDRO LARROQUE PEREIRA. A instrumentalidade da lei das interceptações telefônicas e a proteção ao direito fundamental à intimidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 06:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56565/a-instrumentalidade-da-lei-das-interceptaes-telefnicas-e-a-proteo-ao-direito-fundamental-intimidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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