MARIA SOCORRO RODRIGUES COELHO[1]
(orientadora)
RESUMO: A presente pesquisa discorre sobre a imposição legal do regime da separação obrigatória de bens aos maiores de setenta anos, na qual ocorre a violação dos direitos fundamentais da pessoa idosa. É nítida a discriminação do legislador, ao obrigar essas pessoas a aderir o regime legal de bens, pois impede a autonomia de escolher o regime que mais lhe aprouver, intervindo na vida dos nubentes de dispor de seu patrimônio e de constituir uma família. Dessa forma, evidencia-se que este dispositivo fere os princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade e da liberdade contidos na Carta Constitucional, discriminado o idoso por conta da sua idade, como descrito no artigo 1.641 inciso II do Código Civil de 2002. Objetiva-se analisar a inconstitucionalidade do dispositivo legal, levando-se em conta que a idade não é um critério de incapacidade do indivíduo, no cerceamento de sua liberdade de escolha. Utilizou-se a pesquisa bibliográfica com ênfase no método dedutivo. No desfecho, constatou-se a inconstitucionalidade do artigo supracitado, que é incompatível com a norma vigente.
Palavras-chave: Discriminação. Idoso. Inconstitucionalidade.
Sumário: 1. Introdução – 2. Reflexões sobre o regime de bens no sistema constitucional brasileiro. 2.1 Breve apontamentos sobre o direito de família. 2.2 Regime de bens. 3. Análise da inconstitucionalidade do regime de separação legal de bens a luz dos princípios constitucionais. 3.1 Princípio da dignidade da pessoa humana. 3.2 Princípio da igualdade. 3.3 Princípio da liberdade. 4. A inconstitucionalidade do artigo 1641, inciso II do Código Civil. 5. Considerações finais. 6. Referências.
1 INTRODUÇÃO
A desconstrução dos estereótipos sociais é uma tarefa árdua na sociedade hodierna, constata-se esse fato especialmente ao tratamento que proporcionamos aos idosos, ao relacionar expressões pejorativas como “inutilidade”, “invalidez” e “caduquice”. É preciso salientar que a idade avançada não gera dependência[2], pois é de fundamental importância compreender o ciclo da vida e, consequentemente, adentrar o processo de envelhecimento.
Nota-se o aumento na expectativa de vida nas pessoas que passam dos 60, 70, 80 anos, devido a inúmeros motivos tais como quedas significativas na fertilidade, progressos científicos, acessibilidade aos medicamentos.[3] Ressalvando o conhecimento, a longevidade dá um novo significado ao papel do idoso, quebrando as amarras dos paradigmas estruturais de que as pessoas da terceira idade só se aposentam; o idoso contemporâneo é desprendido, analisado sob a ótica de constituir uma família, iniciar uma carreira ou dar prosseguimento à sua preparação educacional.
Com uma melhor qualidade de vida em relação à saúde e bem-estar, esses idosos estão vivendo franco crescimento e multiplicando os vínculos afetivos na terceira idade, a exemplo do casamento e união estável, vale ressaltar que os idosos na atualidade são completamente dessemelhantes dos idosos de outros tempos.[4] O governo, que deveria salvaguardar a instituição da família, ao invés de incentivar o casamento, parece castigar estas pessoas, agindo muito mais como um interventor do que como um protetor.
A pesquisa científica discute a inconstitucionalidade da vedação à escolha do regime de bens aos maiores de setenta anos no art. 1641, inciso II do Código Civil[5]. Pretende-se comprovar que a proibição dá pregorrativa aos aspectos patrimoniais, reverbera na perda do princípio da autonomia da vontade, e reflete na liberdade individual. Para tanto, expõem-se as apreciações doutrinárias a respeito do tema de modo a conseguir examinar se a vedação à escolha de regime de bens aos maiores de setenta anos mais salvaguarda o indivíduo ou o restringe.
A cristalina Constituição Federal de 1988[6], em seu art. 5º, consignou que todos são iguais perante a lei e que não podem ter tratamento distinto de qualquer natureza. Definiu como invioláveis para todos os cidadãos o direito à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade. Também deu destaque à proteção da dignidade, intimidade e outros aspectos.
No Estatuto do Idoso[7], em seu art. 2º, definiu-se que o idoso tem o direito a usufruir a todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana constantes na Constituição Federal de 1988, sendo vedados quaisquer atos que gerem prejuízos aos seus direitos, bem como a sua proteção integral.
O presente artigo tem como objetivo discutir a violação dos princípios constitucionais inerentes à dignidade da pessoa humana, à autonomia da vontade, violação à liberdade e ao princípio da afetividade em razão da idade, restringindo o idoso e tratando como incapaz, sendo que a legislação compreende que o mesmo não pode escolher o regime de bens que regulará as relações patrimoniais de seu casamento.
2 REFLEXÕES SOBRE O REGIME DE BENS NO SISTEMA CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
A princípio, nesse capítulo é a análise do Direito de Família, apresentando o conceito do termo família, tais como sua delimitação conceitual e histórica, dando ênfase no regime de bens no ordenamento jurídico, apresentando os princípios fundamentais e os tipos de regime previstos no Código Civil, sobre o enfoque da obrigatoriedade do regime de separação total de bens.
2.1 Breve apontamentos sobre o direito de família
A família é uma instituição social, portanto, histórica, dessa maneira se transforma no tempo de acordo com as mudanças sociais, econômicas, com a composição das próprias populações e muda no espaço, ou seja, a família é diferente em diversos lugares no mundo. Em virtude disso a família é o alicerce da sociedade e o eixo indispensável para organização social.
A Constituição Federal e o Código Civil não definem o conceito de família, desse modo a compreensão conceitual de família em sua natureza e extensão variam conforme o ramo. Nessa perceptiva, no instante em que duas pessoas decidem constituir um novo arranjo familiar, há uma série de determinações, de requisitos necessários à celebração do casamento.[8]
Vê-se a seguir o que diz o artigo 226 da Constituição Federal[9]:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuito a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
Diante disso, sempre se acredita que a maior missão do Estado é preservar a entidade familiar, respaldar seu alicerce. A família é uma estrutura pública e uma relação privada, pois confirma que o indivíduo faz parte do vínculo familiar e participa do meio social. Os direitos familiares que envolvem todos os cidadãos revelam-se como uma fragmentação da vida privada.[10]
A Magna Carta manifesta-se na marcante transformação no reconhecimento das famílias, neste sentido, começou a considerar outras possibilidades de constituir família, expandindo sua concepção e dando importância a outras relações como entidade familiar, seja esta monoparental, entidade familiar composta por qualquer dos pais e sua prole ou união estável, que segundo o Código Civil, é formada por um homem e por uma mulher desimpedidos de casar, que convivem publicamente como marido e mulher, de forma contínua e duradoura, com o intuito de constituir família. Com essas alterações o conceito de família introduziu a união estável como uma entidade familiar.
Como assevera a doutrinadora Maria Berenice Dias[11] o sentimento da afetividade foi admitido como um ponto de reconhecimento da família. Este envolvimento emocional retira o elo do âmbito da lei obrigatória - cujo cerne é a vontade - e conduz à lei das famílias, cujo elemento estruturante é um sentimento de amor, um vínculo afetivo que une as almas e confunde patrimônios, fazendo gerar responsabilidades e comprometimentos mútuos. E com isso emergindo a formalização do casamento, o qual garante direitos e determina deveres no âmbito pessoal e patrimonial. Consequentemente, o casamento se constitui no que chamamos de estado matrimonial, no qual os nubentes ingressam por vontade própria, por meio da chancela estatal.
Em virtude do que já foi mencionado, percebe-se que a concepção de casamento vem se consolidando de uma instituição histórica que traz no seu íntimo a particularidade do legado histórico e imensuráveis causas que se incorporam com o passar dos anos, uma entidade milenar, que reúne preceitos morais, culturais, religiosos e jurídicos. Com o advento da carta constitucional de 1988, o casamento apresenta uma regulamentação contemporânea, sob o prisma constitucional, retratada por inúmeros juristas como ato jurídico, público e complexo, por intermédio do qual o homem e uma mulher instituem uma família com autonomia, manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado.[12]
Neste sentido, posiciona-se o doutrinador Guilherme Calmon Nogueira da Gama[13]:
União formal entre um homem e uma mulher desimpedidos, como vínculo formador e mantenedor de família, constituída mediante negócio jurídico solene e complexo, em conformidade com a ordem jurídica, estabelecendo comunhão plena de vida, além de efeitos pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, com reflexos em outras pessoas.
Sobre a temática, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho[14] são incisivos ao pontuar que:
Assim, fixada a sua natureza jurídica, podemos então, com maior segurança, definir o casamento como um contrato especial de Direito de Família, por meio do qual os cônjuges formam uma comunidade de afeto e existência, mediante a instituição de direitos e deveres, recíprocos e em face dos filhos, permitindo, assim, a realização dos seus projetos de vida.
Ante o exposto, a lei explicita a finalidade do casamento no Código Civil art. 1.511, estabelecendo comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. Também prevê seus efeitos ao atribuir encargos e ônus ao casal (CC 1.565), homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.[15]
O casamento é o ponto central no direito de família. Sua relevância envolve um vínculo entre os cônjuges, que não se restringe apenas a uma questão de emoções, vivências ou sexualidade, mas acarreta em implicações na esfera patrimonial, de tal forma as suas necessidades, suas responsabilidades perante a terceiros, a quem incumbirá a administração de seu patrimônio e de que maneira serão divididos após rompimento da união conjugal. Dessa forma o nexo patrimonial é o que se chama de regime de bens.
Carlos Roberto Gonçalves[16] afirma que:
Regime de bens é o conjunto de regras que disciplina as relações econômicas dos cônjuges, quer entre si, quer no tocante a terceiros, durante o casamento. Regula especialmente o domínio e a administração de ambos ou de cada um sobre os bens anteriores e os adquiridos na constância da união conjugal.
Flávio Tartuce[17] posiciona-se acerca desse conceito da seguinte forma:
O regime matrimonial de bens pode ser conceituado como sendo o conjunto de regras de ordem privada relacionadas com interesses patrimoniais ou econômicos resultantes da entidade familiar.
Percebe-se que regime de bens compreende o patrimônio que se integra do ativo e passivo, que tão logo se constitui de coisas móveis, imóveis e créditos, e por conseguinte gera as obrigações. Evidencia-se que o mesmo sistematiza os bens existentes no momento do consórcio, aqueles adquiridos durante a vida em comum, decide os parâmetros do gerenciamento do pecúlio em regra. Assim observa-se a relevância do agente econômico no matrimônio, na união estável, tanto hetero como homoafetiva, todos se sujeitam a um modelo de regime de bens. Isso quer dizer que não existe consórcio sem um regime correspondente.[18]
Por esse prisma, o regime de bens é o que comanda como se dará a destinação acerca dos bens do casal. É notório na carta constitucional que os cônjuges são livres para definir o que há de melhor em termos de bens, podendo escolher quais serão comunicáveis e quais permanecerão como particulares, dependendo do regime escolhido no momento da celebração do casamento.
Embora existam inúmeros regimes matrimoniais encontrados na legislação dos países modernos, o Código Civil Brasileiro prevê e disciplina apenas quatro: regime da comunhão parcial – arts. 1.658 a 1.666 do CC, regime da comunhão universal de bens – arts. 1.667 a 1.671 do CC, regime da participação final nos aquestos – arts. 1.672 a 1.686 do CC, regime da separação de bens – arts. 1.687 e 1.688 do CC. Constatamos que foi extinto o regime dotal, conhecido como regime dos coronéis, previsto no Código Civil de 1916, o rol não é taxativo, mas exemplificativo, sendo possível criar outro regime, inclusive combinando regras dos já existentes.[19]
Portanto, existem na carta constitucional três princípios básicos inerentes ao regime de bens: a) o da variedade de regimes; b) o da liberdade convencional; c) o da mutabilidade controlada. [20]
O princípio da variedade de regimes permite aos cônjuges ou companheiros que não apenas escolham dentre os quatros regimes primários de bens em vigor no Brasil (comunhão parcial de bens, comunhão universal, separação total de bens e participação final nos aquestos), além de fornecer uma gama de opções aos cônjuges acerca dos regimes supracitados, oferta a possiblidade de combinação entre os nubentes acerca do patrimônio que ambos estão dispostos a oferecer no matrimônio.[21]
Entende-se como um regime híbrido, pois a liberdade ofertada constitucionalmente, faz com que os cônjuges mesclem o que for de conveniência patrimonial elegendo um novo e distinto regime, obedecendo os princípios da ordem pública e estipulando cláusulas que não atentem a natureza e os fins do casamento.
O princípio da liberdade convencional é respaldado pelo art. 1.639 do Código Civil: “é lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver”. Conquanto o art. 1.655 dispõe que “é nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei”. A convenção deve ser celebrada em pacto antenupcial, que também será nulo “se não for feito por escritura pública” (art. 1.653).[22]
A título de exemplo, reproduz-se o entendimento de Caio Mário da Silva Pereira[23]:
O pacto antenupcial, embora exprima a liberdade contratual dos nubentes, está subordinado a princípios que condizem com a ordem pública, sejam aquelas de cunho patrimonial, sejam as de natureza pessoal e ainda aquelas que atentem contra os bons costumes. No regime legal ora vigente ter-se-ão por inválidas cláusulas que suprimam direitos que a lei assegura a ambos os cônjuges. O sistema do poder familiar não pode ser invalidado no pacto antenupcial, naquilo em que estabelecem normas cogentes.
Nessa perspectiva, se qualquer um dos nubentes for menor de idade, não há impedimento para oficialização do acordo pré-nupcial. A legitimidade está subordinada à consentimento de seu representante legal (CC 1.654). É crucial a transcrição, na escritura, do consentimento para o casamento (CC 1.537). Por conseguinte, para o casamento, é imprescindível a autorização de ambos os pais ou representantes legais (CC 1.517), mas, para a reiteração do pacto antenupcial, a legislação não faz essa imposição. De maneira que basta o assentimento de apenas um dos genitores que representam o descendente menor para o pacto ter validade. Por conseguinte, ainda que a autorização para o casamento possa ocorrer judicialmente (CC 1.519), a outorga do pacto não pode ser suprida pelo juiz. [24]
O princípio da liberdade de escolha do regime, entretanto, admite uma exceção: a lei fixa, imperativamente, o regime de bens a pessoas que se encontrem nas situações previstas no art. 1641 (pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; pessoas maiores de 70 anos (setenta) anos; todos os que dependem, para casar, de suprimento judicial), tornando-o obrigatório[25].
Dessarte, o regime da separação legal, nessa situação, tem sua constitucionalidade indagada, por transgredir o princípio da dignidade humana e por causa de uma imposição excessiva do Estado sobre indivíduo tido como maior e apto totalmente para todos os feitos da vivência civil.
Em virtude disso, o princípio da mutabilidade controlada, ao contrário da codificação anterior que constava a imutabilidade do regime de bens, sob a égide do Código Civil de 1916, o art. 1.639, § 2.º, do CC/2002, possibilita a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial, em pedido motivado de ambos os nubentes, apurada a procedência das razões invocadas e desde que ressalvados os direitos de terceiros. Constatamos que a devida alteração só pode ser exigida por iniciativa de ambos os nubentes, descartando hipótese de ser feita por um dos cônjuges em processo litigioso.[26]
Salienta-se que o art. 734 do Código de Processo Civil[27], regula quanto à alteração do regime, especificando que poderá ser requerida em petição, acordado entre os nubentes, especificando as suas devidas razões e pretensões.
Nessa feita procedimental o Ministério, tomará a sua devida parte no ato do processo, e será publicado edital com prazo de 30 dias. A fim de resguardar suas garantias e direitos como consta § 2º do referido artigo a medida útil, que possibilita aos cônjuges requerer meio alternativo à divulgação, nesse mesmo propósito tomamos as redes sociais, a serviço desse procedimento, com a finalidade precípua que os terceiros que se sintam eventualmente prejudicados com a mudança de regime possam se resguardarem de eventuais prejuízos em decorrência da mudança regimental.[28]
3 ANÁLISE DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DE SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS A LUZ DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Por via de regra, a opção pelo qual o regime de bens que vai gerir o casamento, na maior parte dos casos, é livremente escolhido pelo casal e por intermédio do regime que a questão patrimonial será administrada no transcorrer do casamento, e também no seu rompimento em razão de separação ou da ocorrência do falecimento de um dos cônjuges.[29]
Álvaro Villaça Azevedo[30] notório jurista brasileiro menciona que regime legal pode ser facultativo ou obrigatório, no primeiro caso em tela, os nubentes poderão eleger um outro regime, e no segundo quando for imposto pela lei, ou seja, não há necessidade de as partes se manifestarem para a escolha deste regime, pois o próprio termo “separação obrigatória de bens”, nesse caso, é obrigatória porque não é uma escolha dos nubentes, mas uma imposição do ordenamento jurídico, cabe salientar legal no sentido de lei, assim sendo separação vinda da lei.[31]
No ordenamento jurídico existem três hipóteses em que os nubentes são obrigados a aderir à separação legal de bens, nesses casos incidirá o art. 1.641 no qual é obrigatório o regime compulsório no casamento: das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; da pessoa maior de 70 (setenta) anos; de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.[32]
Em razão da pertinência temática da referida pesquisa, as pessoas acima de setenta anos ou em sua data limite, o legislador presume que são relativamente incapazes, caracterizando a inconstitucionalidade do texto legal. Nesse caso a limitação da vontade em razão da idade é uma sanção dada pelo legislador ao invés de uma proteção, que percorre na contramão do Estatuto do Idoso. Não há nenhuma fundamentação lógica para essa incapacidade mental dada a tais indivíduos.[33]
Vislumbramos as justificativas nas demais hipóteses em que o legislador impõe esse regime de bens, afim de proteger o interesse de alguém (CC, 1.641, I )[34], é importante frisar que nesse caso em tela a ação é reversível, o juiz pode excluir a dita apenação (CC, 1.523)[35].
Aos idosos não é dada essa oportunidade, essa imputação da incomunicabilidade patrimonial é absoluta, não tem nenhuma possibilidade de reversão, como é oferecida no artigo já citado acima, mesmo que ambos os cônjuges se amem, que tenham capacidade mental para se matrimoniar, a lei é implacável ao impor o regime.[36]
Nesse sentido, Rolf Madaleno[37] dispõe que:
Ao impor a proibição da livre escolha do regime de bens aos que casam com mais de 70 anos, alterado que foi o inciso II do artigo 1.641 do Código Civil, pela Lei n° 12.344, de 09 de dezembro de 2010, a legislação vigente inibe a posterior alteração do regime de bens em pedido judicial conjunto dos cônjuges, porque então estaria abrindo a porta de acesso à fraude à lei, cujos direitos subjetivos está tentando proteger ao acreditar que qualquer casamento de pessoa septuagenária decorre muito mais de interesses econômicos e financeiros do que afetivos.
Resta evidente que a proibição de escolher o regime de bens tendo como fundamento o critério etário é uma forma de discriminação, é mister frisar que é um absurdo o legislador estabelecer um critério etário, no intuito de proteger o idoso do famoso “golpe do baú”, pois essa justificativa só resguardaria uma parcela elitista, diante dessa afirmação legal, a grande parte da população idosa ficaria à mercê dessa sanção. Essa interpretação constitucional é uma violência sem limites, no que diz respeito ao princípio da isonomia que é caracterizado por uma interdição parcial dos direitos em relação pessoa idosa.[38]
Nesse sentido destaca Paulo Lobo[39]:
A difusão vulgar do chamado “golpe do baú” máscara o preconceito contra o idoso, que seria tido como incapaz de reagir à paixão, além de supor que toda pessoa que dele se aproxime não o faz motivado pelo afeto, mas pelo interesse material. Nosso direito tem como regra de ouro a proibição de aquisição de direitos relativos à herança de pessoa viva. Assim, entre os prováveis futuros herdeiros e o direito de viver como quiser a pessoa, inclusive desfazendo-se de seu patrimônio para viver plenamente a vida, este direito prevalece, desde que preserve o mínimo para sua sobrevivência.
Acompanhando esse mesmo entendimento Maria Berenice Dias[40] diz:
O mais curioso é que pessoas com deficiência podem casar (CC 1.550 § 2.º), manifestando sua vontade por meio de seu representante, sem qualquer restrição quanto ao regime de bens. Mas o fato de alguém ter mais de 70 anos, ainda que seja absolutamente capaz, não tem a mesma liberdade.
Nesse interim, compreendemos na ótica principiológica, que o dispositivo é inconstitucional, pois fere o princípio da dignidade da pessoa humana. A sua construção conceitual começa a partir da 2º Guerra Mundial, quando houve um consenso em torno da ideia da condição humana que deveria ser protegida com primazia em relação a todas as ordens jurídicas, que não deveria existir uma norma que não se considera a condição humana como topo no ordenamento.
3.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
A declaração dos direitos humanos de 1948, incorporou a ideia do princípio da dignidade da pessoa humana expressando que o referido princípio irradia todos os demais princípios, de forma tal que é o valor principal da ordem jurídica. O princípio traz consigo um valor síntese da condição humana, portanto, não é um atributo específico da condição humana é apenas um resultado da soma de todos esses atributos, ou seja, uma cláusula geral que permite uma releitura da ordem jurídica brasileira da condição do ser humano, que valoriza as diferentes manifestações do humano. [41]
A Constituição Federal[42] dispõe em seu art. 1º, III:
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana
O princípio da dignidade da pessoa humana permite uma releitura de todos os institutos jurídicos, ou seja, a mesma condiciona a tutela jurídica em diversas situações. Em síntese, tal princípio é uma ferramenta de defesa para a humanidade, de tal sorte que os juízes devem aplicá-lo diuturnamente, o juiz deve dar um tratamento equânime às partes, a população carece de um tratamento desigual, porque o princípio da isonomia e da igualdade, exige um tratamento desigual para pessoas desiguais.
Constata-se que o princípio da dignidade humana alcança todas as pessoas sem levar em consideração a sua idade, uma pessoa de 70 (setenta) anos ou mais é digna de merecer a mesma segurança que garante a Constituição Federal de 1988. Jamais há de se discutir em distinção à opção do regime de bens no matrimônio, o impedimento imposto pela lei há de ser compreendido como discriminação. Compreende-se que a busca pela proteção dos direitos fundamentais é de suma importância para resguardar a dignidade da pessoa humana, que a principal finalidade é a preservação da dignidade do homem, por isso princípio máximo de nossa Constituição Federal[43].
Nas palavras de Maria Berenice Dias[44]:
O princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios. É um macro princípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania e solidariedade, uma coleção de princípios éticos. [...] representa o epicentro axiológico da ordem constitucional, irradiando efeitos sobre todo o ordenamento jurídico e balizando não apenas os atos estatais, mas toda a miríade de relações privadas que se desenvolvem no seio da sociedade.
Nessa linha de compreensão o Estatuto do Idoso[45] em seu Art. 10 nos dá o seguinte posicionamento:
Art. 10 É obrigação do Estado e da sociedade, assegurar à pessoa idosa a liberdade, o respeito e a dignidade, como pessoa humana e sujeito de direitos civis, políticos, individuais e sociais, garantidos na Constituição e nas leis.
§ 1º O direito à liberdade compreende, entre outros, os seguintes aspectos.
I - faculdade de ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;
II - opinião e expressão;
III - crença e culto religioso;
IV - prática de esportes e de diversões;
V - participação na vida familiar e comunitária;
VI - participação na vida política, na forma da lei;
VII - faculdade de buscar refúgio, auxílio e orientação.
§ 2º O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, de valores, ideias e crenças, dos espaços e dos objetos pessoais.
§ 3º É dever de todos zelar pela dignidade do idoso, colocando-o a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.
Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana envolve uma garantia mínima de proteção social, condições materiais para uma vida saudável, ou seja, uma vida digna. Não nasce da norma positivada, de convenção social, pelo contrário, é algo imanente à natureza do homem. O princípio da dignidade da pessoa humana é a igualdade entre as pessoas. Este é um dos seus fundamentos, que tem como objetivo os interesses dos indivíduos independentes de raça, gênero, capacidade de satisfação que são comuns a todos, a luta pelo princípio mínimo de igualdade[46].
De igual maneira tem uma função orientadora, isso quer dizer que mesmo com a norma criada, a forma como executá-la não pode ferir o princípio da dignidade da pessoa humana, então tal princípio serve de orientação à atuação jurídica. Desse modo, o princípio da dignidade da pessoa humana exerce uma função crítica, de outro modo, tudo que pensamos, fazemos, do ponto de vista do indivíduo e da sociedade deve ser filtrado pelo critério do princípio da dignidade da pessoa humana, qualquer conduta do homem na sociedade e para consigo mesmo, deve passar pelo crivo da dignidade da pessoa humana.
3.2 Princípio da Igualdade
A sociedade capitalista reduz o ser humano, de certa forma, a um agente produtivo, a importância do homem se dá, a partir do que o mesmo produz. Nesse interim, o idoso quando se aposenta, encerra suas atividades profissionais, acaba saindo desse núcleo de vida, ou seja, pouco a pouco vai se afastando daquilo que construiu ao longo dos anos. Perde seu vínculo com a sociedade capitalista e a partir desse momento a vida, sua existência deixa de fazer sentido.
No que concerne ao Princípio de Igualdade, Maria Berenice Dias[47] assevera:
Constitucionalmente é assegurado tratamento isonômico e proteção igualitária a todos os cidadãos no âmbito social. A ideia central é garantir a igualdade, o que interessa particularmente ao direito, pois está ligada à ideia de justiça. Os conceitos de igualdade e de justiça evoluíram. Justiça formal identifica-se com igualdade formal: conceder aos seres de uma mesma categoria idêntico tratamento. Mas não basta que a lei seja aplicada igualmente para todos. Aspira- se à igualdade material precisamente porque existem desigualdades.
Além disso, relata Gilmar Ferreira Mendes[48] que:
O catálogo dos direitos fundamentais na Constituição consagra liberdades variadas e procura garanti-las por meio de diversas normas. Liberdade e igualdade formam dois elementos essenciais do conceito de dignidade da pessoa humana, que o constituinte erigiu à condição de fundamento do Estado Democrático de Direito e vértice do sistema dos direitos fundamentais.
Compreende-se que as condições de desigualdade expõem o idoso como o ser desvalorizado e excluído da sociedade, trabalha a vida inteira, chega um momento da vida que não tá mais produzindo, melhor dizendo não está trabalhando, “não serve”, o mesmo é excluído. Essa visão descartável do capitalismo em relação ao idoso, que o enxerga como um agente que não produz, é um tanto injusto. De forma alguma o idoso é inútil para a sociedade, pois durante muito tempo acumulou sabedoria e que muitas vezes as pessoas aprendem coisas que estão ligadas diretamente a essência da vida.
O princípio da liberdade garante a autonomia, ou seja, os conjugues são livres para contrair matrimônio, divorciar-se, e o mais importante a ser mencionado, ter o direito de escolha no regime de bens. Nesse sentido, a liberdade é um valor fundamental ao ser humano em virtude disso é indispensável que se considere o que a Constituição Federal deixa em evidência, que ninguém pode ser discriminado em função do seu sexo ou da sua idade. O princípio da liberdade, traz ao indivíduo a chance de conduzir a própria vida.
Neste sentido, pondera Fábio Ulhoa Coelho[49]:
É inconstitucional a lei quando impede a livre decisão quanto ao regime de bens aos que se casam com mais de 70 anos. Trata-se de uma velharia, que remanesce dos tempos em que se estranhava o casamento com idade elevada, sendo então legítima a preocupação da lei em evitar a possibilidade de fraudes. Hoje em dia, a permanência da obrigatoriedade do regime de separação afronta o princípio constitucional da dignidade humana. A doutrina já tem assentado o entendimento pela inconstitucionalidade do inciso II do art. 1.641 do CC (CHINELATO, 2004, p.289/291), embora a jurisprudência ainda titubeie a respeito do tema (CAHALI, 2004, p.167/18)
Deve-se ressaltar também, que a separação compulsória de bens para maiores de 70 anos, conflita com o princípio da emocionalidade. Na verdade, instituição familiar tinha sua visibilidade em torno do vínculo que se concluía na formação patrimonial, esta representação familiar, frente a valores sociais em constante mutação, é rompido e substituído pelas relações baseadas em sentimentos e, segundo este modelo, procura promover o desenvolvimento dos nubentes num ambiente que favoreça a unidade e a valorização humana[50].
De igual modo, a imposição da separação de bens é uma afronta ao princípio da intimidade, que tem uma grande aproximação com o princípio da liberdade, posto isto, obrigar um casal a um regime de bens é apoderar-se da vida intima do casal que é único responsável de resolver acerca da divisão patrimonial, retirando a competência dos cônjuges a decidir sobre quesitos específicos da vida íntima do casal.
A família moderna é formada pela inspiração e pelo desejo da felicidade, ela tenta preservar o espaço pessoal e vai contra o autoritarismo do legislador. Nesse caso, é inaceitável que a idade possa servir de restrição à liberdade e ao direito à felicidade, mesmo que seja um avanço na proteção patrimonial. Dito isto, vai na contramão do princípio da liberdade as tentativas de justificar as limitações de capacidade de agir das pessoas unicamente pautado no critério da idade, presumindo por regra geral a falta de capacidade da pessoa idosa, restringindo a vontade, ou seja, a liberdade de escolha, ao passo de impor a lei a proibição de que o mesmo não pode dispor livremente de seus bens[51].
Nesse feito, resta imperante pensar no idoso e se despir dos preconceitos enraizados na nossa sociedade de que o idoso pertence a um grupo homogêneo e de pessoas incapazes de contribuir economicamente, pois nem todas as pessoas idosas são iguais, têm realidades distintas, discriminar o casamento aos septuagenários é presumir a incapacidade e que são presas fáceis de um matrimônio que não é fundamentado no sentimento e que é por interesses de seus bens[52]. Não cabe ao Estado fazer essa análise e sim ao idoso como sujeito de direitos e apto a dispor livremente de seus bens.
O Estatuto do Idoso preconiza ser obrigação do Estado e da sociedade propiciar ao idoso a liberdade, o respeito e a dignidade de obrigações, como valores essenciais à pessoa humana, indivíduos naturais de direitos e obrigações. A mera discriminação cronológica estabelecida em infundadas argumentações, deixa à mercê a proteção que tem como objetivo assegurar ao idoso um tratamento igual, no que diz respeito suas garantias fundamentais. A intervenção nos direitos do idoso só se justifica quando suas faculdades intelectivas realmente estiverem comprometidas, hipótese aceitável, e não nessa interpretação tendo como presunção cronológica de forma aleatória de incapacidade[53].
Paulo Lobo reporta que o indivíduo é livre para escolher, sobretudo a pessoa idosa, tem autonomia de constituição e realização de entidade familiar, sem restrições externas de parentes, sociedade ou do legislador, à livre aquisição e administração do patrimônio familiar, desde que respeitadas suas dignidades como pessoas humanas; a liberdade de agir, fundada no que diz respeito à integridade física, mental e moral. Desse modo, nota-se que a Constituição Federal garantiu a liberdade de escolher o planejamento familiar com base no princípio da igualdade, a qual ambos estão ligados intrinsecamente[54].
Observa-se que o princípio da liberdade não é estático, pois existe uma reinvenção constante dos grupos familiares, assim, não faz mais sentido ao Estado o papel de intervir na liberdade com uma lei limitadora, a qual impede os cônjuges maiores de 70 anos de escolherem livremente o regime matrimonial de bens.
Por esse viés, constata-se que o direito de família lida com pessoas, que são dotadas de sentimentos, de medos e inseguranças, cabendo ao Estado adequar a justiça à vida de tais indivíduos, e não engessar a vida desses indivíduos dentro das normas jurídicas. Pois há um retrocesso legal e uma opressão ao livre exercício da liberdade. É necessário respeitar a dignidade, a liberdade e a igualdade de todos[55].
Rolf Madaleno diz se tratar de uma medida extremada o impedimento ao regime de bens das pessoas maiores de setenta anos e faz uma análise do regime da comunhão parcial de bens, pontuando que se esse regime é justo para todos os cônjuges de todas as outras idades, porque deixaria de ser justo para os septuagenários, quando estes apenas estariam dividindo bens adquiridos na vigência matrimonial, desse modo, nada impede um cônjuge acima de 70 anos de comprar um bem em nome de seu nubente ou de fazer uma doação de bens exclusiva de seu patrimônio[56].
Assim, a nossa carta magna se preocupou em instituir um regime democrático que tem como sustentação excluir discriminações de qualquer ordem, levando em conta a liberdade especial conferida ao direito de família, com isso a liberdade individual deve ser respeitada.
4 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 1641, INCISO II DO CÓDIGO CIVIL
A linha tênue que separa os indivíduos dos seus direitos é percebida quando existem princípios norteadores que dão legitimidade aos indivíduos, mas na falta dos princípios fundamentais esses direitos não são concretizados. Em virtude disso, o art. 1.641 inciso II[57], deixou de levar em consideração tais direitos, discriminando a pessoa idosa, ultrapassando os princípios fundamentais, gerando um abismo entre o idoso e a garantia da autonomia, o qual irá repercutir em sua vida matrimonial. O artigo em questão traz em seu bojo, como descreve bem a doutrinadora Maria Berenice Dias[58], um desprestígio e desvalia ao idoso, carregado de estereótipos, improdutividade profissional, na qual a velhice seria estágio final ou terminal do idoso.
A Constituição de forma clara e concisa veta qualquer forma de discriminação em razão da idade, e assegura o devido direito à pessoa idosa, como a adoção de políticas públicas inclusivas, para não deixar à mercê o grupo de idosos, com sua vulnerabilidade e indefensibilidade. A carta constitucional[59] já possibilitava em seu texto, especificações de cunho protetivo ao idoso, em seus artigos 229 e 230.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.
Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.
§ 1º - Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares.
§ 2º - Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos urbanos.
Destarte, a efetividade dos direitos previstos na constituição reflete em todo contexto estatal e familiar, gerando uma responsabilidade em que todos os indivíduos se encarreguem na efetividade das atividades, não tratando o idoso como incapaz, mas buscando tornar eficazes os direitos individuais e as garantias fundamentais das pessoas septuagenárias. Nesse interim, o art.1641 inciso II do código civil de 2002, perpetua uma discriminação ao reduzir a capacidade do septuagenário em eleger o regime de bens.
Nessa esteira, constata-se que no âmbito dos diretos humanos na qual a tutela humanitária aos idosos já é vista como uma realidade próxima, existem diversas resoluções e conferências, muitas inclusive propostas pelo Brasil, reconhecendo o critério da idade como motivo explícito e simbólico de discriminação que afeta o exercício dos direitos humanos na velhice e que as pessoas idosas necessitam de especial atenção do Estado [60].
Destaca-se a Carta de San José sobre os Direitos dos Idosos de América Latina e Caribe[61], traz importantes previsões entre as quais se destacam:
Adotar medidas adequadas, legislativas, administrativas ou de outra índole, que garantam às pessoas idosas um tratamento diferenciado e preferencial em todos os âmbitos e proíbam todos os tipos de discriminação contra delas.
Fortalecer a proteção dos direitos das pessoas idosas por meio da adoção de leis especiais de proteção ou a atualização das já existentes, incluindo medidas institucionais e dos cidadãos que garantam sua plena execução.
Observa-se que o artigo 1.641 inciso II, viola os direitos humanos, pois atenta contra os direitos dos septuagenários em sua autonomia, que não necessita de qualquer interferência Estatal. Consequentemente, transgride os princípios constitucionais e desconsidera, precipuamente, o Estatuto do Idoso que elenca os direitos à pessoa idosa.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, as normas devem estar em conformidade com a Constituição Federal de 1988, uma norma que não leve em consideração a CF/88, é inconstitucional, ou seja, fica evidente que o Inciso II do Artigo 1.641 do Código Civil de 2002 é incompatível com a ordem jurídica vigente e não deve continuar cerceando a liberdade de idosos com plena capacidade de decidir acerca do regime de casamento que desejam. É imperante a observância ao princípio da dignidade humana, da autonomia da vontade, da liberdade, afinal vive-se em um Estado Democrático de Direito e limitar a capacidade de um cidadão é atentatório à manutenção dessa democracia.
REFERÊNCIAS
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[1] Orientadora. Professora de Argumentação jurídica e hermenêutica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA. Mestra em Letras pela Universidade Federal do Piauí-UFPI. Doutoranda em Direito e políticas públicas pelo Centro Universitário de Brasília-UNICEUB. r
[2] RELATÓRIO MUNDIAL DE ENVELHECIMENTO E SAÚDE. Organização Mundial da Saúde: Genebra, 2015. Disponível em: <http://sbgg.org.br/wpcontent/uploads/2015/10/OMS-ENVELHECIMENTO-2015-port.pdf> Acesso em: 06/03/2021
[3] CORREA, Mariele Rodrigues, Cartografias do envelhecimento na contemporaneidade [livro eletrônico]: velhice e terceira idade / Mariele Rodrigues Correa. – São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009, p.23
[4] REDE DE SUPORTE SOCIAL E ENVELHECIMENTO: instrumento de avaliação / Marisa Accioly Rodrigues da Costa Domingues, Yeda A. O. Duarte. -- São Paulo: Blucher, 2020, p.9
[5] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm> Acesso em: 06/03/2021.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 06/03/2021
[7] BRASIL. Lei N. 10.741, de 1o de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 06/03/2021
[8] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família / Carlos Roberto Gonçalves. – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p.17
[9]BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 06/03/2021.
[10] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.23
[11] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias [livro eletrônico] / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.15
[12] LÔBO, Paulo. Direito civil: volume 5: famílias / Paulo Lôbo. – 8. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.76
[13] GAMA apud TARTUCE; Flávio Tartuce. Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p.1779
[14] STOLZE, Pablo ; Pamplona Filho, Rodolfo; Manual de direito civil – volume único / Pablo Stolze; Rodolfo Pamplona Filho. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020, p.1771
[15]BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 11/03/2021
[16] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p.485
[17] TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020, p.1831
[18] NADER, Paulo. Curso de direito civil - v. 5: direito de família. Rio de Janeiro: São Paulo: Saraiva, 2012, p.591
[19] TARTUCE, Flávio Manual de direito civil: volume único / Flávio Tartuce. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: método, 2020, p.1856
[20] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p.485
[21]SCHREIBER, Anderson Manual de direito civil: contemporâneo / Anderson Schreiber. – 3. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020, p.1288
[22] BRASIL. Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm> Acesso em: 24/03/2021
[23] PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil – Vol. V / Atual. Tânia da Silva Pereira. – 25. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p.261
[24] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias [livro eletrônico] / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.532
[25] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm> Acesso em: 04/04/2021
[26] Gonçalves, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 6: direito de família. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 2019, p.489
[27] BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Institui o Código de Processo Civil Brasileiro. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13105.htm> Acesso em: 24/03/2021
[28] VENOSA, Sílvio De Salvo. Direito Civil: Família. 17.Ed. – São Paulo: Atlas, 2017, p.345
[29] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.545
[30] AZEVEDO, Álvaro Villaça Curso de direito civil : direito de família / Álvaro Villaça Azevedo. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019, p. 439-440
[31] PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de direito civil – Vol. V / Atual. Tânia da Silva Pereira. – 25. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2017, p.244
[32] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm> Acesso em: 04/04/2021
[33] Dias, Maria Berenice. Manual de direito das famílias / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.546
[34] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm> Acesso em: 04/04/2021
[35] Ibidem
[36] ARAUJO Júnior, Gediel Claudino de; Prática no direito de família / Gediel Claudino de Araujo Júnior. – 8. ed. rev. e atual. – São Paulo : Atlas, 2016, p. 57
[37] MADALENO, Rolf; Direito de Família / Rolf Madaleno. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.160.
[38] STOLZE, Pablo ; Pamplona Filho, Rodolfo Manual de direito civil – volume único / Pablo Stolze; Rodolfo Pamplona Filho. – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020, p.1909
[39] LÔBO, Paulo. Direito civil: volume 5: famílias / Paulo Lôbo. – 8. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.235
[40] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias [livro eletrônico] / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.1108
[41] MORAES, Alexandre de Direito constitucional / Alexandre de Moraes. – 33. ed. rev. e atual. até a EC nº 95, de 15 de dezembro de 2016 – São Paulo: Atlas, 2017, p.35
[42] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 06/04/2021
[43] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.1102
[44] Ibid., p. 73
[45] BRASIL. Lei N. 10.741, de 1o de outubro de 2003. Dispõe sobre o Estatuto do Idoso e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.741.htm>. Acesso em: 17/04/2021
[46] SCHREIBER, Anderson Manual de direito civil: contemporâneo / Anderson Schreiber. – 3. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020, p.142
[47] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.76
[48] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; Branco, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 15ª ed, revista e atualizada. São Paulo: Editora Saraiva,2020, p.346
[49] COELHO, Fábio Ulhoa Curso de direito civil : família, sucessões,volume 5 [livro eletrônico] / Fábio Ulhoa Coelho. --2. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2020, p.60
[50] FARIAS apud PRIMO. Kelly Gonçalves Primo. Uma nova proposta sobre o regime de separação obrigatória de bens dos septuagenários. Revista do CAAP, Belo Horizonte n. 1, v. XVIII, 2012, p.13
[51] MADALENO, Rolf; Direito de Família / Rolf Madaleno. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.148
[52] SÉGUIN apud MADALENO. Direito de Família / Rolf Madaleno. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.148
[53] PERLINGIERI apud MADALENO. Direito de Família / Rolf Madaleno. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.148
[54] LÔBO, Paulo. Direito civil: volume 5: famílias / Paulo Lôbo. – 8. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018, p.49
[55] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias / Maria Berenice Dias. – 4. ed. – São Paulo; Editora Revista dos Revista dos Tribunais, 2016, p.15
[56] MADALENO, Rolf; Direito de Família / Rolf Madaleno. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.150
[57] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm> Acesso em: 17/04/2021
[58] DIAS apud MADALENO; Rolf; Direito de Família / Rolf Madaleno. – 10. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020, p.142
[59] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 17/04/2021
[60] Mazzuoli, Valerio de Oliveira Curso de direitos humanos / Valerio de Oliveira Mazzuoli. – 6. ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019, p.307
[61] Carta de São José sobre os direitos das pessoas idosas da América Latina e do Caribe. Adotada na terceira Conferência regional intergovernamental sobre envelhecimento na América Latina e no Caribe, realizada em São José da Costa Rica, de 8 a 11 de maio de 2012. Disponível em:<http: https://fiapam.org/wp content/uploads/2013/06/CartadeSanJosePortugues.pdf> Acesso em: 17/04/2021
Graduando do Curso de Bacharelado em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho-UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Marcus Vinicius Pereira dos. A Inconstitucionalidade do regime obrigatório de separação de bens para maiores de 70 anos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 06:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56566/a-inconstitucionalidade-do-regime-obrigatrio-de-separao-de-bens-para-maiores-de-70-anos. Acesso em: 23 dez 2024.
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