NATHALIA BRITO DE MELO [1]
(coautora)
MARCUS VINICIUS DO NASCIMENTO LIMA[2]
(orientador)
RESUMO: A presente pesquisa tem por determinação analisar os aspectos da atuação do juiz pautada nos princípios constitucionais da Constituição de 1988, aferindo de que forma ocorre a quebra da imparcialidade do juiz, bem como os riscos que isso pode trazer para o processo. Partindo deste ponto, conforme a metodologia utilizada do tipo pesquisa qualitativa descritiva e bibliográfica desempenhou-se um estudo em conjunto entre doutrina, jurisprudência e legislação acerca do tema, no qual foi possível verificar que existem, na história, três tipos de sistemas processuais, contudo o Brasil adota apenas um sistema que é o sistema acusatório, esse sistema é o que mais se aproxima de um Estado democrático de direito e garante ao acusado a observância de todos os princípios constitucionais. Assim, por meio desse estudo, chegou-se à conclusão que a imparcialidade do juiz é não só um princípio fundamental para o processo como também um divisor na vida daquele que está sendo julgado, a não observância desse princípio pode ocasionar danos irreversíveis. Um exemplo trago na pesquisa foi a recente decisão sobre a parcialidade no julgamento do ex-presidente Lula que teve clara violação a quebra da imparcialidade. Nesses casos, o juiz deve ser imediatamente afastado e a decisão anulada.
Palavras-chave: Princípios constitucionais; Imparcialidade; Juiz imparcial.
Sumário: 1 Introdução. 2 Dos Sistemas Processuais Penais 2.1 Espécies. 2.1.1 Sistema Acusatório. 2.1.2 Sistema Inquisitório. 2.1.3 Sistema Misto. 2.1.4 Sistema Adotado Pela Legislação Brasileira. 3 Garantias Processuais No Sistema Processual Brasileiro. 3.1 Princípio Do Livre Convencimento Motivado. 3.2 Princípio Da Imparcialidade Do Juiz. 3.3 Princípio Da Presunção De Inocência. 4 A Quebra Da Imparcialidade Do Juiz. 4.1 Teoria Da Prova Dentro Da Imparcialidade. 4.2 Ocorrência da Quebra da Imparcialidade do Juiz. 4.3 Análise Jurisprudencial De Casos Reais Da Quebra Da Imparcialidade Do Juiz E Impactos De Decisões Que Tiveram o Juiz Parcial. 5 Conclusão. 6 Referências Bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
A grande questão nos tempos de hoje é se o juiz, responsável pelo direcionamento do processo, é mesmo imparcial. Com isso, a Constituição de 1988 limita e direciona os passos que o magistrado terá que seguir, para que suas ações, além de proporcionais, possam estar dentro dos princípios constitucionais, garantindo, dessa forma, o equilíbrio entre a participação do magistrado no processo e a hierarquia da nossa Carta Magna. No entanto, vale discutir que a imparcialidade ainda gera dúvidas quanto a indagação de ela ser integral ou não.
Dessa maneira, o julgador valer-se-á dos princípios constitucionais para que futuramente venha a proferir sua sentença, pois é, por meio de tais garantias que fornecerá uma base de compreensão mais precisa da lide discutida. Por isso, é importante ter um julgador que seja consciente das limitações impostas a ele, de modo que irá resguardar-se dos eventuais pré-julgamentos da sociedade.
Todavia, para que essa imparcialidade possa continuar sendo preservada, é preciso ater-se aos fatos. O estudo dos sistemas com a compreensão da imparcialidade do juiz e as provas obtidas são de suma importância em diversos âmbitos. Diante de uma análise desses sistemas e princípios do ordenamento que nas mãos do magistrado tem-se uma compreensão regida por uma convicção estruturada, a qual delimita o entendimento para sanar quaisquer dúvidas a respeito do sistema brasileiro.
É fundamental, lembrar então, sobre qual sistema processual o Brasil adota, caracterizando-o e fazendo uma análise histórica para saber qual caminho o sistema brasileiro percorreu até chegar a adotar o sistema acusatório. O protagonismo dos sistemas processuais evidencia que a própria imparcialidade é muitas vezes criticada com "pré - conceitos", pois mostra uma enorme possibilidade de resolução dos aspectos jurisdicionais relevantes para a sociedade e, ao mesmo tempo, causa fragilidade ao tentar se limitar e compreender como algo específico.
Nesse contexto, utilizou-se o método dedutivo como metodologia de abordagem. A pesquisa desenvolveu o questionamento sobre a imparcialidade do magistrado dentro do processo através dos limites que a Constituição Federal de 1988 impõe para suas ações. Para tanto, a técnica de pesquisa possui base bibliográfica, como consulta de livros, dissertações, artigos e revistas especializadas.
Dessa forma, o presente estudo buscou reconhecer que a Constituição Federal é lei suprema, servindo de parâmetro de validade a todas as demais espécies normativas, pois suas normas e princípios ditarão o andamento de todas as relações. Do mesmo modo, tem como principal objetivo verificar até que ponto o juiz é parte do processo e através desta participação, se sua imparcialidade não ultrapassa os limites estabelecidos pela Constituição mediante de seus princípios.
2 DOS SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
Nos últimos séculos, a estrutura do processo de punição variou, dependendo da prevalência de ideologias punitivas ou liberais. Goldschmidt afirmou que a estrutura do processo penal de um país pode ser usada como um termômetro para os elementos democráticos ou autoritários de sua constituição.
De acordo com Lopes Jr. (2019), cronologicamente, em linhas gerais, o sistema acusatório predominou até meados do século XII, sendo posteriormente substituído, gradativamente, pelo modelo inquisitório que prevaleceu com plenitude até o final do século XVIII (em alguns países, até parte do século XIX), momento em que os movimentos sociais e políticos levaram a uma nova mudança de rumos.
O sistema processual trata de diversos assuntos (garantia do réu, pessoa jurídica obrigatória, órgão denunciante, órgão policial investigador, garantia de recurso constitucional, presunção de inocência etc.). Todos esses temas aparentemente isolados são os mesmos, ou seja, se encontram junto ao princípio unificador, responsável pela definição do valor de qualquer sistema.
O processo penal é o detentor do direito de punir em conjunto com o direito penal que não é autoaplicável, mas esse processo é um instrumento de legitimidade ao direito de punir do Estado. A sociedade em si não tem direito de punir, isso é conferido e legitimado ao Estado. Então, o processo penal é um conjunto de normas e princípios que instrumentalizam a correta aplicação da lei penal no ordenamento.
Os sistemas processuais penais são necessários para garantir os preceitos constitucionais e também reestabelecer o sentimento de justiça e paz social. Eles servem para normatizar o rito procedimental do processo em si. No processo há uma construção de relação com autor, juiz e réu. Temos um magistrado que deve tornar-se imparcial e seguir a luz de todo ordenamento e as partes em parcialidade.
O detentor de todo poder na relação jurídica é a figura principal capaz de solucionar de maneira equilibrada o caso em questão. Se tratando do sistema processual brasileiro, foi possível observar que é necessária uma iniciativa de alguma das partes para se permitir o começo da relação, quando duas partes deverão produzir suas provas a fim de se fazer cumprir a veracidade do que se está alegando.
Diante disso, ao se tratar de sistema processual penal cabe uma breve análise acerca de alguns modelos que influenciaram e influenciam ainda hoje certas relações processuais.
Entende-se como sistemas, de acordo com Jacinto Coutinho (2014):
“Conjunto de temas jurídicos que, colocados em relação por um princípio unificador, formam um todo orgânico que se destina a um fim”. Sob o ponto de vista do processo penal, os sistemas podem ser compreendidos como complexos de princípios e regras constitucionais, definidos conforme o momento político de cada sociedade, que orientam a aplicação das normas penais ao caso concreto. (COUTINHO, 2014, p. 50)
No ordenamento jurídico brasileiro, o processo penal já se viu em mudança diversas vezes acerca dos sistemas processuais que culminaram como sendo base de diversas linhas de pensamento entre algo mais “puro ou misto”. Logo por esse motivo faz-se bastante necessário se entender essa evolução.
É importante enfatizar a existência de três tipos diferentes de sistemas processuais, dois deles são basicamente opostos um ao outro, sendo o último uma mistura desses modelos. Cada característica inerente será abordada agora.
2.1 Espécies
2.1.1 Sistema Acusatório
Os sistemas acusatório, inquisitório e misto nasceram nos tempos antigos e em diversos lugares. O sistema acusatório, por exemplo, tem sua origem no período grego, no tempo dos atenienses. A grande participação da população de Atenas foi um marco importante no quesito acusação nos debates que se desenvolveram na época. Em um momento posterior, já se visualizava um sistema falho o qual precisava de reparos para a contenção de crimes frequentes, entre outras situações.
Diante das necessidades, juízes passaram a se tornar julgadores e a acusar. No sistema processual acusatório tem-se funções especificas para todas as partes que compõe a relação jurídica. Sobre essas “funções”, o doutrinador Paulo Rangel (2013) traz de maneira explícita essa separação, ao esclarecer que:
O sistema acusatório, antítese do inquisitivo, tem nítida separação de funções, ou seja, o juiz é órgão imparcial de aplicação da lei, que somente se manifesta quando devidamente provocado; o autor é quem faz a acusação (imputação penal + pedido), assumindo, segundo nossa posição, todo o ônus da acusação, e o réu exerce todos os direitos inerentes à sua personalidade, devendo defender-se utilizando todos os meios e recursos inerentes à sua defesa. Assim, no sistema acusatório, cria-se o actum trium personarum, ou seja, o ato de três personagens: juiz, autor e réu. (RANGEL, 2013, pág.49).
Neste sentido, diversas doutrinas expõe um entendimento acerca do juiz como importante na gestão probatória, princípio dispositivo como sendo o mais importante no sistema, entre outros. As funções existentes, resumindo especificamente “julgar” e acusar”, devem ser separadas em equilíbrio para que a dita defesa seja uma característica importante no sistema em questão.
A Constituição Federal de 1988 foi um marco importantíssimo para separação de funções. Tendo o sistema acusatório um caráter público, ao Magistrado foi designado a função de julgar com imparcialidade de acordo com os princípios designados; ao Ministério Público se dá a função de acusar baseado nos ditames jurídicos e às partes se tem a defesa.
No sistema de acusatório, o réu é o sujeito de direitos, a gestão da prova está nas mãos de todas as partes envolvidas. Se a garantia não for cumprida, o processo será invalidado. Respeitado aos procedimentos do processo, a presunção de inocência, o direito das partes a apresentarem provas, um juiz justo e um mecanismo de combate à justiça, são as principais características desse sistema. Este manifesta-se como um sistema democrático que permite ou pelo menos envolve todas as entidades.
O sistema acusatório é um sistema totalmente contrário ao inquisitivo. Este sistema deve obedecer às "regras do jogo", caso contrário será considerado inválido. A publicidade também é essencial, porque todo comportamento processual deve ser registrado de forma confiável. Essa é uma característica de um país que supera uma centralização irracional de poder e as pessoas têm como garantia os direitos básicos.
Nesse sistema garantidor, a simples aplicação da lei não é suficiente para se chegar à justiça judicial, e outros fatores são pesados para se chegar ao "produto final". Em muitas oportunidades, a observação cega da literalidade das normas resultará na inclusão de direitos e de garantias na Constituição Federal, razão pela qual esses direitos e essas garantias têm sido repetidamente excluídos. Este é o processo penal que está atualmente em foco de trabalho, que tem por objetivo propor um mecanismo/sistema que traga diversos parâmetros / critérios para alcançar uma aplicabilidade mais justa e dos direitos humanos.
Lopes Jr (2014), preceitua:
“O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente a atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição autentica parte passiva do processo penal.” (LOPES JR. 2014, pág. 95).
À vista disso, Norberto Avena (2015) complementa que o sistema acusatório é próprio dos regimes democráticos, caracterizando-se pela distinção absoluta entre as funções de acusar, defender e julgar, que deverão ficar a cargo de pessoas distintas. Chama-se “acusatório” porque, à luz desse sistema, ninguém poderá ser chamado a juízo sem que haja uma acusação, por meio da qual o fato imputado narrado com todas as suas circunstâncias.
Todos os conceitos trazidos pela doutrina respeitada, não podem levar à conclusão de que o sistema de acusação é o sistema mais capaz de moldar os novos dispositivos constitucionais modernos. Entretanto por poder proporcionar aos juízes melhor tranquilidade, pode distinguir claramente a função do papel processual. Além disso, tal sistema cumpre a missão central da “Constituição Federal”, cujo conteúdo é o tratamento das pessoas e a proteção de direitos e garantias, condição necessária para o ordenamento jurídico nacional.
Ademais, para Lopes Jr (2008) em decorrência desse sistema, é assegurado ao acusado a imparcialidade do juiz para decidir de acordo com as provas colhidas pelas partes. Evita-se assim, eventuais arbitrariedades do Estado o qual pode se manifestar na figura do juiz parcial pelo produto de seu trabalho investigativo, pois ao tratar o acusado como condenado desde o início da apuração do delito, desse modo afastando-se dos princípios básicos de justiça no momento de sentenciar.
Portanto, no sistema acusatório, o juiz é um sujeito inerte, uma atividade que gera e fornece provas às partes. Nessa linha de pensamento, o objetivo do sistema de denúncia é garantir uma estrutura dialética, não tornar o réu passivo como espectador, e esse efeito deve ser atribuído ao juiz. Pelo contrário, deve garantir que, no processo penal, as partes tenham armas iguais e estatuto igual em oposição a jurisdições justas e inertes.
2.1.2 Sistema Inquisitório
O sistema inquisitivo tem origem romana e a concentração de poder em julgar e acusar, contando com a presença de um procedimento mais sigiloso e com ausência de contraditório.
De acordo com Leonardo Augusto Marinho (2009) o sistema inquisitório fundamenta-se na ideologia da defesa social e instrumentaliza-se na gestão centralizada de poder. Monopolizando toda informação importante e priorizando o poder concentrado, e sem controle, voltado para o direito material.
O sistema inquisitivo corresponde ao conceito de poder central absoluto, que concentra todos os aspectos do poder soberano (legislação, administração e jurisdição) em uma pessoa. Nesse sistema não há separação de funções, porque o juiz ingressou com uma ação, defendeu o réu e o julgou na mesma ocasião, a característica desse modelo de investigação é uma conotação negativa, ou seja, uma técnica de investigação que privilegia valores de defesa social.
Conforme Aury Lopes Jr (2008), até o século XII, na Europa, predominava o sistema acusatório, não existindo processo sem acusador legítimo. Com os crescentes números de delitos ao longo dos séculos XII até o XIV, o modelo acusatório, em que a acusação estava nas mãos de particulares, tornou-se insuficiente para combater a delinquência, devendo a função de acusar, passar para o Estado.
O poder dos juízes, posteriormente, violou cada vez mais os poderes dos promotores privados e dos defensores, na medida em que as funções de acusação e de julgamento se concentravam no mesmo órgão estatal.
O sistema foi adotado, a priori, pela igreja e posteriormente adotado por todos os legisladores da época. Após a Conferência de Latrão em 1215, o processo de investigação começou a conquistar quase toda a Europa. Teve origem no seio da Igreja Católica e tinha como objetivo evitar as injustiças, mas as autoridades viram um poderoso poder neste processo, por isso, espalhou-se em vários tribunais e transformou-o num meio de opressão. O modelo de interrogatório é marcado pelo despotismo do Estado, que assume o papel de acusação, se julgamento e de defesa, e o juiz passa a ser o interrogador.
Lopes Jr. (2008) aduz que:
O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador. Confundem-se as atividades do juiz e acusador, e o acusado perde a condição de sujeito processual e se converte mero objeto da investigação. (LOPES, JR. 2008, p. 61.)
Colocar o poder de acusação e de julgamento nas mãos do tribunal, de modo a não confiar na vontade do indivíduo; tratar o réu apenas como objeto de investigação, não mais objeto de direitos; o estabelecimento da investigação da verdade é o objetivo principal do processo penal, por isso aceitaram todos os meios, inclusive a tortura.
O sistema de inquérito é confidencial, sempre por escrito e não contraditório, concentrando as funções de acusação, defesa e julgamento na mesma pessoa. Nesse sistema o réu é considerado apenas objeto de perseguição no sistema, razão pela qual, muitas vezes se admite que a tortura e outras práticas são uma forma de obter provas.
No referido processo, não há contradição, ou seja, o réu não pode entrar em conflito com a denúncia. Nesse modelo, não há estrutura dialética, pois aqui não há relação jurídica, haja vista que a investigação é unilateralmente responsável. Portanto, o juiz atua em última instância como parte, investigador, demandante e juiz. Independentemente do pedido do réu, o juiz tem total liberdade para coletar provas. Normalmente, o réu ainda está preso no processo.
Gustavo Henrique Badaró (2003) sobre esse sistema preceitua:
No campo probatório, que se liga diretamente ao princípio em análise, no sistema inquisitório, havia intervenção ex officio do juiz, que verdadeiramente se identificava com o acusador. O juiz inquisidor tinha liberdade de colher provas, independentemente de sua proposição pela acusação ou pelo acusado. O acusado normalmente, permanecia preso durante o processo. Na busca da verdade material, frequentemente, o acusado era torturado para que se alcançasse a confissão. Em suma, o sistema inquisitório baseia-se em um princípio de autoridade, segundo o qual a verdade é tanto melhor acertada, quanto maiores forem os poderes conferidos ao investigador. Quanto ao método probatório, há uma substituição da concepção argumentativa por uma concepção demonstrativa da prova, baseada nos moldes científicos experimentais. (BADARÓ, 2003, p. 105)
Dessa maneira, o sistema inquisitório não é compatível com os direitos constitucionais que devem existir em um país democrático e jurídico, devendo, portanto, ser suprimido da legislação contemporânea, que deve proporcionar aos cidadãos um mínimo de proteção.
2.1.3 Sistema Misto
O surgimento do sistema misto se deu na etapa de ensino ou preparação (também chamada de pré-procedimento), ele mantém um forte resquício do modo de questionamento, enquanto na própria etapa processual adquire características do tipo acusação. O sistema misto é caracterizado pela fase inicial de inquisitória, preliminar e na instrução, e na fase final, o julgamento sob a garantia de todos os procedimentos do sistema acusatório.
Para Segundo Aury Lopes Jr. (2003) as ideias filosóficas da Revolução Francesa, de 1789, influenciaram no sistema processual penal da época, pois com o fracasso do modelo inquisitório e a gradual volta do acusatório, houve uma modificação substancial no tipo processual penal. Ocorre que o Estado não podia devolver a função da persecução criminal em mãos de particulares, então decidiu dividir o processo penal em fases e atribuir a tarefa de acusar e julgar a órgão e pessoas distintas, nascendo daí o Ministério Público. Assim, a acusação continua com o monopólio estatal, no entanto, realizada por um terceiro distinto do magistrado.
De modo geral, o sistema misto abrange duas fases processuais distintas: uma fase de inquérito, sem contradições, propaganda e defesa, na qual são conduzidas investigações preliminares e orientações de preparação. Noutro momento posterior, correspondente ao momento do julgamento, na segunda fase é assegurado que o arguido tem todas as garantias do procedimento de acusação.
Guilherme Nucci (2003) é o doutrinador da corrente que afirma que o sistema adotado no Brasil é o Misto que também é denominado por inquisitivo-acusatório: Os princípios norteadores do sistema, advindos da Constituição Federal, possuem inspiração acusatória (ampla defesa, contraditório, publicidade, separação entre acusação e julgador, imparcialidade do juiz, presunção de inocência etc.). (NUCCI, 2009, p. 25.)
Contudo, esta não é a corrente que prevalece, para a maioria dos doutrinadores o modelo misto adotado pelo Direito Processual Penal Brasileiro baseia-se no fato de que, via de regra, a investigação de um crime é iniciada pela polícia, seguida de inquérito policial inquisitório.
2.2 Sistema adotado pela Legislação Brasileira
A corrente majoritária da doutrina acredita que o sistema de processo penal brasileiro que prevalece é acusatório, tomando como exemplos Aury Lopes Jr. e Eugenio Pacelli. Também está sintetizado por decisões do STF e STJ.
A situação atual parte do pressuposto básico de que a CF/88 faz uma escolha, mas de forma implícita, ao separar as funções de julgamento e acusação, além de estabelecer com clareza a típica garantia processual do sistema de acusação. Sobre art. 156, I, CPP, a maior polêmica, foi até o Supremo Tribunal Federal, onde foi possível decidir sobre a impossibilidade de o juiz poder requisitar de ofício novas diligências probatórias, quando o Ministério Público se manifestar pelo arquivamento do inquérito. (HC 82.507/SE, DJU 10.12.2002. p. 766)
Por meio dessa decisão do Supremo Tribunal Federal, foi possível compreender a universalidade das características típicas do sistema processual penal acusatório, o que está relacionado ao princípio acusatório claramente estabelecido nesse campo. Além de esclarecer as funções principais do Ministério Público: art. 129, I, CF/88 “A função institucional do Ministério Público é: I-Promover o processo penal privado nos termos da lei.” (BRASIL, 1988).
Alvares (2013) considera patente violação do sistema acusatório a regra do art. 156, I do CPP, esclarecendo que ao juiz, cabe limitar-se no tocante a iniciativa probatória, na fase processual e não determinar diligências probatórias antes de iniciada a ação penal.
Sobre o art. 156, II do CPP, o sistema acusatório, imposto pela CF/88, na qual foram delimitadas as funções do juiz e as atribuições do MP, deverá funcionar como redutor e/ou controlador da aplicação desse segundo inciso, em face da imparcialidade que deve nortear a atuação jurisdicional. (ALVARES, 2013)
Em 25 de agosto de 2009, o Supremo Tribunal Federal declarou suas obrigações ao Ministro Relator Celso de Mello no HC 84580 SP, decidindo que o sistema adotado no Brasil em respeito a Constituição Federal de 1988 é o acusatório. Conforme se segue:
O sistema jurídico vigente no Brasil - tendo presente a natureza dialógica do processo penal acusatório, hoje impregnado, em sua estrutura formal, de caráter essencialmente democrático - impõe, ao Ministério Público, notadamente no denominado "reato societario", a obrigação de expor, na denúncia, de maneira precisa, objetiva e individualizada, a participação de cada acusado na suposta prática delituosa. - O ordenamento positivo brasileiro […] repudia as imputações criminais genéricas e não tolera, porque ineptas, as acusações que não individualizam nem especificam, de maneira concreta, a conduta penal atribuída ao denunciado. Precedentes. A PESSOA SOB INVESTIGAÇÃO PENAL TEM O DIREITO DE NÃO SER ACUSADA COM BASE EM DENÚNCIA INEPTA. (HC 84580 SP, 2009)
Cumpre ressaltar que, para o STF, o sistema acusatório é entendido como um sistema adotado pelas legislações nacionais, exigindo que tal conclusão só seja alcançada quando forem mencionados outros aspectos do processo, como o respeito ao devido processo legal e suas contradições. Uma ampla gama de subprincípios, incluindo defesa, justiça natural, presunção de inocência etc., e não considera apenas o isolamento da acusação e funções de julgamento da mesma pessoa ou organização (investigador).
Pode-se dizer que o sistema de processo penal é definido de acordo com a ideia fundadora (princípio unificador), e todas as demais características e regras devem ser explicadas de acordo com essa ideia. Depois de conhecer essa premissa, você pode distinguir qual sistema está sendo processado. É importante destacar que o sistema processual está intimamente ligado ao modelo político do País. Vale ressaltar, ainda, que quanto mais próximo o País está do autoritarismo (autocracia, monarquia), menor é a garantia do réu e mais próximo do sistema de inquérito. O contrário também é verdadeiro: quanto mais próximo o País está da democracia e da lei, maiores são as garantias dadas e, portanto, mais próximo de um modelo de acusação pura. Por fim, vale ressaltar que não existe um sistema puro.
3 GARANTIAS PROCESSUAIS NO SISTEMA PROCESSUAL BRASILEIRO
A Constituição Federal, como Carta Magna, traz diversos princípios os quais têm a função de garantir os direitos fundamentais dos indivíduos e todas as leis infraconstitucionais têm o dever de acatar o que a lei maior dispõe.
É importante observar a relação entre os princípios e o magistrado, sendo ele digno de direito e deveres, e acompanhado por garantias fundamentais, é necessário que se adote todas as funções possíveis dentro de um processo e que esse processo não fique estagnado prejudicando as partes, isso entra em concordância em todo direito processual.
Dessa forma, o processo penal necessita sempre estar tracejado na Constituição Federal, pois esta é a lei que tem maior importância dentro do Estado democrático de Direito brasileiro. Com isso, o juiz deve atuar como garantidor dos direitos individuais evitando, assim, o abuso do poder estatal.
Para Capez (2014), analisando-o sob o aspecto objetivo, isto é, dos atos, identificamos o seu primeiro elemento constitutivo: o procedimento, entendido como cadeia de atos e fatos coordenados, juridicamente relevantes, vinculados por uma finalidade comum, qual a de preparar o ato final, ou seja, o provimento jurisdicional, que, no processo de conhecimento, é a sentença de mérito. Sob o aspecto subjetivo, surge o segundo elemento constitutivo do processo, que lhe dá vida e dinamismo: a relação jurídica processual.
Este procedimento pode exercer a jurisdição para resolver conflitos entre civis. No campo penal, o direito processual penal sistematiza esse processo, tornando realidade a abstração do direito material. Sendo assim, o processo é analisado sob duas perspectivas diferentes, mas ainda há uma conexão entre elas, cabendo verificar quais princípios fazem parte dessas garantias.
3.1 Princípio do Livre Convencimento Motivado
O princípio do livre convencimento motivado é considerado o mais importante no processo, pois analisa a decisão amplamente e de maneira regular no âmbito do ordenamento. Sob esse enfoque, Coutinho (1998, p. 197) afirma: “Faz-se imprescindível reconhecer que o princípio do livre convencimento pode ser manipulado pelo julgador, razão por que a consciência de tanto é necessário a fim de controlar-se, dando efetividade à garantia constitucional”.
Tal princípio demonstra a humanização de decisões proferidas, sendo o juiz ligado à lei vigente, também atribui valores na formação de todo o seu convencimento. A motivação vai legitimar todo o processo e a formação do convencimento na decisão.
Neste sentido, Coutinho (1998, p. 198) esclarece:
Geralmente, pelo mesmo entre nós, os juízes preferem o primeiro caminho, já que a prova é produzida longe dos tribunais e a possibilidade de controle é mais fácil [...] mas o julgador tem de identificar sua escolha: tem de convencer que elegeu a melhor a melhor prova. Surge aqui o primeiro requisito retórico da sentença, que não é outro senão o de verossimilhança fática. Trata-se de efeito de verdade.
Assim, conclui-se que há uma importância entre o livre convencimento motivado e a imparcialidade, uma vez que não são garantias apenas do acusado, mas também do magistrado e de todos os cidadãos. Elementos que visam a busca da verdade no exercício jurisdicional. O julgador vai em busca da verdade nas provas e nos autos, e mediante um processo penal em respeito às garantias fundamentais, a mesma é tanto consagrada como também limitadora e legitimadora do exercício juiz.
Segundo o princípio do livre convencimento, o juiz tem liberdade para avaliar as provas produzidas no processo, pois comprovou o motivo de sua conclusão. Nesse sentido, o juiz poderá julgar os fatos interpostos e produzidos no processo com base em sua livre convicção. Essa liberdade encontra o limite oposto à prova em litígio no âmbito da impossibilidade de conduzir uma sentença, ou seja, evita a nova arbitragem.
Nery Júnior (2004, p. 519), afirma que:
“O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto.”
Para Didier Jr (2011, p. 40), o juiz não obstante aprecia as provas livremente, não segue as suas impressões pessoais, mas tira a sua convicção das provas produzidas, ponderando sobre a qualidade e a força probatória destas; a convicção está na consciência formada pelas provas.
Dessa forma, o magistrado correlaciona as evidências no arquivo do caso e deriva suas crenças com base nisso. No entanto, o fato de o juiz ter assinado os princípios de sua vida não deve ser ignorado e, uma vez que o juiz é imparcial e não neutro, esses princípios, é claro, também afetarão as decisões tomadas. No entanto, mesmo que possam conduzir a uma decisão, não devem ser utilizados como base, porque, se o fizerem, causarão grave insegurança jurídica.
3.2 Princípio da Imparcialidade do Juiz
O princípio da imparcialidade tem significativo muito alto, por que se apresenta dentro do processo penal e também do processo civil, como justificativa na função essencial da jurisdição. Consiste no fato de que o magistrado é vetado de ter vínculos pessoais com as partes, como ter amizade com alguém que tenha contato íntimo tanto com o réu como com o autor. Para o melhor entendimento, a Constituição Federal de 1988 e a Declaração Universal dos Direitos do Homem em seu artigo X, reconheceu este princípio: “Art. 10. Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele”. (BRASIL, 1988). Tal princípio é considerado um dos mais importantes, pois o processo penal passa a ser mais justo e eficaz, visto que é uma condição para que o processo seja considerado válido.
Durante esse processo, como o magistrado não pode demonstrar interesse pessoal entre as partes, nem agir com sua opinião pessoal, tudo baseia-se em fatos e provas levados a ele para que se siga um julgamento justo e respeitoso, conforme é assegurado na Constituição Federal.
Coutinho (1998, p.170) expõe sua opinião quanto ao juiz manter sua postura de terceiro neutro dentro do processo:
Sabe-se que, com esta visão, o que se pretende é a preservação da ideia do juiz como um órgão neutro e imparcial, que por não ter interesse direto no caso, tutelaria a igualdade das partes no processo. Com isto, estar-se-ia buscando a manutenção do seu escopo último: a pacificação dos conflitos de interesses e a justiça.
Assim, como os demais princípios estão ligados ao sistema acusatório, o Princípio da Imparcialidade também tem essa ligação. Por isso, o juiz deve manter a distância entre as partes para o melhor andamento e sentença do processo, bem como para resguardar a celeridade do mesmo, a proporcionalidade e a igualdade ao final da lide.
Os princípios tradicionais que visam restringir a participação dos juízes em procedimentos geralmente estipulam que, nos casos em que os juízes podem atuar ex officio (confirmando provas ou tomando medidas antecipadas, ou condenando as partes à pena prescrita, crenças, impondo uma multa obrigatória e apoiando medidas administrativas e medidas coercitivas) abrirá mão de sua imparcialidade, porque, ao fazê-lo, fará com que uma parte goze dos privilégios relativos à outra parte. Portanto, aqueles que se opõem ao ativismo judicial dizem que o juiz não deve ser muito ativo, pois isso prejudicaria o princípio da imparcialidade.
Um juiz justo é aquele que não está interessado no objeto do caso ou quer aprovar as partes, mas isso não significa que o magistrado seja injusto em seu julgamento e não tenha qualquer interesse (obrigação) em razão de suas ações. Logo, a atuação positiva do juiz não é motivo de sua justiça.
O juiz deve ser imparcial, mas isso não significa que ele deva permanecer neutro. Diante dos valores a serem mantidos no processo, justiça não significa neutralidade. Quando os juízes tentaram justificar as partes que realmente agiram de acordo com o sistema legal, não violaram o dever de justiça. Na verdade, é importante que os juízes conduzam o julgamento com meios judiciais eficazes para que a pessoa certa possa ser beneficiada.
Para Figueiredo (2014) ser imparcial, também não significa que o juiz deva ser desinteressado, pois o juiz é interessado no sentido de que deve tomar todas as providências legais a seu alcance para que, a final, o vencedor seja aquele que esteja realmente amparado pelo direito material em discussão. Assim, não pode ser inerte.
3.3 Princípio da Presunção de inocência
O princípio da Presunção de Inocência tem como função preservar os cidadãos da vontade do Estado quando quiser sua condenação não importando qual preço seja, já que o acusado é inocente até que se prove ao contrário. Tem o apoio do próprio sistema acusatório, no qual a locomoção dos indivíduos é respeitada. Assim, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, dispõe em seu artigo 9º que: “Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei”. (BRASIL, 1979).
Logo, o artigo 5°, inciso LVII, da Constituição Federal garante que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, enaltecendo ainda mais a presunção de inocência. Sobre isto, Barros e Silva (2020) elevam: “A presunção e inocência não nasceu junto ao Direito, mas sim junto a necessidade de garanti-lo”. O Princípio da Presunção de Inocência tem conexão com o princípio do In Dubio Pro Reo, pois os dois fazem uma inversão do ônus da prova, ou seja, será de responsabilidade do acusado a produção de provas que fará o juiz convencer-se da inocência do acusado, e na possibilidade de não obter êxito, o magistrado interpretará de forma em que favoreça o acusado, sendo presumida, então, a inocência do mesmo.
Explica Lopes Jr. (2020, p. 592):
Ao lado da presunção de inocência, como critério pragmático de solução incerteza (dúvida) judicial, o princípio do in dubio pro reo corrobora a atribuição da carga probatória ao acusador e reforça a regra de julgamento (não condenar o réu sem que sua culpabilidade tenha sido suficientemente demonstrada).
É muito importante salientar que este princípio assegura que o processo penal seja íntegro, tendo em vista que, além de garantir a inocência do acusado, gera o benefício da dúvida quanto à culpabilidade do réu. Além disso, tem o poder de absolver o acusado quando ocorrer a prescrição do processo, assim como invalidar o mesmo se haver vício.
4 A QUEBRA DA IMPARCIALIDE DO JUIZ
4.1 Teoria da Prova dentro da imparcialidade
Ao construir a figura do juiz, ultrapassando todas as críticas do grande sistema inquisitório é necessário destacar todos os deveres, princípios e imperfeições desse julgador. Logo, deverá se ter o rompimento do juiz inquisidor e focar no juiz humano que não detém do poder de extrair a verdade do processo, pois, assim, é desenvolvida toda uma atividade de reconstrução do fato, na produção de provas, interpretação e argumentação.
Para melhor esclarecer, Lopes Júnior (2020, p. 558), exterioriza: “As provas são os materiais que permitem a reconstrução histórica e sobre os quais recai a tarefa de verificação das hipóteses, com a finalidade de convencer psicologicamente o juiz (função persuasiva).”
No contexto do sistema acusatório, a doutrina vem defendendo um novo papel do juiz no processo penal. Alguns doutrinadores já explicitaram sua defesa que o magistrado deve manter toda a neutralidade e parcialidade voltado para a postura objetiva, na qual o mesmo recolhe a reconstrução dos fatos, bem como as provas produzidas para futuramente julgar.
Na própria Constituição de Federal, tem-se diversos princípios divergindo de doutrinadores e trazendo harmonia. Para termos como embasamento Coutinho (2009) cita sobre o grande rito judiciário e a atividade cognitiva do juiz, “[...] a um juiz com jurisdição que não sabe, mas que precisa saber, dá-se a missão de dizer o direito no caso concreto”. O juiz desconhece o fato, porém quando devidamente reconstruído, o magistrado tem poder para dar início ao andamento do processo, a partir da autorização das partes.
A reconstituição dos fatos para o processo tem, além disso, influência quanto ao sistema acusatório e funda-se mais uma vez no princípio do dispositivo, haja vista que este defende que a gestão da prova ficará a cargo das partes. Seguindo o argumento de que uma das finalidades do processo penal é a procura da verdade real dos acontecimentos, e que a prova é um dos caminhos pelo qual essa verdade se reconstrói, é preciso, em primeiro lugar, verificar se o magistrado no momento em que participar da instrução probatória estaria contrariando o princípio da imparcialidade.
Esta condição é identificada por Santos (2019), quando reafirma que, ao esclarecer os fatos a fim de dar verdade a estes, como também avaliar a credibilidade das testemunhas que presenciaram o acontecido, se com a intervenção do magistrado, a imparcialidade é questionada quanto a sua passividade se é absoluta ou não. Dessa forma, mais uma vez a imparcialidade do juiz no processo tem influência do sistema acusatório, bem como na própria neutralidade desse magistrado.
Diante disso, quanto à inciativa para a produção de provas, o princípio do dispositivo destaca que o juiz precisa esperar que as partes tomem inciativa para que ele possa estabelecer sua convicção. Logo, uma parte da doutrina afirma que, caso o juiz atue ex officio, ele estaria se desprendendo de sua imparcialidade ,e consequentemente, acabaria dando privilégio a uma das partes em prejuízo da outra.
Imerso nessa conjuntura, segundo Ritter (2016, p.174):
E se assim o é, não é difícil de se entender aonde se quer chegar no que se refere aos poderes instrutórios do magistrado. Em suma, como ser humano comum, se o juiz tomar qualquer decisão de ofício, seja em benefício da tese acusatória ou defensiva, restará vinculado (ainda que possa reverter o quadro) a esta decisão, e buscará involuntariamente a sua manutenção, superestimando novas informações que possam confirmá-la e subestimando outras que a contrariem, para não ampliar a dissonância cognitiva pós-decisória, estado psicológico que lhe é incômodo. Aí reside o problema.
Baseado nisso, é indispensável que se fala sobre o conceito dessa imparcialidade ou que se aproxima dela. Desta maneira, Santos (2019, p.14), afirma:
A primeira aproximação ao conceito de imparcialidade se concentra na exigência de que o juiz não seja parte no processo, e sim um terceiro fora da disputa: um terceiro que não é parte no conflito e ocupa uma posição transcendente com relação às partes. Junto com isso, ressalta-se que a imparcialidade exige que o juiz, em sua decisão, não tome partido em favor de nenhuma das partes. Isto significa que não tenha relações com nenhuma das partes e que não realize atos que revelem uma posição prévia em relação ao assunto chamado a decidir.
Com isso, a ação do juiz deve ser comparada com a neutralidade, pois a imparcialidade se funda nas circunstâncias objetivas do caso, não podendo haver interferência de terceiro, ou seja, do magistrado.
Nesse panorama, para melhor argumentar quanto a parcialidade, o juiz ao atuar no processo é chamado de garantidor, ou seja, mantém sua neutralidade para que ao final do processo haja proporcionalidade na sua decisão.
A imparcialidade fortalece a imparcialidade, pois não ser parte contribui definitivamente para atuar com afastamento. Nesse sentido, a estrutura triangular do processo judicial consagra um sistema de separação do juiz em relação às partes ativa e passiva, mantendo uma separação orgânica entre ele e os órgãos privados ou públicos de acusação ou defesa. (LOPES JUNIOR, 2016, p. 60)
A Constituição Federal de 1988 propõe que, o princípio da imparcialidade é idealizado na etapa destinada à produção de provas, sendo determinada a igualdade entre as partes, e a neutralidade do magistrado e proporcionalidade na futura decisão deste. À guisa disso, Marques (2007) deixa claro que o juiz não tem autoridade para propor provas mesmo que a iniciativa do mesmo seja restrita ao órgão de acusação e que a atividade probatória do magistrado é limitada.
Ressalta-se, ainda, que a aplicação do princípio do dispositivo de forma parcial dentro do processo penal, uma vez que adotada, a atividade probatória do magistrado fica reduzida. Não só pelo princípio citado como também pelo próprio artigo 156 do Código de Processo Penal, no qual regulamenta de quem é a responsabilidade da prova.
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:
I - Ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;
II - Determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.
Desse modo, no que se refere à coerência da restrição da atividade probatória do magistrado, acredita-se que o termo “determinar de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante”, é uma forma de interpretação restritiva.
4.2 Ocorrência da Quebra da Imparcialidade do Juiz
A imparcialidade do Julgador é requisito da relação jurídica processual e a sua quebra gera suspeição do Juiz devendo ser arguida pelas partes. Nesse sentido, Damásio Jesus afirma que a suspeição deve ser fundamentada dada a relevância do instituto processual em causa, que foi estabelecido pelo legislador não somente no interesse das partes, mas da justiça. (JESUS, 2005).
A imparcialidade são dogmas internacionais, apoiados pelo Artigo 8 da Convenção de San José da Costa Rica e Artigo 10 da Declaração de Direitos Humanos. Foi aprovado no Brasil com status de Emenda Constitucional, (nº 45). Ao tratar da proteção judicial do réu contra a parcialidade dos juízes, os tratados e as normas internacionais são muito claros a esse respeito, pois têm uma influência decisiva em nossas leis mais amplas e fazem com que as pessoas tenham uma atitude justa em relação ao resultado final da Constituição.
Na prática ocorre a quebra da imparcialidade do juiz quando o juiz se propõe a ser justo, mas destaca suas preferências ao tomar uma decisão. Isso pode ocorrer caso o juiz não adote o sistema acusatório, que é o sistema que mais se aproxima de uma democracia.
Cabe pontuar, ainda, que tanto o código de ética da magistratura quando o código de processo civil proíbem a quebra da imparcialidade. Um exemplo sobre a quebra dessa imparcialidade foi o processo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi condenado e dois anos depois foi provado a quebra da imparcialidade do juiz em seu processo, conforme será possível observar no próximo tópico.
4.3 Análise jurisprudencial de casos reais da quebra da imparcialidade do juiz e impactos de decisões que tiveram o juiz parcial
Conforme o STF (2021) a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, concedeu Habeas Corpus (HC 164493) para reconhecer a suspeição do ex-juiz Sérgio Moro na condução da ação penal que culminou na condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por corrupção passiva e lavagem de dinheiro referentes ao tríplex em Guarujá (SP). A maioria do colegiado seguiu o voto divergente do ministro Gilmar Mendes para determinar a anulação de todas as decisões de Moro no caso do tríplex do Guarujá, incluindo os atos praticados na fase pré-processual, por entender que ele demonstrou parcialidade na condução do processo na 13ª Vara Federal de Curitiba (PR).
A defesa solicitou a anulação do processo penal relacionado ao tríplex e demais ações que o ex-presidente respondeu em Curitiba. Diante desse cenário, os fatos do Ministério da Justiça de 1º de janeiro comprovaram sua preferência em revelar ao presidente que ele queria agir durante todo o processo por motivação política.
De acordo com o STF (2021) houve quebra da imparcialidade pois segundo a Ministra Carmen Lúcia, no decorrer do trâmite, foram apensados ao processo elementos de prova que, a seu ver, demonstram ter havido combinação entre os autores processuais – juiz e acusação – que comprovam a quebra de imparcialidade do ex-juiz Sérgio Moro. Entre eles, citou a “espetacularização” da condução coercitiva de Lula, sem intimação pessoal prévia, junto com outros atos presididos pelo então juiz durante o trâmite processual.
Ademais, na sua avaliação, a interceptação telefônica dos advogados do ex-presidente, antes da adoção de outras medidas, representou expansão de quebras do direito que tornam impossível a defesa. A seu ver, a divulgação de conteúdo selecionado dos áudios captados transgrediu o direito a um julgamento imparcial. “Todos têm direito a um julgamento justo. Nenhum ser humano tem o direito de se sentir perseguido”. (STF, 2021).
Por fim, a ministra destacou que a decisão só vale para Lula, porque parte da atuação do juiz está relacionada apenas ao ex-presidente. Ela também destacou que seu voto não levou em consideração as conversas veiculadas na imprensa entre ex-juiz Sérgio Moro e o promotor da Lava Jato, que não constavam dos autos.
Outro caso ocorreu no Tribunal de Justiça do Estado do Piauí, no qual envolveu um veículo que foi apreendido em razão de solicitação pessoal e verbal da parte ré, acarretando na suspeição do juiz. A ré confessou que, através de um mero telefonema, tentou viabilizar, informalmente, um acordo com o Advogado do banco credor a fim de liberar o veículo, outrora apreendido por força de ordem judicial por ele mesmo emitido (TJPI, 2014). Com isso foi decidido em exceção de suspeição a conduta processual tendenciosa adotada pelo Juiz em favor da parte Ré/Devedora, provocando inequívoca dúvida acerca dos motivos de ordem pessoal que efetivamente influenciaram na sua decisão, deve ser prontamente recusada, eis que macula a necessária imparcialidade do Juiz, pressuposto processual subjetivo.
Dessa forma, tendo um julgamento com um juiz parcial este é considerado injusto e incorreto porque analisa apenas parte da situação e ignora seu ponto de vista geral. De acordo com o sistema acusatório, os deveres do procurador cabem ao procurador e não ao magistrado. Se uma ação desproporcional for tomada contra os direitos do réu e houver violações em certas circunstâncias, o procedimento deve ser inválido, caso isso não ocorra, inúmeros prejuízos pode acarretar ao acusado, dentre eles inclusive a privação de sua liberdade.
5 CONCLUSÃO
A partir da análise dos tópicos supracitados e com base nas teorias apresentadas, conclui-se que o sistema adotado pelo Brasil é acusatório. Em suma, isso ocorre porque as funções de acusação e julgamento pertencem a órgãos diferentes. Além disso, no Brasil, deve-se destacar que existe um sistema baseado nos princípios constitucionais vigentes, como a autocontradição dos juízes, ampla defesa, propaganda e imparcialidade.
Na estrutura dos tratados e convenções internacionais, bem como na Constituição e nas leis brasileiras, existem normas suficientemente claras e precisas que exigem juízes imparciais tanto no julgamento quanto na condução do processo, sendo esta exigência a base para uma efetiva formação e desenvolvimento das relações jurídicas.
Portanto, o juiz que for considerado imparcial deve ser afastado do procedimento para manter a lei e a relação jurídica acima de qualquer dúvida razoável. Ressalte-se, ainda, que tanto o órgão de defesa quanto o Ministério Público têm o direito de debater as exceções suspeição e impedimento dos juízes, devendo a suspeita fundamentar-se para comprovar todos os fatos e provar que o juiz é parcial.
Dessa forma, com a produção desta pesquisa científica conclui-se que para que haja um julgamento justo e livre de vícios é preciso respeitar os princípios constitucionais do livre convencimento motivado, da imparcialidade e o princípio da presunção de inocência, dentro de um sistema acusatório, só assim o acusado terá seus direitos e garantias preservados pela Constituição Federal.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTE, Railane de Moura. A atuação do juiz pautada nos princípios constitucionais: a quebra da imparcialidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 maio 2021, 06:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56568/a-atuao-do-juiz-pautada-nos-princpios-constitucionais-a-quebra-da-imparcialidade. Acesso em: 22 dez 2024.
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