Resumo: Este artigo visa examinar a realidade do aborto legal em incapazes, alertando para os motivos que levam a vítima a não ter acesso aos seus direitos. Esse estudo é relevante em âmbito acadêmico para a compreensão da gravidade que enfrenta-se em lidar com vidas todos os dias, mesmo sabendo que a lei existe, prevê situações, mas não evita injustiças e muitas vezes não consegue alcançar uma porcentagem alta de indivíduos. Sobre isso, é importante ressaltar que não há aqui a dúvida sobre a existência da lei, e sim a análise da eficácia da mesma. Se os fatos ocorrem conforme previsto em lei e os envolvidos tem acesso a essa lei e seus direitos, não há o que ser reparado. Caso haja um episódio em que existe a lei, mas não há o acesso a ela, deve-se investigar o que está incapacitando esse processo, principalmente quando há o interesse de indivíduos que não respondem por si. Em relação á metodologia, todo o estudo será realizado mediante uma revisão bibliográfico-interativa, assim orientada pela abordagem descritivo-qualitativa
Palavras chave: Estupro, Vítima menor de idade, Violência Sexual, Aborto resultado de estupro.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O crime de estupro de vulnerável. 3 O agressor sexual infantil. 4 O acesso ao aborto em caso de estupro para vítimas menores de idade. 5 A (in)eficácia da lei. 6. Conclusão. 8.Referências
1. INTRODUÇÃO
Atualmente no Brasil, a violência sexual contra crianças e adolescentes é um grande problema de saúde pública. Indivíduos menores de 14 anos, que são considerados como vulneráveis de acordo a Lei nº 12.015/09, se tornaram as principais vítimas desse crime, que vem tomando grandes proporções.
No código Penal Brasileiro, uma das formas de abuso sexual infantil está tipificado como estupro de vulnerável. De acordo com uma publicação no site Projeto Colabora, com o títutlo “Filhos da dor – estupro e gravidez”, tal crime geralmente ocorre em local afastado, longe dos olhos de testemunhas, em locais privados e infelizmente quase sempre em uma relação intrafamiliar, fato que dificulta que a vítima consiga ou tenha coragem de efetuar a denúncia.
O grande problema acontece quando esse abuso sexual resulta em uma gravidez precoce, resultado de um grande trauma, onde geralmente a vítima não tem entendimento do que vem a ser uma relação sexual e seus riscos, e consequentemente não sabe como reagir diante do estupro e de uma gravidez indesejada, principalmente quando o seu abusador é alguém da família ou amigo próximo.
Este artigo tem o objetivo de expor que a lei para combater esses casos já existe e prevê situações, porém, por algum motivo é ineficaz. Também tem o objetivo analisar a figura do abusador, sua posição na vida da vítima e a necessidade de um tratamento adequado para o mesmo.
Para entendimento desse artigo, é necessário compreender que essa questão do estupro acontece todos os dias no nosso país, e que muitas vezes não chega ao conhecimento das autoridades pela dificuldade que uma criança tem de, primeiramente, entender que o que aconteceu foi uma relação sexual sem consentimento, e após isso entender o que é uma gravidez, já que na maioria das escolas (públicas e privadas), a educação sexual não é uma matéria ou orientação obrigatória.
Diante ao exposto, também é necessário citar que é dever de todos, ou seja, da família, da sociedade e do Estado, assegurar os direitos previstos em lei que protegem, ou deveriam proteger esses infantes. Tais direitos estão assegurados na Constituição Federal de 1988, na Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Posteriormente, é necessário abordar a atual tipificação de Estupro de Vulnerável, instituído pela Lei 12.015/09, onde se tutela a dignidade sexual das pessoas em situação de vulnerabilidade. Neste artigo, é feita somente a análise desses vulneráveis, em relação a faixa etária, ou seja, menores de 14 anos. Também é de suma importância citar o artigo 128 do Código Penal, onde prevê o aborto em casos de incapaz, no inciso segundo.
Em seguida, deve ser analisado o agressor sexual infantil, e até que ponto isso interfere na dificuldade que a vítima tem de denunciar o estupro, e até mesmo de ter o acesso ao aborto, que lhe é de direito. Também é importante analisar a classificação que esse agressor recebe, já que muitas vezes todo agressor sexual infantil é taxado como pedófilo, e tal termo é usado incorretamente.
Por fim, o último capítulo demonstra o objetivo final desse artigo, que seria voltar a atenção para o número de casos de estupro de menores de idade que resultam em gravidez no Brasil, mesmo que a lei exista para a proteção desses indivíduos.
2. O crime de estupro de vulnerável
O presente artigo tem o objetivo de analisar os motivos que fazem uma criança ou adolescente a não ter acesso aos seus direitos de aborto diante de um estupro. Para isso, é necessário entender o início desse delito, onde começa esse problema, que é o crime de estupro de vulnerável. No artigo 227-A do Código Penal Brasileiro, disponível no site do Senado, indica que o estupro de vulnerável é aplicado à toda pessoa que praticar conjunção carnal ou ato libidinoso com um menor de 14 anos de idade, sendo punido com pena de reclusão de 8 (oito) à 15 (quinze) anos.
Mesmo tendo a consciência de que esse grupo é o mais vulnerável, só em 1988, com a promulgação da Constituição Federal, através de seu artigo 227, marcando a mudança da Doutrina da Situação Irregular, onde esses jovens eram vistos como meros objetos de intervenção do Estado, sem haver diferença entre um jovem em situação de carência, abandono ou delinqüência, para a Doutrina de Proteção Integral onde isso mudou, quando esses infantes passaram a ser sujeito de todos os direitos universalmente reconhecidos e merecedores dessa proteção.
Diante disso, o artigo 227 diz que, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” (BRASIL, 2017)
Para que esses direitos citados na lei tivessem garantia de efetivação, foi necessária a elaboração de um instrumento legal, foi quando nasceu a Lei Federal nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que garantiu aos menores de 18 anos seus direitos fundamentais especiais e específicos, como direito à vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade, convivência familiar e comunitária, educação, cultura, esporte, lazer, profissionalização e proteção do trabalho, devendo ser universalmente reconhecidos.
Desse modo, crianças e adolescentes passaram a ser elementos de proteção integral, com tratamento jurídico de certa forma diferenciado, gerando consequentemente responsabilidade á família, á sociedade e ao Poder Publico, de garantir seus direitos. Em relação á isso, o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que: “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” (BRASIL,1990)
É importante citar também, que o artigo 2º do Estatuto considera criança, a pessoa até doze anos de idade incompletos e adolescentes aquela entre doze e dezoito anos de idade. Além disso, na Constituição Federal e no ECA, foi previsto a proibição de qualquer prática lesiva ao desenvolvimento desses indivíduos, como está descrito nos seguintes artigos:
Estatuto da Criança e do Adolescente
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art.227
4º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
Diante disso, pode-se dizer que o ECA garante a proteção de todas as crianças e adolescentes, independente de sua classe, cor, raça, ou etnia, classificando os mesmos como indivíduos indefesos que necessitam que os responsáveis a sua volta garantam sua proteção.
Mesmo assim, a realidade é que, na maioria dos casos de estupro de menor de idade, de acordo com a publicação do site Projeto Colabora com o título “Filhos da dor- estupro e gravidez”, o agressor sexual está dentro do convívio familiar, o que torna a identificação desse crime muito complicada, pois quando acontece esse crime é notório o quanto a vítima fica sensibilizada, em muitos casos até em estado de choque, sem saber como reagir. Quando se trata de uma criança, pode-se dizer que a situação se agrava muito.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (1999), o abuso sexual infantil é conceituado como “todo e qualquer envolvimento de uma criança em uma atividade sexual na qual não compreende completamente, já que não está preparada em termos de desenvolvimento.” É claro que casos de estupro em menores de idade ocorrem em todas as classes sociais, porém é inegável que a maior porcentagem desses casos se encontra em famílias de classe mais baixa.
3. O agressor sexual infantil.
Diante do crime que está sendo analisado, é de suma importância reforçar sobre a peça chave de tudo isso, o agressor sexual infantil. Atualmente no Brasil, em uma grande porcentagem dos casos, o estuprador está dentro da casa da vítima, ou é um amigo próximo de família. Em relação á pena, a figura do crime de estupro contra vulnerável é prevista em outro tipo penal, descrito no artigo 217-A, criado pela Lei 12.015/2009.
“Estupro de vulnerável”
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
A lei prevê no artigo 128 do Código Penal que:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: (Vide ADPF 54)
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Portanto, pode-se dizer que o direito da incapaz está assegurado no inciso II do artigo 128 do Código Penal, quando é citado que caso ocorra gravidez com a menor, seus representantes legais são responsáveis. Porém, o que acontece na realidade, é que em parte considerável desses casos, o representante legal é o próprio abusador, o que muitas vezes dificulta que o outro representante legal ou familiares e amigos tomem a iniciativa de denunciar.
Diante disso, e de acordo com a pesquisa “Estupro e gravidez de adolescentes no Brasil: características e implicações na saúde gestacional, no parto e no nascimento”, coordenada por Maria de Fátima Marinho, diretora do Departamento de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, do Ministério da Saúde, chega-se a conclusão de que mesmo que os números de estupro de vulnerável seja muito alto hoje no país, a verdade é que muitos dos casos não chegam as autoridades, pelo simples fato de que a vítima obviamente se vê com diversos motivos para não efetuar a denúncia, ou muitas vezes nem sabe como deve agir.
Outro ponto importante a ser analisado, é a raça e a classe social onde está identificado um maior número de estupro infantil. O site Alma Preta, já conclui isso no título da matéria, “Crianças negras são as maiores vítimas de estupro de vulnerável no Brasil”, e segue com o subtítulo “Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), esse grupo corresponde a 50,9% das vítimas e ainda há subnotificação (...)”.
Ainda baseado na publicação do site Projeto Colabora “Filhos da dor- estupro e gravidez”, o artigo cita a fala de Maria de Fátima para a pesquisa do Ministério da Saúde, onde a mesma afirma que nos hospitais públicos há um maior controle das notificações de nascidos vivos, por serem as unidades mais procuradas por pessoas de classe baixa, já que uma família de classe média ou classe alta tem maior facilidade de esconder uma gravidez.
Desse modo, é notório que o maior problema da criança diante de um estupro, é seu abusador, já que esse indivíduo muitas vezes está infiltrado em seu lar, dificultando que a vítima tenha coragem primeiramente de entender o ocorrido, e depois de contar aos que convivem com ela sobre o que aconteceu.
Também é válido citar que quando esse abuso ocorre dentro de casa, a facilidade para reincidência do ato é muito maior. Portanto, quando uma criança chega em uma unidade de saúde, ou em outro órgão de apoio, é provável que a mesma já tenha um longo histórico de abusos, que muitas vezes ocorre durante anos, até que aconteça uma gravidez e se torne impossível continuar escondendo.
4. O acesso ao aborto em caso de estupro para vítimas menores de idade.
Como já vimos anteriormente, o artigo 128 do Código Penal prevê o aborto em caso de estupro de vulnerável, porém é necessário se atentar para o real acesso que a vítima tem a esse direito. Pelo abusador sexual infantil ser, na maioria dos casos, de uma relação intrafamiliar, como também exposto anteriormente, a vítima na maioria das vezes se vê sem forma de agir.
Em agosto de 2020, um caso no Recife teve atenção de todo o país, quando uma menina de 10 anos se apresentou em uma unidade de saúde já com 22 semanas de gestação, que é o prazo máximo para efetuar o aborto em caso de estupro. A infante relata que era estuprada desde os 6 anos de idade, pelo tio, e demonstrava pavor quando era falado em manter a gravidez, de acordo com o site EL PAÍS.
“Assim, há dois bens jurídicos (a vida do feto e da genitora) postos em perigo, de modo que a preservação de um (vida da genitora) depende da destruição do outro (vida do feto). O legislador optou pela preservação do bem maior, que, no caso, é a vida da mãe, diante do sacrifício de um bem menor, no caso, um ser que ainda não foi totalmente formado. (…) O legislador cuidou, assim, de criar um dispositivo específico para essa espécie de estado de necessidade, sem, contudo, exigir o requisito da atualidade do perigo, pois basta a constatação de que a gravidez trará risco futuro para a vida da gestante, que pode advir de causas várias, como, por exemplo, câncer uterino, tuberculose, anemia profunda, leucemia, diabetes”. (CAPEZ, 2020, p. 200)
Para poder chegar no ponto do aborto, vale começar pela capacidade que uma criança de até 14 (catorze) anos tem para entender o que é uma relação sexual, já que pela lógica, até então não teve nenhuma experiência de cunho sexual. Também é importante falar sobre a incapacidade que a vítima tem de compreender que essa mesma relação sexual foi contra a sua vontade, e que isso é algo negativo. Após isso, ainda tem a fase final, que seria a coragem e o modo de notificar seus parentes e responsáveis.
Quando uma criança tem que lidar com a situação do abuso sexual ou estupro, se é o caso de um infante que nunca teve contato com a vida sexual, ela está conhecendo ali sua primeira experiência sobre uma coisa que refletirá em sua vida para sempre. Portanto, deve-se ter em mente que mesmo que esse menor tenha todo apoio possível, ainda assim o evento do estupro, e em alguns casos da gravidez resultado de estupro, deverá causar um trauma para o resto de sua vida. Tal trauma é bem detalhado no artigo “Trauma psíquico e abuso sexual: o olhar de meninas em situação de vulnerabilidade”, da Universidade Federal de Santa Maria – RS, publicado pelas alunas Dorian Mônica Arpini, Aline Cardoso Siqueira e Sabrina Dal Ongaro Savegnago, publicado em 2012.
Há alguns meses, no Brasil, foi publicado no “Diário Oficial da União”, pelo Ministério da Saúde, uma portaria que altera o procedimento padrão a ser adotado por médicos e profissionais de saúde ao atender vítimas que estão com uma gravidez em processo, e querem abortar por essa concepção ser resultado de um estupro. Mesmo que nesse caso o aborto seja permitido por lei, a nova regra é que a equipe médica deve relatar o crime para á autoridade policial.
Esse relato deve acontecer independente da vontade que a vítima tem de registrar uma queixa, ou até mesmo de identificar o agressor, porém de qualquer forma deverá responder á um questionário sobre o ocorrido, e assim será aberto uma investigação para comprovação do crime. Caso o crime não seja comprovado, a gestante responderá pelo crime de aborto e falsidade ideológica.
Analisando o exposto, presume-se a concordância de que uma vítima menor de idade, que muitas vezes ainda está vivenciando a infância, não tem idéia da real burocracia que isso envolve. Se soubesse, provavelmente esses detalhes aumentariam o medo da denúncia, já que independente de sua vontade, ela deverá expor e provar o crime para ter direito a interrupção da gravidez.
Outro ponto que deve ser analisado é o cenário que a maioria dessas vítimas vivem. De acordo com Maria de Fátima, que coordenou a pesquisa para o Ministério da saúde - “Estupro e gravidez de adolescentes no Brasil: características e implicações na saúde gestacional- no parto e no nascimento”-, é muito comum nos casos em que a infante é estuprada pelo pai ou pelo padrasto, que a mãe da mesma também sofra algum tipo de violência, geralmente doméstica, e já tenha o costume de se sentir coagida pelo autor do crime. Portanto, o que acontece repetidamente, é a progenitora ter conhecimento do estupro e da gravidez, e optar por esconder a situação.
Em outros casos, acontece também da vítima dar sinais ou ter coragem de notificar o crime para alguém da família que não seja a própria mãe, e essa pessoa se evadir da sua obrigação de proteção á criança, por medo das conseqüências diretas ou indiretas. Dessa forma, é comum que a infante se sinta desencorajada de recorrer á outro indivíduo para relatar sobre o fato ocorrido.
A questão do erro sobre o responsável omitir sobre a gravidez da infante, está ligada justamente a obrigação que os mesmos tem de proteger a criança e permitir o aborto, no caso de menores de idade.
Desta forma, é importante relembrar que o aborto, de acordo com o site da Defensoria de São Paulo e de acordo com a lei, em casos de violência sexual só será permitido até a 20ª semana de gestação, podendo ser estendido até 22 semanas, desde que o feto tenha menos de 500 gramas. Portanto, é de suma importância que a vítima tenha capacidade de reagir desde o início da gestação, para que esse direito seja garantido, e ela não seja forçada a manter a gravidez até o final, e cultivar para sempre um fruto desse crime.
5. A (in)eficácia da lei.
Diante de tudo que foi exposto, é notório que infelizmente a existência da lei que pune o estupro de vulnerável e dá a vítima o acesso ao aborto, por algum motivo tem sido ineficaz. Foi visto também que uma grande porcentagem dos casos de estupro acontecem dentro de casa, com familiares ou pessoas de confiança, o que geralmente facilita uma reincidência do ato.
Também é de conhecimento que a lei prevê o crime de estupro, no artigo 217-A do Código Penal, e na teoria pune o agressor sexual infantil e apoia a vítima caso esse crime resulte em uma gravidez precoce. Visto que o Estatuto da Criança e do Adolescente também tem leis que visam a proteção desses infantes, nos resta a dúvida: porque ainda existem tantos casos de estupro e gravidez infantil, que crescem consideravelmente a cada ano que passa?
Acredita-se que, tudo se inicia quando uma criança no Brasil não tem acesso a educação sexual nas escolas e dentro de casa. Mesmo que não haja a necessidade dos pais conversarem sobre o ato sexual com seus filhos de até 14 anos, é imprescindível que seja ensinado a eles o que podem aceitar de conhecidos e estranhos e o que não pode ser aceito, ou no mínimo notificado aos pais. Eles devem saber independente da forma que os pais queiram ensinar, a diferença entre carinho e assédio sexual.
Em uma pesquisa publicada pelo DATAFOLHA, de 2019, 54% da população brasileira disse ser favorável à educação sexual nas escolas. Nas escolas do Brasil, geralmente na matéria de biologia, é passado aos alunos em algumas páginas como é realizada a reprodução humana, e em alguns casos como devemos nos proteger de doenças sexualmente transmissíveis (DST’S), o que claramente não é suficiente.
Não deve haver receio dos professores, de ensinar desde cedo para os alunos que uma relação sexual só deve acontecer caso haja consentimento de ambas as partes, e que caso haja alguma situação em que eles se sintam forçados a algo, essa situação deve ser noticiada para a mãe ou o pai, ou caso um desses esteja envolvido no ato, deve ser escolhido alguém de plena confiança da criança, podendo ser até mesmo o próprio professor.
É de suma importância que um infante que pode vir a ser uma vítima de estupro e consequentemente de uma gravidez precoce, saiba que a lei existe para apoiá-lo caso ele se encontre nessa situação e quem ele deve procurar para ajudá-lo a assegurar esses direitos. Se a vítima tiver capacidade de agir desde o começo, haverá uma probabilidade muito menor de que ela chegue ao hospital somente na hora do parto, perdendo assim o direito do aborto, por não ser mais o momento permitido para o ato.
Dito isso, será que pode-se culpar a ineficácia da pena por ainda ocorrerem tantos casos de aborto por gravidez causada por estupro? Tendo em vista a ineficácia da prisão e também das medidas de segurança para o pedófilo e devido ao elevado índice de casos de prática sexual contra crianças e adolescentes, está sendo analisada na câmara sob o projeto de Lei 4550/20 que obriga os órgãos de segurança pública a garantir a integridade física, a privacidade e as liberdades de locomoção e de manifestação da vontade de vítimas de estupro que decidirem pelo aborto legal no País.
O projeto prevê também que a justiça deverá priorizar o julgamento de pedidos para a interrupção da gravidez de crianças ou adolescentes. O texto tramita na Câmara dos Deputados.
No Brasil, com a falta de outras alternativas de controle social, o Estado responde a criminalidade com o encarceramento. Porém, o que acontece é que, devido aos anos de aprisionamento não favorecer o preso em nada, quando o mesmo se encontra livre, dificilmente terá formas legais de se manter. Tendo que haver assim, uma grande mudança em seu caráter e modo de pensar, para que ele saia da prisão e mude totalmente de vida sem nenhuma ajuda do Estado.
Também devido ao aprisionamento ser a única forma de controle social para este tipo de crime, o cidadão conhece a realidade do país, onde o sistema carcerário vive um verdadeiro caos, e acaba não tendo condições de penalizar todos os crimes que ocorrem no país. Talvez essas condições acabem fazendo com que o indivíduo pense que tem a chance de não ser penalizado pelos seus atos.
Portanto, conclui-se que a ineficácia da lei existe por múltiplos fatores que se iniciam desde a educação e orientação que a criança recebe para agir em situações indevidas, até ao modo como o agressor sexual infantil se sente ameaçado de receber uma devida punição sobre seus atos. A educação sexual para esses infantes é de suma importância para que uma menina até seus 14 (catorze) anos de idade saiba exatamente até onde vão seus direitos de aborto em caso de estupro, para que medidas sejam tomadas dentro do tempo certo.
6. Conclusão
Atualmente no Brasil, o crime de estupro contra vulneráveis é um grande problema para a sociedade e para a saúde publica. Quando esse estupro resulta em uma gravidez precoce, o problema se agrava pelo fato de que é um resultado a longo período, caso essa gravidez não seja interrompida, como a lei prevê.
Pesquisas apontam que existem sim, classes e raça onde há maior incidência de gravidez resultado de estupro em menores de idade, porém isso não diminui a problemática do crime. É importante que a sociedade e a lei se atente para esses casos que vem crescendo a cada dia que passa, pois a criança e o adolescente são os indivíduos mais vulneráveis do nosso meio, e estarão mais vulneráveis ainda casos os responsáveis não se esforcem para mudar essa realidade.
Uma criança de até 14 (catorze) anos hoje em dia não apresenta a menor capacidade de lidar com um estupro, muito menos com uma gravidez indesejada. Boa parte dessa incapacidade se deve ao que lhes é ensinado desde cedo, já que a maioria das escolas do país não tem educação sexual como uma matéria obrigatória e muitas famílias não tem essa conversa por medo, vergonha ou conservadorismo.
Algo que com certeza prejudica muito a situação dessas crianças é o fato de que em grande porcentagem dos casos, o agressor sexual infantil está dentro de casa, sendo muitas vezes seu responsável ou alguém de confiança. Mesmo que a criança tenha coragem de notificar alguém da família, muitas vezes essa pessoa também deixa de agir por medo ou por conveniência, e assim a vítima se sente impotente diante a situação.
Como na maioria dos casos o estupro é algo recorrente, em alguma das situações pode ocorrer a gravidez indesejada, causando assim um impacto maior ainda na vida da infante, que por ser muito nova, quase nunca tem conhecimento de seus direitos.
A lei prevê que o aborto em caso de estupro de vulnerável é permitido desde que a gestação esteja na vigésima semana, ou na vigésima segunda dependendo do peso do feto. Desse modo, a vítima de estupro deve notificar uma unidade de saúde ou autoridade policial, até esse momento da gestação.
A partir do momento em que é feita a queixa do crime, a gestante, para ter acesso ao seu direito de aborto, não tem outra opção que não seja fazer um relatório completo do que ocorreu, para a autoridade ou para seus responsáveis (para que os mesmos relatem a autoridade), e a partir de então colaborar com toda a investigação, que deve obrigatoriamente comprovar a ocorrência do crime, caso contrário a gestante será punida.
Desta forma, percebe-se o quanto todo o caminho do estupro até o aborto legalizado é no mínimo desgastante para a vítima, que no caso estamos tratando de vulneráveis (criança de até 14 anos). Infelizmente, é normal encontrar relatos de vítimas que admitem não ter tido nenhum apoio, principalmente psicológico, para enfrentar esse caminho.
Por fim, conclui-se que com certeza o principal problema do crime de estupro, que pode resultar em gravidez, está no agressor sexual infantil, que muitas vezes se mostra disfarçado de protetor ou amigo, dificultando que o crime seja descoberto e consequentemente sua prevenção. Percebe-se também, que pelo caos carcerário que o Brasil encontra, e pela ineficácia da lei que ocorre com freqüência, o agressor muitas vezes não se sente ameaçado pelo crime que comete, até mesmo por saber que o máximo que lhe acontecerá como punição é o aprisionamento, que nesses casos é temporário.
7. Referências
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial. Vol.2. São Paulo: Saraiva, 2020.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. São Paulo: Saraiva, 2011.
BARONE, Isabelle.Estupro e aborto: como uma boa educação sexual poderia ajudar a prevenir o abuso de crianças. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/educacao/estupro-e-aborto-como-uma-boa-educacao-sexual-poderia-ajudar-a-prevenir-o-abuso-de-criancas. Acesso em: 08/05/2021
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm#:~:text=Toda%20crian%C3%A7a%20ou%20adolescente%20tem,pessoas%20dependentes%20de%20subst%C3%A2ncias%20entorpecentes. Acesso em: 22/03/2021
BRASIL. Decreto n 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Código penal brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm . Acesso em: 07/03/2021
BRASIL. LEI Nº 12.015, DE 7 DE AGOSTO DE 2009. Código Penal Brasileiro. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12015.htm. Acesso em: 03/03/2021
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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 07/03/2021
BRASIL. LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Dispõe sobre o estatuto da criança e do adolescente e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm#:~:text=Art.%204%C2%BA%20%C3%89%20dever%20da,e%20%C3%A0%20conviv%C3%AAncia%20familiar%20e. Acesso em: 22/03/2021
Direitos reprodutivos: “Aborto legal”. Disponível em: https://www.defensoria.sp.def.br/dpesp/repositorio/0/AbortoLegal%20(5).pdf . Acesso em: 23/04/2021
JÍMENEZ, Carla. Menina de 10 anos violentada faz aborto legal, sob alarde de conservadores á porta do hospital. Disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2020-08-16/menina-de-10-anos-violentada-fara-aborto-legal-sob-alarde-de-conserdores-a-porta-do-hospital.html. Acesso em: 08/05/2021
MARINHO, Rosane. Filhos da dor: quase duas mil crianças engravidaram após estupro. Disponível em: https://projetocolabora.com.br/ods3/filhos-da-dor-estupro-e-gravidez. Acesso em: 10/05/2021
SIMÕES, Nataly. Crianças negras são as maiores vítimas de estupro de vulnerável no Brasil. Disponível em: https://almapreta.com/sessao/cotidiano/criancas-negras-sao-as-maiores-vitimas-de-estupro-de-vulneravel-no-brasil . Acesso em: 10/05/2021
SOUZA, Murilo. Projeto aumenta pena para estupro de vulnerável e cria garantias ao aborto legal. Disponível em: https://www.camara.leg.br/noticias/708568-projeto-aumenta-pena-para-estupro-de-vulneravel-e-cria-garantias-ao-aborto-legal/. Acesso em: 08/04/2021
Bacharelanda do curso de Direito na Universidade Católica do Tocantins
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BERNI, Beatriz. Aborto resultado de estupro em vítimas menores de idade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2021, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56571/aborto-resultado-de-estupro-em-vtimas-menores-de-idade. Acesso em: 22 dez 2024.
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