NAYANNA TEREZA FERREIRA CALDAS[1]:
(coautora)
ROSALIA MARIA CARVALHO MOURÃO [2]
(orientadora)
Resumo: O abuso sexual é um tipo de violência cometida por adultos contra crianças e adolescentes, onde eles se utilizam de força física ou manipulação para satisfazer lascívia própria e esta pode ocorrer de duas formas: intrafamiliar e extrafamiliar. O livro “Os testamentos de Margaret Atwood” relata de forma evidente os abusos e uma série de violações aos direitos das crianças e dos adolescentes. Neste contexto, este estudo tem como objetivo principal alertar sobre esta forma de violência sofridos por crianças e adolescentes e prevenir o abuso sexual diminuindo o impacto que este ocasiona na vida da vítima. Para tanto, fora realizada pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva na qual utilizaram-se estudos científicos, doutrinas e livros, em especial: Os Testamentos de Margaret Atwood, que enfatizam a cerca do abuso sexual sofrido pelas crianças e adolescentes. Portanto, é imprescindível a relevância em decorrência das reiteradas violações aos direitos das vítimas través do abuso sexual e os danos psicossociais causados por estes.
Palavras-chave: Violência intrafamiliar e extrafamiliar, abuso sexual, direito e literatura.
Abstract: Sexual abuse is a type of violence committed by adults against children and adolescents, where they use physical force or manipulation to satisfy their own lust and this can occur in two ways: intrafamily and extrafamily. The book “The wills of Margaret Atwood” clearly reports abuses and a series of violations of the rights of children and adolescents. In this context, this study's main objective is to warn about this form of violence suffered by children and adolescents and to prevent sexual abuse by reducing the impact it causes on the victim's life. To this end, bibliographic research with a deductive approach was carried out in which scientific studies, doctrines and books were used, in particular: Margaret Atwood's Wills, which emphasize the sexual abuse suffered by children and adolescents. Therefore, relevance is essential as a result of repeated violations of the rights of victims through sexual abuse and the psychosocial damage caused by them.
Keywords: Intrafamily and extrafamily violence, sexual abuse, law and literature.
Sumário: Introdução. 1. Direito e Literatura 1.1 Resumo da Obra 2. Abuso Sexual Intrafamiliar e Extrafamiliar 3. A Evolução Histórica do Direito de Família e do Estatuto da Criança e Adolescente 4. Sob a Luz da Obra “Os Testamentos” quais reflexos trazidos pelo Abuso a Vida das Vítimas 4.1 Agressão e Silêncio, como identificar agressores em potencial? 5. Quais Medidas Repreensivas podem ser tomadas contra o Agressor, sob a Luz do Código Penal e ECA 6. Quais Medidas Preventivas podem ser tomadas? Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente estudo irá abordar o abuso sexual intrafamiliar e extrafamiliar como uma forma de violência que revela dominação constrangimento, intimidação e aliciamento. O abuso sexual infantil é frequentemente praticado sem o uso da força física, sendo assim, deixando pouquíssimas evidências, dificultando sua constatação, sobretudo, quando se trata de crianças menores de cinco anos. O abuso sexual são atos praticados que podem ser caracterizados por envolver contato sexual com ou sem penetração. Ocorre que na família, onde deveria ser o local de segurança das vítimas o que seria o espaço “perfeito” para o progresso de crianças e adolescentes, acaba por se tornar um local de angústia, desespero e sofrimento, violando os direitos fundamentais destes como no caso da prática de abuso sexual intrafamiliar.
Por conseguinte, a nossa legislação brasileira em diversos dispositivos legais, tais como: Estatuto da criança e do adolescente, Constituição Federal de 1988, Código Penal, trazem um rol de medidas de proteção, tendo em vista resguardar as crianças e os adolescentes que forem vítimas, como, por exemplo o desligamento do abusador do lar. Entretanto, verificou-se, por meio de leituras acerca da temática e de obras literárias, que crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual intrafamiliar e extrafamiliar, tem dificuldades para relatar as violências sofridas, isso ocorre, pois geralmente o abusador é alguém próximo ou da família, o que causa na criança sentimento de constrangimento, vergonha e culpa.
É comum que a criança ou adolescente não reconheça como violência o abuso sexual que vem sofrendo, pois pode entender como forma de carinho. Como se trata de uma situação sexual, a criança pode levar algum tempo para se dar conta de que aquilo não deveria acontecer. No livro, Os Testamentos de Margaret Atwood, Becka e Agnes relatam alguns sentimentos em relação aos seus agressores. Isso é comum em crianças e adolescentes vítimas de abuso, principalmente quando são pessoas próximas que elas confiavam e sentiam carinho, como é o caso de Becka, que é filha do Dr. Grove e é abusada desde os 04 anos de idade, e sua amiga Agnes que é assediada pelo mesmo homem, que é muito conhecido da família, inclusive a acompanha em seu consultório odontológico desde a vinda dela para a casa do comandante Kyle.
Crianças atacadas por pessoas conhecidas são as mais amedrontadas e as que mais se calam. Geralmente, sofrem ameaças (“Se você contar para alguém, eu mato seus pais.”) e acabam não contando nada para ninguém, e, quando o fazem, ainda correm o risco de serem acusadas de mentir, fantasiar desde então, menores de idade vítimas de abuso têm um prazo de vinte anos para denunciar o crime a partir do momento em que se completam dezoito anos, e não mais a partir do fato. Mesmo assim, poucas mulheres fazem essa denúncia tardia. (ARAÚJO, 2020, p. 14)
Apesar de se tratar de uma obra literária, é algo que acontece frequentemente em muitos lares brasileiros, tendo consequências danosas às vítimas. Com isso, deve se entender que toda forma de relação sexual que venha a ocorrer entre um adulto e uma criança é chamado de abuso sexual. Esse termo significa que houve uma violação sexual sem o consentimento da outra parte, essa violação pode ocorrer de formas variadas, ou seja, existem vários tipos de abusos sexuais.
O estupro é o mais grave deles, onde o autor para satisfazer seus desejos sexuais utilizam a violência física ou psicológica. Segundo a legislação brasileira, o estupro é dividido em duas categorias, que ocorre quando a vítima é maior de quatorze anos e o chamado estupro de vulnerável que é definido quando a vítima é menor de quatorze anos, nesse caso, mesmo que haja o consentimento é considerado crime, com amparo no art.217-A do código penal.
Ainda sobre a obra Os testamentos de Atwood é utilizada como base para retratar esse assunto tão necessário, pois o abuso sexual aconteceu e continua acontecendo no século XXI. Onde os dados divulgados são alarmantes e esse assunto muitas vezes não tem a atenção que deveria. O livro traz diversas questões que demonstram o quanto a mulher, principalmente crianças e adolescentes são vítimas de uma sociedade machista e patriarcal, em que as vítimas não têm voz e são obrigadas a conviver com as agressões, o medo, a culpa, isto ocorre tanto na obra literária analisada quanto na realidade brasileira.
1 DIREITO E LITERATURA
A literatura é de suma importância para o direito, pois essa conexão é muito mais vasta do que imaginamos, inclusive, com muitos pontos em comum. A literatura trabalha as relações humanas e sociais, a interface do Direito com a literatura traz esse olhar humano para o direito, reunindo as leis que regulamentam a sociedade, e o desempenho da sociedade.
De acordo com Antônio Candido (1989, p.122): “A literatura corresponde a uma necessidade universal que deve ser satisfeita sob a pena de mutilar a personalidade, porque pelo fato de dar forma aos sentimentos e à visão do mundo ela nos organiza, nos liberta do caos e, portanto, nos humaniza”
Pois bem, é necessário mencionar que os direitos humanos são vistos com implicância por algumas pessoas, que afirmam que estes são apenas para “marginais”, “bandidos”, e é necessário a intervenção da literatura pois a mesma transmite conhecimentos, mostrando através das obras literárias que o Direito não é apenas a mera aplicação de leis, trabalha com o desenvolvimento da empatia, a reflexão sobre a condição humana e que todos cidadãos independentes de terem cometido crime ou não são possuidores de direitos humanos e devem tê-los resguardados, apesar do cometimento de crimes ou atos infracionais. É necessário entender quem são os sujeitos, pois é importante para se compreender melhor o direito.
O direito e a literatura juntos formam um cidadão sensato e prudente, com equilíbrio e um olhar humanizado. Portanto, a obra Os testamentos de Margaret Atwood, busca uma reflexão a partir do estudo do Estatuto da Criança e do Adolescente. A obra em estudo não está sob a perspectiva do ECA, porém, as situações enfrentadas pelas crianças, principalmente as do sexo feminino, continuam sendo uma realidade atual e que perpassa nossa legislação.
Na obra em análise observa-se relatos de situações vividas por crianças e adolescentes do sexo feminino, sofrendo com abusos sexuais e tendo que lidar com o casamento infantil, e retrata bem a sociedade patriarcal, opressora e com fanatismo religioso. Para dar conta de um problema tão grave e complexo como o abuso sexual, há a necessidade de uma rede articulada de serviços e programas, que possa oferecer suporte adequado às vítimas e suas famílias. Pois, apesar de hoje ter o Estatuto da Criança e do Adolescente o que se observa, na prática, é o elevado número de crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais e o acontecimento da união estável de adolescentes no Brasil.
A idade núbil é de 16 anos, mas o que acontece, é que principalmente longe dos centros urbanos, meninas de 12 a 14 anos vivem em união estável. Portanto, é necessário que o Estatuto da criança e do adolescente oriente mais o plano da prevenção, minimizando assim os incontáveis prejuízos dessa violência que vitimiza tantas crianças e adolescentes e que se repete no decorrer das gerações. É importante abordar diretamente as crianças para falar sobre abuso sexual, a literatura já demonstrou que crianças que passam por programas de prevenção apresentam maior conhecimento sobre abuso sexual do que aquelas que não participaram.
Em “Os testamentos de Margaret Atwood”, observa-se que aqueles que deveriam protegê-las, a própria família, causam danos irreparáveis, como é o caso da Becka que é abusada sexualmente pelo pai. Nesse caso a violação dos direitos da criança e do adolescente se dá dentro do próprio ambiente familiar iniciando-se assim o que é conhecido como violência intrafamiliar.
O estudo da obra literária, procura trazer uma reflexão para os direitos que foram violados, com um olhar na família da criança e adolescente, onde ela cresceu, para que no futuro não traga danos à tornando no futuro em uma abusadora em potencial.
A obra retrata uma série de direitos violados pela República de Gilead, mesmo assim, se destaca a forma de como as mulheres são tratadas, vítimas de abuso sexual, e tendo que iniciar a vida sexual ainda na infância.
Em uma passagem da obra, Agnes uma adolescente que frequenta a escola de Gilead, onde a educação é voltada para religião e para os afazeres que elas teriam quando se tornassem Esposas, como o bordado e jardinagem, diz: “o corpo da fêmea adulta era uma grande arapuca. Se houvesse um buraco, com certeza algo seria enfiado nele e depois outra coisa sairia dele [...] acabei sentindo que estaria melhor sem ele” (ATWOOD, 2019, p.95).
1.1 Resumo da obra
Na obra “Os testamentos, de Atwood”, encontramos um enredo importuno, as crianças são criadas em um sistema que não lhes atribui voz, sendo impossível reportarem qualquer tentativa de assédio ou estupro, na sociedade de Gilead as mulheres adultas e crianças são ensinadas a cobrirem todo seu corpo, pois um fio de cabelo pode induzir ou seduzir homens para que tenham atos e pensamentos pecaminosos, o medo é enraizado no meio social das mulheres e crianças, mesmo sendo uma obra fictícia a autora garante que em algum lugar do mundo, aquilo já aconteceu, não importa a época, inclusive a obra faz menção aos casamentos de crianças, como no caso de Maomé, profeta que chegou a ser casado com uma criança de 9 anos.
O livro entrelaça a vida de quatro pessoas; Testemunha 369A que é Agnes Jemima, uma jovem que aos 13 anos se ver em desespero ao ser levada a preparação de seu casamento com um homem, de idade avançada, mais tarde, Agnes vira Tia Victoria, pois diz que foi guiada para um chamado maior, que é ser Tia, no Ardua Hall, na tentativa de não se casar com o comandante Judd.
A outra personagem é Becka, que estuda junto com Agnes. Na escola são ensinadas a como serem donas de casa e esposas. Becka tem um comportamento retraído e pouco contato com outras pessoas e também se ver em desespero ao ter que casar ainda na infância, no decorrer da obra, descobrimos que Becka é abusada sexualmente por seu pai, Dr. Grove, desde os 4 anos de idade. Ela tenta suicídio para que seja dispensada do casamento, em busca de uma solução mais viável que é ser Tia e não ter relação com homem algum. Becka, também tem seu nome trocado na obra, para Tia Immortelle.
No livro, tem a chegada de Dayse (testemunha 369B) uma adolescente de 16 anos que vive no Canadá e não segue o regime de Gilead. Depois da morte de seus supostos pais, Neil e Melaine, descobre que anteriormente se chamava Nicole (bebê Nicole) e foi retirada de Gilead, por seus pais biológicos e o grupo Mayday em busca de uma vida melhor.
A Tia Lydia tem papel fundamental na obra, pois ela junta provas contra o regime de Gilead desde sua fundação. Tia Lydia era uma juíza da vara familiar, que no início do regime teve que escolher entre viver e tentar acabar com o regime ou morrer, e na obra relata todo sofrimento e abuso psicológico para se tornar a mulher que tinha poderes de comandar outras mulheres.
As tias, possuíam a função de ensinar as outras mulheres adultas e crianças o que deveriam fazer, ensinavam a serem esposas, aias e Martas. A obra “os Testamentos de Atwood” analisa também outras personagens e não apenas o foco nas aias, é mencionado as econoesposas, apenas citadas sempre como um pano de fundo de males maiores. Ou as marthas, empregadas que parecem não ter expressão senão uma falsa felicidade de cumprir seus deveres para com os lares de outros.
Na obra há uma introdução de uma nova categoria: as Pérolas que são as missionárias das ideias de Gilead. São enviadas ao Canadá e outros países para conquistar novos adeptos, mas subestimadas. E tal qual na realidade, a pouca consideração do poder feminino pode ser uma das melhores formas de resistência e subversão.
2 ABUSO SEXUAL INTRAFAMILIAR E EXTRAFAMILIAR
O abuso sexual é uma violação dos direitos sexuais e da intimidade, acontece quando a vítima é obrigada a realizar qualquer tipo de ato sexual sem o seu consentimento, esses atos podem ser, por exemplo: carícias indesejadas, sexo oral forçado, dentre outras tantas formas forçadas de violação sexual. O código penal trata desse tema nos chamados “crimes conta a dignidade da pessoa humana” que será debatido no decorrer deste artigo.
As vítimas mais frequentes são crianças e adolescentes que acabam sendo vistas pelo agressor como mais frágeis e mais vulneráveis a serem submetidas a tal situação, além disso há uma maior dificuldade de denunciar já que o ato geralmente vem acompanhado de ameaças que acabam intimidando a vítima, além de que na maioria das vezes ao contar elas são desacreditadas.
Esse tipo de violência pode ser intrafamiliar e extrafamiliar, a primeira ocorre quando a vítima é acometida do ato pelo abusador dentro do próprio seio familiar, que acaba tornando a situação ainda mais difícil para a vítima, que geralmente sofre violência psicológica, maus tratos, além de ter que lidar com isso sozinhas, na maioria dos casos permanecendo caladas e com medo por ser abusada por uma pessoa que vive no mesmo meio familiar.
Segundo Maria Ignez e Sônia Margarida (2012, p.17)
A violência intrafamiliar expressa dinâmicas de poder/afeto nas quais estão presentes relações de subordinação e dominação. Nessas relações, pais e filhos, de diferentes gerações, estão em posições opostas e assimétricas. No campo das relações familiares geradoras da violência, é preciso também considerar a desigualdade de poder entre homens e mulheres. Usualmente, são as mulheres que ocupam a posição subalterna nessas relações.
Já a violência extrafamiliar ocorre fora do domínio familiar, não há laços parentais, nem vínculo familiar, e a condição social acaba tendo uma parcela de culpa, pela situação de vulnerabilidade que a vítima se encontra, como se não bastasse todo o psicológico ser afetado, ainda tem que lidar com as mais variadas percepções das mães de vítimas, como no caso citado abaixo por De Antoni et al (2011, p.101):
A família é formada pelo casal e cinco filhos entre 13 anos e um ano e seis meses de idade. A mãe revela que sua mãe faleceu quando ela tinha quatro anos, e que viveu "jogada e rolando no mundo". Seu relato evidencia uma infância de muitas privações e de violência física. Aos 15 anos, engravidou de um rapaz, que não assumiu a filha; logo em seguida, casou-se com um primo, seu atual marido. O casal esteve desempregado, e recentemente o marido iniciou um trabalho como vigia noturno. No período em que ambos estavam desempregados, a mãe afirmou ter passado por dificuldades financeiras, e que, por vezes, não havia nenhum tipo de alimento para seus filhos, nem auxílio governamental para sobrevivência. Ela relata que pedia "dinheiro" para seu vizinho, cerca de R$2,00 para comprar carcaça de frango para fazer sopa. Sempre pedia para a filha, na época com 11 anos, levar o bilhete e trazer o dinheiro. O vizinho tinha mais de 70 anos e, de acordo com o relato dessa mãe, "era respeitado" na comunidade por ter condições financeiras melhores do que as dos demais moradores. Ela comenta que ele estaria envolvido com atos ilícitos, dos quais obtinha sua renda. Era constante essa prática de "ajudar" as vizinhas com dinheiro ou comida, principalmente as meninas, que iam em busca de doces, que ele sempre lhes oferecia quando o visitavam. A mãe eventualmente fazia limpeza ou lavava as roupas desse homem, atividades pelas quais era remunerada. A versão da mãe para a situação do abuso é a de que ela não sabia o que acontecia quando a filha ia buscar dinheiro ou doces. Revela que a menina contou para a diretora da escola que esse homem invadiu seu quarto à noite e a levou para sua casa, onde ocorreu o abuso, mas a mãe, inicialmente, não acreditou, pois julgava a filha "mentirosa". Somente acreditou no relato da menina após outras denúncias contra esse homem.
Deve ser levada em consideração uma análise completa do meio em que a vítima vive e quais os reflexos que esse meio traz para sua vida, a dinâmica familiar vai demonstrar as características do grupo familiar, o desenvolvimento e as problematizações que geram o abuso e porque a vítima é desacreditada no próprio seio familiar, onde devia haver proteção.
A obra Os Testamentos de Margaret Atwood traz situações com essas características, Becka é abusada sexualmente por seu pai e sua amiga Agnes foi assediada enquanto estava em consulta odontológica com o Dr. Grove, mas assim como em muitos casos reais não há amparo, não há a quem recorrer no seu próprio seio familiar.
3 A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO DE FAMÍLIA E DO ESTATUTO DA CRIANÇA E ADOLESCENTE
O direito de família surgiu após a revolução industrial, decorrente da evolução do conceito de família, que com o tempo foi se tornando uma entidade onde visavam a reprodução e a proteção de membros a partir do reconhecimento da entidade familiar, o direito da família foi reconhecido e tutelado por meio da constituição federal de 1988, que traz o princípio da dignidade da pessoa humana e visa uma sociedade igualitária promovendo o bem de todos.
O código Melo Matos foi o primeiro código brasileiro de proteção à infância e adolescência, onde foi fixado a menor idade em 18 anos e tinha um empenho na criação de abrigos e escolas. Já o código de menores de 1979, tinha um caráter repressivo e foi revogado a partir da vigência do estatuto da criança e do adolescente em 1990. A constituição de 1988, trouxe um sistema mais amplo e inovador, chamada de doutrina da proteção integral da criança e adolescente, tornando crianças e adolescentes como sujeitos de direitos. E finalmente em 1990 houve a promulgação do diploma legislativo dispensando a crianças e adolescente tratamento levando em consideração a sua condição de pessoa em peculiar desenvolvimento.
O ECA introduziu mudanças amplas e profundas nas políticas públicas direcionadas para a infância e juventude, por meio da adoção da doutrina de proteção integral, que inclui políticas integradas de saúde, educação, habitação, trabalho, lazer, profissionalização, consideradas como direitos de todos e dever do Estado (SOUZA; ADESSE, 2005, p.43)
Com isso, é necessário que as políticas públicas de assistência social sejam mais abrangentes, visto que esse é um fator que tem vastas implicações na vida dessas crianças, porque muitos abusos só correm porque ela precisa trocar o seu corpo em razão da sua necessidade, comercializando seu corpo e demonstrando a falha do Estado na garantia de direitos como prevê o Art. 5º do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990): “Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”.
Nesta vereda, o art 87, do ECA (BRASIL, 1990), contempla as políticas de atendimento dos direitos das crianças e dos adolescentes:
Art. 87. São linhas de ação da política de atendimento:
I - políticas sociais básicas;
II - serviços, programas, projetos e benefícios de assistência social de garantia de proteção social e de prevenção e redução de violações de direitos, seus agravamentos ou reincidências;
III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;
IV - serviço de identificação e localização de pais, responsável, crianças e adolescentes desaparecidos;
V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.
VI - políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes;
VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.
Imperioso destacar, que o supracitado artigo é feito através de um conjunto de ações governamentais e não-governamentais, que definem as atitudes que poderão ser tomadas dentro da política de assistência social promovendo assim a garantia de direitos. Essa política de atendimento é importante para visar a proteção social no enfrentamento ao abuso sexual.
É importante frisar que o abuso sexual também pode ser cometido por adolescentes para com crianças, tanto no âmbito intrafamiliar, quanto extrafamiliar, existem diversos casos em que o agressor é um menor infrator.
Sobre o abuso sexual cometido por Daniel, o menino (vítima) relatou na delegacia que quando tinha 9 anos, Daniel pediu pela primeira vez que tirasse a roupa e se sentasse no seu colo, ocasião em que introduziu o pênis em seu ânus. Daniel confirmou toda a acusação e afirmou que parou de fazer isso por causa da denúncia, pois estava “viciado” nessa “brincadeira”, perpetrada durante um ano. (COSTA, COSTA, CONCEIÇÃO, 2014, p.97).
É comum constatar que as vítimas normalmente estão inseridas em um contexto social desprivilegiado, que devido ao baixo poder aquisitivo, não possuem acesso a informação, possuindo pouca instrução, daí a necessidade do acesso à educação que tem o dever de informar sobre os sinais de abuso e abrir portas para que a vítima se sinta acolhida pra falar e assim tomar as medidas cabíveis para a intervenção no abuso sexual que ela está vivenciando.
4 SOB A LUZ DA OBRA “OS TESTAMENTOS” QUAIS REFLEXOS TRAZIDOS PELO ABUSO A VIDA DAS VÍTIMAS
A sociedade retratada em Gilead trata-se de um mundo distópico, onde as mulheres não têm direitos, são ensinadas e educadas para serem esposas, desigualdade de gênero, autoritarismo e além disso há uma questão cultural que resulta no medo e a subordinação entre as personagens femininas do livro. O que acontece no livro, infelizmente, ainda é muito atual, pois ocorre o abuso sexual intrafamiliar e extrafamiliar mesmo com uma legislação que pune os agressores e as vítimas sendo sujeito de direitos, não é somente a lei que irá resolver estes problemas, todos são responsáveis pela segurança física e afetiva como diz a Constituição Federal de 1988, (BRASIL, 1988) que traz uma responsabilidade social que visa a proteção e uma vida integra que preserve a vida:
Art. 227 CF: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
A obra demonstra os reflexos que o abuso sexual traz na vida das vítimas como o caso da Becka que é abusada sexualmente pelo pai desde os 04 anos, isso ocorre dentro do próprio seio familiar onde deveria ser protegida e acolhida, mas ao invés disso Becka sofre as consequências psicológicas, como a maioria das vítimas de abuso e acaba tentando o suicídio. O abuso sexual pode afetar o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social de crianças de diferentes formas e intensidade. E o livro demonstra os danos irreparáveis que a vítima sofre e que comprometem a formação da sua personalidade.
Quando começamos a aprender o estilo francês, Becka andava muito abatida. Seu casamento estava planejado para novembro. O escolhido já fizera a primeira visita a sua família. Ele fora recebido na sala, e conversara amenidades com o pai dela enquanto ela ficava ao lado calada e sentada – era este o protocolo, e esperava-se que eu fizesse o mesmo –, e ela dissera que ele lhe dava arrepios. Ele tinha espinhas e um bigodinho irregular, e tinha a língua branca. (ATWOOD, 2019, p.183).
É possível identificar o abalo psicológico na vida de Becka, que buscou o suicídio como última solução para os problemas que enfrentava com seu pai, Dr. Grove e com o casamento precoce, ainda em sua adolescência. Crianças e adolescentes podem desenvolver quadros de depressão, transtornos de ansiedade, alimentares e dissociativos, além de transtornos psicopatológicos, e podem apresentar alterações comportamentais, cognitivas e emocionais.
4.1 Agressão e silêncio, como identificar agressores em potencial?
Os efeitos da violência podem ser devastadores a vítima, sequelas para toda vida, como físicas, comportamentais, sexuais, sociais e principalmente psicológicas.
O abuso sexual deve ser considerado um fator predisponente a sintomas posteriores, como fobias, ansiedades e depressão, bem como envolvimento de um transtorno dissociativo de identidade, também conhecido com o transtorno de personalidade múltipla com possibilidade de comportamento autodestrutivo e suicida. (FEIFFER; SALVAGNI, 2005, p.203).
A literatura destaca a família como centro na formação da criança e adolescentes e sua influência para que ele venha a ter no futuro condutas violentas. Nesse caso o abuso sexual levou Becka a comportamentos extremos como tentativa de suicídio, distanciamento das pessoas e inclusive medo de se relacionar com outros homens, quando chega na idade de se casar, que em Gilead, se dá por volta dos 13 aos 15 anos.
Aos 20 anos uma jovem que não houvesse se casado ainda já seria malvista e não mais poderia optar pelo candidato a casamento que mais lhe agradaria. Becka causa uma série de danos a si para ser levada ao Ardua Hall, já que lá as moças são ensinadas a ser tias e não precisam casar (ATWOOD, 2019). “O mundo estava infestado de homens que com certeza achariam tentadora uma menina desencaminhada, essas meninas seriam vistas como mulheres de moral dúbia” (ATWOOD 2019, p.242)
Observa-se que há diversos efeitos de violências e consequências, levando muitas crianças e adolescentes a viverem em condições de vulnerabilidade e em risco social.
Embora não exista um único perfil de agressores sexuais, a análise e a investigação de traços e sinais que possam estar relacionados a esse tipo de conduta é de extrema importância, fazendo-se necessária para que possa facilitar a identificação desses indivíduos e a compreensão do que os leva a agirem dessa forma (CASARIN; BOTELHO; RIBEIRO, 2016 p.61-72)
Portanto, mesmo não havendo um perfil único para o agressor sexual, algumas situações podem desencadear esse perfil como traumas, negligências, agressão física ou verbal. Visto que em alguns casos o agressor sexual sofreu exploração e abuso no ambiente intrafamiliar ou extrafamiliar na sua infância e consequentemente reproduziu posteriormente.
O abuso sexual no contexto familiar é desencadeado e mantido por uma dinâmica complexa. O agressor utiliza-se, em geral, de seu papel de cuidador, da confiança e do afeto que a criança ou adolescente tem por ele para iniciar, de forma sutil, o abuso sexual.
Então, aos trancos e barrancos, ela foi contando. O desgraçado do dr. Grove não tinha se limitado a apalpar suas jovens pacientes na cadeira de dentista. Eu já sabia daquilo havia tempos. Eu chegara até a coletar provas fotográficas, mas as omitira, porque os depoimentos das jovens – se é que seria possível extrair depoimentos delas, o que nesse caso eu duvidava – de pouco ou nada valeriam. Até mesmo com mulheres adultas, quatro testemunhas mulheres valem o mesmo que um homem, aqui em Gilead.
BECKA: Ele disse que sua autoridade sobre mim vinha de Deus.
AGNES: E quanto à sua suposta mãe?
BECKA: Ela não quis acreditar em mim. Mesmo que acreditasse, ia dizer que eu que provoquei. Todo mundo diria a mesma coisa.
AGNES: Mas você tinha quatro anos!
BECKA: Iam dizer isso do mesmo jeito. Você sabe que iam. Não podem começar a acreditar na palavra de... de gente como eu. E supondo que acreditassem em mim, iam matar ele, mandá-lo para ser dilacerado por Aias numa Particicução, e a culpa ia ser minha. Eu não conseguiria viver com isso. Seria como cometer assassinato. (ATWOOD 2019, p.227)
A violência gera os sentimentos de medo e de desamparo. Estes contribuem para que o abuso sexual seja mantido em segredo pela própria vítima, como no caso de Becka, que teme a represália da família e da sociedade, visto que a vítima na sociedade de Gilead era considerada provocadora daquela situação, a criança ou adolescente sente-se vulnerável, acredita nas ameaças e desenvolve crenças de que é culpada pelo abuso, sentindo vergonha e medo de revelá-lo à família e ser punida.
5 QUAIS MEDIDAS REPREENSIVAS PODEM SER TOMADAS CONTRA O AGRESSOR, SOBE A LUZ DO CÓDIGO PENAL E ECA
Na obra em estudo, existe uma série de violação contra as mulheres e crianças. Dentre as quais uma passagem marcante na narração, que é quando Becka é abusada sexualmente por seu pai e sua amiga Agnes que foi assediada enquanto estava em consulta odontológica com o Dr. Grove (ATWOOD, 2019).
Os casos de violência sexual infantil, estão crescendo principalmente no âmbito familiar, sendo este o de mais complicado, pois quase sempre é imperceptível, em razão do lugar onde é praticado, na sua própria casa, onde os agressores são de confiança da vítima, tio, irmão ou até mesmo os pais. Como dito, a violência também ocorre no âmbito extrafamiliar, um desconhecido, vizinho ou amigo da família. A obra literária apresenta uma série de acontecimentos que podemos ver refletidos na sociedade e que acontece frequentemente em muitos lares brasileiros, tendo consequências danosas às vítimas.
Será que agora isso ia acontecer toda vez que eu fosse ao dentista? Eu não podia dizer que não queria mais voltar ao dr. Grove sem dizer o porquê, e se eu dissesse o porquê, estaria encrencada. As Tias da escola ensinavam que você deveria dizer a uma pessoa com autoridade – ou seja, elas – se algum homem tocasse você de maneira imprópria, mas sabíamos muito bem que era burrice fazer escândalo, especialmente se fosse um homem respeitado feito o dr. Grove. (ATWOOD, 2019 p.90)
A violência sexual viola os direitos das crianças e adolescentes, que podem ocorrer na própria família (intrafamiliar) ou fora dela (extrafamiliar), tem como vítimas, da mesma forma as meninas como os meninos, e preferência aos menores de 14 anos, por ser mais vulneráveis. A criança e adolescente tem legislação específica, que asseguram seus direitos, Estatutos da Criança e do Adolescente – ECA, que considera criança, a pessoa de até 12 anos de idade incompletos e adolescentes entre 12 a 18 anos de idade. Por tanto, visa a garantir à criança e ao adolescente maior segurança, com o foco de diminuir casos de violência contra estes menores, assegurando-lhe o cumprimento dos direitos constitucionais. O artigo 4º do ECA define os direitos da população infanto-juvenil, ao informar que:
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público, assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1990).
Portanto, o agressor é punido com o aprisionamento, a punição é prevista no Código Penal Brasileiro: O Código Penal em sua parte Especial, intitulada como Crimes contra a dignidade sexual em seu artigo 226 do Código Penal Brasileiro (BRASIL,1940) menciona que: “a pena será aumentada [...] de metade se o agente for ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador [...], ou seja, aquele que praticar o ato, utilizando-se da confiança que possui com a vítima. O agente que pratica conjunção carnal ou ato libidinoso, como sexo oral, anal, beijo e toque lascivo, com um menor de quatorze anos de idade sofre pena de prisão de oito a quinze anos, sendo cumprido, inicialmente, em regime fechado. É considerado Crime Hediondo aquele que revestir de gravidade onde evidenciem o sofrimento físico ou moral do indivíduo, e ao se referir à criança e adolescente, o abuso sexual de caráter intrafamiliar constitui causa de aumento de pena.
Entretanto, no caso do agressor sexual infantil, a prisão não faz nada para mudar o padrão de interesse sexual de tais agressores, pois o sistema carcerário brasileiro é uma desordem e caos. Isso se dá devido a superlotação e falta de medidas para ressocialização dos criminosos. É necessário um tratamento adequado de acordo com a real necessidade do agressor, para tentar inibir de alguma forma o desejo sexual pelas crianças e adolescentes. É necessário a conscientização dos profissionais que atendem situações de abuso sexual infanto-juvenil, de que é imprescindível a intervenção multidisciplinar, já que há possibilidade de atuação punitiva, protetora e terapêutica. Para que o poder punitivo do estado seja suficiente, além da proteção integral ao menor.
6 QUAIS MEDIDAS PREVENTIVAS PODEM SER TOMADAS?
Na obra em estudo, após uma série de acontecimentos, Becka revela a Agnes o que tinha sofrido com seu pai, Dr. Grove, em uma conversa particular entre as duas, porém, Tia Lydia tem câmeras com escutas em todos os cômodos do Ardua Hall, sendo assim, conseguiu ouvir a conversa das duas meninas e preparou “uma armadilha” para Dr. Grove, pois as meninas não eram ouvidas, quando denunciavam situações como essa, ninguém dava ouvidos ou simplesmente as chamavam de mentirosas. Então Tia Lydia, solicitou ajuda de Tia Elizabeth fosse ao consultório do Dr. Grove e após ele iniciar o procedimento ela correu da sala o acusando de assédio. Então é preparado uma “particicução” onde as aias de Gilead o espancam até a morte. (ATWOOD, 2019).
Existem leis que visam proteger a criança e adolescente da violência sexual, que é o Estatuto da criança e do adolescente–ECA e a Constituição Federal. Existem também medidas de punição contra o agressor e estão elencadas no código penal, como visto anteriormente. Porém, mesmo com a vasta legislação de proteção à criança e adolescente e de punição ao agressor, o número de violência sexual contra menores ainda é crescente, e a existência da lei não está inibindo ou impedindo o número de violência sexual contra menores. Até mesmo por casos que nunca chegaram até as autoridades devido à dificuldade enfrentada pela criança e adolescente, por medo, vergonha ou até mesmo por achar que a prática é algo normal (geralmente na violência sexual intrafamiliar), dificultando assim a prevenção.
É necessário se ter uma abordagem/linguagem apropriada a cada faixa etária, é necessário existir uma educação sexual para que a criança e adolescente saiba o limite do seu corpo, inclusive, não permitir que ninguém toque as suas partes íntimas, ou ainda, que ela não toque nas partes íntimas de nenhuma pessoa, seja ela conhecida ou desconhecida. É muito importante analisar o comportamento da criança e adolescente como: irritação, ansiedade, dores de cabeça, alterações gastrointestinais frequentes, rebeldia, raiva, depressão, problemas escolares e pesadelos constantes. A literatura refere-se a alterações resultantes do impacto da vitimização sexual que seriam úteis para a sua identificação, como: depressão, sentimento de culpa, comportamento autodestrutivo, ansiedade, isolamento, abuso de substâncias e agressão, consequências dos traumas vividos.
As diversas formas de violência ou abuso afetam a saúde mental da criança ou do adolescente, visto este se encontrar em um processo de desenvolvimento psíquico e físico, produzindo efeitos danosos em seu desempenho escolar, em sua adaptação social, em seu desenvolvimento orgânico. Vários estudos relacionam a violência doméstica com o desenvolvimento de transtornos de personalidade, transtorno de ansiedade, transtornos de humor, comportamentos agressivos, dificuldades na esfera sexual, doenças psicossomáticas, transtorno de pânico, entre outros prejuízos, além de abalar a auto-estima, por meio da identificação com o agressor, um comportamento agressivo (ROMARO; CAPITÃO, 2007, p. 121).
Observa-se o impacto na vida das vítimas, gera grandes consequências, podendo se prolongar por toda vida, como é o caso de Becka, que recorre ao suicídio. “Becka abriu o pulso esquerdo com o podão e precisou ser levada para o hospital”. (ATWOOD-2019 p.151). Por isso, é necessário explicar a criança e adolescente o limite do seu corpo e analisar o comportamento dos mesmos. Os prejuízos decorrentes dessa violência são tão intensos e duradouros que é de suma importância ter programas de prevenção, pois o impacto gerado na vida das mesmas é social, psicológico, de saúde e econômico e sua prevenção faz uma diferença sem tamanho na vida das crianças e famílias, destacando que a prevenção do abuso é dever de todo cidadão, conforme o artigo 4º do ECA.
A violência sexual contra crianças e adolescentes é uma das formas mais desumanas de violência, pois se configura pelo uso do comportamento humano face a libido, de maneira a violar os seus direitos sexuais e sua intimidade. Na obra Os Testamentos de Atwood, é possível ver uma série destes direitos da criança e do adolescente serem violados, Becka é abusada sexualmente pelo pai, Agnes é assediada por seu dentista, Dr. Groove. Além disso, as crianças do sexo feminino, ao entrarem na adolescência, que se inicia com ciclo menstrual, são obrigadas a casarem.
A violência, por vezes mal percebida pelas partes envolvidas, pode ser desencadeada por diversos fatores, e tem como consequência danos irreparáveis. Os tipos de abuso contra crianças de mais fácil detecção médico-legal são a violência física e a sexual, por isto é necessário um preparo técnico, emocional e psicologicamente para que o atendimento com a vítima seja eficaz. E esse preparo, deve ser feito por profissionais da saúde, educação e justiça, em destaque. Porém, é necessário que toda a população tenha o devido conhecimento, para que se tornem aptos a atuarem de maneira adequada, fornecendo as informações capazes de auxiliar a investigação médico-legal.
Visto que, a violência contra crianças e adolescentes configura um processo endêmico e global que tem características e especificidades inerentes às diferentes culturas e aspectos sociais. Toda criança tem direito a uma infância segura. Tem direito de ser criança, brincar, aprender e ser protegida contra qualquer forma de violência, portanto, fere os direitos humanos, sexuais e particulares da criança e adolescente em desenvolvimento. Na obra, traz o enredo da violência sexual intrafamiliar, que constitui, ainda, uma violação ao direito a uma convivência familiar protetora. As consequências são inúmeras para o desenvolvimento das vítimas. Os personagens participantes envolvem famílias fragilizadas, crianças e adolescentes amedrontados, é necessário agir adequadamente nesses casos, que tem impacto também na prevenção de abusos futuros.
A temática é de extrema relevância para a atualidade, uma vez que há uma crescente incidência de abuso sexual infantil, no ambiente intra e extrafamiliar, os serviços ainda estão carentes de especialização, justificando-se a necessidade de maior entendimento e divulgação do tema, para conscientização da população em todos os âmbitos em que o ser humano está inserido, para tentar no mínimo, minimizar o impacto na vida das vítimas.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Iara Souza. O abuso sexual intrafamiliar e extrafamiliar: implicações e reflexos á luz da obra “os testamentos” de Margaret Atwood Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 maio 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56587/o-abuso-sexual-intrafamiliar-e-extrafamiliar-implicaes-e-reflexos-luz-da-obra-os-testamentos-de-margaret-atwood. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Heitor José Fidelis Almeida de Souza
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: STJ - Superior Tribunal de Justiça BRASIL
Por: Conteúdo Jurídico
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