RESUMO: A autoinseminação, conhecida popularmente como inseminação caseira, é uma técnica geralmente utilizada por casais em união homoafetiva feminina, que buscam a realização do projeto parental. Este trabalho visa analisar a necessidade do reconhecimento judicial da dupla maternidade no registro civil de crianças geradas por meio da inseminação caseira. O presente estudo se deu por meio de pesquisa bibliográfica em leis, doutrinas, artigos, entre outros. Constatou-se que a técnica de autoinseminanação necessita de parâmetros legais que a regulamente, na vez que ficou à margem das regulamentações deontológicas do Conselho Federal de Medicina, bem como das resoluções do Conselho Nacional de justiça ao apresentarem normas sobre o uso das técnicas de reprodução assistida, além de ser imprescindível a criação de lei aprovada pelo Congresso Nacional.
Palavras-Chave: Dupla Maternidade; Reconhecimento Judicial; Autoinseminação; Casais Homoafetivos.
ABSTRACT: Self-insemination, popularly known as home insemination, is a technique generally used by couples in homosexual female union, who seek the realization of the parental project. This paper aims to analyze the need for judicial recognition of dual motherhood in the civil registration of children generated through home insemination. The present study is based on bibliographic research of laws, doctrines, articles, among others. It was found that the technique of self-insemination needs legal parameters to regulate it, since it has remained outside the deontological regulations of the Federal Council of Medicine, as well as the resolutions of the National Council of Justice when presenting rules on the use of assisted reproduction techniques, besides being essential the creation of a law approved by the National Congress.
Keywords: Dual Motherhood; Judicial Recognition; Self-insemination; Same-sex Couples.
Sumário: Introdução. 1 Concepção Atual Sobre Família. 1.1 Família Ectogenética.1.2 Família Homoafetiva. 2 Reprodução Assistida e a Falta de Regulamentação no Brasil. 3 A Autoinseminação e o Reconhecimento Judicial da Dupla Maternidade. 4 Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho, tratará sobre a consequência jurídica quanto a realização do procedimento de autoinseminação, comumente conhecido como inseminação caseira. O método é realizado por mulheres em relacionamento homoafetivo que desejam pôr em prática o sonho do projeto parental, contudo se deparam com o óbice ao proceder com o registro e emissão de certidão de nascimento de seus filhos.
A motivação para tal pesquisa, se deu ao fato de que as mulheres que realizam o método de autoinseminação, necessitam do amparo legal para registrar e emitir a certidão de nascimento da criança, enquanto os usuários das técnicas de reprodução assistida encontram-se amparados pela regulamentação deontológica do Conselho Federal de Medicina n. 2.168 de 2017, bem como pelos provimentos do Conselho Nacional de Justiça n.63 de 2017 e o de n. 83 de 2019.
A finalidade dessa pesquisa é, analisar a razão pela qual se exige o reconhecimento judicial da dupla maternidade no registro e emissão de certidão de nascimento de crianças concebidas pelo método da inseminação caseira, uma vez que não existe a mesma imposição para os casais que realizam as técnicas de reprodução assistida.
Utilizou-se como base de estudo a pesquisa bibliográfica em leis, doutrinas, artigos entre outros. No presente trabalho será abordado uma breve análise sobre a evolução dos arranjos familiares, em destaque as famílias ectogenéticas e homoafetivas, em atenção às técnicas de reprodução assistida e a sua falta de regulamentação no Brasil. Analisará ainda, o reconhecimento judicial da dupla maternidade no registro civil quando a inseminação for realizada de forma caseira.
1 CONCEPÇÃO ATUAL SOBRE FAMÍLIA
O conceito de família não é pacificado pelos doutrinares, vez que sofreu alterações no decorrer do tempo, a visão que se tem nos dias atuais é decorrente do processo de evolução histórico, social e jurídico, onde a ideia de arranjo familiar é ampla e baseia-se no vínculo afetivo, independente da origem dos seus troncos ancestrais (LOPES, 2019).
Contudo, as famílias antigamente eram constituídas sob o alicerce patriarcal, patrimonial e matrimonial, onde havia a figura do “chefe de família”, o mesmo era o único provedor e responsável pela tomada das decisões. Nesse arranjo, a felicidade, liberdade e afetividade não eram tidos como um ideal principal das relações, e sim o interesse econômico e patrimonial, visando perpetuar o poder e a riqueza das famílias (AUGUSTO, 2014).
Segundo Caio Mário da Silva Pereira (2017, p.49-50), a família tradicionalmente era baseada no princípio da autoridade, bem como nos efeitos sucessórios e alimentares, nas implicações fiscais e previdenciárias e no patrimônio, onde restringia-se a figura do pai, da mãe e de seus filhos. Com o passar do tempo, novos núcleos familiares foram reconhecidos, como a união estável e a família monoparental.
Sabe-se que a família também compreende os parentes em linha reta e os colaterais até o quarto grau, assim, de acordo com o Código Civil em seu art. 1.591 os parentes em linha reta são os ascendentes e os descendentes, como pais e filhos, avós e netos, e assim sucessivamente não havendo um limite legal, na vez que o grau de parentesco é contado pelo número de gerações. Quanto aos parentes em linha colateral ou transversal, o art. 1.592 limitou até o quarto grau de parentesco as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma das outras, a exemplo os irmãos (segundo grau), tios e sobrinhos (terceiro grau) e primos (quarto grau), sendo que o parentesco nunca se dissolve. Cumpre destacar que, conforme o art. 1.593, “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.
Nesse sentido, há nos dias atuais um novo e amplo entendimento quanto a composição do núcleo familiar, de acordo com Pereira (2017, p.51):
A “despatrimonização” do Direito Civil como “ uma tendência normativa cultural” atinge também o direito de família não mais orientado na “expulsão e a redução quantitativa do conteúdo patrimonial”, mas na tutela qualitativa das relações familiares. Sob esta perspectiva, destaca-se a orientação no sentido de identificar a família centrada na “dignidade da pessoa humana e na solidariedade social”. No direito brasileiro atual descaberia, entretanto, o comentário, dado que todas as Constituições, desde 1934, referem-se-lhe em título especial como em cânon próprio, pelo qual revelam o propósito de considerá-la um organismo. E na verdade, a família é um organismo social e um organismo jurídico.
Além disso, nos ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves (2017, p.15):
A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado. A Constituição Federal e o Código Civil a ela se reportam e estabelecem a sua estrutura, sem, no entanto, defini-la, uma vez que não há identidade de conceitos tanto no direito como na sociologia. Dentro do próprio direito a sua natureza e a sua extensão variam, conforme o ramo.
No que tange a família sociológica ou socioafetiva, Pereira (2017, p.51) afirma que, tal arranjo compreende os laços afetivos e a solidariedade entre seus membros, independente de vínculo jurídico ou biológico entre eles, de modo que os pais também assumem integralmente as responsabilidades de educar e proteger seus filhos, tal como nas demais espécies de família.
Portanto, em virtude da constante evolução da humanidade, os arranjos familiares tendem a se modificar ao longo dos anos, cabendo ao Estado acompanhar, proteger e regulamentar tais mudanças, pois a família é a base da sociedade e possui especial proteção do Estado como prevê a Constituição Federal de 1988.
1.1 FAMÍLIA ECTOGENÉTICA
Sabe-se que, a evolução tecnológica e o progresso de engenharia genética contribuíram para a formação de novos modelos de família, cita-se a família ectogenética na qual os filhos são frutos das técnicas de reprodução assistida, possibilitando pessoas inférteis, estéreis ou mesmo casais homoafetivos de terem filhos do seu patrimônio genético ou não. No que tange as formas, podem ser das mais variadas como, a inseminação artificial homóloga, onde o material genético é do próprio casal; a inseminação artificial heteróloga, quando o material genético é de terceiro e o útero de substituição popularmente conhecido como barriga de aluguel, no qual uma mulher gera em seu útero o filho de outra pessoa (IBIAS, 2020).
A primeira criança gerada por meio da técnica de reprodução assistida (RA) foi a inglesa Louise Brown, em 25/07/1978, na época a expressão “bebês de proveta” possuía um sentido pejorativo, fruto da ignorância e aprisionamento a dogmas religiosos e morais, e significava para muitos que esses bebês não possuíam alma, razão pela qual caiu em desuso (PEREIRA, 2018).
Nos dias atuais, a inseminação assistida é uma realidade comum, porém é uma técnica exorbitante e inacessível às classes sociais, mas que já possibilitou para muitos casais a realização do sonho da parentalidade.
Assim, mesmo diante do avanço tecnológico o direito ainda caminha um processo lento quanto a regulamentação das consequências jurídicas decorrente das técnicas de RA, onde até o momento não existe lei aprovada pelo Congresso Nacional estabelecendo parâmetros e limites ao uso da reprodução assistida (PEREIRA, 2018).
1.2 FAMÍLIA HOMOAFETIVA
De acordo com Rolf Madaleno (2018, p.69), a Carta Magna de 1988, representa um marco histórico na quebra de antigos conceitos, onde a sociedade brasileira passa a vivenciar uma nova conjugalidade presente há muito tempo em outros países. Sabe-se que a lei no entanto, não reconhecia os laços afetivos entre casais do mesmo sexo, contudo alguns tribunais brasileiros por analogia jurisprudencial, começaram a reconhecer a união estável das relações homossexuais, a fim de conferir-lhes os mesmos efeitos jurídicos da união estável heterossexual.
Assim, sem lei para regulamentar tais uniões, o Conselho Nacional de Justiça através da Resolução n. 175 de 2013, passou a reconhecer a celebração do casamento civil, ou conversão de união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.
A Resolução do CNJ afasta não somente o preconceito e a homofobia enraizados em nossa sociedade, como também reconhece a união homoafetiva como entidade familiar, tornando-se símbolo de igualdade jurídica entre as uniões, independente de orientação sexual. Doutrinadores como Maria Berenice Dias já previa e lutava pela inclusão das uniões homoafetivas no conceito de entidade familiar como expressão da dignidade da pessoa humana (MADALENO, 2018).
Nesse sentido, Pozzetti e Silva (2013, p.125) afirmam que:
Ao autorizar o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e, consequentemente, a fruição de todos os seus efeitos sociais, pessoais e patrimoniais, além dos deveres recíprocos dos cônjuges – fidelidade reciproca, vida em comum no domicilio conjugal, mútua assistência, sustento, guarda e educação dos filhos, respeito e considerações mútuos, dentre outros- certamente, a novel regulamentação prestigiou o afeto, a função social da família o respeito as liberdades individuais e, sobretudo, a dignidade da pessoa humana, valores essenciais a qualquer sociedade que se intitule civilizada e justa.
Dentre outros direitos, cita-se o de constituir família com prole comum, seja por meio de adoção ou reprodução assistida, dessa forma, segundo Maria Berenice Dias (2020, p. 620):
Em face do repúdio social, fruto da rejeição de origem religiosa, as uniões de pessoas do mesmo sexo receberam, ao longo da história, um sem-número de rotulações pejorativas e discriminatórias [...]. A infertilidade dos vínculos homossexuais foi uma das causas de marginalização da entidade familiar que constituem. Só que agora, conforme regulamentação do Conselho Federal de Medicina, homossexuais podem ter filhos, fazendo uso das técnicas de reprodução assistida.
No que tange às técnicas de reprodução assistida (RA) por casais em união homoafetiva, o Conselho Federal de Medicina através da Resolução n° 2.168 de 2017 estabelece que:
II - PACIENTES DAS TÉCNICAS DE RA
1 - Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA, desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos, conforme legislação vigente.
2. É permitido o uso das técnicas de RA para heterossexuais, homoafetivos e transgêneros. (Redação do item dada pela Resolução CFM Nº 2283 DE 01/10/2020).
3. É permitida a gestação compartilhada em união homoafetiva feminina em que não exista infertilidade. Considera-se gestação compartilhada a situação em que o embrião obtido a partir da fecundação do(s) oócito(s) de uma mulher é transferido para o útero de sua parceira.
Desta feita, embora não exista lei específica para regulamentar as uniões homoafetivas, o direito de constituir família independe de gênero, sexo ou raça uma vez que o artigo 5° da Constituição Federal de 1988, garante a isonomia entre todos, sem distinção de qualquer natureza.
2 REPRODUÇÃO ASSISTIDA E A FALTA DE REGULAMENTAÇÃO NO BRASIL
Não é segredo que o avanço da medicina e da biotecnologia, proporcionou as chamadas técnicas de reprodução humana assistida, a qual se alicerça na ideia de liberdade no planejamento familiar e de proteção aos direitos sexuais e reprodutivos, gerando assim novas possibilidades para a filiação (NETTO; DANTAS; FERRAZ, 2018).
No entanto, existe uma lacuna legislativa em nosso ordenamento jurídico brasileiro, e não havendo lei aprovada pelo Congresso Nacional tudo que se tem são instrumentos normativos usados para garantir o acesso às técnicas de RA.
Na ausência de lei, o Conselho Federal de Medicina (CFM) através da Resolução n. 2.168 de 2017 regulamenta as normas éticas para utilização das técnicas de RA, ao passo que a Corregedoria Nacional de Justiça, órgão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por seus Provimentos de n. 63 de 2017 e o de n. 83 de 2019, instituiu modelos únicos de certidão de nascimento de filhos havidos pela reprodução assistida.
Assim, de acordo com a Resolução n. 2.168/2017 do CFM, reprodução assistida trata-se de técnicas capazes de auxiliar na resolução de problemas na reprodução humana, com o objetivo de facilitar o processo de procriação, também poderá ser utilizada na preservação de gametas, embriões e tecidos germinativos.
Vale destacar que, na reprodução humana assistida feita por casais heterossexuais, a possibilidade de o registro sair em nome do casal propositor do projeto parental encontra-se pacificado e não gera qualquer discussão jurídica, já para os casais homossexuais, o Provimento n. 63/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça, fixou regras para o registro e emissão da certidão de nascimento (IBIAS, 2020).
Nesse sentido, os arts. 17 e 18 do Provimento 63/2017 dispõem o seguinte:
Art. 17. Será indispensável, para fins de registro e de emissão de certidão de nascimento, a apresentação dos seguintes documentos:
I- Declaração de nascido vivo (DNV);
II- Declaração, com firma reconhecida, do diretor técnico da clínica, centro ou serviço de reprodução humana em que foi realizada a reprodução assistida, indicando que a criança foi gerada por reprodução assistida heteróloga, assim como o nome dos beneficiários;
III- Certidão de casamento, certidão de conversão de união estável em casamento, escritura pública de união estável ou sentença em que foi reconhecida a união estável do casal.
Art. 18. Será vedada aos oficiais registradores a recusa ao registro de nascimento e à emissão da respectiva certidão de filhos por técnica de reprodução assistida, nos termos deste provimento.
Sendo assim, mesmo diante de tais instrumentos normativos, faz-se necessária a existência de lei específica em nosso ordenamento jurídico para regulamentar as técnicas de reprodução humana assistida, pois não se trata somente de questões atinentes ao direito de família, mas também ao direito de personalidade estando intimamente ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana.
3 A AUTOINSEMINAÇÃO E O RECONHECIMENTO JUDICIAL DA DUPLA MATERNIDADE
A dupla maternidade resultante da técnica de autoinseminação, conhecida popularmente como inseminação caseira, geralmente ocorre quando, um casal de mulheres em comum acordo decidem ter um filho, para tanto utilizam o material genético masculino de um doador e sem assistência médica realizam a inseminação em uma delas, que será a parturiente, cujo nome constará na Declaração de Nascido Vivo (DNV) da criança (IBIAS, 2020).
Assim, de acordo com [1]Marianna Chaves, presidente da Comissão de Biodireito e Bioética do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM, quando o projeto parental se dá através de autoinseminação, o casal não possuirá a declaração com firma reconhecida pelo diretor técnico da clínica onde, haveria de ter sido realizado o procedimento de reprodução assistida, conforme prevê o art. 17 do Provimento 63/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça, conclui-se então que, o corpo de normas deontológicas regulam única e exclusivamente à procriação medicamente assistida.
Como já fora mencionado, a autoinseminação ficou à margem das regulamentações deontológicas do Conselho Federal de Medicina, bem como dos provimentos do CNJ, por consequência, o sonho da dupla maternidade no registro de nascimento somente se torna possível para casais homoafetivos femininos através de determinação judicial não restando outra alternativa senão a tutela do Estado.
Nessa orientação, já existem decisões acerca do tema, como o Pedido de Providências n. 1024382-80.2014.8.26.0100 da 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo[2], onde o juiz corredor decidiu pela manutenção da dupla maternidade no registro civil de criança havida por inseminação caseira, cuja regularidade fora questionada pelo Oficial Registrador que, pediu pela exclusão da maternidade atribuída a mãe socioafetiva.
O caso em tela, deu-se em São Paulo no ano de 2014 onde um casal de mulheres teve uma filha e ao decidirem registrar a criança, os escreventes cientes das decisões anteriores sobre registro de nascimento com dupla maternidade, prolatadas pela Corregedoria Permanente da Capital e mantidas pela Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de SP, lavraram o assento constando a dupla maternidade do casal.
Consoante ao que já fora explanado, por se tratar de casal homoafetivo a exigência para que se proceda com a dupla maternidade / paternidade no registro e emissão de certidão de nascimento é, que se comprove a reprodução assistida por meio dos documentos citados no rol do artigo 17 do Provimento 63/2017 da Corregedoria Nacional de Justiça. Ocorre que, no ato em que foi lavrado o registro da menor as genitoras não apresentaram os referidos documentos, por essa razão o Oficial Registrador entendendo pela irregularidade do ato, instaurou sindicância administrativa e solicitou a exclusão da maternidade atribuída a mãe não biológica.
Contudo, o juiz do processo doutor Ralpho Waldo de Barros Monteiro Filho, entendeu pela validade do ato registrário pois, baseia-se na filiação socioafetiva, in verbis:
E. Corregedoria Geral da Justiça, nos pareceres n° 336/2014-E e 355/2014-E, entendeu que, se o reconhecimento de filho por vínculo biológico não exige qualquer comprovação por documentação, seria discriminatório exigir um procedimento judicial para o reconhecimento de filho por socioafetividade (Pedido de Providências n. 1024382-80.2014.8.26.0100 da 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo).
Assim, a autoinseminação suscita questões sobre a real necessidade do procedimento laboratorial, pois tratar pessoas com problemas de infertilidade e esterilidade é diferente de inseminar pessoas sadias, o que existe é uma pressão de comercialização em torno dos casais formado por mulheres para a contratação de um serviço laboratorial de auto custo, onde muitas não podem pagar. Além disso, verifica-se que o controle somente se aplica para essas mulheres, uma vez que para casais heterossexuais que realizam a inseminação seja artificial, seja a caseira não existe o mesmo mecanismo de regras e controle, bastando que o homem declare e apresente-se como pai da criança. Dessa forma, objetivos idênticos possuem soluções diferentes em função de um procedimento de cunho comercial, colocando as pessoas em caráter de desigualdade perante a lei, ferindo diretamente o princípio da igualdade, previsto na Constituição de 1988 (FILHO, 2019).
Dessa forma, é imprescindível a aprovação de lei para regulamentar a reprodução assistida bem como a inseminação caseira pois, mesmo havendo decisões judiciais concedendo o direito à dupla maternidade no registro civil, o sonho da parentalidade pertence a todos, não podendo ser restrito aos mais afortunados, para que assim não haja segregação ou tratamento diferenciado a um grupo de pessoas que não dispõem de recursos financeiros.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discorrer sobre este tema é, sem dúvida, trazer à tona uma pauta necessária ao direito de família, é também uma maneira de demonstrar que a vida em sociedade está em constante evolução e acompanhar esses desenvolvimentos é uma tarefa difícil que, exige empatia e respeito para que ninguém seja relegado à margem da lei, tampouco da coletividade.
O objetivo deste trabalho foi analisar a razão pela qual se exige o reconhecimento judicial da dupla maternidade no registro e emissão de certidão de nascimento de crianças concebidas pelo método da inseminação caseira, uma vez que não existe a mesma imposição para os casais que realizam as técnicas de reprodução assistida.
Em suma, a autoinseminação é utilizada por casais que não podem custear o procedimento medicamente assistido, por tratar-se de um método de alto custo. Dessa forma, na impossibilidade de realizar o sonho do projeto parental por meio da reprodução assistida na saúde privada, recorrem a métodos mais inusuais, como a reprodução caseira.
Ocorre que, o Conselho federal de Medicina (CFM) ao regulamentar sobre as normas éticas para utilização das técnicas de reprodução assistida (RA), não ponderou sobre o método de autoinseminação, da mesma forma o Conselho Nacional de Justiça através da Corregedoria Nacional de justiça ao instituir modelos de certidão de nascimento somente para os filhos havidos pelas técnicas de RA. Com isso, sem parâmetros ou normas, a reprodução caseira depende de decisão judicial para que tenha efeitos legais.
Concluiu-se que, o motivo pelo qual mulheres em união homoafetiva buscam, a tutela do estado para ter seus nomes incluído no registro civil dos filhos, dá-se pela falta de lei aprovada pelo Congresso Nacional regulamentando não somente a autoinseminação que é uma realidade presente no judiciário, mas também as próprias técnicas de reprodução humana assistida.
Sendo assim, faz-se imprescindível a criação de lei específica que apresente parâmetros e normas quanto ao uso da inseminação caseira, a fim de que não seja necessário adentrar a esfera judicial para garantir o direito de incluir os nomes das mães propositoras do projeto parental no registro de nascimento de seus filhos. Nesse sentido, os mais afortunados contam com a proteção do provimento 63/2017 do CNJ e consequentemente com facilidade do registro civil direto em cartório, enquanto que, casais com outra realidade social precisam recorrer ao judiciário com despesa em advogados e custas processuais para garantirem o mesmo direito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Luterano de Manaus - CEULM/ULBRA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MATOS, Luana de Souza de. O reconhecimento judicial da dupla maternidade no registro civil diante da técnica de autoinseminação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 maio 2021, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56606/o-reconhecimento-judicial-da-dupla-maternidade-no-registro-civil-diante-da-tcnica-de-autoinseminao. Acesso em: 23 dez 2024.
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