GUILHERME AUGUSTO MARTINS SANTOS[1]
(orientador)
RESUMO: Tendo em vista que a Lei de Responsabilidade Fiscal propôs como medida para ajuste fiscal nas despesas com pessoal a redução temporária de vencimentos de servidor público, pesquisa-se sobre as suas implicações jurídicas, a fim de identificar as consequências delas decorrentes. Para tanto, é necessário indicar as medidas que os Poderes e órgãos podem adotar para adequar as despesas com pessoal, analisar as despesas com pessoal à luz da Lei de Responsabilidade Fiscal e demonstrar as vantagens da redução temporária de vencimentos. Realiza-se, então, uma pesquisa descritiva por meio de revisão bibliográfica em livros, revistas, artigos científicos e da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Diante disso, verifica-se que as medidas para ajuste fiscal estão na Constituição e na Lei de Responsabilidade Fiscal, que a apuração da despesa com pessoal deve ocorrer mensalmente e a manutenção da estabilidade, do princípio da continuidade e da eficiência são vantagens decorrentes da redução temporária de vencimentos, o que impõe a constatação de que é possível reduzir temporariamente os vencimentos por meio de negociação coletiva na administração pública, quando houver consentimento do servidor público, para adequação da despesa com pessoal aos limites fiscais.
Palavras-Chave: Consentimento; Despesas com Pessoal; Redução de Vencimentos; Responsabilidade Fiscal.
Abstract: Bearing in mind that the Fiscal Responsibility Law proposed as a measure for fiscal adjustment in personnel expenses the temporary reduction of civil servants' salaries, research on its legal implications, in order to identify the consequences resulting from them. Therefore, it is necessary to indicate the measures that the Powers and bodies can adopt to adjust personnel expenses, analyze personnel expenses in the light of the Fiscal Responsibility Law and point out the advantages of the temporary reduction of salaries. Then, a descriptive research is carried out by means of bibliographic review in books, magazines, scientific articles and the jurisprudence of the Supreme Federal Court. In view of this, it appears that the measures for fiscal adjustment are in the Constitution and the Fiscal Responsibility Law, that the determination of personnel expenses must occur monthly and the maintenance of stability, the principle of continuity and efficiency are advantages resulting from the reduction temporary salary, which implies that it is possible to temporarily reduce salaries through collective bargaining in the public administration, when the public servant consents, to adjust personnel expenses to fiscal limits.
Keywords: Consent. Personnel expenses. Reduction of Salaries. Fiscal Responsibility.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Lei de Responsabilidade Fiscal. 2. Despesa com pessoal. 3. Implicações jurídicas constitucionais na redução temporária de vencimentos e vantagens da redução temporária de vencimentos. 3.1. Implicações jurídicas na redução temporária de vencimentos. 3.2. Vantagens da redução temporária de vencimentos. 3.3. Negociação coletiva na administração pública. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A Constituição Federal determinou que lei complementar estabelecesse limites para gastos com despesas de pessoal. Em 1998, a Emenda Constitucional nº 19 trouxe importantes medidas para contenção de gastos com despesas de pessoal. Naquela época vigorava a lei Camata, que fixou limites totais para execução das despesas com pessoal em relação à Receita Corrente Líquida. Vários Estados estavam com suas despesas com pessoal acima dos limites legalmente permitidos. Quando isso ocorre, aumenta o endividamento estatal, pois o excesso de gastos com despesas de pessoal pressiona os Poderes e órgãos quanto ao cumprimento do seu dever de honrar os compromissos financeiros assumidos.
Com o propósito de estabelecer uma política gerencial dos gastos públicos, no ano dois mil nasceu a Lei de Responsabilidade Fiscal, em cumprimento ao que fora previsto na Constituição Federal. Nela, além de fixar limites totais para a despesa com pessoal, também tais limites foram repartidos entre os Poderes e órgãos públicos, para que cada um pudesse realizar o seu controle fiscal.
Além desses limites fiscais, a LRF também trouxe duas medidas visando diminuir a despesa com pessoal diferentemente daquelas previstas na CF. A primeira diz respeito à redução dos valores atribuídos aos cargos e funções. E a segunda referente à faculdade de poder reduzir a jornada de trabalho com a consequente adequação dos vencimentos à nova carga horária.
O propósito do legislador foi evitar a perda de cargos e de servidores por parte da administração pública e, consequentemente, adequar a despesa com pessoal de Poderes e órgãos aos seus respectivos limites fiscais. A exoneração de servidores, motivada pela necessidade de a administração pública ter que diminuir despesa para se adaptar aos limites fiscais, poderia trazer quais prejuízos à administração pública?
Essas medidas preconizadas no art. 23, §§ 1º e 2º, da LRF foram objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade no ano 2.000, por meio da ADI 2.238-DF, com a alegação de que aquelas medidas ofendiam o princípio constitucional da irredutibilidade de vencimentos. O Supremo Tribunal Federal (STF), guardião da Constituição, em sede de Medica Cautelar, naquela ADI, liminarmente, suspendeu os efeitos da expressão “quanto pela redução dos valores a eles atribuídos” (§ 1º) e, integralmente, o texto do parágrafo 2º. Em junho de 2.020 foi finalizada a análise de mérito, decidindo o STF, por maioria, pela inconstitucionalidade material destes dois dispositivos.
O Brasil ratificou a Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho – OIT em 2.010, para possibilitar a negociação coletiva na administração pública. Neste ponto, o leitor terá a oportunidade de saber como é possível estabelecer a negociação coletiva na administração pública para reduzir a jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária sem ofender o princípio da irredutibilidade de vencimentos.
Diante do exposto, surgiu o interesse em saber quais são as implicações jurídicas na redução temporária de vencimentos dos servidores públicos para adequação da despesa com pessoal aos limites da LRF.
Inicialmente, o trabalho apresenta as medidas fiscais previstas na Constituição Federal e na LRF que os Poderes e órgãos poderão adotar para conter as despesas com pessoal e as suas consequências para a administração pública. Posteriormente, serão abordadas as despesas com pessoal à luz da LRF, a fim de saber como elas se projetam na administração pública, de modo a prevenir a adoção de medidas drásticas para contê-la. Por último, aponta-se as implicações jurídicas constitucionais, as vantagens para o servidor advindas da redução temporária da jornada de trabalho e analisa a possiblidade de a administração pública participar de negociação coletiva para reduzir temporariamente a jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, para atender os limites fiscais da LRF.
A pesquisa foi realizada de forma descritiva, por meio de revisão bibliográfica baseada em livros, revistas, e artigos científicos e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal; e explicativa, pois expõe como o fenômeno da redução temporária de vencimentos pode ocorrer.
1. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL
A Lei Complementar 101, de 04 de maio de 2000 – Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), foi editada para dispor sobre finanças públicas, sobre regras para elaboração dos instrumentos de planejamento público – o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais - estabelecer limites totais e individuais para controlar a execução da despesa com pessoal da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
“A Lei de Responsabilidade Fiscal brasileira – Lei Complementar 101/2000 – é uma norma voltada para a implementação da responsabilidade na gestão fiscal”. (ABRAHAM, 2017, p. 21). O Brasil conviveu com diversos programas de estabilidade fiscal que não deram certo. O desequilíbrio fiscal campeava as finanças públicas. Foi durante o plano real que surgiu a LRF.
O surgimento da LRF fez com que a gestão pública adotasse novos mecanismos de controle. O controle gerencial das contas públicas tornou-se necessário para avaliar a eficiência do gasto público, de forma a aferir a qualidade e o resultado obtidos nas ações executadas. Os recursos da tecnologia da informação são grandes aliados da gestão gerencial, permitindo a produção de relatórios com celeridade, além de possibilitar o acesso ao seu conteúdo por meio da rede mundial de computadores (internet).
A LRF também traz medidas para prevenção de riscos e correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, por exemplo, as medidas para corrigir o excesso da despesa com pessoal, com remissão a dispositivos da Constituição, além daquelas que tornam nulos os atos que aumentem despesas com pessoal sem observar os procedimentos nela elencados. Nesse sentido, segundo Mazza (2020, p. 1001), sobre os objetivos da LRF:
Os objetivos centrais para a responsabilidade na gestão fiscal são: ação planejada e transparente; prevenção de riscos; correção de desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas; cumprimento de metas e resultados entre receitas e despesas; obediência a limites quanto a geração de despesas com pessoal.
O principal objetivo da LRF é o equilíbrio das contas públicas, a sua regra de ouro. Além disso, ela estabelece regras de transparência relacionadas às receitas arrecadadas e as despesas executadas, por meio da publicidade dos relatórios bimestrais e quadrimestrais, Relatório Resumido de Execução Orçamentária e Relatório de Gestão Fiscal, respectivamente.
Conforme Abraham (2017, p. 21), “Podemos identificar três características que se revelam essenciais na realização do seu objetivo: o planejamento, a transparência e o equilíbrio das contas públicas”. Esses pilares são essenciais para uma gestão pública positiva e operante, no sentido de garantir qualidade de vida, desenvolvimento econômico sustentável equilibrado, com um olhar clínico para os potenciais econômicos de cada região desse país de dimensões continentais.
De acordo com Abraham (2017, p. 22), “o planejamento contemplado pela LRF decorre da própria Constituição Federal de 1988, que instituiu as três leis orçamentárias criadas para funcionarem de forma harmônica e integrada (art. 165)”. Isso quer dizer que a Lei 4.320/1964 e a Lei de Responsabilidade Fiscal convivem de forma que uma complemente a outra, aquela para regulamentar e disciplinar as finanças públicas, e essa para fixar normas de finanças públicas sobre responsabilidade fiscal.
A programação e a execução orçamentária devem obediência ao planejamento previamente estabelecido na Lei Orçamentária Anual. O cumprimento da meta fiscal constante da Lei de Diretrizes Orçamentária depende de um regular gerenciamento por parte do órgão arrecadador. Portanto, se houver ausência de controle orçamentário é certo que isso vai impactar na capacidade de pagamento e vai implicar necessidade de se impor limitação de empenho, objetivando o equilíbrio fiscal.
O planejamento contemplado pela Lei de Responsabilidade Fiscal veio para garantir a execução equilibrada dos referidos instrumentos de planejamento público (PPA, LDO e LOA), de tal modo que se evitasse o desequilíbrio fiscal, objetivando garantir o desenvolvimento sustentado. Nesse sentido, Ramos Filho (2018, p. 134) assim se manifesta:
A LRF visa, a um só tempo, assegurar a austeridade fiscal necessária e promover as ações indispensáveis ao desenvolvimento sustentado, no marco de um novo padrão de atuação do setor público. Estabelece a referida lei complementar limites e regras de ajustes para os principais componentes do gasto público, além de normas e princípios gerais, em benefício da prudência e da transparência na gestão das finanças públicas.
Percebe-se que está claro que o princípio da eficiência também norteia a responsabilidade fiscal, de modo que a administração pública deve envidar todos os esforços para se alcançar as metas estabelecidas para a receita e a despesa, observando-se os limites e as regras de ajustes estabelecidos na LRF. A austeridade fiscal consiste justamente no cumprimento à risca das metas dos instrumentos de planejamento: arrecadar o que foi estimado; gastar o que foi fixado; observar os limites fiscais para as despesas obrigatórias de caráter continuado, além do endividamento.
Segundo Mazza (2020, p. 1006), manifestando-se sobre o equilíbrio fiscal, mormente quanto às despesas obrigatórias de caráter continuado, nesse rol as despesas de pessoal:
Os atos que criarem ou aumentarem despesas serão acompanhados de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais, devendo seus efeitos financeiros, nos períodos seguintes, serem compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.
É defeso ao Poder ou órgão propor aumento de despesa de pessoal sem apresentar o relatório de impacto financeiro em relação à receita corrente líquida prevista no Plano Plurianual de Investimentos, que traz previsão de arrecadação para quatro exercícios. Isso porque o eventual aumento da despesa de pessoal não pode ultrapassar o limite prudencial previsto na LRF. A ausência do relatório de impacto para prevenir riscos deixará Poderes e órgãos públicos vulneráveis, como de fato tem ocorrido em muitos Estados e Municípios.
O equilíbrio das contas públicas consiste em uma operação simples, que visa alcançar as metas entre receitas e a despesas, resultados nominal e primário, e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes. (ABHAHAM, 2017).
As medidas corretivas que a própria Lei de Responsabilidade Fiscal adotou em caráter excepcional, com a finalidade de se evitar, em um terceiro momento, a exoneração de servidores públicos, como meio para se atingir os limites nela preconizados, foram a redução temporária de vencimentos e, facultativamente, da jornada de trabalho com adequação de vencimentos.
O parâmetro que a LRF traz para o cálculo da despesa de pessoal é a Receita Corrente Líquida. Segundo Mazza (2020, p. 1002), sobre o conceito de Receita Corrente Líquida (RCL):
Um dos mais importantes conceitos técnicos utilizados pela LRF é o de receita corrente líquida, assim considerada como: somatório das receitas tributárias, de contribuições, patrimoniais, industriais, agropecuárias, de serviços, transferências correntes e outras receitas também correntes, deduzidos: a) os valores constitucionalmente definidos como repartição de receitas entre as entidades federativas; b) o montante arrecadado com as contribuições sociais (arts. 195, I e II, e 239 da CF).
Essas espécies de receitas que formam a composição da RCL integram o agrupamento de contas das receitas correntes. Ela é apurada tanto no Relatório Resumido de Execução Orçamentária, por meio do Demonstrativo da RCL, publicado bimestralmente, onde ela aparece de forma detalhada, quanto no Relatório de Gestão Fiscal, onde informa o seu valor total, as deduções, o valor líquido e os percentuais de sua utilização, o qual é publicado quadrimestralmente.
As opções dispostas nos §§ 3º e 4º do art. 169 da Constituição Federal, para recondução da despesa de pessoal, de modo que se busque adequar os limites fiscais com despesas de pessoal, são as seguintes:
Art. 169. A despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios não poderá exceder os limites estabelecidos em lei complementar:
(...)
§ 3º Para o cumprimento dos limites estabelecidos com base neste artigo, durante o prazo fixado na lei complementar referida no caput, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios adotarão as seguintes providências:
I – redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança;
II – exoneração dos servidores não estáveis.
§ 4º Se as medidas adotadas com base no parágrafo anterior não forem suficientes para assegurar o cumprimento da determinação da lei complementar referida neste artigo, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal.
Essas opções constitucionais implicam em exoneração de servidores comissionados, temporários e até mesmo a perda do cargo por parte de servidor efetivo, quando as providências elencadas nos incisos I e II do § 3º não forem suficientes para se adequar as despesas de pessoal aos limites estabelecidos na LRF.
Diferentemente do que preconiza a Constituição Federal, a LRF acrescenta uma opção, podendo ser observada antes mesmo da aplicação dos §§ 3º e 4º do art. 169. São justamente as alternativas temporárias previstas no art. 23 da LRF, redução de vencimentos e da jornada de trabalho, com o propósito específico de se ajustar as despesas com pessoal aos limites preconizados no art. 20 da LRF.
Nesse sentido é o escólio de Abraham (2017, p. 190):
Para o cumprimento desta norma, serão adotadas, dentre outras providências, a redução em pelo menos vinte por cento das despesas com cargos em comissão e funções de confiança e a exoneração dos servidores não estáveis e, se estas medidas não forem suficientes, o servidor estável poderá perder o cargo, desde que ato normativo motivado de cada um dos Poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal (art. 169, §§ 3º e 4º, da CF).
Em continuidade, Abraham, afirma que “trata-se de medida drástica que relativiza a tradicional estabilidade dos servidores públicos já aprovados no estágio probatório, subordinando-a ao princípio do equilíbrio fiscal quando este estiver seriamente ameaçado”.
A questão sobre a redução de vencimentos e da jornada de trabalho foi submetida ao Supremo Tribunal Federal em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 2238-DF. O Ministro Alexandre de Morais, em seu voto (ADI 2238, p. 192), sobre a regra de estabilidade do servidor público, assim se manifestou:
Certamente, a adoção dessa medida extrema acarretará impacto negativo na prestação dos serviços públicos e na própria confiança do administrado na Administração. Porém, não se trata de crueldade ou sadismo administrativo, mas sim de mecanismo disponível em caso de extrema necessidade para manter a habilidade operacional do próprio Poder Público, evitando descontinuidade dos serviços e inadimplência remuneratória geral aos servidores.
A regra constitucional é que o servidor público só poderá perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado, mediante processo administrativo em que lhe seja assegurada ampla defesa e mediante processo de avaliação periódica de desempenho, na forma de lei complementar, assegurada ampla defesa. Nela não se incluiu a possibilidade de perda do cargo em face da necessidade de adequação da despesa com pessoal aos limites da LRF.
Sobre a possibilidade de perda do cargo por parte do servidor público assim se manifestou o ministro Alexandre de Moraes (ADI 2238, p. 195):
Nessa hipótese, o Poder Público poderá (1) afastar permanente e integralmente a estabilidade, extinguir os cargos existentes e deixar os antigos servidores estáveis desempregados, com a decorrente diminuição de eficiência na prestação dos serviços públicos; ou (2) relativizar temporária e proporcionalmente a irredutibilidade de vencimentos mantendo a estabilidade do servidor público, que permanecerá em seu cargo prestando serviços à sociedade, mesmo que em horário reduzidos.
Constata-se que o entendimento do eminente ministro sobre a relativização temporária e proporcionalmente da irredutibilidade de vencimentos mantendo a estabilidade do servidor, vai de encontro com a finalidade da LRF, preservar os princípios constitucionais da eficiência, da solidariedade, da continuidade do serviço público, pois a redução da jornada de trabalho com a adequação dos vencimentos, mantendo o valor nominal do salário/hora, implica na manutenção da estabilidade do servidor público efetivo prevista no art. 41 da Carta Magna, além de evitar a exoneração de comissionados e a rescisão de contratados temporariamente para o exercício de atividades essenciais.
A redução da jornada de trabalho não poderá impactar em perda de valor do salário/hora, em respeito ao valor nominal do vencimento aprovado por lei. Assim, o ministro Alexandre de Moraes concluiu o seu voto (ADI 2238, p. 195):
A flexibilização temporária e proporcional prevista no art. 23 possibilita a manutenção da estabilidade do servidor no cargo e a continuidade dos serviços públicos, sendo, portanto, mais compatível com a interpretação das normas constitucionais que buscam a proteção ao servidor e a prestação eficiente do serviço, deixando-se, portanto, a previsão mais radical – perda da estabilidade, demissão, extinção do cargo – como última hipótese a ser utilizada.
É importante ressaltar que, caso ocorresse a exoneração de servidor estável, isso implicaria em necessidade de se indenizar o servidor estável exonerado por não se tratar de hipótese de sanção, e não se trata porque não é o servidor que deu causa à sua exoneração. Logo, embora a indenização não implique em aumento de despesa com pessoal, meramente porque assim diz a Constituição Federal, ela também vai contribuir para modificar negativamente o fluxo de caixa, podendo ser causa de falta de cumprimento de metas fiscais quanto ao limite da dívida, o que também resultará em desequilíbrio fiscal.
No sentido de se adequar as despesas com pessoal aos limites da LRF, o Ministro Barroso assim se manifestou em seu voto (ADI 2238, p. 360):
A Constituição e a legislação combinadas preveem um escalonamento, uma ordem de graduação, das providências a serem tomadas, quando excedido o limite. E essa graduação é a seguinte: Em primeiro lugar, reduz-se a despesa com cargos em comissão e funções gratificadas. Em segundo lugar, exoneram-se os servidores que não tenham estabilidade. Em terceiro lugar, reduz-se a jornada de trabalho. E em quarto e último lugar é que se decreta a perda do cargo.
O eminente ministro Barroso emitiu o seu voto diferente do voto do ministro Alexandre de Morais, embora favorável que se aplicasse a medida quanto a faculdade de se reduzir a jornada de trabalho com a consequente adequação do vencimento. Essa diferença consiste em que em seu voto admite-se a exoneração de servidores comissionados e contratados e depois, em caso de não adequação aos limites da LRF, adota-se a redução da jornada de trabalho.
Divergindo da posição adotada pelo ministro Alexandre de Moraes, o ministro Edson Fachin se posicionou pela irredutibilidade do vencimento do servidor público efetivo e daqueles que não possuem vínculo efetivo com a administração pública, os servidores comissionados e os contratados temporariamente. (ADI 2238, p. 333).
O voto divergente, aprovado por maioria, vedou ao Poder ou órgão que se encontrar na situação de desobediência ao limite fiscal imposto pela LRF com relação às despesas com pessoal, a adotar medida que possa reduzir vencimentos e jornada de servidor público, indicando como medidas aquelas previstas no receituário dos §§ 3º e 4º, do art. 169, da CF, conforme justificativa constante do seu voto (ADI 2238, p. 331):
Assim, caso repute-se conveniente e oportuna a redução das despesas com folha salarial no funcionário público como legítima política de gestão da Administração Pública, o receituário está previamente fixado nos §§ 3º e 4º do art. 169 do Texto Constitucional, pelo menos desde a Reforma Administrativa de 1998.
Extrai-se da divergência do eminente ministro Fachin que não se pode ter entendimento diferente do que aquele posto na norma fundamental, dever de obediência ao princípio da irredutibilidade de vencimentos previsto no inciso XV do art. 37 da CF, e, nem mesmo o desequilíbrio fiscal é capaz de se colocar norma infraconstitucional antinômica à Constituição Federal como instrumento de ajustes das contas públicas.
Ocorre que a estabilidade do servidor público prevista no art. 41 da CF foi relativizada pelo Supremo Tribunal Federal, ao entender, por maioria, que não se pode reduzir vencimentos e nem jornada de trabalho com adequação à nova carga horária, sendo que, quanto à jornada de trabalho, o § 3º do art. 39, faz remissão ao inciso XIII do art. 7º, ambos da CF, permitindo a possibilidade de redução da jornada de trabalho do servidor público, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Portanto, as medidas constitucionais que os Poderes e órgãos podem adotar, gradativamente, para adequar a despesa com pessoal aos limites da LRF são a redução da jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, redução em pelo menos 20% (vinte por cento) das despesas com cargos em comissão e funções de confiança; exoneração de servidores não estáveis; e, caso estas medidas não sejam suficientes num período de dois quadrimestres, a exoneração de servidores estáveis.
Apesar do entendimento exarado no voto divergente, não permitindo a aplicação de disposição infraconstitucional no sentido de reduzir temporariamente vencimentos, ainda assim será necessário abordar a perspectiva de redução temporária da jornada de trabalho com adequação de vencimentos à nova carga horária, no âmbito da administração pública, à luz das convenções da Organização Internacional do Trabalho que o Brasil ratificou.
2. DESPESA COM PESSOAL
A despesa com pessoal se constitui na despesa corrente que mais consome recursos do orçamento público. A criação de cargos e vantagens só pode ser realizada por lei. É por lei que se cria o plano de cargos, carreira e remuneração dos servidores públicos, institui vantagens, cria a estrutura administrativa composta por cargos comissionados. Nela são fixados a denominação dos cargos, a respectiva quantidade, os valores nominais e os relativamente à progressão na carreira para os cargos efetivos. Para os cargos de provimento em comissão, a lei fixa a denominação do cargo, a respectiva quantidade e o vencimento, os quais são de livre nomeação e exoneração. Segundo Mazza (2020, p. 1007), sobre o conceito de despesa total com pessoal:
Entende-se como despesa total com pessoal “o somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis, subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência” (art. 18).
Constitui-se em tarefa bastante complexa a elaboração das leis que criam os planos de cargos tanto para os servidores efetivos quanto para os comissionados (chefia, assessoramento e direção superior). Há a necessidade de se combinar quantidade, valor nominal e necessidade administrativa, combinando-os com a possibilidade financeira, considerando-se o limite prudencial, para prevenir riscos derivados de caso fortuito ou força maior.
De acordo com Ramos Filho (2018, p. 255), referindo-se à apuração da despesa com pessoal, necessária para verificação do cumprimento dos limites da LRF, assim escreveu:
A apuração da despesa total com pessoal dar-se-á pelo somatório da realizada no mês em referência com os gastos dos 11 meses imediatamente anteriores, adotando-se o regime de competência (art. 18, § 2º, LRF), excetuando-se as despesas (art. 19, § 1º): de indenização por demissão de servidores ou empregados; relativas a incentivos à demissão voluntária; [...] decorrentes de decisão judicial e da competência de período anterior ao da apuração a que se refere o § 2º do art. 18 da LRF; com pessoal, do Distrito Federal e dos Estados do Amapá e Roraima, custeadas com recursos transferidos pela União na forma dos incisos XIII e XIV do art. 21 da CF e do art. 31 da Emenda Constitucional nº 19/98; com inativos, ainda que por intermédio de fundo específico, custeadas por recursos provenientes: a) da arrecadação de contribuições dos segurados; b) da compensação financeira de que trata o § 9º do art. 201 da CF; c) das demais receitas diretamente arrecadadas por fundo vinculado a tal finalidade, inclusive o produto da alienação de bens, direitos e ativos, bem como seu superávit financeiro.
Nesse sentido, Lino (2001, p. 101), “a metodologia de cálculo da despesa com pessoal, insculpida no §2º do art. 18, permite que tanto a administração quanto os organismos de controle acompanhem, mês a mês, os totais – e limites – das despesas com pessoal”. Assim como o cálculo da RCL leva em conta a receita do mês em referência e as dos últimos onze meses, adotando-se o regime de competência, independentemente de empenho, da mesma forma é a apuração da despesa total com pessoal.
De acordo com Mazza (2020, p. 1007), sobre os limites totais e a repartição desses limites entre os Poderes e órgãos da administração pública, afirma que,
nos termos do art. 19 da LRF, os índices máximos da despesa com pessoal são os seguintes: a) União: 50%; b) Estados: 60%; c) Municípios: 60%.
A repartição dos limites globais não poderá exceder os seguintes percentuais (art. 20): I – na esfera Federal: a) 2,5% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas da União; b) 6% para o Judiciário; c) 40,9% para o Executivo; d) 0,6% para o Ministério Público da União. II – na esfera Estadual: a) 3% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Estado; b) 6% para o Judiciário; c) 49% para o Executivo; d) 2% para o Ministério Público dos Estados. III – na esfera Municipal: a) 6% para o Legislativo, incluído o Tribunal de Contas do Município, quando houver; b) 54% para o Executivo.
A fixação de limites máximos aos Poderes e órgãos impõe a cada um deles atenção quando dimensionar a estimativa da receita e a fixação da despesa com pessoal nos instrumentos públicos de planejamento (PPA, LDO e LOA). A previsão de realização de concurso público, autorização de aumento de vencimentos e gratificação de função, de aumento dos quantitativos dos cargos efetivos e comissionados deve ser acompanhada da referida estimativa de impacto orçamentário e financeiro.
De acordo com Ramos Filho (2018, p. 262), segundo o art. 21 da LRF, o ato que provoque aumento de despesa com pessoal deverá atender às seguintes exigências:
Ser instruído com a estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor a despesa e nos dois subsequentes (art. 16, inciso I), a qual será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas (art. 16, § 2º); ser instruído com declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a LOA e compatibilidade com o PPA e com a LDO (art. 16, inciso II); demonstrar a origem dos recursos para o seu custeio (art. 17, § 1º); ser acompanhado de comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de resultados fiscais previstas no Anexo de Metas Fiscais, devendo seus efeitos financeiros ser compensados pelo aumento permanente de receita ou pela redução permanente de despesa (art. 17, § 2º); atender ao disposto no inciso XIII do art. 37 da CF, que veda a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público; atender ao disposto no § 1º do art. 169 da CF, que exige dotação orçamentária prévia e suficiente, bem como autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias, ressalvadas, relativamente à autorização na LDO, as empresas públicas e as sociedades de economia mista; observar o limite legal de comprometimento aplicado às despesas com inativo (art. 21, inciso II, LRF).
Trata-se dos mecanismos de controle que o Poder ou órgão deve observar para expedir qualquer ato que provoque aumento de despesa com pessoal. Caso o ato que provoque aumento de despesa com pessoal não estiver acompanhado da estimativa de impacto orçamentário-financeiro ele contém vício formal. Nesse caso, o ato deverá ser anulado, pois os seus efeitos poderão ser devastadores em relação à utilização da receita corrente líquida, podendo extrapolar os limites permitidos.
É uma conta bastante complexa de se efetuar, pois a receita é estimada, não se tem grau de certeza se realmente será efetivada. Já a despesa é fixada, tem-se grau de certeza. A estimativa deve levar em conta o exercício atual e os dois subsequentes. Logo, durante a execução da despesa, é possível que haja crise econômica que venha afetar a arrecadação dos tributos, tanto por conta da diminuição do consumo, quanto pela dificuldade financeira enfrentada pelos contribuintes, elevando a inadimplência. E assim ocorrendo, um dos reflexos é influenciar o aumento do índice de gastos com despesa de pessoal. Esse é o cenário vivido por muitos Estados e Municípios.
De acordo com Mileski (2001, p. 8), referente à nulidade dos atos que provoque aumento de despesa com pessoal,
pode-se afirmar que o dispositivo do parágrafo único do art. 21 não contém norma expressando nulidade absoluta. A nulidade que decorre do regramento é relativa, alcançando somente os atos que resultem em aumento da despesa com pessoal, expedidos nos 180 dias anteriores ao final do mandato, que estejam em contrariedade ao princípio da moralidade pública.
Relativamente ao controle da despesa com pessoal, o art. 21 da LRF não trata somente da nulidade dos atos que provoque aumento da despesa com pessoal nos últimos cento e oitenta dias anteriores ao final do mandato. O caput desse artigo dispõe que será nulo o ato da despesa com pessoal que não for acompanhado de relatório de estimativa do impacto orçamentário-financeiro para o exercício e nos dois posteriores.
“Relevante medida adotada pela LRF [...] é a fixação de frequência quadrimestral para a aferição e acompanhamento do cumprimento dos limites máximos globais para as despesas com pessoal [...]” (ABRAHAM, 2017, p. 188).
Essa verificação quadrimestral está prevista no art. 22 da LRF. Ela será realizada ao final dos meses de abril, agosto e dezembro de cada exercício, obrigando-se aos Poderes e órgãos publicarem o seu respectivo Relatório de Gestão Fiscal – RGF, até o dia 30 dos meses de maio, setembro e janeiro.
Ainda sobre o controle da despesa com pessoal, Mazza (2020, p. 1008), assim se manifestou:
O art. 22 da LRF define vedações para a hipótese de a despesa total com pessoal superar 95% (limite prudencial) dos limites acima mencionados, hipótese em que ficam proibidos:
1 - concessão de vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a qualquer título, salvo os derivados de sentença judicial ou de determinação legal ou contratual, ressalvada a revisão prevista no inciso X do art. 37 da Constituição;
2 - criação de cargo, emprego ou função;
3 - alteração de estrutura de carreira que implique aumento de despesa;
4 - provimento de cargo público, admissão ou contratação de pessoal a qualquer título, ressalvada a reposição decorrente de aposentadoria ou falecimento de servidores das áreas de educação, saúde e segurança;
5 - contratação de hora extra, salvo no caso do disposto no inciso II do § 6o do art. 57 da Constituição e as situações previstas na lei de diretrizes orçamentárias.
Por sua vez, Abraham (2017, p. 280), esclarece que “o § 1º do artigo em análise determina aos Tribunais de Contas que expeçam alerta aos Poderes ou órgãos referidos no art. 20 quando constatarem: [...] b) que os montantes da despesa total com pessoal, [...] ultrapassaram 90% do limite”.
Os órgãos de controle externo, os Tribunais de Contas, na eventual ocorrência de os Poderes ou órgãos atingirem o percentual de 90% da receita corrente líquida com gastos de pessoal, emitirão alerta, um sinal de atenção. Esse alerta acende a luz da prevenção. Encontrando-se nessa situação, estudos técnicos deverão ser elaborados para identificar quais providências poderão ser adotadas para incrementar a receita corrente líquida ou outras medidas legais pertinentes.
“Assim, esse mecanismo funciona como um ‘sinal de perigo’, não apenas para alertar o poder público da aproximação dos limites máximos quando se chegar a 95% deles, mas, principalmente, por impor ao gestor restrições de gastos que evitam seu atingimento” (ABRAHAM, 2017, p. 50).
É importante que os ordenadores de despesas de cada Poder ou órgão tenham em mente quais são as possíveis causas que podem provocar a extrapolação dos limites de alerta, prudencial e total relativamente à execução das despesas com pessoal. A vigilância permanente, repise-se, é fundamental para se evitar situações críticas em que os Poderes ou órgãos poderão se encontrar caso não se deem conta das possíveis causas que os levarão a ter que utilizar-se de medidas para corrigir desvios por falhas na prevenção de riscos.
Apurada a despesa com pessoal por meio do Relatório de Gestão Fiscal e constatado que o ente ultrapassou o limite total, este deverá verificar qual o Poder ou órgão ultrapassou o seu respectivo limite. Identificado, as medidas de contenção de despesas estão prescritas no art. 23 da LRF e no art. 169 da CF. Segundo Abraham (2017, p. 190), sobre o período legal que o Poder ou órgão tem para adequar a despesa com pessoal aos limites, assim expressa:
Como medida para garantir a manutenção e o respeito dos limites estabelecidos de gastos com pessoal, o art. 23 da LRF impõe, em caso de descumprimento, além das restrições adotadas para o excesso do limite prudencial [...], a eliminação do percentual que exceder o limite máximo, nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro.
Ainda nesse sentido, Santos e Luchi (2005, p. 9), sobre o disposto no art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal:
O artigo 23 da Lei Complementar 101/2000 faz referência à extrapolação, pelos órgãos e Poderes descritos no artigo 20, dos limites máximos possíveis de gastos com pessoal. Retrata o prazo para retorno, medidas a serem adotadas e proibições caso não se retorne aos limites devidos.
Nessa direção é o escólio do Ramos Filho (2018, p. 264), sobre os mecanismos de correção de desvios disciplinados pelo art. 23 da LRF:
Para tanto, o caput do art. 23 da LRF dispõe que poderão ser adotadas, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4º do art. 169 da CF/1988 (art. 23, caput, LRF), a saber: redução em pelo menos 20% (vinte por cento) dos cargos em comissão e funções de confiança (art. 169, § 3º, inciso I, CF); exoneração de servidores não estáveis (art. 169, § 3º, inciso II, CF); exoneração de servidores estáveis, desde que ato normativo motivado de cada um dos poderes especifique a atividade funcional, o órgão ou unidade administrativa objeto da redução de pessoal (art. 169, § 4º, CF).
Outras medidas apresentadas por Abraham (2017, p. 190), são aquelas previstas na parte final do § 1º e no § 2º, do art. 23, da LRF.
O § 1º estabelecia que o objetivo poderia ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos. E o § 2º facultava a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária. Entretanto, no julgamento da ADI 2.238-5, foi deferida a medida cautelar para suspender a parte final do § 1º, no que se refere à expressão “quanto pela redução dos valores a eles atribuídos”, por violar o princípio da irredutibilidade dos vencimentos (art. 37, XV, da CF), bem como para suspender todo o texto do § 2º, por falta de previsão legal que autorizasse a redução da jornada de trabalho, e, por consequência, peça violação ao mesmo princípio já citado da irredutibilidade dos vencimentos.
Conforme previsão contida na LRF, quanto ao modo de se comportar quando constatado o atingimento do limite de alerta, e até mesmo o prudencial, os Poderes e órgãos, em regra, não poderiam encontrar-se em situação que tivesse que adotar medidas para exoneração de servidores com a consequente extinção de cargos e funções, rescisão de contratos temporários para adequar-se aos limites da LRF.
Entretanto, a LRF foi construída num cenário em que os Estados viviam grave crise fiscal. A repartição dos limites teve por objetivo estabelecer controle mais eficiente e sancionar diretamente o Poder e/ou órgão que desobedecesse o seu limite fiscal. Prevendo a ocorrência de caso fortuito ou força maior, por exemplo, provocado por uma crise econômica, em que haja sensível diminuição da arrecadação, e por se tratar de despesa obrigatória de natureza continuada, a LRF estabeleceu mecanismos intermediários que evitassem a exoneração de servidores, principalmente dos efetivos, a possiblidade de, temporariamente, reduzir vencimentos ou a jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
A alternativa contida na LRF, mormente quanto àquela que prevê a redução de vencimentos e, facultativamente, a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, é de se deduzir que o legislador a estabeleceu também para evitar a perda de cargo, principalmente por parte do servidor efetivo, que manterá a sua estabilidade e não perderá integralmente a sua remuneração, em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Sobre a garantia constitucional do princípio da irredutibilidade dos vencimentos, o ministro Ricardo Lewandowski (ADI 2.238, p. 369), assim votou:
[...] Há uma jurisprudência torrencial nesse sentido de todo o Judiciário brasileiro, mas, sobretudo, do Supremo Tribunal Federal nesse sentido: os vencimentos constituem verba alimentar que tem como pressuposto, como arrimo o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; o servidor não vive sem os seus vencimentos, há um prejuízo para a sua sobrevivência pessoal e de sua família.
Na esteira dessa citação, é possível concluir que também é ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana a perda de cargo efetivo para ajuste da despesa com pessoal. A aplicação da medida mais gravosa prevista na Constituição Federal, para adequação da despesa com pessoal aos limites da lei complementar, afronta o princípio da dignidade da pessoa humana ao frustrar as expectativas do servidor concursado, que vê relativizada a sua estabilidade, além de desmantelar a sua vida social e econômica.
Estabelecer ponderação entre a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária prevista pela LRF e a exoneração do servidor público prevista na CF perdendo definitivamente os direitos adquiridos, é necessária para refletir sobre os impactos de uma e da outra na vida social e econômica do servidor. Se a aplicação da medida alternativa temporária da redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos for suficiente para colocar o Poder ou órgão em situação fiscal adimplente, por que aplicar a medida mais gravosa, a perda do cargo?
Nesse sentido, o ministro Gilmar Mendes, em seu voto (ADI 2.238, p. 404), assim se manifestou:
Ora, se a própria Constituição prevê medida mais drástica, penso ser perfeitamente possível que o legislador, no exercício de seu poder normativo conformador, estabeleça alternativas menos restritivas, com o escopo de preservar postos de trabalhos em momentos de crise.
Nessa conjuntura, entendo que o restabelecimento da eficácia das regras do art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal – especialmente se combinadas com a necessidade de concordância por parte dos servidores públicos afetados, em atenção ao princípio da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV, CF) -, deve representar um instrumento fundamental de reequilíbrio das contas públicas e contenção da despesa com pessoal.
O princípio da irredutibilidade de vencimentos é garantia estabelecida pela CF para preservar o valor nominal dos vencimentos do servidor público. Nessa seara, extrai-se do voto do ministro Gilmar que a redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, havendo concordância do servidor público, implicará na manutenção da sua estabilidade.
Percebe-se que o voto do ministro fez, implicitamente, remissão ao art. 39, § 3º, que direciona para o inciso XIII, do at. 7º, ambos da CF, possibilitando haver redução de jornada de trabalho com adequação do vencimento do servidor por meio de negociação coletiva, como medida para diminuir a despesa com pessoal. Essa possibilidade é sim a menos gravosa e será analisada no capítulo seguinte, posto que o Brasil é signatário da Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, dispondo sobre negociação coletiva na administração pública.
3. IMPLICAÇÕES JURÍDICAS CONSTITUCIONAIS E VANTAGENS DA REDUÇÃO TEMPORÁRIA DOS VENCIMENTOS
3.1. Implicações jurídicas constitucionais na redução temporária de vencimentos
A irredutibilidade de vencimentos é a proteção que o servidor público possui para evitar eventuais perseguições ou uso discricionário por parte da administração pública ao alvedrio da lei, de modo a reduzir a sua remuneração sem o seu consentimento.
Entende-se por remuneração ou vencimentos do servidor a composição do vencimento básico acrescido das vantagens que foram atribuídas ao cargo. “Vencimentos têm significado distinto de vencimento” (CARVALHO, 2020).
Os vencimentos têm natureza alimentar porque é retribuição pecuniária do labor do servidor, a título de contraprestação, para o sustento seu e da sua família. Isso decorre do princípio da dignidade da pessoa humana. Essa garantia é dada para que o servidor tenha a sua dignidade preservada contra influências de autoridades públicas, geradas pela alternância de poder.
A administração pública deve conformar os seus atos nos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Além desses princípios constitucionais existem outros princípios do Direito Administrativo que também devem ser aplicados, tais como os princípios do interesse público, da continuidade administrativa, da razoabilidade, da proporcionalidade, da motivação, etc.
Nesse sentido, Alexandrino (2020, p. 364) dispõe que estabelece o inciso X do art. 37 da Constituição, com a redação dada pela EC 19/1998:
X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices.
Todo poder emana do povo e em seu nome é exercido. É o que consta da nossa Constituição Federal. O exercício do poder depende do consentimento popular. Sem ele, não existe poder constituinte democrático. A assembleia constituinte é eleita pelo povo para produzir a sua norma fundamental. Uma vez aprovada e promulgada a norma fundamental, todos devem obedecê-la.
Nesse modelo de exercício da democracia, por meio da vontade popular, a administração pública só pode agir conforme permissivo legal, ou seja, de acordo com a vontade da lei, produzida por seus representantes, pelo sistema de representação indireta. Os representantes do Poder Legislativo recebem uma espécie de procuração para exercer o poder em nome do povo.
Portanto, as normas produzidas pelo parlamento a todos se aplicam e tem a finalidade de impor à administração pública o modo de agir segundo os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. A administração pública fica adstrita ao império da lei. Até mesmo o espaço de discricionariedade que permite o gestor público atuar está limitado pela norma legal, a exemplo da nomeação para cargos comissionados, necessariamente prevista em lei.
De acordo com a Constituição Federal, os vencimentos devem ser estabelecidos por meio de lei ordinária. A fixação dos vencimentos deve atender o disposto na Constituição e nas normas de direito financeiro previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal, mormente quanto aos limites de gastos com despesa de pessoal, devendo ser acompanhada de estimativa de impacto orçamentário e financeiro.
Dada a natureza alimentar inerente aos vencimentos, por que o servidor dele depende para o seus sustento (saúde, educação, habitação, segurança, lazer), por representar retribuição pelo exercício de cargo ou função, já que ao Estado não é permitido enriquecimento ilícito, também, por essa razão, a Constituição Federal não permite sejam eles reduzidos.
A possibilidade de haver redução unilateral dos vencimentos está prevista na própria Constituição. Ela ocorre quando os vencimentos do servidor público extrapolar o teto remuneratório fixado para o servidor. Tal previsão tem a finalidade de se evitar remuneração ilimitada, progressiva no tempo, de forma abusiva, de modo a impactar negativamente na execução dos instrumentos públicos de planejamento (PPA, LDO e LOA) e até mesmo contribuir para aumentar o endividamento do Estado.
Ainda examinando a literalidade do inciso XV do art. 37, constata-se que nele está dito que a irredutibilidade de vencimentos e subsídios é ressalvada pela regra dos tetos constitucionais de remuneração, contida no inciso XI do art. 37 (cuja redação atual é dada pela EC 41/2003) (ALEXANDRINO, 2.020, p. 383).
Nesse mesmo sentido, Mazza (2020, p. 647), “[...] o princípio da irredutibilidade de vencimentos não é absoluto, podendo haver redução de remuneração nos casos de adaptação de valores ao teto constitucional [...]”.
Note-se que a redução de vencimentos no caso de se extrapolar o teto remuneratório é constitucional, pois autorizada pela norma fundamental. Assim, a administração pública tem a autorização legal para agir no sentido de ajustar os vencimentos ao valor do teto remuneratório. O teto remuneratório brasileiro é aquele fixado como vencimentos para os ministros do Supremo Tribunal Federal.
[...] cumpre frisar que a jurisprudência de nossa Alta Corte considera que a irredutibilidade refere-se ao valor nominal dos vencimentos.
Não decorre do inciso XV do art. 37, portanto, direito a reajustamento de remuneração de servidores em decorrência de perda de poder aquisitivo da moeda. Dessa forma, não importam os índices de inflação; desde que mantido inalterado o valor numérico dos vencimentos ou subsídios, respeitado estará o princípio da irredutibilidade. Em poucas palavras: inexiste garantia de irredutibilidade do valor real de vencimentos e subsídios (ALEXANDRINO, 2020, p. 384/385).
O que a norma constitucional protege é o valor nominal dos vencimentos. O valor nominal dos vencimentos consiste no vencimento básico aprovado em lei, inclusive pelos acréscimos que forem também criados por lei. É o valor do vencimento básico e o das vantagens legais que não podem ser reduzidos. Entretanto, por ter o servidor uma jornada de trabalho a ser cumprida mensalmente, essa proteção legal incide no valor do vencimento/hora.
A situação posta pela Lei de Responsabilidade Fiscal permitiria que os vencimentos poderiam ser reduzidos unilateralmente com a única e exclusiva finalidade de se realizar ajuste fiscal na despesa com pessoal, ou seja, a administração pública poderia diminuir a despesa com pessoal por meio da redução dos vencimentos dos cargos e funções ou da redução da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
De acordo com o escólio de Lenza (2019, p. 270), em referência ao vício material, assim dispõe:
Por seu turno, o vício material (de conteúdo, substancial ou doutrinário) diz respeito à “matéria”, ao conteúdo do ato normativo. Assim, aquele ato normativo que afrontar qualquer preceito ou princípio da Lei Maior deverá ser declarado inconstitucional, por possuir um vício material. Não nos interessa saber aqui o procedimento de elaboração da espécie normativa, mas, de fato, o seu conteúdo.
Aquela hipótese prevista na LRF de que Poder ou órgão, unilateralmente, reduzisse vencimentos ou jornada de trabalho foi levada ao Supremo Tribunal Federal por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 2238-DF, afirmando que ela era inconstitucional por ser contrária ao princípio da irredutibilidade de vencimentos do servidor público.
Da lavra do voto do ministro Fachin (ADI 2.238, p. 333), manifestando-se sobre a possibilidade de haver redução no vencimento para ajuste fiscal, assim se posicionou: “não cabe ao magistrado flexibilizar o mandamento constitucional para gerar alternativas menos onerosas do ponto de vista político aos líderes públicos devidamente eleitos para tomar decisões difíceis desse jaez”.
As normas infraconstitucionais produzidas em contrariedade com a norma fundamental não podem subsistir no ordenamento jurídico, para não colocar em risco a sua estrutura. As normas infraconstitucionais devem regulamentar os dispositivos da Constituição com obediência ao seu texto. Logo, elas não podem dispor de direitos protegidos pela Constituição. Em se tratando de direito disponível, é imprescindível o consentimento do seu titular.
Entretanto, em seu voto o ministro Fachin registra uma possibilidade que permite a redução unilateral de vencimentos de cargos de provimento em comissão ou efetivo. Trata-se de hipótese quando existir cargos ou funções vagos, ou seja, quando eles não estiverem providos. Nesse caso, não há se falar em redução de vencimentos. Eis a sua manifestação (ADI 2.238, p. 333): “na verdade, o que se almeja evitar é infligir o inciso XV do art. 37 da Constituição da República, o que é alcançável pela exclusão da possibilidade interpretativa de reduzir-se o vencimento de função ou cargo que estiver provido”. (destacamos)
Interpretando esse posicionamento do ministro Fachin, vislumbra-se a possibilidade de proposição versar sobre a redução de vencimento de cargo e/ou função quando estes estiverem vagos, sem que se ofenda o princípio da legalidade e o da irredutibilidade de vencimentos, porque não há que se falar em redução de vencimentos em se tratando de cargos não providos. Logo, vagando o cargo e/ou função possível é propor tanto a sua extinção quanto a redução dos valores a eles atribuídos, sem que caracterize redução dos vencimentos.
Entretanto, é possível pleitear a redução temporária de vencimentos em tempo de crise econômica que possa provocar diminuição considerável da receita corrente líquida, suficiente para extrapolar os limites totais da despesa com pessoal, tanto para evitar atrasos no pagamento integral dos vencimentos quanto para evitar a perda de cargo e aumento do endividamento, proteger postos de trabalho, com a finalidade de se reduzir a despesa com pessoal aos limites previstos na LRF, quando houver consentimento do servidor público. (destacamos)
É necessário o consentimento do servidor público porque pelo princípio da legalidade a administração pública não pode dispor de direito de servidor unilateralmente, sem a concordância da parte afetada. E não pode dispor desse direito porque a norma que o limita foi produzida pelo sistema de representatividade política concebida pela vontade popular. Desta forma, é defeso à administração pública dispor de direito de servidor unilateralmente.
Nesse sentido, Mazza (2020, p. 610), “[...] as alterações unilaterais inerentes ao regime estatutário, não podem prejudicar direitos adquiridos”. Uma vez aprovados por lei e internalizados na remuneração dos servidores, tanto o vencimento básico quanto as vantagens que obedeceram as formalidades exigidas pela LRF, esses direitos não podem ser reduzidos sem o consentimento do servidor.
Nessa conjuntura, entendo que o restabelecimento da eficácia das regras do art. 23 da Lei de Responsabilidade Fiscal – especialmente se combinadas com a necessidade de concordância por parte dos servidores públicos afetados, em atenção ao princípio da irredutibilidade de vencimentos (art. 37, XV, CF) -, deve representar um instrumento fundamental de reequilíbrio das contas públicas e contenção de despesa com pessoal (GILMAR MENDES, ADI 2238, p. 404).
O consentimento do servidor para reduzir temporariamente o seu vencimento deve recair sobre a sua jornada de trabalho, de modo que haja proporcionalidade entre a jornada de trabalho e a remuneração, preservando-se o valor nominal do vencimento/hora. É o que se extrai do entendimento do ministro Gilmar Mendes em seu voto proferido na ADI 2238-DF.
Conclui-se que que somente com o consentimento do servidor é possível que haja redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária. O consentimento do servidor, nesse sentido, não ofende os princípios da legalidade e nem o da irredutibilidade de vencimentos, uma vez que o Estado não está agindo unilateralmente. Nesse caso, o agir do Estado é legitimado pela vontade do servidor.
3.2. Vantagens da redução temporária de vencimentos
A redução temporária de vencimentos foi uma das medidas propostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal para conter a despesa com pessoal. A sua principal finalidade consiste em reduzir a despesa com pessoal para adequar-se aos seus limites fiscais. A necessidade administrativa de se adequar as despesas com pessoal aos limites fiscais da LRF tem por objetivo evitar que os entes sejam sancionados com as medidas constitucionais por descumprimento dos limites totais com a despesa de pessoal.
Uma outra finalidade decorrente da redução de vencimentos que está bem clara, é que o legislador trouxe essa hipótese na LRF como medida preventiva capaz de corrigir os desvios provocados pela ocorrência de crise econômica quando impactasse na diminuição da receita corrente líquida, de modo a evitar a perda de cargos e a estabilidade do servidor efetivo. De acordo com Carvalho (2020, p. 859), a estabilidade é assim conceituada:
[...] uma prerrogativa constitucional atribuída aos servidores públicos, detentores de cargos de provimento efetivo, após aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, de permanência no serviço público desde que não advenha alguma das situações regulamentadas pelo próprio texto da Carta Magna.
Extrai-se desse entendimento que se a hipótese de perda da estabilidade estiver prevista no texto constitucional, a sua aplicação deverá ser adotada em face da materialidade da circunstância nela mesma prevista. O texto constitucional acrescentou a hipótese de perda de cargo de servidor efetivo para adequação aos limites da despesa com pessoal. Essa hipótese relativiza o direito do servidor à garantia da estabilidade, porém é previsão constitucional.
Logo, essa hipótese de perda de cargo pode ser considerada uma desvantagem para o servidor público efetivo, pois se não houver consentimento dos demais servidores de modo a permitir a redução temporária da jornada de trabalho com a adequação dos vencimentos à nova carga horária para a finalidade em apreço, não restará outra alternativa à administração pública senão a exoneração até mesmo de servidor público efetivo, caso seja ela necessária para se conseguir ajustar as despesas de pessoal aos limites da LRF.
A principal vantagem conferida aos estatutários é a estabilidade adquirida após o estágio probatório. Essa estabilidade consiste na impossibilidade de perda do cargo, a não ser nas hipóteses constitucionalmente previstas. Segundo o art. 41, § 1º, da Constituição Federal, o servidor estável só perderá o cargo por: a) sentença judicial transitada em julgado; b) processo administrativo disciplinar; c) avaliação periódica de desempenho. Além dessas três formas, é possível ser decretada a perda do cargo também para redução de despesas com pessoal (MAZZA, 2020, p. 610).
Note-se que não há que se falar em inconstitucionalidade sobre a hipótese de se adotar a regra de perda de cargo de servidor estável por necessidade da administração, para adequação aos limites totais da despesa com pessoal previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. Em suma, a garantia da vantagem conferida aos servidores estatutários depende de seu consentimento para reduzir a sua jornada de trabalho nos termos previstos na LRF.
Discordando do entendimento do ministro Fachin, o ministro Alexandre de Moraes, em seu voto (ADI 2238, p. 193) assim se manifestou sobre a inconstitucionalidade da redução proporcional de vencimentos:
A temporariedade da medida destinada a auxiliar o ajuste fiscal e a recuperação das finanças públicas, a proporcionalidade da redução remuneratória com a consequente diminuição das horas trabalhadas e a finalidade maior de preservação do cargo, com a manutenção da estabilidade do servidor estão em absoluta consonância com o princípio da razoabilidade e da eficiência, pois, ao preservar o interesse maior do servidor na manutenção de seu cargo, também se evita a cessação da prestação de eventuais serviços públicos.
Nessa linha de pensamento do ministro Alexandre de Moraes, os benefícios a serem alcançados com a aplicação das medidas previstas na LRF preservam o interesse comum de servidores e administrados, soluciona o problema das finanças públicas de modo a não afetar os princípios da continuidade administrativa e o da eficiência.
Portanto, do ponto de vista de necessidade administrativa, a redução temporária dos vencimentos proporcional à jornada de trabalho, uma vez consentida pelo servidor comissionado e estatutário, traz como vantagens a manutenção de postos de trabalho, estabilidade do servidor efetivo, continuidade regular da prestação dos serviços públicos, a adequação das despesas com pessoal aos limites da LRF de modo a evitar a aplicação da sanção administrativa constitucional consistente na suspensão de todos repasses de verbas federais ou estaduais aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios que não observarem os limites da LRF, conforme prevista no artigo 169, parágrafo 2º, da Constituição Federal.
3.3. Negociação coletiva na administração pública
O Brasil é signatário da Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, tratando-se das normas sobre negociação coletiva na administração pública, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 206, de 7 de abril de 2010, depositado pelo Governo brasileiro o instrumento de ratificação junto ao Diretor-Geral da OIT, em 15.06.2010, com vigência à partir de 15 de junho de 2011, e promulgada em 6 de março de 2013, por meio do Decreto 7.944/2013, revogado pelo Decreto 10.088/2019, que consolidou todos os atos normativos sobre convenções da OIT.
[...] com a ratificação da Convenção nº 151 e da Recomendação nº 159 da OIT pelo Brasil, por meio do Decreto Legislativo nº 206/2010 e do Decreto nº 7.944/2013, os trabalhadores do setor público passaram a ter o direito fundamental à negociação coletiva, tendo em vista que tal afirmação encontra amparo nas normas inscritas no ordenamento jurídico brasileiro. A Constituição, embora silente acerca do tema, permitiu que se revogasse qualquer disposição contrária à negociação coletiva no setor público, vez que o aludido diploma internacional possui o caráter sui generis de norma supralegal (MUÇOUÇAH, 2016, p. 91/92).
Nesse sentido, Santos e Farina (2013, p. 93), “[...] a Constituição Federal, no já aludido art. 39, § 3º, faz menção expressa ao inciso XIII do art. 7º, admitindo a compensação de horários e a redução de jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho, o que se aplica aos servidores públicos”.
Antes mesmo do advento da Lei Responsabilidade Fiscal, a Constituição Federal consagrou a regra da irredutibilidade dos vencimentos dos servidores públicos. Entretanto, dispôs que se aplica aos direitos sociais dos servidores públicos a regra constitucional da redução da jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Não obstante a necessidade de lei para aumentar vencimentos, repise-se, por aplicação obrigatória do princípio da legalidade, que obriga a administração pública a agir de acordo com a vontade da lei, entendemos ser possível estabelecer negociação coletiva com o objetivo de se reduzir temporariamente a jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, por que dela decorre a preservação do valor do vencimento/hora e não há a necessidade de realizar ajuste orçamentário porque trata-se de diminuição da despesa.
Portanto, embora haja necessidade de uma lei para regulamentar o exercício pleno do direito à negociação coletiva estabelecido na Convenção 151 da OIT, é possível a administração pública tratar de pauta que envolva a redução da jornada de trabalho com adequação da remuneração dos servidores à nova carga horária que preserve o valor nominal do vencimento/hora, desde que haja participação do sindicato dos servidores públicos, devendo este contar com a anuência dos servidores para efetivar tal deliberação, com fundamento no art. 39, § 3º, da Constituição Federal.
CONCLUSÃO
Diante do exposto, sobre a possibilidade de se reduzir temporariamente vencimentos dos servidores públicos quando os Poderes e órgãos extrapolarem os seus limites fiscais, para reduzir as despesas com pessoal para atender os limites fiscais, a fim de identificar as implicações jurídicas dela decorrentes, necessário foi indicar as medidas constitucionais e legais que podem ser aplicadas para reduzir as referidas despesas e suas consequências para a administração pública.
A irredutibilidade de vencimentos prevista na Constituição Federal protege o seu valor nominal e o servidor público de eventuais perseguições, a fim de impedir que o Estado possa realizar, unilateralmente, qualquer modificação que implique em retrocesso social.
No que tange às medidas previstas na LRF, que os Poderes e órgãos podem adotar para adequar a despesa com pessoal aos limites fiscais, o Supremo Tribunal Federal declarou que é inconstitucional reduzir os valores atribuídos aos cargos e funções e a jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
Entretanto, existe previsão no art. 39, § 3º, com remissão ao art. 7º, inciso XIII, ambos da Constituição, permitindo que seja possível haver redução da jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.
Assim sendo, as medidas constitucionais que podem ser adotadas unilateralmente pela administração pública, gradativamente, são a redução de vinte por cento do número de cargos comissionados e a exoneração de servidores não estáveis. Caso essas medidas não sejam suficientes para alcançar o ajuste fiscal desejado, exonera-se o servidor efetivo, devendo a administração pública motivar o ato.
Em virtude do que foi mencionado, a redução temporária de vencimentos traz como vantagens a manutenção dos postos de trabalho, da estabilidade do servidor efetivo, da continuidade administrativa, da eficiência e respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Constata-se que a adoção dessa medida, em face de que os vencimentos não podem ser reduzidos unilateralmente pelo Estado porque foram fixados por lei, implica em necessidade de consentimento expresso do servidor público afetado, seja ele efetivo, não estável ou comissionado.
O Brasil ratificou a Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho - OIT, internalizando-a como norma supralegal, permitindo a negociação coletiva na administração pública. Esse foi um passo importante para garantir plenamente este direito ao servidor público, mesmo ainda necessitando de legislação ordinária para regulamentar a referida Convenção. Esse direito decorre da previsão constitucional de que aplica-se aos servidores públicos a negociação coletiva, tendo por objeto a redução da jornada de trabalho.
Em virtude desta constatação, a administração pública tem o direito à negociação coletiva com fundamento no art. 39, § 3º, da Constituição Federal, e na referida norma supra legal, a Convenção nº 151 da OIT, visando a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, por necessidade administrativa, desde que haja a participação do sindicato dos servidores públicos e este, por sua vez, tenha autorização expressa dos servidores para negociar com o Poder Público, excepcionalmente, repise-se, para realização de ajuste fiscal.
Diante de todo o exposto, vislumbra-se a possibilidade de permitir ao Estado que se promova a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária, excepcionalmente por necessidade administrativa, trazendo consigo, como implicação jurídica, a necessidade de consentimento expresso por parte do servidor público, sendo que, deste modo, não ofende o princípio da irredutibilidade de vencimentos por preservar o valor do vencimento/hora e, por consequência dela, mantêm-se postos de trabalho, a continuidade da prestação dos serviços públicos e a eficiência, sem prejuízo para o interesse público, de modo que essa medida minimiza o retrocesso social que poderia ser provocado por aquela mais gravosa, a exoneração de servidores.
Por fim, para uma maior segurança jurídica, verifica-se a necessidade de ajuste na legislação, o que poderia ocorrer nos termos do Projeto de Lei nº 4.792/2019, que tramita na Câmara dos Deputados, cuja minuta foi elaborada pelos sindicatos dos servidores públicos, “dispondo sobre as relações de trabalho, o tratamento de conflitos, o direito de greve e regulamenta a Convenção nº 151 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, estabelecendo as diretrizes da negociação coletiva no âmbito da administração pública dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, publicado no Diário da Câmara dos Deputados nº 450, em 12.09.2019.
REFERÊNCIAS
ABRAHAM, Marcus. Lei de responsabilidade fiscal comentada – 2. Ed., ver. E atual. / Marcus Abraham. – Rio de Janeiro: Forense, 2017.
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado / Marcelo Alexandrino, Vicente Paulo. – 28. Ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2020.
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 29.abr.2.021.
______. Supremo Tribunal Federal. Decisão de julgamento que declarou, parcialmente, a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 23, § 1º, da Lei de Responsabilidade Fiscal, de modo a obstar interpretação segundo a qual é possível reduzir valores de função ou cargo que estiver provido, e, quanto ao § 2º do art. 23, declarou a sua inconstitucionalidade. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.238. Relator: ministro Alexandre de Moraes. 24 de junho de 2.020. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=1829732. Acesso em: 08.mar.2.021.
LINO, Pedro. Comentários à lei de responsabilidade fiscal: lei complementar nº 101/2000/Lino Pedro. - - São Paulo: Atlas, 2001.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo / Matheus Carvalho. 7. ed. rev. ampl. e atual. – Salvador: JusPODVM, 2020.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado / Pedro Lenza. – 23. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019.
MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo / Alexandre Mazza. 10. Ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
MILESKI, Hélio Saul. Algumas questões jurídicas controvertidas da Lei Complementar nº 101, de 05.05.2000 – controle da despesa total com pessoal, fiscalização e julgamento da prestação de contas da gestão fiscal, p. 8. Revista Jurídica Virtual - Brasília, vol. 3, n. 24, mai. 2001. https://revistajuridica.presidencia.gov.br/index.php/saj/article/view/920. Acesso em: 14.10.2020.
MUÇOUÇAH, Renato de Almeida Oliveira. O Direito dos Servidores Públicos à Negociação Coletiva. RDU. Porto Alegre, Volume 12, nº 68, 2016, 73-94, mar-abr 2016. Disponível em: file:///C:/Users/ebarb/Downloads/2586-11110-1-PB%20(3).pdf. Acesso em: 26.mar.2.021.
RAMOS FILHO, Carlos Alberto de Moraes. Direito financeiro esquematizado / Carlos Alberto de Moraes Ramos Filho – 3. Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018.
SANTOS, Enoque Ribeiro dos; FARINA, Bernardo Cunha. A inevitabilidade da negociação coletiva no setor público. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, vol. 79, nº 3, jul/set 2013. p. 93. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/49579/2013_rev_tst_v079_n003.pdf?sequence=4&isAllowed=y Acesso em: 29.abr.2.021.
SANTOS, Hudson dos; LUCHI, Paulo Sérgio. A importância do controle interno - enfoque da despesa com pessoal no âmbito municipal, p. 9. https://anaiscbc.emnuvens.com.br/anais/article/view/2056. Acesso em: 12.10.2020.
[1] Mestre em Direito pelo Centro Universitário de Brasília. Professor de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Advogado. E-mail: [email protected]
Profissional atuante em contabilidade pública, como autônomo, gestor municipal de convênios pela Caixa Econômica Federal, ocupou os cargos de secretário da Controladoria Geral do Estado do Tocantins, de Secretário da Fazenda do Município de Porto Nacional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Eldon Manoel Barbosa. (Im)possibilidade da redução temporária dos vencimentos de servidor público para realização de ajuste fiscal na despesa com pessoal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2021, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56632/im-possibilidade-da-reduo-temporria-dos-vencimentos-de-servidor-pblico-para-realizao-de-ajuste-fiscal-na-despesa-com-pessoal. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Precisa estar logado para fazer comentários.