KARINE ALVES GONÇALVES MOTA[1]
(orientadora)
Resumo: O artigo discute a dupla paternidade no registro civil e o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafeitava. Diante do cenário da multiparentalidade, a pesquisa firmou o seguinte questionamento: é legítima a exigência da anuência tanto da mãe quanto do pai registral para que se reconheça a paternidade socioafetiva extrajudicialmente? Fica excluída dessa possibilidade de reconhecimento extrajudicial de paternidade socioafeitva o caso do filho não registrado pelo pai biológico? Frente a esse problema foram estabelecidos como objetivos: compreender os princípios e o conceito contemporâneo de família; relatar as principais modificações trazidas pela multiparentalidade; explicar a dupla paternidade e o reconhecimento extrajudicial; discutir a (im)possibilidade do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva quando não constar no registro o pai biológico da criança. Para atingir a pretensão proposta utilizou-se o método dedutivo, realizando a pesquisa bibliográfica, mediante uma abordagem qualitativa e de natureza exploratória. Ao final, constatou-se que em interpretação analógica do inciso II do Art. 10 do Código Civil, bem como à luz da finalidade dos Provimentos 12, 16, 26 do CNJ, é possível o reconhecimento extrajudicial da paternidade afetiva caso não conste a paternidade biológica registrada.
Palavras-chave: Filiação; Multiparentalidade; Paternidade afetiva; Provimento n. 63 CNJ; Reconhecimento Extrajudicial.
Abstract: The article discusses dual paternity in the civil registry and the extrajudicial recognition of socio-affective paternity. In view of the scenario of multiparenting, the research raised the following question: is it legitimate to demand the consent of both the mother and the registration father in order to recognize extra-judicial socio-affective paternity? Are excluded from this possibility of extrajudicial recognition of socio-affective paternity in the case of the child not registered by the biological father? Faced with this problem, the following objectives were established: to understand the principles and the contemporary concept of family; report the main changes brought about by multi-parenting; explain double paternity and extrajudicial recognition; discuss the (im) possibility of extrajudicial recognition of socio-affective paternity when the child's biological father is not on the record. In order to achieve the proposed claim, the deductive method was used, carrying out bibliographic research, using a qualitative and exploratory approach. At the end, it was found that in analogical interpretation of item II of Art. 10 of the Civil Code, as well as in light of the purpose of Provisions 12, 16, 26 of the CNJ, it is possible the extrajudicial recognition of affective paternity if the paternity is not included registered biological.
Keywords: Affiliation; Multiparenting; Affective paternity; Provision no. 63 CNJ; Extrajudicial recognition.
Sumário: Introdução; 1. Evolução histórica do conceito de família; 1.1. Evolução legislativa do conceito de família; 1.2. Princípios norteadores e sua influência na dupla paternidade; 1.3. Multiparentalidade; 1.4. Posicionamento doutrinário e jurisprudencial em relação a dupla paternidade no registro civil e na modalidade extrajudicial; 2. Do reconhecimento da dupla paternidade no registro civil brasileiro. 3; A (im)possibilidade do reconhecimento da paternidade socioafetiva quando não consta no registro o pai biológico da criança; Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Houveram discussões até que se firmasse o entendimento, com base na lei máxima, que é a Constituição Federal, nos princípios e na carência da sociedade de ser possível a dupla paternidade.
Na composição da sociedade brasileira, estritamente no lapso temporal da colonização, o exemplo de família que se tinha era o modelo patriarcal, que era reconhecido por ter representação central o patriarca, ou seja, o ‘’pai’’, advindo da herança cultural portuguesa.
É nítido que ao longo do tempo, a família transformou-se, alterando sua forma estrutural e continua sofrendo enormes modificações. Com isso, um novo conceito familiar é apresentado, abarcando a harmonia do afeto e da dignidade humana, ultrapassando o modelo conceitual familiar antigo, que consistia exclusivamente pelo casamento e herança genética. Na contemporaneidade, são os laços afetivos que têm maior destaque e valor para as relações familiares. Vale ressaltar que o modelo familiar anterior não deixou de existir, mas que a família pós-moderna cada vez mais conquista seu espaço na sociedade.
A multiparentalidade, por não ter expressamente um amparo legal, e somente jurisprudencial e doutrinário, ainda é bastante resistida, no que se refere ao reconhecimento de dois pais ou duas mães e relação socioafetiva. Quando analisada juntamente com determinados princípios, é que surge essa possibilidade. As decisões judiciais favoráveis a multiparentalidade são frutos da aplicação desses princípios implícitos ou explícitos no texto constitucional, gerando uma constante evolução que prevalece a hermenêutica jurídica na busca de uma solução justa.
O modelo atual sistemático no Brasil da Lei de Registro Públicos, se tratando de registro civil das pessoas naturais, não foi planejado para comportar a propagação de tipos familiares distintos, ressaltando que o atrito da pluralidade das relações familiares e a intransigência desta lei, acaba por não registar as reais situações fáticas, como por exemplo a dupla paternidade no registro civil. Por isso o questionamento: é legítima a exigência da anuência tanto da mãe quanto do pai registral para que se reconheça a paternidade socioafetiva extrajudicialmente? Fica excluído da possibilidade de reconhecimento extrajudicial os filhos que não têm em seus registros o nome do pai biológico? Frente a esse problema foram estabelecidos como objetivos: compreender os princípios e o conceito contemporâneo de família; relatar as principais modificações trazidas pela multiparentalidade; explicar a dupla paternidade e o reconhecimento; discutir a (im)possibilidade do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva quando não constar no registro o pai biológico da criança.
O presente artigo, por meio da pesquisa exploratória, bibliográfica e com método dedutivo busca compreender a evolução histórica e legislativa do conceito de família, os princípios e sua influência na dupla paternidade, a multiparetalidade e o posicionamento doutrinário e jurisprudencial da dupla paternidade no registro civil; tratar do reconhecimento da dupla paternidade do registro civil e analisar a viabilidade do reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva quando não consta no registro o pai biológico.
1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE FAMÍLIA
Com o fito de conceituar a família, para que chegue em uma definição atual, é preciso primeiramente uma explanação antiga deste conceito.
Seguindo o raciocínio da autora Maria Berenice Dias (2017, p. 38) nos primórdios, a palavra família estava relacionada ao um perfil familiar hierarquizado e patriarcal, ou seja, o “pai” era a figura central, o chefe. O patriarca era responsável por levar o sustento da família para o lar; a figura da mulher, a matriarca, tinha como função apenas de procriar, cuidar de seus filhos, do marido e da casa. O referido cenário era concretizado com o casamento entre este homem e esta mulher, que por final, constituíam uma família que também é conhecido como uma espécie de entidade familiar.
O rol do artigo 226 da Constituição Federal, trata a família como a base da sociedade, e o Estado com fundamento no princípio da dignidade humana, oferece a segurança voltada para o bem-estar familiar, tendo um cuidado especial.
Entretanto, a lei vem sempre depois do fato e procura congelar a realidade, tornando um viés conservador, porém essa realidade se modifica, assim como Maria Berenice Dias (2017, p. 37) explica:
Mas a realidade se modifica, o que necessariamente acaba se refletindo na lei. Por isso, a família juridicamente regulada nunca consegue corresponder à família natural, que preexiste ao Estado e está acima do direito. A família é uma construção cultural. (DIAS, 2017, p. 37).
Com o avanço social, o conceito de família e filiação sofre constantes transformações, e vale destacar que é importantíssima essa alteração, uma vez que, atende e supre parte da demanda da realidade social atual.
Hodiernamente, o entendimento de que o homem ‘’pai’’ é o centro da família mudou, através do desenvolvimento cultural da sociedade capitalista e também pela revolução industrial que transformou o mercado. Conforme o pensamento da autora Maria Berenice Dias (2017, p. 146 e 147) a partir da revolução industrial, a mulher começou a conquistar seu espaço perante a sociedade, como por exemplo passando a ter uma ocupação que não fosse ser ‘’dona de casa’’, sendo inserida no mercado de trabalho e consequentemente deixando de ter como sua finalidade apenas a procriação, cuidados para com os filhos, marido e do lar, também passando a manter parte do sustento da família.
Conceituar e padronizar a família em pleno século XXI é uma tentativa quase impossível, visto que cada indivíduo carrega consigo um entendimento a respeito do que é ‘’ser família’’, mas no geral, família é sinônimo de valores, costumes e pensamentos, também afeto, respeito, carinho e companheirismo presentes em um ambiente familiar em busca da seguridade de convivências entre os entes, independentemente de qualquer evolução histórica, social e cultural.
O pensamento de Carlos Roberto Gonçalves (2020, p. 31), explica que só recentemente essas mudanças em relação à família é que aconteceram:
Só recentemente, em função das grandes transformações históricas, culturais e sociais, o direito de família passou a seguir rumos próprios, com as adaptações à nossa realidade, perdendo aquele caráter canonista e dogmático intocável. (GONÇALVES, 2020, p. 31).
Além disso, a evolução legislativa vem justamente para auxiliar no amparo a essas mudanças que vêm acontecendo ao longo dos tempos.
1.1 Evolução legislativa do conceito de família
O sistema normativo jurídico brasileiro anterior à Constituição Federal de 1988, principalmente relacionado à base legal do Código Civil de 1916, regimentava e acatava como família apenas a união formada pelo matrimônio. Assim, no âmbito civil, particularmente no direito de família, a evolução acontece conforme o avanço cultural e por essas variações serem necessárias o direito civil não pode permanecer estático.
O Código Civil Brasileiro de 2002, surge após a Constituição Federal, deixando assim o Código Civil de 1916 ultrapassado em relação às necessidades sociais, em específico das famílias, por isso, o Código Civil de 2002 veio para amenizar essa desatualização e caminhar paralelamente à Constituição Federal.
A Constituição Federal de 1988 veio especificamente nesse assunto, para revolucionar o direito de família e privilegiar a dignidade da pessoa humana, assim como a paternidade responsável e ao Estado o compromisso do amparo legal, bem como menciona Gonçalves em seu livro de Direito Civil Brasileiro (2020, p. 32): ‘’A nova Carta abriu ainda outros horizontes ao instituto jurídico da família, dedicando especial atenção ao planejamento familiar e à assistência direta à família (art. 226, §§ 7º e 8º)’’.
Dessa forma, a Constituição Federal juntamente com o Código Civil de 2002 complementou o conceito de família, tratando e protegendo todos os seus entes de forma igualitária, principalmente nivelando a mulher ao homem.
A partir da boa convivência entre pais e filhos é que aflora a relação de afinidade no seio familiar e, consequentemente, a filiação socioafetiva vem cada vez mais ganhando seu espaço, sendo principalmente reconhecida pelas doutrinas e jurisprudências, pois em relação a socioafetividade, o Código Civil ainda é um tanto omisso.
1.2 Princípios norteadores e sua influência na dupla paternidade
Os princípios são uma forma de garantia constitucional que estão presentes tanto em normas constitucionais quanto infraconstitucionais positivadas na Constituição Federal de 1988, suprindo as necessidades das famílias brasileiras. Incorporado na dupla paternidade, estão presentes os princípios: dignidade da pessoa humana, o da afetividade, paternidade responsável e o da vedação ao retrocesso social. A influência desses princípios na relação de múltipla paternidade, ocorre de forma que a aplicação é imediata do pai que convive com o filho ou filha no ambiente familiar.
O princípio da dignidade da pessoa humana é basilar na família, na sociedade, na relação de multiparentalidade e é desse princípio que se origina os demais. Está previsto tacitamente no artigo 1º, inciso III da Constituição Federal de 1988:
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;
Dessa forma, esse princípio traduz que toda pessoa, as nascer goza de uma integralidade e dignidade própria que deve sempre ser respeitada por todos até sua morte e representa a atuação do Estado nos assuntos relacionados a dignidade do indivíduo e principalmente da dupla filiação.
Para que através da afetividade seja constituída uma dupla paternidade, é necessária a construção de uma base sólida, benéfica e satisfatória fundada no convívio e afeto entre os indivíduos. Uma forma de verificar essa base sólida é observando o princípio da afetividade, que embora seja implícito, ou seja, não é expressamente previsto em lei, deriva do máximo princípio da dignidade humana e o princípio da solidariedade, assim como estabelece Flávio Tartuce (2020, p. 1131): ‘’Mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana e da solidariedade.’’
O ministro Luiz Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal (STF), sustenta e reconhece a evolução e diversas transformações sofridas pela família, que hoje resultou em uma relação voltada principalmente no afeto:
Na transformação da família e de seu Direito, o transcurso apanha uma ‘comunidade de sangue’ e celebra, ao final deste século, a possibilidade de uma ‘comunidade de afeto’. Novos modos de definir o próprio Direito de Família. Direito esse não imune à família como refúgio afetivo, centro de intercâmbio pessoal e emanador da felicidade possível (...). Comunhão que valoriza o afeto, afeição que recoloca novo sangue para correr nas veias do renovado parentesco, informado pela substância de sua própria razão de ser e não apenas pelos vínculos formais ou consanguíneos. Tolerância que compreende o convívio de identidades, espectro cultural, sem supremacia desmedida, sem diferenças discriminatórias, sem aniquilamentos. Tolerância que supõe possibilidade e limites. Um tripé que, feito desenho, pode-se mostrar apto a abrir portas e escancarar novas questões. Eis, então, o direito ao refúgio afetivo (FACHIN apud LIGIERO, 2015, p. 12-13).
Dos vínculos afetivos resulta o debate para que a dupla filiação seja aceita e consequentemente registrada. Além disso, a afetividade deu um valor jurídico para as fundamentações de decisões judicias. Tais valores surgem da aceitação cada vez mais recorrente dos tribunais.
Já o princípio da paternidade responsável, também decorre do princípio da dignidade da pessoa humana e equivale à responsabilidade dos pais desde o nascer até a momento que seja preciso esse acompanhamento responsável do indivíduo. É função do pai socioafetivo dar assistência, educação e criação dos filhos, assim como as obrigações de um pai biológico. Dessa forma, o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), transcreve corretamente o dever e obrigações do pai para com o filho, ‘’Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais’’.
A previsão legal do princípio citado, é constatada no artigo 226, parágrafo §7º da Constituição Federal:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado, § 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
É através do afeto que se comprova essa paternidade responsável, pois demonstra o zelo e cuidado para com os filhos dentro da instituição familiar. Assim a forma de construir e manter a família é de livre escolha dos pais, contudo, uma criação, educação e orientação correta repassada aos filhos, precisam estar de acordo com a lei e a sociedade.
Com fulcro no artigo 22 do ECA e no 226 §7º da Constituição Federal, observamos e firmamos que a legislação previu as responsabilidades do pai, no entanto, deixou para a doutrina a forma com que essas responsabilidades vão ser aplicadas, a julgar por o papel de pai ir além dessas meras obrigações, responsabilidades e deveres, é primeiramente amar, dar condições para que a criança cresça e se desenvolva em um ambiente sadio, produtivo, harmonioso, proporcionar saúde mental de qualidade, carinho, respeito e uma excelente convivência.
Por fim, o princípio da vedação ao retrocesso social tem a sua representatividade no impedimento do legislador no controle, ainda que parcial, do direito social que já é materializado no âmbito legislativo e na sociedade, retroceder ao ponto do legislador ser infiel ao tratamento de leis e direitos afirmados pela Constituição Federal.
Assim sendo, o êxito alcançado no decorrer dos anos em relação a multiparentalidade, devem ser respeitados, e por isso, os modelos atuais de família estão amparados por este princípio.
1.3 Multiparentalidade
Através da evolução doutrinária, sociocultural e jurisprudencial, o direito não pode permanecer inerte, por isso, o reconhecimento da multiparentalidade é findado nos princípios constitucionais. A multiparentalidade por ser a filiação biológica/sanguínea e afetiva é um conceito atualíssimo e com fundamento na socioafetividade.
Até poucos anos, o reconhecimento da multiparentalidade no registro civil brasileiro era impossível. Conforme a sociedade veio sofrendo grandes transformações quanto a estrutura familiar e consequentemente também as leis em relação a família, é que a multiparentalidade começou a ganhar seu espaço através de decisões jurisprudenciais, visto que, até então as leis relacionadas ao registro civil brasileiro somente respaldam a um pai e uma mãe no registro.
Apenas em setembro de 2016 foi que houve esse primeiro reconhecimento por parte do Supremo Tribunal Federal, quando negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 898.060, com base no tema da Repercussão Geral 622 que retrata a multiparentalidade e seus efeitos. O RE 898.060 concerne na possibilidade de o pai biológico estar constituído ou não na certidão de nascimento de sua descendente que já possuía em seu registro o nome de seu pai socioafetivo que a criou desde pequena como se filha fosse. O doutrinário Christiano Cassettari (2017, p. 188) reafirma a decisão do STF:
O relator do RE 898.060-SC, Ministro Luiz Fux, considerou que o princípio da paternidade responsável impõe que tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos quanto aqueles originados da ascendência biológica devem ser acolhidos pela legislação. Segundo ele, não há impedimento do reconhecimento simultâneo de ambas as formas de paternidade – socioafetiva ou biológica –, desde que esse seja o interesse do filho. (CASSETTARI, 2017, p.188).
Dessa forma, após essa decisão do STF, abriu-se portas para mais reconhecimentos de multiparentalidade.
Hodiernamente, após casos recorrentes no judiciário, observa-se que quanto a divergência de doutrina e jurisprudência em relação a dupla paternidade não há, ou seja, ambos priorizam e reconhecem a importância da relação de pai e filho, independentemente de ser biológica ou afetiva e por isso, quando analisado caso a caso, em sua grande maioria, os Tribunais optam pelo reconhecimento da dupla paternidade.
O artigo 1.593 do Código Civil, ‘’ O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem’’, quando menciona (outra origem), nos deixa claro que o vínculo socioafetivo reconhecido se encaixar perfeitamente aqui. Além desse artigo, também contribuiu para o posicionamento, a Constituição Federal, a convivência familiar e os princípios da dignidade da pessoa humana, proteção integral, prioridade absoluta e melhor interesse da criança, o qual todos tem o objetivo de preservar os direitos desse indivíduo.
Quanto ao registro civil, a criança ou adolescente que tem em seu registro o nome do pai socioafetivo, lhe traz uma segurança maior, garantindo seus direitos, caso esse pai venha a separar da sua companheira ou queira anular a paternidade socioafetiva.
Na modalidade extrajudicial o posicionamento adotado é com base no provimento Nº 63 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que deixa claro que é possível o reconhecimento de paternidade ou maternidade socioafetiva, desde que respeite os requisitos do parágrafo §6º do provimento Nº 63.
2.DO RECONHECIMENTO DA DUPLA PATERNIDADE NO REGISTRO CIVIL BRASILEIRO
A Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, é a lei de Registros Públicos, em que uma das suas particularidades corresponde aos registros de nascimentos em nosso país, a qual, por sua vez sofreu, recentemente, algumas alterações, que estão na lei nº 13.484, de 26 de setembro de 2017. Essas modificações surgiram em prol de uma sociedade que visa ser mais justa e igualitária. Com as inúmeras transformações sociais frente ao quesito família, inclusões em nosso sistema jurídico foram feitas e a comprovação é a possibilidade da cumulação de paternidade.
A Lei de Registros Públicos é uma das mais importantes no âmbito jurídico brasileiro e tem como objetivo a ‘’ [...] autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei”, conforme art. 1º.
Posto isso, vale ressaltar que, uma vez reconhecida a paternidade socioafetiva civilmente não poderá negar a paternidade e nem anular o registro caso este homem venha a separar da esposa, salvo em situações de vício de consentimento, a provir do caso concreto, cujo entendimento reconhecido pelo Superior Tribunal de Justiça, como no REsp 1003628 DF 2007/0260174-9 do STJ julgado em 14 de outubro de 2008 pela 3ª Turma com a relatora Ministra Nancy Andrighi, bem como vejamos:
Direito civil. Família. Criança e Adolescente. Recurso especial. Ação negatória de paternidade c.c. declaratória de nulidade de registro civil. Interesse maior da criança. Ausência de vício de consentimento. Improcedência do pedido. - O assentamento no registro civil a expressar o vínculo de filiação em sociedade, nunca foi colocado tão à prova como no momento atual, em que, por meio de um preciso e implacável exame de laboratório, pode-se destruir verdades construídas e conquistadas com afeto. - Se por um lado predomina o sentimento de busca da verdade real, no sentido de propiciar meios adequados ao investigante para que tenha assegurado um direito que lhe é imanente, por outro, reina a curiosidade, a dúvida, a oportunidade, ou até mesmo o oportunismo, para que se veja o ser humano tão falho por muitas vezes livre das amarras não só de um relacionamento fracassado, como também das obrigações decorrentes da sua dissolução. Existem, pois, ex-cônjuges e ex-companheiros; não podem existir, contudo, ex-pais. - O reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento, isto é, para que haja possibilidade de anulação do registro de nascimento de menor cuja paternidade foi reconhecida, é necessária prova robusta no sentido de que o pai registral foi de fato, por exemplo, induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto. - Tendo em mente a salvaguarda dos interesses dos pequenos, verifica-se que a ambivalência presente nas recusas de paternidade são particularmente mutilantes para a identidade das crianças, o que impõe ao julgador substancial desvelo no exame das peculiaridades de cada processo, no sentido de tornar, o quanto for possível, perenes os vínculos e alicerces na vida em desenvolvimento. - A fragilidade e a fluidez dos relacionamentos entre os adultos não deve perpassar as relações entre pais e filhos, as quais precisam ser perpetuadas e solidificadas. Em contraponto à instabilidade dos vínculos advindos das uniões matrimoniais, estáveis ou concubinárias, os laços de filiação devem estar fortemente assegurados, com vistas no interesse maior da criança, que não deve ser vítima de mais um fenômeno comportamental do mundo adulto. Recurso especial conhecido e provido.(STJ - REsp: 1003628 DF 2007/0260174-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 14/10/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: --> DJe 10/12/2008)
Também podem ocorrer situações em que o filho deseja anular o registro de nascimento, que apresenta o pai socioafetivo no documento, e pretende a busca do reconhecimento do pai biológico, ocorrendo assim, uma situação inversa. Nessas demandas, o que se leva em consideração para a análise são os interesses apropriados e adequados para esse pedido, resultando em uma decisão coerente atendendo ou não esse desejo.
Através dos processos judiciais, vem ocorrendo a efetivação judicial da filiação socioafetiva, como não há previsão na lei foi uma evolução construída basicamente pela doutrina e pela jurisprudência. Após a sentença, que reconhece essa filiação, é expedido um mandado judicial de averbação para o cartório de registro civil das pessoas naturais de onde o indivíduo foi registrado.
Além disso, não é muito utilizado e poucos sabem, mas existe a possibilidade, de reconhecimento da paternidade socioafetiva post mortem, que é a paternidade reconhecida após a morte de seu genitor.
Uma base legal sobre a filiação post mortem, encontra-se no artigo 42, § 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que fala da adoção póstuma, por analogia: ‘’A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença’’.
Uma vez que o Direito desempenha papel imprescindível ao tutelar as relações sociais e familiares, em especial quanto a seus efeitos jurídicos, a multiparentalidade é um exemplo atual dessa proteção, inobstante inexistir lei específica acerca do assunto.
Por isso, o Recurso Extraordinário (RE) 898060/SC quando analisado e discutido pelo Supremo Tribunal Federal em 2016, abriu possibilidades para que o indivíduo tivesse a oportunidade de escolher se queria o nome do pai tanto biológico como socioafetivo no registro civil, não sendo mais obrigado a escolher entre um ou outro. É importante frisar que, declarado ou não, o reconhecimento da paternidade socioafetiva, não impede de aprovar a filiação biológica em segundo plano, findando a multiparentalidade, assim como no julgado AC 1001117-95.2018.8.26.0125 SP 1001117-95.2018.8.26.0125 do TJ – SP:
RECONHECIMENTO JUDICIAL DE PATERNIDADE. MULTIPARENTALIDADE. Ação ajuizada pelo pai biológico para reconhecimento da paternidade da ré. Sentença recorrida que reconheceu a paternidade fundada em resultado de exame de DNA positivo. Recurso de apelação interposto tão-só pelo pai biológico, impugnando o valor relativo à verba alimentar e requerendo a exclusão do nome do pai registral do assento de nascimento da menor. Pensão alimentícia para o caso de desemprego ou emprego informal fixada em sentença em ½ do salário mínimo. Necessidades da menor presumidas. Inexistência nos autos de elementos relativos ao atual cargo ocupado pelo alimentante. Remuneração percebida quando empregado (até junho de 2017), contudo, que permitem concluir pela necessidade de redução do montante fixado em sentença para 1/3 do salário mínimo em caso de desemprego ou emprego informal, para adequar às possibilidades do alimentante. Descabida pretensão de exclusão do pai registral do registro da menor. Situação típica de multiparentalidade, confirmada por laudo da equipe multidisciplinar. Existência de paternidade socioafetiva com o pai registral não exclui a paternidade biológica do recorrente. Precedente normativo proferido em sede de Recurso Extraordinário com repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal. Pedido que atende aos interesses e é formulado por todos os envolvidos (filha, pai registral/social, mãe e pai biológico). Recurso provido em parte. (TJ-SP - AC: 10011179520188260125 SP 1001117-95.2018.8.26.0125, Relator: Francisco Loureiro, Data de Julgamento: 28/02/2020, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 28/02/2020)
Deve-se destacar que a cumulação de parentalidade só é permitida, caso seja em prol do melhor interesse da criança, adolescente ou indivíduo. Diante disso, após o registro de ambos os pais, o tratamento para com eles deverá ser igualitário, visto que compartilharão dos mesmos direitos e deveres em relação ao filho, do mesmo modo que o filho também gozará de deveres e obrigações a serem observadas para com os dois pais. Essa igualdade para todos os efeitos advém da multiparentalidade.
Até aqui observamos que esse reconhecimento de dupla paternidade pela via judicial já é uma situação pacificada em todo território nacional; pela via extrajudicial, segundo os autores Franco e Júnior (2018, p. 04 e 05) em seu artigo Reconhecimento extrajudicial da filiação socioafetiva e multiparentalidade: comentários ao provimento nº 63, de 14.11.17, do CNJ, afirmam que o reconhecimento extrajudicial começou a ser discutido pelo autor Christiano Cassettari e posteriormente a ideia acolhida pelo desembargador Jones Figueiredo Alves.
Através de um pedido do IBDFAM, (Instituto Brasileiro de Direito de Família), com intuito de regulamentar a filiação socioafetiva nos cartórios, feito ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o mesmo acolheu esse pedido que resultou na alteração do provimento nº 63 para nº 83 do CNJ, e um dos assuntos é a paternidade socioafeitva na modalidade extrajudicial.
As alterações feitas no provimento na seção II tratou-se das mudanças dos seguintes artigos: modificou o 10 e acrescentou o 10-A, §1º, §2º, §3º e §4º, também o 11, §4º, §9º, I, II, III e o artigo 14, §1º e §2º. Em relação ao artigo 10, a alteração foi apenas na idade para o reconhecimento voluntário socioafetivo, que no provimento 63 não havia restrição e agora passa a ser de acima de 12 anos. Já no artigo10-A trata-se da comprovação da afetividade, ou seja, perante o meio social que o filho(a) e o pai ou a mãe socioafeito vivem, é necessário que todos reconheçam esse vínculo, tornando possível esse reconhecido perante o cartório de registro. Nos §1º e §2ª concerne na pessoa responsável do cartório que irá registrar esse vínculo a plena certeza que a afetividade existe entre pai e filho(a) e essa comprovação se dá por meio de provas documentadas, seja por meio de fotos, declaração de testemunhas, apontamento escolar como represente, dentre outros. Já no §3º diz que a falta desses documentos quando justificadas, não impossibilita o registro, desde que o registrador consigo enxergar uma relação de afetividade entre os requerentes.
Sobre o artigo 11, §4º refere-se ao filho que for menor de 18 anos, para que haja o reconhecimento, precisa ter a anuência desse menor. No §9º enfoca no Ministério Público de forma que, o registrador constatado que todos os requisitos foram respeitos para o reconhecimento, o mesmo encaminhará ao MP para o parecer permitindo ou não o registro. Caso seja favorável, o registrador está apto para finalizar esta demanda. Se por ventura for desfavorável, o registrador não poderá oficializar o pedido e também comunicará aos requerentes o ocorrido e em seguida promoverá o arquivamento dessa solicitação. Caso haja dúvidas em relação ao registro, é necessário levar esses fatos até o juízo competente para que seja julgado e sanado, bem como explica os incisos I, II e III do artigo 11.
Por fim, no artigo 14 foram acrescentados os parágrafos §1º e §2º que tange a respeito da quantidade de ascendentes, ou seja, só é permitido reconhecer via extrajudicial apenas um socioafetivo, seja paterno ou materno e caso queira mais ascendentes só terá chances se optar por tramitar pela via judicial. Com isso, apreciamos que somente é possível o reconhecimento da paternidade socioafetiva pela categoria extrajudicial se acordar com os requisitos dos artigos, parágrafos e incisos alterados pelo provimento nº 83 do CNJ de 14.11.17.
3 A (IM)POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA QUANDO NÃO CONSTA NO REGISTRO O PAI BIOLÓGICO DA CRIANÇA.
O reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva e o registro da dupla paternidade é uma realidade regulamentada pelos provimentos 63 e 83 do CNJ. Como o próprio nome já diz, a paternidade socioafetiva advém do afeto baseado no convívio familiar e para que exista essa paternidade ela precisa ser comprovada.
Com a análise do artigo 11, §6º do provimento nº 83 do CNJ, se constata que é possível o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva caso tenha o consentimento expresso da mãe e do pai biológico, bem como vejamos:
Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação.
§ 6º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.
No entanto, o reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafeita quando não consta no registro civil do filho o nome do pai biológico, ainda é assunto que divide opiniões. Já que o reconhecimento da paternidade socioafetiva é em prol do melhor interesse da criança, uma vez que não ter esse direito reconhecido também pela via extrajudicial quando não tiver em conformidade com os artigos, parágrafos e incisos do provimento, por que não ser de uma forma menos onerosa e mais célere, evitando assim, transtornos para o menor e desgaste psíquico e físico do pai socioafetivo? E se a ausência de um dos pais for em decorrência de falecimento, desaparecimento ou simplesmente não puder ir, o reconhecimento extrajudicial também não será permitido?
O não reconhecimento nessas situações infringe o conteúdo do artigo 227, §6º da Constituição Federal, o 1.596 do Código Civil e o princípio da igualdade de filiação que tratam dos filhos igualmente, sem distinções, independente se é filho biológico ou não, ou seja, o filho que não conseguir o reconhecimento da paternidade socioafetiva extrajudicialmente gozará de uma desigualdade em relação a seus irmãos, assim como trata Karina Barbosa Franco e Marcos Ehrhardt Júnior em seu artigo (2018, p. 12).
Os provimentos 12, 16 e 26 do CNJ cujo objetivo foi incentivar e facilitar o reconhecimento voluntário da paternidade biológica, foram omissos no que tange à filiação afetiva. Mesmo com essa omissão, segundo a autora Paula Ferla Lopes em seu artigo, O Reconhecimento Extrajudicial da Paternidade Socioafetiva e a Sua Experiência no Ordenamento Jurídico Brasileiro (2016, p. 19), defende que é
impossível não facilitar o reconhecimento jurídico nos casos da paternidade socioafetiva, que, ultrapassando a afinidade genética, demonstra a real intenção de quem quer ser pai, uma vez que possui uma base muito mais sólida do que qualquer fator biológico, sustentada no afeto e na convivência familiar.
Na intenção de facilitar esse procedimento extrajudicial, no Estado do Amazonas o Juiz Dr. Gildo Carvalho Filho, vendo a dificuldade da população em resolver os problemas judiciais, criou um projeto existente no Polo Avançado do Núcleo de Conciliação das Varas de Família, desenvolvido entre o TJAM e a Universidade Federal do Amazonas (UFAM), que consiste em um atendimento pré-processual que visa diminuir as burocracias de um processo, tornando-o menos oneroso e rápido para aquelas pessoas que não possuem condições financeiras para uma demanda judicial. Dentre os assuntos atendidos é o de reconhecimento da socioafetividade, que gera a multiparentalidade no Registro Civil.
Esse projeto é desenvolvido por profissionais e acadêmicos do Direito, Serviços Sociais e Psicologia e por eles foram elaborado um termo de audiência específico para quando há pai registral e quando não há, conforme consta o modelo no livro de Cassetari (2017, p. 143 à 148). O autor ainda defende que ‘’ [...], sem a necessidade da anuência dos pais registrais, é conferido aos pais socioafetivos o amplo direito de representação, com base analógica ao que prevê o § 2º do artigo 33 do ECA’’.
Através do parágrafo 2º que retrata a situação da falta dos pais ou responsável, é o encaixe perfeito para a circunstância de quando não houver pai registral e a necessidade de reconhecimento da paternidade socioafetiva no cartório, de forma a fazer o uso da analogia que vem para facilitar e resolver os problemas quando ainda não existe uma lei específica para o assunto tratado.
A facilitação do reconhecimento extrajudicial mediante analogia na situação elencada, reafirma a importância de ter a paternidade socioafetiva averbada no registro e ter um documento que comprove essa filiação. Essa averbação está elencada no inciso II do artigo 10 do Código Civil, de forma a ser interpretada também pela analogia, visto que o inciso I trata do casamento, divórcio, dentre outros assuntos, bem como vejamos:
Art. 10. Far-se-á averbação em registro público:
I - das sentenças que decretarem a nulidade ou anulação do casamento, o divórcio, a separação judicial e o restabelecimento da sociedade conjugal;
II - dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem ou reconhecerem a filiação;
Com isso, deixa claro que em se tratando de filiação, é imprescindível a averbação em registro público, fazendo com que o registrado sirva como uma garantia e segurança maior de seus direitos para a criança ou adolescente. E quando há a paternidade socioafetiva reconhecida e o pai biológico surge querendo esse direito reconhecido, porém de forma que o outro pai deixe de existir? Na Apelação Cível AC 70076327162 RS, observamos uma situação exatamente assim, que é o não reconhecimento somente da paternidade biológico quando já existe a paternidade socioafetiva comprovada, nesse viés, avaliemos:
APELAÇÃO CÍVEL. INVESTIGATÓRIA DE PATERNIDADE. RECONHECIMENTO DO VÍNCULO BIOLÓGICO E PRESERVAÇÃO DA PATERNIDADE REGISTRAL PRÉ-EXISTENTE SOCIOAFETIVA. MULTIPARENTALIDADE. INEXISTÊNCIA DE DEFEITO DE CONGRUÊNCIA ENTRE PEDIDO E SENTENÇA. Caso em que não há defeito de congruência entre o pedido e a sentença, pois o reconhecimento da multiparentalidade (dupla paternidade) se insere no âmbito do pedido do autor (pai biológico) que se limita à inclusão, no registro de nascimento da filha, da paternidade biológica, no qual já consta registrada uma paternidade socioafetiva. Nesse passo, estando bem provada a relação de afeto existente entre a menor e o pai registral socioafetivo, a sentença que reconheceu a paternidade biológica, preservando a paternidade registral pré-existente, julgou conforme a jurisprudência da Corte, pois possível e adequado o reconhecimento da dupla paternidade (multiparentalidade), em casos como o presente. NEGARAM PROVIMENTO. (Apelação Cível Nº 70076327162, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 28/06/2018). (TJ-RS - AC: 70076327162 RS, Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 28/06/2018, Oitava Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 06/07/2018)
Nessa concepção, na disputa do pai biológico querer ‘’tirar’’ totalmente o direito do pai socioafetivo, o entendimento majoritário segue a linha de raciocínio da repercussão geral 622, que priva pelo reconhecimento das duas paternidade concomitantemente, desde que esteja comprovada a paternidade socioafetiva e a biológica tenha interesse também, lembrando que é analisado sempre pensando no melhor para o indivíduo que receberá o nome de ambos. Com isso, concluímos que, entre a paternidade socioafetiva e a biológica não há hierarquia, e por isso é permitido reconhecer a paternidade socioafetiva na ausência do pai biológico no registro, desde que seja analisado minuciosamente caso a caso.
CONCLUSÃO
No atual cenário da filiação no registro civil, advinda da grande demanda em busca de reconhecimento, que passou a existir ocasionadas pelas mudanças de conceito de família e até mesmo os costumes da sociedade, nasceu a nova modalidade de filiação, ‘’dupla paternidade no registro civil’’, que é quando tem a paternidade biológica e socioafetiva reconhecida mediante a sociedade e/ou registro civil.
A jurisprudência já firmou seu entendimento com base na repercussão geral Nº 622 de 2017 do STF, de que a procura por esse reconhecimento é grande e que deve ser provido, desde que analise todas as circunstâncias para que comprove se realmente há necessidade desse reconhecimento, de forma que a criança nuca fique desamparada e nem saia no prejuízo. Também entendem que a paternidade biológica e socioafetiva andam lado a lado, ou seja, sem uma sobressair a outra. Nota-se que os tribunais superiores, de modo geral, seguem a mesma linha do entendimento do STF e também dos provimentos Nº 63 e 83 do CNJ.
O posicionamento majoritário da doutrina, representada principalmente pelos autores Maria Berenice Dias e Cristiano Cassetari, sustentam seus pensamentos nos princípios, na lei máxima que é a Constituição Federal e acreditam que sim, a dupla paternidade precisa ser reconhecida, a fim e melhorar a vida e garantir os direitos das crianças e adolescentes que tanto desejam ter esse ato constituído.
Cassetari vai além, quando resolve ressaltar a importância desse reconhecimento na modalidade extrajudicial, visto que, respeitando o provimento Nº 83, em alguns casos, o reconhecimento extrajudicial torna-se quase que impossível, como por exemplo quando não se tem o nome do pai biológico no registro civil, faz com que deixe transparecer que a única saída para resolver essa demanda seja pela via judicial, que apesar de demorada, também resolve, mas na verdade, surge uma possibilidade mais célere quando se constatou-se que em interpretação analógica do inciso II do Art. 10 do Código Civil, bem como à luz da finalidade dos Provimentos 12, 16, 26 do CNJ, é possível o reconhecimento extrajudicial da paternidade afetiva caso não conste a paternidade biológica registrada. No entanto, importante ressaltar que o CNJ poderia deixar essa possibilidade clarividente colocando em texto expresso nos Provimentos 63 e 83.
REFERÊNCIAS
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[1]Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo. Mestre em Direito pela UNIMAR. Professora do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins. Advogada.
Bacharelanda em Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins- UniCatólica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRAGA, Domaia Fernanda Mascarenhas. O reconhecimento extrajudicial da paternidade socioafetiva: direito a pai biológico e socioafetivo no registro civil brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2021, 04:41. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56665/o-reconhecimento-extrajudicial-da-paternidade-socioafetiva-direito-a-pai-biolgico-e-socioafetivo-no-registro-civil-brasileiro. Acesso em: 08 dez 2024.
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