IGOR DE ANDRADE BARBOSA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente estudo consiste na análise da (in) constitucionalidade da aplicação da medida protetiva de urgência pela autoridade policial após a vigência da Lei n. º 13.827, de 13 de maio de 2019, na qual ampliou o rol de legitimados para sua aplicação, sendo acrescentado o artigo 12-c, na Lei Maria da Penha. Inicialmente, o estudo aborda o contexto da violência doméstica e familiar sob o enfoque da medida protetiva e o atendimento fornecido pela autoridade policial. Por último, desta forma abordou a (in) constitucionalidade da referida lei, sob ótica do questionamento da referida Lei quanto sua inconstitucionalidade por afetar o princípio da reserva de jurisdição, em contrapartida há quem afirma que a Lei é constitucional visto que a Lei preserva que a última palavra seja do magistrado. Assim, o estudo foi pautado pela revisão bibliográfica, caracterizado pela análise de doutrina e legislação, sendo utilizado o método indutivo na sua elaboração.
Palavras-chaves: Autoridade Policial. Inconstitucionalidade. Lei n. º 13.827/2019. Medidas Protetivas de Urgência. Violência doméstica e familiar.
ABSTRACT: The present study consists of the analysis of the (in) constitutionality of the application of the urgent protective measure by the police authority after the validity of Law No. 13,827, of May 13, 2019, in which it expanded the list of legitimized for its application, being added Article 12-c, in the Maria da Penha Law. Initially, the study addresses the context of domestic and family violence under the approach of the protective measure and the care provided by the police authority. Finally, in this way addressed the (in) constitutionality of that law, from the perspective of questioning the said law and its unconstitutionality due to affecting the principle of reservation of jurisdiction, on the other hand there are those who affirm that the Law is constitutional since the law preserves that the last word is the magistrate. Thus, the study was guided by the literature review, characterized by the analysis of doctrine and legislation, and the inductive method was used in its elaboration.
Keywords: Domestic violence and family. Emergency Protective Measures. Law N. º. 13.827/2019. Police authority. Unconstitutionality.
SUMÁRIO: Introdução – 1. As faces da violência silenciosa e as medidas de proteção prevista na lei nº 11.340/06; 2. As Medidas Protetivas de Urgências (MPU’s); 2.1 As Medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor; 3. A delegacia de polícia e a Lei Maria da Penha: panorama da atuação da autoridade policial na medida protetiva de urgência; 4. Atuação da autoridade policial nos casos de violência doméstica e familiar; 5. O papel policial: nas Medidas Protetivas de Urgência; 6. (In) constitucionalidade da lei 13.827/2019 na aplicação da medida protetiva de urgência; 6.1 A concessão da Medida Protetiva de Urgência; 6.2 Análise da constitucionalidade da medida protetiva de urgência após vigência da lei 13.827/2019; Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Ao longo dos séculos as mulheres sofrem diversos tipos de violência, no seu seio familiar e doméstico, em razão de uma discriminação de gênero, que ocorre devido os estigmas de superioridade que a figura masculina impõe na sociedade.
Nesse sentido, com a criação da Lei Maria da Penha (11.340/2006), nasce o instrumento legal para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, além de ter como propósito preservar os direitos da mulher, sendo o marco histórico na sua proteção. A criação da Lei visa romper com o modelo social da discriminação de gênero, tornando-se um efetivo mecanismo de proteção a ofendida.
Desse modo, a violência doméstica contra a mulher está presentes de forma habitual em suas próprias residências em decorrência de uma relação de afeto, que em muitos casos as vítimas acabam sofrendo agressões dos seus próprios parceiros. Por essa razão, foi necessário a criação Medidas Protetivas de Urgência contra o agressor disposto no art. 22 da Lei n. º 13.340/2006, para proporcionar uma maior proteção paras as vítimas, como também seus familiares.
Com a criação das Delegacias da Mulher em conjunto com a Lei, a atuação da autoridade policial nas medidas protetivas de urgência contra o agressor busca aspecto de combate violência sofrido pela mulher no seu seio doméstico e familiar, em divergência ao modo anterior em que o Juiz era a única autoridade competente para aplicar das medidas.
No entanto, o legislador em 13 de maio do ano de 2019, foi editada novas normas, como, por exemplo, a criação da Lei n. º 13.827/2019, acrescentando o art. 12-C na Lei Maria da Penha, atribuindo competência à autoridade policial na sua aplicação, a partir desse momento, busca-se conter a violência em face a mulher. Diante disso, pretende-se analisar, portanto, por meio deste artigo, as críticas legislativas e doutrinárias do referido dispositivo, sendo verificado os pontos positivos e negativos.
O dispositivo acrescentado é um importante diploma legal, na qual autoriza, em determinadas hipóteses específicas, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial (juiz) ou policial (delegado de polícia), em casos de municípios que não forem sedes de comarcas ou não houverem delegados no momento, pode qualquer autoridade policial aplicar tal medida.
Objetiva-se, assim, discutir-se, sobre a possível (in) constitucionalidade da norma, em razão da autorização, supostamente violaria o princípio constitucional da reserva jurisdicional, em contrapartida, há entendimento que não violaria o princípio pelo fato da necessidade de homologação pelo magistrado, ou seja, de qualquer forma o juiz deve se manifestar sobre a medida imposta.
Dessa forma, o estudo abordou as principais vertentes da Lei n. º 13.340/06, na qual discorreu sobre os tipos de violência contra a mulher sob o enfoque das medidas protetivas de urgência disposto no art. 22 e a atuação da autoridade policial, no atendimento oferecido à vítima de violência doméstica e familiar.
O método de abordagem utilizado foi o qualitativo, tendo em vista a natureza qualitativa desta pesquisa, que se propõe a analisar seus dados, sendo este o método mais recomendado é adequado a este tipo de análise, sobretudo por considerar a complexidade do presente estudo, haja vista os conflitos de princípios, por fim foi utilizado o método de estudo indutivo para melhor análise dos dados coletados. No que lhe concerne, os instrumentos de coleta de dados foram bibliográficos e documentais, baseado no que vêm assegurando sobre a referida vertente de (in) constitucionalidade.
1. AS FACES DA VIOLÊNCIA SILENCIOSA E AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO PREVISTA NA LEI N. º 11.340/06
Diante das diversas violências que existentes contra a mulher, que ocorrem nos diferentes âmbitos, a de maior ocorrência e impacto são as que acontecem no âmbito privado por haver um vínculo entre o agressor e a vítima, sendo a característica e atributo da violência doméstica e familiar, em razão de ser discreta e rotineira. A violência doméstica e familiar é caracterizada por Angélica Basthi (2011) como o ato de violência que envolve as pessoas com algum vínculo de afetividade ou aproximação no seu âmbito privado. Geralmente ocorre em casa, no ambiente doméstico, ou na relação de familiaridade, afetividade ou coabitação.
Em razão disso, se torna difícil a contabilização, por conta de casos não denunciados ou aplacados pelo agressor, pelo fato de muitas vezes essas violências acabam por atingir somente a mulher. Nesse contexto, conforme a Convenção de Belém do Pará (1994), a violência contra a mulher, sob o enfoque de uma conduta baseada no gênero, é a conduta que cause algum sofrimento à mulher seja físico, sexual ou psicológico, tanto na esfera pública como na privada.
Devido à ocorrência de violência em diversos aspectos na vida cotidiana de uma mulher, principalmente doméstico e familiar, houve a necessidade da criação de uma Lei própria, como também políticas públicas para coibir a violência de gênero. Assim, surge a Lei n. º 11.340/2006, conhecida como “Maria da Penha”, como instrumento legal e apropriado para o enfrentamento da violência doméstica e familiar, diante de uma demanda social urgente.
A Lei, no seu artigo 5º, conceitua que a violência, pode ser qualquer ação ou omissão baseada simplesmente em razão do gênero, que tem por objetivo causar morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, dano moral ou patrimonial. Ainda de acordo com a Lei, no artigo 7º, há um rol exemplificativo dos tipos de violência nesse âmbito, que pode ser física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral, vejamos:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularizarão, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Nesse entendimento, segundo Marcelo Yukio Misaka (2007) para conceituar a violência doméstica e familiar é necessário a conjugação dos artigos 5º e 7º, devido à Lei a primeiro momento conceituar e depois definir o seu campo de abrangência. A violência de gênero que ocorre nesse âmbito possui como pressuposto o sujeito ativo que merece maior respaldo à mulher, entretanto, a Lei n. º 11.340/2006 admite que o sujeito passivo, neste caso o agressor, seja um homem como outra mulher. Para Renato Brasileiro (2019), a violência doméstica e familiar perpetrada pelo sujeito passivo homem contra a mulher entende-se que há presunção absoluta de vulnerabilidade.
No entanto, a mesma violência sendo o sujeito passivo uma mulher está presunção de vulnerabilidade se torna relativa. Para ocorrer à proteção da parte mais vulnerável, necessitou a criação de mecanismos repressivos para maior efetividade da Lei n. º 11.340/2006, como a criação das Medidas Protetivas de Urgência (MPU’s).
O surgimento das medidas protetivas de urgência se deu através da Lei n. º 11.340/2006, onde busca a maior efetividade na proteção à vítima e seus familiares, contudo, anteriormente a criação dessa, existia o artigo 69, parágrafo único da Lei n. º n. º 9999/95 que possibilita ao Juiz a aplicação de algumas medidas. De acordo com Maria Berenice Dias (2019, p. 171), “o rol de medidas elencadas tem como propósito assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência, bem como reprimir os agressores e garantir a segurança da vítima, de seus filhos e de seu patrimônio”.
As Medidas Protetivas de Urgência (MPU’s), estabelecidas no Título IV, capítulo II, da Lei Maria da Penha, prevê um rol meramente exemplificativo, podendo ser concedidas outras que não estejam elencadas, logo todas as medidas podem ser revistas a qualquer tempo sendo deferida forma cautelar.
Dessa forma, essas medidas são estipuladas para o agressor, como também a vítima e seus dependentes, sendo sua natureza híbrida, por essa razão os efeitos não ocorrem de forma automática com a prática da infração penal. Conforme a Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (COPEVID[2]), firmou inicialmente o seguinte entendimento sobre a Medida Protetiva de Urgência:
Enunciado n. º. 004/2011: Às Medidas de Proteção foram definidas como tutelas de urgência, sui generis, de natureza cível e/ou criminal, que podem ser deferidas de plano pelo Juiz, sendo dispensável, a princípio, a instrução, podendo perdurar enquanto persistir a situação de risco da mulher.
As medidas estão condicionadas a presença de elementos que comprovem sua real necessidade para aplicação, sendo que sua legitimidade poder ser a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida no querer a tutela antecipada (art. 19, caput da Lei n. º 11.340/2006), por essa razão o processo cautelar tem por objetivo assegurar a efetividade da tutela jurisdicional. Logo, o seu procedimento próprio ocorre autos apartados do demais processo.
Os elementos essenciais para deferimento das medidas e a presença do fumus boni iuris e periculum in mora como sede de cognição sumária. Segundo Renato Brasileiro (2016), o fumus boni iuris e análise judicial da medida, através de uma cognição sumária dos elementos disponíveis, que possa prever a existência do fato ou o mero indício suficiente para ensejar à persecução penal, já periculum in mora se faz necessário pelo fato da demora do processo principal, razão da tutela ser concedida e se torna ineficaz, pelo perigo da demora da entrega da prestação jurisdicional.
Desse modo, o tempo de duração da medida não foi determinado em Lei, depende do entendimento do Juiz no caso concreto, podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo pelo fato de não forma coisa julgada material de acordo com art. 19, §2.º e 3.º da Lei n. º 11.340/2006. Segundo Alice Bianchini (2014, p.180), “o legislador separou as medidas protetivas de urgência entre os artigos 22 a 24 da Lei n. º 11.340/06, considerando as condutas comumente praticadas pelos agressores em sede de violência doméstica”. Ademais, as medidas que são determinadas no art. 22, tem por finalidade regular determinada conduta do agressor, para impedir a perpetuação da violência doméstica e familiar.
a) Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:
A medida visa preservar a saúde física e psicológica da mulher, diminuindo o risco de uma suposta e provável violência que a ofendida possa continuar a sofrer, visto que, com o agressor fora da residência, o patrimônio da ofendida também é preservado, já que seja bastante comum a destruição, por parte do agressor, segundo preconiza (BELLOQUE).
Para Porto (2014, p. 122), “o afastamento do agressor do lar é uma das medidas mais eficazes para prevenir consequências danosas que a convivência sob o mesmo teto pode permitir e até mesmo encorajar”. A medida se torna bastante útil na busca de preservar uma maior proteção à ofendida, sendo somente aplicada quando ambos residem no mesmo lar, têm o mesmo domicílio ou convivem no mesmo local.
b) Proibição aproximação da ofendida, seus familiares e testemunhas:
Objetivo dessa medida é possibilitar ao Juiz a proibição que o agressor se aproxime limitando o mínimo de distância a manter da ofendida, seus familiares e de testemunhas, sendo mais, sendo mais dificultoso nominar quais lugares a ser evitados, uma vez que seria fácil o não cumprimento da medida.
c) Proibição de contato (com a ofendida, seus familiares e testemunhas) e de frequentar determinados lugares:
Nos casos de violência doméstica e familiar à perpetuação do contato da ofendida com o agressor, na maioria das vezes a expõem ao risco de novas agressões, seja por uma ameaça ou ofensa, sendo que estes conflitos são capazes de se estender aos familiares e testemunhas. Por essa razão, a medida é direcionada aos locais de frequência comum da ofendida e de seus familiares, como o local de trabalho ou estudo, dentre outros dependendo da especificidade do caso.
Esta proibição pode alcançar qualquer tipo de contato, seja por telefone, e-mail, redes sociais dentre outras, esse contato é justamente para evitar exposição da ofendida a uma provável violência moral ou psicológica, bem como o agressor não poder intimar a ofendida. Segundo Juliana Garcia Belloque (2011, p. 312) “a Lei Maria da Penha buscou proteger os espaços públicos nos quais a mulher vítima de violência desenvolve sua individualidade”.
d) Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar
A violência doméstica e familiar gera um ambiente desagradável para todos que convivem, principalmente os dependentes menores, portanto, a presente medida tem por objetivo restringir ou suspender o direito de visita, seja a perda temporária ou supervisionada. Segundo Alice Bianchini (2018, p. 180) “Quando tal medida é deferida, normalmente ela vem acompanhada da proibição de frequentar espaços de convivência dos filhos”. Logo, antes do deferimento da medida é necessário o parecer técnico da equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar.
e) Prestação de alimentos provisórios ou provisionais:
Segundo o art. 1.694 do código civil, visa prestar alimentos quando seja conferida a necessidade dos alimentados e a possibilidade do alimentante, podemos conferir essa possibilidade quando a ofendida e os filhos menores sejam totalmente dependentes econômicos do agressor.
f) Suspensão de posse ou restrição do porte de armas:
Esta medida tem como propósito restringir o uso de arma de fogo, nos casos onde o agressor está sugestivo a praticar algo que ofenda a integridade física da mulher. De acordo com art. 22, inciso I da Lei n. º 11.340/2006 em conjunto com a Lei n. º 10.826/2003, a suspensão ou a restrição deve vir acompanhada da comunicação ao órgão competente.
Para Renato Brasileiro (2016), na hipótese de aplicação da suspensão, o agressor será privado temporariamente de adquirir, possuir ou manter sob sua guarda uma arma de fogo, ou seus acessórios, já a restrição limitar ou diminuir com que o agressor mantenha a posse da arma no lar em convívio com a ofendida.
g) Comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação e acompanhamento psicossocial do agressor por meio de atendimento individual e/ou em grupo de apoio
A Lei n. º 13.984/2020 acrescentou dois incisos no art. 22 da Lei n. º 11343/06, para trazer mais aparato de recuperação e reeducação do agressor, para poder evitar que este agressor volte a praticar violência contra a mulher, sendo que o seu comparecimento nesses programas possa tornar a aprendizagem é uma forma de evitar uma reincidência desse tipo de violência.
O Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins publicou através do Diário Oficial, uma recomendação n. º 7 de 22 de março de 2019, em virtude da Portaria n. º 15 de 8 de março de 2017 do Conselho Nacional de Justiça, na qual faz recomendações para os magistrados da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, veja:
Art. 1º RECOMENDAR aos senhores (as) magistrados (as), atuantes na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que:
II – Determinem a participação dos supostos agressores nas oficinas da palavra como forma de medida protetiva de urgência, considerando o rol não taxativo expresso no artigo 22, §1º da Lei n. º 11340/2006.
Dessa maneira, os presentes Medidas Protetivas de Urgência (MPU’s) determinar no art. 22 da Lei n. º 11.340/2006, trata-se de medidas suma importância no sentido traz uma proteção a mulher em situação de vulnerabilidade e evitar a prática de uma violência ou a sua reiteração, tendo como papel de grande importância a atuação da autoridade policial para coibir esse tipo de violência de gênero.
3. A DELEGACIA DE POLÍCIA E A Lei Maria da Penha: PANORAMA DA ATUAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL NA MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA
O atendimento pela autoridade policial está regulamentado no Capítulo III da Lei n. º 11.340/2006. Além das atribuições do Poder Judiciário, a autoridade policial tem como competência realizar o registro de ocorrência policial e inquéritos policiais como instrumento de apuração das responsabilidades nos ilícitos penais que se enquadram na referida Lei, como também deve atuar para que sejam aplicadas as medidas protetivas de urgência, sempre que for solicitado.
Dessa maneira, houve a necessidade da criação da delegacia especializada para mulher, esta surge como um instrumento de combate a qualquer tipo de violência baseada no gênero, sendo que seu objetivo a primeiro momento é criar um ambiente confortável, que a vítima possa se sentir segura, além de poder ser tratada com mais atenção.
Dessa forma, segundo o Ministério da Justiça (2010) essas delegacias são responsáveis pela investigação de crimes de violência contra a mulher, em especial os homicídios passionais e violência doméstica e sexual, que geralmente são praticados na intimidade e muitas vezes sem a presença de testemunhas.
Em São Paulo no ano de 1985 através do decreto n. º 2.170 surge a primeira delegacia da Mulher (DEAM), dessa maneira sua repartição passou a ter ações voltadas para prevenção e investigação de casos que envolvessem mulheres vítimas de alguma forma de violência, com a criação dessas delegacias o seu atendimento passou a ser especializado conforme o inciso IV do artigo 8º da Lei n. º 11.340/2006. Ao discorrer sobre a relevância do atendimento policial à vítima violência, asseguram Maria Berenice Dias (2012, p. 07):
A violência contra a mulher tem um perverso efeito multiplicador, pois suas sequelas não se restringem à pessoa ofendida. Comprometem todos os membros da entidade familiar, principalmente os filhos, que terão a tendência de reproduzir o comportamento que vivenciam dentro de casa.
De acordo com Adilson Barbosa e Léia Tatiana Foscarini (2014), o termo “autoridade policial” utilizado na Lei Maria da Penha, pode ser para polícia civil, como também para a polícia militar, tendo em vista que o conhecimento acerca da ocorrência de violência chega ao conhecimento de ambas, dessa maneira a policial militar atua na atividade ostensiva de prevenção, já a polícia civil após a ocorrência da violência, sendo voltada para investigação dos fatos.
4. ATUAÇÃO DA AUTORIDADE POLICIAL NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR
O atendimento pela autoridade policial e estabelecido no Título III, Capítulo III, da Lei Maria da Penha, são elencadas as providências que devem ser adotadas quando tomar conhecimento da prática de violência doméstica e familiar ou na sua iminência independente de qual seja a autoridade policial.
No seu artigo 10, a Lei determina que no caso de violência doméstica ou familiar sejam tomadas medidas cabíveis para cessar a violência. De acordo com Maria Berenice Dias (2008) diante da iminência, ou prática de violência doméstica, cabe à autoridade policial adotar de imediato as providências legais cabíveis, nos casos de situação iminência de violência pode se configurar a prática de contravenção de perturbação do sossego ou vias de fatos.
Esse atendimento realizado pela autoridade policial tem como preferência que seja prestado por servidores de sexo feminino, conforme art. 10-A, além de serem previamente capacitados, tendo em vista para melhor atender a vítima de violência e proporcionar um tratamento especial com um ambiente mais confortável e seguro.
Em continuação, a Lei determina no seu art. 11 que a autoridade policial deve garantir a proteção da vítima, logo encaminha a vítima a serviços médicos e ao Instituto Médico-legal e caso necessitar para um local seguro como a casa de abrigo ou casa de parentes, sendo se necessário acompanhar a vítima para retirada dos seus pertences do local que convivia com o agressor.
Ademais, o art. 12 traz um rol exemplificativo das providências cabíveis à autoridade policial quando tomar conhecimento de uma doméstica, familiar e feito o registro da ocorrência, vejamos:
Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal:
I - Ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - Colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, expediente apartado ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas protetivas de urgência;
IV - Determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - Ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - Ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VI-A - verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da Lei n. º 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento);
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
Nesse sentido, segundo Renato Brasileiro (2020), as providências elencadas no art. 12 trata-se de um rol meramente exemplificativo, sendo algumas de caráter obrigatório como a oitiva da vítima, lavratura do boletim de ocorrência, representação e a verificação se o agressor possui arma de fogo.
5. O PAPEL POLICIAL: NAS MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA
No que se refere a atuação da autoridade policial nas medidas protetivas, essa atua de forma imediata em duas frentes de intervenção, seja a primeiro momento no pedido da medida protetiva, conforme disposto no art. 12 no inciso III da Lei n. º 11.340/06, trata-se da remessa do pedido da medida protetiva formulado pela vítima.
Deste modo, percebe-se a atuação conjunta da Autoridade Policial e da Autoridade Judicial no que tange às medidas protetivas em benefício das mulheres que sofrem abusos por parte de seus companheiros ou de seus cônjuges (SALEH; SOUZA, 2012).
A autoridade policial dispõe do prazo de 48 (quarenta e oito) horas para remeter os autos ao juízo competente para avaliação do pedido, seja deferir, indeferir ou designar audiência de justificação (art. 18).
Os requisitos para a solicitação da medida devem conter a qualificação da ofendida e do agressor, o nome e idade dos dependentes, descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas, bem como os copias documentos pessoais e as provas que estejam disponíveis com a ofendida nos termos do art. 12 §2º da Lei n. º 11.340/06, contudo, não é necessário a oitiva do agressor ou de testemunhas, nem o exame de corpo de delito, pelo fato desses sem elementos que irão instruir o inquérito policial, sendo a segunda forma de intervenção da autoridade policial (art.12, VII).
Os pedidos de medidas protetivas possuem o trâmite rápido, devido às circunstâncias da gravidade que tem a violência de gênero, segundo Maria Berenice Dias (Dias, 2016. P. 1):
É indispensável assegurar à autoridade policial que, constatada a existência de risco atual ou iminente à vida ou integridade física e psicológica da vítima ou de seus dependentes, aplique provisoriamente, até deliberação judicial, algumas das medidas protetivas de urgência, intimando desde logo o agressor.
Logo, a Lei n. º 11.340/2006 determina que o requerimento da concessão da medida protetiva de urgência pode ser encaminhado pelo Delegado de Polícia, seja pelo Defensor Público, Ministério Público ou Advogado da vítima.
A medida protetiva for de natureza cível, essa vítima tem a opção de eleger o foro de competência, exercendo o seu direito de escolher a comarca a ser enviado o pedido conforme o art. 15. Ademais, a autoridade policial frente ao delito de violência doméstica e familiar, nos casos de flagrante pode-se decretar a prisão do agressor, como também a possibilidade da prisão preventiva, nos casos de descumprimento das medidas protetivas de urgência. [3]
Outrossim, em 13 de maio de 2019 houve a atualização na Lei Maria da Penha, com a criação da Lei n. º 13.827/2019 que acrescentou o art. 12-C disciplinando que na situação Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida, ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o autor/agressor dos fatos pode ser retirado de sua residência, inicialmente por determinação judicial, depois pela autoridade policial e, em último caso, por um policial (BRASIL, 2019).
A Lei n. º 11.340/06 traz aspectos para melhor proteção da mulher vítima de violência doméstica e familiar, sendo conforme bem explanado, a autoridade policial exercer o papel de grande importância no sistema de proteção à vítima, este primeiro ampara e garante os direitos da ofendida.
6. (IN) CONSTITUCIONALIDADE DA LEI N. º 13.827/2019 NA APLICAÇÃO DA MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA
6.1 A concessão da Medida Protetiva de Urgência
As medidas protetivas possuem o objetivo de proteger as vítimas de seus agressores, tentando deste modo coibir, reprimir o agressor para que ele não venha mais a agredir, por essa razão exerce o papel que maior garante, a primeiro momento, a proteção da ofendida.
Nesse contexto, a sua concessão é de imediato, logo após o pedido ou requerimento, por essa razão houve recente alteração legislativa promovida pela Lei n. º 13.827 de 13 de maio de 2019. O diploma legal altera a Lei n. º 11.340, de 7 de agosto de 2006, para autorizar, nas hipóteses específicas, a aplicação de medida protetiva de urgência, pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou a seus dependentes.
Entretanto, a aplicação da Medida protetiva de urgência pela autoridade policial é estudada desde o ano de 2016, com o projeto de n. º 7 (n. º 36/15 Câmera dos Deputados), na qual deu origem à Lei n. º 13.505/17, que acrescentaria o Art. 12-B, a proposta era de permitir que a autoridade policial aplicasse provisoriamente algumas medidas dispostas no art. 22 da Lei n. º 11.340/06. Contudo, o art. 12-B foi vetado pelo Presidente da República, vejamos as razões do veto:
Os dispositivos, como redigidos, impedem o veto parcial do trecho que incide em inconstitucionalidade material, por violação aos artigos 2º e 144, § 4º, da Constituição, ao invadirem competência afeta ao Poder Judiciário e buscarem estabelecer competência não prevista para as polícias civis.[4]
Posteriormente, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 94/2018, foi aprovado no Senado em abril de 2019 sem vetos, com o resultado entra em vigor com a Lei n. º 13.827/2019 que modifica a proteção à vítima de violência doméstica, autorizando à aplicação das medidas protetivas de urgência o delegado de Polícia ou o Policial Civil, ou ainda o Policial Militar.
Sendo assim, ao verificar a existência de risco atual ou iminente à vida ou, à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida.
O afastamento do agressor do lar, a primeiro momento é determinado pela autoridade judicial, neste caso o Juiz, contudo, em situações onde o Município não seja comarca, o Delegado será competente para determinar essa medida contra o agressor. Logo, em última hipótese, locais onde não for sede comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia, o Policial Civil ou Militar pode estabelecer a medida disposta no art. 22, II da Lei n. º 11.340/06.
Dessa forma, às duas hipóteses mencionadas, o juiz competente será comunidade no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, esse decidirá, por igual prazo, sobre a perpetuação da medida ou a sua revogação, devendo ainda dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.[5]
6.2 Análise da Constitucionalidade da Medida Protetiva de Urgência após vigência da Lei n. º 13.827/2019
O dispositivo 12-C acrescida à Lei Maria da Penha trouxe diversos questionamentos acerca de sua constitucionalidade, o ordenamento jurídico brasileiro até o presente momento tinha a concepção de que as medidas cautelares eram somente deferidas pela autoridade judicial, seja o Juiz ou Desembargador, esse entendimento versa sobre o Princípio Constitucional da Reserva de Jurisdição.
Por essa razão, conforme o dispositivo supramencionado, a autoridade policial, seja o Delegado, os policiais civis ou militares, em determinadas situações estabelecidas pela Lei, possam conceder a medida do art.22, II da Lei Maria da Penha, essa possibilidade gerou questionamento se iria ao encontro do princípio constitucional da Reserva de Jurisdição.
Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci, afirma que a alteração ocorrida na Lei n. º 11.340/2006, não foi ao encontro do Princípio da Reserva da Jurisdição, pois, a Autoridade Judicial dá a última palavra, conforme o § 1º do art. 12-c da Lei n. º 13.827/2019, ao estabelecer que o juiz decidirá sobre a referida medida concedida pela autoridade policial, sendo que essa medida busca, a dignidade humana da vítima, para depois verificar, com a devida precaução a medida aplicada (NUCCI,2019).
Além disso, Eduardo Luiz (2013) aponta que a medida visa trazer mais segurança à vítima de violência de gênero, pode-se entender que a implementação desse dispositivo se trata de uma jurisdição ou jurisdicionalidade postergada, em razão da reiteração do §1º do art. 12-C.
A presente norma deve ser interpretada fazendo uma ponderação dos interesses protegidos, pelo fato da cláusula de jurisdicionalidade das medidas cautelares existirem como uma garantia do investigado/agressor, em decorrência do devido processo legal, entretanto, a presente legislação trata-se de uma situação em que ocorre em um Município que não seja sede de comarca, a exigência de jurisdicionalidade nessa situação pode ocasionar dano irreversível ao bem jurídico tutelado, na qual seja a vida da ofendida.
De acordo com Nucci (2019), este entende não haver usurpação de jurisdição, ao contrário, o que se privilegia é a proteção da mulher, a dignidade da pessoa humana, pois em um país de extensa dimensão não se pode deixar escapar o agressor porque naquela localidade não existe um representante estatal, como também somente ocorre a separação compulsoriamente a vítima e seu agressor, sendo uma medida de proteção necessária e objetiva, para assim poder evitar algo mais prejudicial à ofendida.
Em sentido diverso, há entendimentos que a presente Lei n. º 13.827/2019 seja inconstitucional por ir de encontro com o Princípio da Reserva de Jurisdição, como também pelo fato de afetar a liberdade de ir e vir da do agressor, com maior ou menor grau de intensidade.
De acordo com Pinto (2009), ao se fazer menção à expressão “reserva de jurisdição”, tem-se que a primeira percepção evidenciada é relativa às competências explicitamente atribuídas aos órgãos judiciários para a prática de atos jurisdicionais específicos, que normalmente possuem previsão constitucional, e que exigem o afastamento da possibilidade de prática de tais atos por outras autoridades, órgãos ou pessoas.
Dessa maneira, apesar da referida Lei tem a intenção de coibir e evitar a violência doméstica e familiar, não é cabível que uma medida que pode resultar na prisão do agressor/acusado seja decretada por uma autoridade que não, seja um juiz competente
Segundo Renato Brasileiro, toda e qualquer espécie de provimento cautelar está condicionado à manifestação fundamentada do Poder Judiciário, vejamos:
Pelo princípio da jurisdicionalidade, a decretação de toda e qualquer espécie de provimento cautelar está condicionada à manifestação fundamentada do Poder Judiciário (...)
Se a Constituição Federal enfatiza que ‘ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art. 5º, LIV), que ‘ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente’ (art. 5º, LXI), que ‘a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juízo competente’ (art. 5º, LXII), que ‘a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária’ (art. 5º, LXV) e que ‘ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a Lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança’ (art. 5º, LXVI), fica evidente que a Carta Magna impõe a sujeição de toda e qualquer medida cautelar à apreciação do Poder Judiciário.
Não por outro motivo, dispõe o art. 19, caput, da Lei Maria da Penha, que as medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida. Em face desses dispositivos, depreende-se que a restrição à liberdade de locomoção do agressor inerente à aplicação dessas medidas deve resultar não simplesmente de uma ordem judicial, mas de um provimento resultante de um procedimento qualificado por garantias mínimas, como a independência e a imparcialidade do juiz, o contraditório e a ampla defesa, o duplo grau de jurisdição, a publicidade e, sobretudo, nessa matéria, a obrigatoriedade de motivação (jurisdicionalidade em sentido estrito).Destarte, considerando que todas essas medidas protetivas de urgência afetam, direta ou indiretamente, a liberdade de locomoção, ora com maior, ora com menor intensidade, podendo inclusive ser convertidas em prisão preventiva diante do descumprimento das obrigações impostas (CPP, art. 313, III), não se admite que possam ser decretadas por outras autoridades que não o juiz competente (v.g., Comissões Parlamentares de Inquérito).[6].
Além disso, de acordo com a Presidente da Comissão de Gênero e Violência Doméstica do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), Adélia Pessoa (2019), outro ponto negativo do artigo 12-C e o inciso III, ao referir-se a Lei que a medida poderá ser concedida pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. Sendo assim, muito genérica, muito abrangente, como que isentando o Estado da obrigação de disponibilizar delegados em todos os municípios.
Ademais, devido a grande mudança que ocorreu através da Lei n. º 13.827/2019, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) interpôs Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6138), argumentando que os dispositivos inseridos pela referida Lei, criam hipóteses legal para a autoridade policial pratique atos da competência do Poder Judiciário, ofendendo de forma clara o princípio da reserva de jurisdição, do devido processo legal e da inviolabilidade do domicílio (incisos XII, LIV e XI do artigo 5º da Constituição Federal):
Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal e, no caso, o dispositivo legal está admitindo que um delegado de polícia ou um policial restrinjam essa liberdade do agressor, sem que tenha sido instaurado um processo e proferida uma decisão judicial. Ao invés de fazer com que o cidadão tenha acesso ao Poder Judiciário, mediante o incremento de um maior número de magistrados, passa-se a atribuir atividades do Poder Judiciário a agentes públicos do Poder Executivo desprovidos do dever funcional de imparcialidade, com ofensa ao princípio da separação de Poderes.
Desse modo, a entidade de classe, acredita mesmo que a nova Lei tenha previsto a submissão da medida imposta pelo delegado ou pelo policial no prazo de 24 horas à autoridade judicial para sua manutenção, revogação ou alteração, tal situação não afasta a inconstitucionalidade, pois se trata de hipótese de reserva absoluta de jurisdição.
Observa-se, então, diferentes pontos de vistas sobre a constitucionalidade da Lei n. º 13.827/2019, no entanto o que prepondera é a divergência entre qual princípio deve-se seguir, seja o princípio da reserva de jurisdição ou da dignidade humana, resta claro a prevalência da proteção à mulher em situação de vulnerabilidade em razão da violência doméstica e familiar. Sendo assim, o presente dispositivo visa preservar, ao máximo possível, sua integridade física e psíquica, desse modo sua vida levando em conta o princípio da dignidade humana, neste caso a da mulher.
CONCLUSÃO
As mulheres sempre foram vítimas dos mais diversos tipos de violência, ao longo de décadas, por essa razão em muitos casos esse tipo de comportamento torna-se invisível por acontecer no âmbito privado, além disso, existe um vínculo entre o agressor e a vítima, diante desse cenário, surge no ordenamento jurídico a Lei Maria da Penha (11.340/2006), sendo instrumento legal para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar, além de ter como propósito preservar os direitos da mulher.
Desse modo, a Lei Maria da Penha trouxe diversos mecanismos para coibir qualquer tipo de violência contra a mulher, visando romper com o modelo social da discriminação de gênero, tornando-se um efetivo mecanismo de proteção a ofendida, como também o seu familiar, em decorrência de uma relação de afeto, foi necessário a criação Medidas Protetivas de Urgência contra o agressor disposto no art. 22 da Lei n. º 13.340/2006.
Como visto neste artigo, em razão do agravamento da violência enfrentada pelas mulheres, foi editada a Lei n. º 13.827 de 13 de maio de 2019 que alterou o diploma legal da Lei n. º 11.340, de 7 de agosto de 2006, acrescentando o art. 12-C, para autorizar, nas hipóteses específicas, a aplicação de medida protetiva de urgência, mais especificamente conceder o afastamento do agressor do âmbito doméstico, a medida teve como objetivo garantir que esse afastamento não seja tardio, para não ocorrer consequências irreversíveis à vítima e seus familiares, por isso sua importância para o ordenamento e para sociedade.
Nesse contexto, a nova alteração trouxe divergências doutrinárias, visto que alguns autores, conforme explanado no presente artigo argumentaram pela inconstitucionalidade da norma, pois, tal autorização violaria o princípio da reserva jurisdicional por possibilitar que o agente de polícia aplique a medida, entretanto, há doutrinadores que defendem que a presente alteração não é inconstitucional em razão da necessidade da homologação do Juiz no prazo de até 24 horas após a imposição.
Do exposto, há posicionamentos divergentes, contudo, a presente alteração é um importante avanço na evolução ao combate à violência doméstica e familiar, o presente dispositivo visa preservar, ao máximo possível, sua integridade física e psíquica da mulher, apesar da celeuma doutrinária, resta saber como os tribunais analisaram a aplicabilidade da norma e sua constitucionalidade, considerando o princípio da reserva de jurisdição ou da dignidade humana.
REFERÊNCIAS
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[1] Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes – UCAM. Especialista em Relações de Consumo e em Direito da Concorrência e Propriedade Industrial, ambos pela UCAM. Defensor Público Federal de 1º categoria na Defensoria Pública da União do Tocantins e professor de graduação e pós-graduação do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins – UniCatólica. E-mail: [email protected].
[3] Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. § 1º A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. § 2º Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. § 3º O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis.
[4] BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Legislação Informatizada - LEI N. º 13.505, DE 8 DE NOVEMBRO DE 2017- Veto,2017.Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/Lei n. º/2017/Lei n. º-13505-8-novembro-2017-785700-publicacaooriginal-154164-pl.html> Acesso em: 19 abril. 2020.
[5] Art. 12-C. Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida: I - pela autoridade judicial; II - pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou III - pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia. § 1º Nas hipóteses dos incisos II e III do caput deste artigo, o juiz será comunicado no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas e decidirá, em igual prazo, sobre a manutenção ou a revogação da medida aplicada, devendo dar ciência ao Ministério Público concomitantemente.
[6] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada. 4ª ed., Salvador: Juspodivm, 2016, p. 928
Discente do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins – UniCatólica e estagiária no gabinete da 24ª Defensoria Pública do Estado do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Jéssica Gomes da. Lei Maria da Penha: a (in) constitucionalidade da medida protetiva de urgência concedida pela autoridade policial através da Lei n. º 13.827/09 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2021, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56678/lei-maria-da-penha-a-in-constitucionalidade-da-medida-protetiva-de-urgncia-concedida-pela-autoridade-policial-atravs-da-lei-n-13-827-09. Acesso em: 10 out 2024.
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