VICTOR KENNEDY ARÊDES BRAGA[1]
(coautor)
LUCAS CAMPOS DE ANDRADE SILVA[2]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo aborda a parentalidade responsável, a importância da observância dos princípios contidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, de forma a assegurar a proteção ao desenvolvimento saudável da criança e adolescente. Objetiva-se, por meio de técnica bibliográfica, atenuar os efeitos da negligência, da falta de amparo e afeto por parte de seus genitores, abordando a responsabilização civil nos casos de abandono afetivo. Para tanto, apresentam-se as distinções entre abandono afetivo e abandono material, os efeitos do poder familiar, bem como a responsabilização civil pelo abandono afetivo, circunstância capaz de gerar o dever de indenizar e reparar os danos causados às crianças e adolescentes. Defende-se, portanto, que quando alguém aciona o judiciário para reparação dos danos causados por abandono afetivo perpetrado pelo genitor, não pleiteia apenas uma compensação monetária para a sua dor, mas sim uma forma de reduzir, em parte, as consequências nefastas do prejuízo moral gerado em sua personalidade.
Palavras-chave: Parentalidade. Constituição Federal. Estatuto da Criança e do Adolescente. ECA. Abandono. Responsabilidade Civil.
ABSTRACT: This article addresses responsible parenting, the importance of observing the principles contained in the Federal Constitution and the Statute of Children and Adolescents, in order to ensure protection for the healthy development of children and adolescents. The objective is, through bibliographic technique, to mitigate the effects of negligence, lack of protection and affection on the part of its parents, addressing civil liability in cases of emotional abandonment. To this end, the distinctions between emotional abandonment and material abandonment, the effects of family power, as well as civil liability for emotional abandonment, a circumstance capable of generating the duty to indemnify and repair the damage caused to children and adolescents, are presented. It is argued, therefore, that when someone sues the judiciary to repair the damage caused by affective abandonment perpetrated by the parent, they do not claim only monetary compensation for their pain, but rather a way to reduce, in part, the harmful consequences of the damage. moral generated in his personality.
Keywords: Parenting. Federal Constitution. Statute of the Child and Adolescent. Abandonment. Civil responsibility.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 A diferença entre abandono afetivo e abandono material; 3 Conceito de poder familiar; 4 Elementos da responsabilidade civil; 5 A responsabilidade civil dos genitores pelo abandono afetivo; 6 O afeto como um direito fundamental; 7 Conclusão. Referências.
A partir do desenvolvimento da doutrina da proteção integral à criança, a definição do poder familiar deixou de ter significado de dominação, para ser entendido como proteção. Diante disso, foram acrescidos legalmente deveres e obrigações dos genitores para com sua prole. Na legislação e na sociedade, os pais têm como dever prestar assistência aos filhos para que ocorra o bom desenvolvimento destes. O princípio da proteção integral da criança e do adolescente tem ligação ao princípio da paternidade responsável, da dignidade da pessoa humana, da convivência familiar e do afeto, que são determinações que devem conduzir a atuação dos pais na educação e criação de seus filhos.
O indivíduo nasce incompleto, e se desenvolve ao longo do tempo, através das crenças, técnicas e conhecimentos adquiridos. Evolui também por meio da interação, ao passo que experimenta novos ambientes e novas pessoas. O núcleo familiar é o maior responsável por promover às crianças e adolescentes as bases necessárias para o desenvolvimento humano. Ademais, é necessário que os genitores contribuam para a formação da identidade e personalidade dos filhos, mediante incentivos financeiros e materiais, bem como, através do viés afetivo e instruções sociais e culturais. Dá-se o nome de abandono afetivo e abandono material à ausência de cumprimento em relação às obrigações afetivas e materiais.
O abandono afetivo caracteriza-se pelo fato de um dos pais, ou ambos, deixar de prover à criança ou adolescente as condições afetivas necessárias para a sua formação como indivíduo. Caso essas condições não sejam proporcionadas, será prejudicado o desenvolvimento natural e saudável das crianças, causando impacto direto nas relações sociais e familiares. A proteção das crianças e adolescentes está relacionada à obrigação civil dos pais. Diante disso, a legislação brasileira preleciona acerca dos deveres de cuidado na formação da criança e do adolescente.
À vista disso, o presente artigo pretende demonstrar os institutos civis do abandono afetivo, abandono material e da responsabilidade civil, apresentando o conhecimento crítico e doutrinário acerca dos temas. Busca-se também o entendimento sobre quais circunstâncias de lugar e modo, ocorre o abandono e descumprimento aos direitos à identidade, imagem, personalidade e dignidade da criança.
A princípio serão demonstradas as distinções entre abandono afetivo e abandono material. Em seguida, conceituar-se-á o poder familiar. Logo após, tratará sobre a análise dos elementos da responsabilidade civil subjetiva, sejam eles: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e dano. Por fim, serão demonstradas as posições favoráveis e contrárias na doutrina e jurisprudência sobre o tema.
A legislação brasileira trata de maneira abrangente o dever dos pais em relação aos filhos, sendo que, aos pais incumbe: cuidar, assistir e educar os filhos. Entretanto, o conteúdo abordado pelo art. 229 da Constituição Federal, embora genérico, deve ser analisado de acordo com princípios constitucionais. Nesse sentido, Maria Berenice Dias retrata:
Neste extenso rol não consta o que talvez seja o mais importante dever dos pais com relação aos filhos: o dever de lhes dar amor, afeto e carinho. A missão constitucional dos pais, pautada nos deveres de assistir, criar e educar os filhos menores, não se limita a vertentes patrimoniais. A essência existencial do poder parental é a mais importante, que coloca em relevo a afetividade responsável que liga pais e filhos, propiciada pelo encontro, pelo desvelo, enfim, pela convivência familiar. (DIAS, 2009, p.388)
Diante disso, percebe-se que o cuidado não está ligado somente à proteção física, financeira e alimentícia. Os pais têm, para com os seus filhos, obrigações inerentes a função de progenitores, que devem ser cumpridas de forma a influenciar e auxiliar no desenvolvimento salutar e natural da criança. Perante o exposto do abandono moral dos genitores, Madaleno aduz que:
Dentre os inescusáveis deveres paternos figura o de assistência moral, psíquica e afetiva, e quando os pais ou apenas um deles deixa de exercitar o verdadeiro e mais sublime de todos os sentidos da paternidade, respeitante a interação do convívio e entrosamento entre pai e filho, principalmente quando os pais são separados ou nas hipóteses de famílias monoparentais, onde um dos ascendentes não assume a relação fática de genitor, preferindo deixar o filho no mais completo abandono, sem exercer o direito de visitas, certamente afeta a higidez psicológica do descendente rejeitado.(MADALENO, 2009, p.310)
Nesse sentido, o abandono afetivo caracteriza-se como o desprezo, falta de carinho, atenção e amor na relação com a criança. Várias ocorrências podem caracterizar este abandono. É comum pais normalizarem a ideia de que a manutenção dos filhos somente através do pagamento de pensão alimentícia é o bastante para desobrigar sua responsabilidade, sem se preocupar em visitar, prover afeto, propiciar momentos de atenção e demonstração de amor.
Em outra perspectiva, com relação aos filhos advindos de matrimônios dissolvidos, os genitores que não possuem a guarda acabam por negligenciar seus filhos, causando-os sentimento de rejeição e influenciando em sua autoestima.
Os genitores, tendo em vista seu papel legal familiar e social, devem providenciar aos seus filhos as condições necessárias à alimentação, moradia, estudos, vestimenta, lazer e similares. O abandono material por sua vez, advém do descumprimento destes deveres de fornecer bens materiais. Em vista ao exposto, considera-se que o não cumprimento destas obrigações podem, inclusive, acarretar na obrigação de indenizar, visto que a ausência destes deveres também afeta o crescimento e desenvolvimento da criança.
A doutrina de proteção integral da criança estabelecida no artigo 227 da Constituição, demonstra que a criança é destinatária de direitos à saúde, alimentação, educação, lazer, cultura, dignidade, entre outros e, que deve existir a proteção contra toda negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O princípio da proteção integral da criança vincula-se aos princípios da dignidade da pessoa humana, da paternidade responsável e do planejamento familiar, que devem nortear a conduta dos genitores em relação a criação de seus filhos.
Com relação ao princípio aduzido, discorre Madaleno (2009):
A criança hoje é vista como sujeito de direitos, pessoa em desenvolvimento, titular de direitos fundamentais previstos na Carta Magna, sendo, por isto, merecedora de especial proteção. Seus interesses devem ser priorizados: pelo Estado na promoção de políticas públicas voltadas a este público, pelos aplicadores do Direito na decisão que melhor satisfaça estes interesses, pela família e sociedade, no respeito à sua condição de pessoa em desenvolvimento (MADALENO, 2009 p.203)
Assim, deve o Estado proteger e resguardar esses direitos disciplinados legalmente, devendo ainda, os genitores fornecerem meios para o cuidado das crianças e adolescentes, protegendo-os de toda diferença e descuido.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. art. 227, bem como o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 4°, defendem a Doutrina da Proteção Integral, que assegura a proteção das crianças e adolescentes. Tais direitos são inerentes ao exercício do poder familiar e vão muito além do sustento e da educação destes.
O poder familiar tem relação como os direitos relativos ao filho, no que concerne as obrigações a serem exercidas pelos pais, como a proteção, à educação, saúde, alimentação etc.
Frequentemente o poder familiar é exercido pelos pais, podendo ser transferido aos avós ou representantes legais da criança. Ademais, o poder familiar tem a atribuição de determinar aos pais a responsabilidade de provimento, cuidados e guarda em relação aos filhos.
De acordo com Caio Mario da Silva Pereira, este instituto é o “complexo de direitos e deveres quanto a pessoa e bens do filho, exercidos pelos pais na mais estreita colaboração, e em igualdade de condições”.
Maria Helena Diniz afirma.
O poder familiar consiste num conjunto de direitos e obrigações, quanto à pessoa e bens do filho menor não emancipado, exercido em igualdade de condições por ambos os pais, para que possam desempenhar os encargos que a norma jurídica lhes impõe, tendo em vista o interesse e a proteção dos filhos. (Dias 2012, p. 1.197)
Nesse seguimento, ensina Carlos Roberto Gonçalves (2012, p.360) que: “poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante a pessoa e aos bens dos filhos menores”.
Desta forma, o poder familiar é um instituto que estabelece ligação entre pais e filhos, que são os sujeitos da relação jurídica que se constitui por vínculo, determinando aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos.
Para caracterizar a responsabilização civil, são necessários os seguintes elementos: a presença de ação, nexo de causalidade e dano.
Deverá sempre existir uma conduta na responsabilidade civil, este ato deve ser comissivo ou omissivo. A conduta é voluntária, pois está sobre o controle do agente, além de imputável, pois é possível atribuir ao agente a autoria ou responsabilidade do ato.
A ação também pode ser exercida mediante dolo ou culpa. Acerca do tema, Maria Helena Diniz nos informa que.
O Agente pode agir com dolo, se intencionalmente procura lesar outrem, ou com culpa, se assume o risco de provocar o dano, mesmo consciente das consequências do seu ato, agindo com imperícia, negligência ou imprudência. Na culpa entende-se que há um erro de conduta do agente que acaba por causar lesão a direito alheio. Esta pressupõe um dever jurídico violado e a imputabilidade do agente, que é a capacidade de discernimento (DINIZ, 2012, p. 140)
Diniz também defini conduta humana como:
O ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiros, ou o fato de animal ou coisa inanimada, que cause danos a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado. A ação, fato gerador da responsabilidade, poderá ser lícita ou ilícita. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia- se na ideia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco, que se vem impondo na atualidade, principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos. O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão. A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se. [...]. Deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade á qual se imputa o fato, de sorte que excluídos estarão os atos praticados sob coação absoluta; em estado de inconsciência, sob efeito de hipnose, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo, ou por provação de fatos invencíveis como tempestades, incêndios desencadeados por raios, naufrágios, terremotos, inundações etc. (Diniz 2007, p.38-39)
Segundo Carlos Alberto Gonçalves:
A ação deverá ser voluntária no sentido de ser controlável pela vontade do autor, pois atos praticados sob absoluta coação e em estado de inconsciência não ensejam responsabilização, assim, como os danos praticados por fatos invencíveis, tais como tempestades, incêndios, terremotos, inundações etc. (GONÇALVES, 2003, p.34).
Conforme a doutrinadora Maria Helena Diniz:
A ação, fato gerador da responsabilidade, poderá ser ilícita ou lícita. A responsabilidade decorrente de ato ilícito baseia-se na ideia de culpa, e a responsabilidade sem culpa funda-se no risco, que se vem impondo na atualidade, principalmente ante a insuficiência da culpa para solucionar todos os danos. O comportamento do agente poderá ser uma comissão ou uma omissão. A comissão vem a ser a prática de um ato que não se deveria efetivar, e a omissão, a não observância de um dever de agir ou da prática de certo ato que deveria realizar-se. (DINIZ, 2011, p.56)
À vista disso, a análise da culpa existe tanto como pressuposto da responsabilidade subjetiva, como critério de valoração da conduta do agente para ser apurada sua responsabilidade.
O nexo de causalidade é a relação de causa e efeito entre a conduta praticada e o resultado. Para que seja caracterizada a responsabilidade civil, é indispensável que o dano tenha sido causado pela conduta ilícita do agente e que haja entre ambos uma necessária relação de causa e efeito.
Acerca do tema, destaca Maria Helena Diniz:
O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se “nexo causal”, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência. (DINIZ, 2011, p.127)
Assim, o nexo de causalidade é a ligação entre a conduta praticada e o resultado, ou seja, a ação ou omissão deve ser a causa originária do evento danoso. A existência de dano é requisito essencial para a responsabilidade civil. Não poderá haver indenização sem a existência de um prejuízo, devidamente comprovado,
a um bem ou interesse jurídico, seja este dano material ou moral.
Sergio Cavalieri Filho traz a seguinte definição de dano:
Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, que se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral. (CAVALLIERI FILHO, 2010, p.73)
Para Maria Helena Diniz “o dano pode ser definido como a lesão (diminuição ou destruição) que, devido a um certo evento, sofre uma pessoa, contra a sua vontade, em qualquer bem ou interesse jurídico, patrimonial ou moral” (DINIZ, 2006).
Neste sentido, afirma Rui Stoco:
O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato ilícito ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva. ” (STOCO, 2007, p. 128).
Desta maneira o dano é a perda enfrentada pela vítima, alcançando tanto a esfera de interesses patrimoniais quanto os extrapatrimoniais, podendo ocasionar, dano material e dano moral.
Os direitos da personalidade são subjetivos da pessoa, em outros termos, a defesa da identidade, honra, liberdade, intimidade, integridade física, moral e sua própria dignidade. A violação a estes direitos resulta em danos na esfera extrapatrimonial do indivíduo, sendo devida a reparação.
Desta forma, caracteriza-se o dano moral pela violação ao direito de personalidade, e as consequências deste dano são: humilhação, dor, sofrimento, aflição tristeza, entre outros. Configura-se o dano moral como aquilo que causa violação a dignidade de alguém.
De acordo com Cavalieri Filho:
Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústias e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão de fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no transito, entre amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. (CAVALLIERI FILHO, 2008, p.83):
Neste mesmo sentido, destaca Carlos Roberto Gonçalves:
Dano moral é o que atinge o ofendido como pessoa, não lesando seu patrimônio. É lesão de bem que integra os direitos da personalidade, como a honra, a dignidade, intimidade, a imagem, o bom nome, etc., como se infere dos art. 1º, III, e 5º, V e X, da Constituição Federal, e que acarreta ao lesado dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação. (GONÇALVES 2009, p.359)
A reparação por dano moral, por sua vez, tem como objetivo compensar de alguma forma a vítima, portanto, consiste em ressarcir os efeitos da lesão jurídica pecuniariamente. Sobre esta temática OLIVEIRA nos ensina que:
Quando a vítima reclama a reparação pecuniária em virtude do dano moral que recai, por exemplo, sobre a honra, nome profissional e família, não pede um preço para a sua dor, mas apenas que se lhe outorgue um meio de atenuar, em parte, as consequências do prejuízo. De fato, após o estabelecimento expresso na Carta Política de 1988, diversas legislações infraconstitucionais passaram a inserir normas referentes a reparação civil por dano moral, a exemplo do Estatuto da Criança e do Adolescente, que coloca a criança e o adolescente a salvo de danos a sua integridade física, moral e psíquica, protegendo-os de lesões a sua dignidade ou a qualquer direito fundamental. (Apud DINIZ, 2007, p.60)
Com isso, verifica-se que o dano moral tem o intuito de compensar a violação aos direitos da personalidade que geram lesão à esfera de interesses não patrimoniais da vítima.
A responsabilidade civil advém do dever de reparar a lesão ao bem jurídico de outrem, sendo estabelecida em razão do descumprimento de uma norma jurídica pré- existente.
Os direitos da progênie encontram-se resguardados na Constituição Federal. Entre esses direitos podem ser citados: dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição Federal), planejamento familiar (art. 226, § 7º da Constituição Federal), direito a convivência familiar (art. 227, caput da Carta Magna) e a paternidade responsável.
Com a separação dos genitores, quando os filhos nunca tiveram convivência familiar com ambos os pais, pode aumentar o risco de sofrerem negligência e abandono efetivo. Tal situação pode causar aos filhos traumas e danos psicológicos, desde a fase da infância até a fase adulta.
Nessa acepção, o poder familiar deve fazer parte do núcleo de envolvimento das famílias, em que a relação de afeto é condição primordial para a formação da mesma. Assim, explana Maria Berenice Dias:
O conceito atual de família, centrada no afeto como elemento agregador, exige dos pais o dever de criar e educar seus filhos sem lhes omitir o carinho necessário para a formação plena de sua personalidade, como atribuição do exercício do poder familiar. A grande evolução das ciências que estudam o psiquismo humano veio a escancarar a decisiva influência do contexto familiar para o desenvolvimento sadio das pessoas em formação. Não se podendo mais ignorar essa realidade, passou-se a falar em paternidade responsável. (DIAS, 2009, p.415)
Diante disso, a doutrina determina que o agente que, dolosa ou culposamente, por meio de uma conduta antijurídica, seja por ação ou omissão, causar dano a outra pessoa, ofendendo lhe um bem jurídico tutelado, dever-lhe a justa reparação e indenização.
A obrigação dos pais, embora seja uma decorrência natural da concepção, não foge às regras do Direito Civil Brasileiro. Nesse sentido, Álvaro Villaça de Azevedo complementa que “o descaso paterno merece punição, para preservar, senão o amor (o que seria impossível), a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa trauma moral” (AZEVEDO, 2002, p. 289).
Sobre as consequências da conduta de pais negligentes, constata Gomide (2004, p.69) que “a negligência é considerada um dos principais fatores, senão o principal, a desencadear comportamentos antissociais nas crianças, e está muito associada à história de vida de usuários de álcool e outras drogas, e de adolescentes com o comportamento infrator”.
Ainda segundo Gomide, a criança negligenciada é insegura, e por não ter recebido afeto, demonstra-se frágil. Algumas se comportam de forma apática, outras agressivas, mas nunca de forma equilibrada (GOMIDE, 2004).
Dias (2009, p. 416), entende que “a omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, privando seu filho do convívio paterno, pode produzir danos emocionais merecedores de reparação”.
Para Flávio Tartuce, é plenamente aplicável o art. 186 do código civil como embasamento legal para a punição dos autores do abandono afetivo:
É possível a indenização por abandono afetivo, com base no art. 186 do Código Civil, pois ocorre nestes casos violação do direito à convivência paterna. Ele afirma que a violação do direito alheio é incontestável pelo estudo do art. 1.634 do Código Civil, dispositivo legal que prevê os atributos do poder familiar. Além disso, menciona o art. 229 da Constituição, que também faz menção aos deveres dos pais pelos filhos. Tratando-se de deveres jurídicos que, uma vez violados geram o direito subjetivo a indenização. (TARTUCE, 2010, p.43)
Assim, é pacífico o entendimento de que o abandono afetivo gera diversas consequências na formação e desenvolvimento da criança e, deve, portanto, ter seu dano reparado.
Para que se inicie os estudos do afeto, que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana, é importante esclarecer, que não se trata de amor, mas sim de cuidado. O Estado não pode obrigar uma pessoa a amar a outra. Na jurisprudência pátria, sintetiza a Ministra Nancy Andrighi em seu voto no julgado do Recurso Especial Nº 1.159.242 – SP que “amar é faculdade, cuidar é dever”. Ainda expõe:
[...] não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião. O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos [...]
Para configurar o afeto como um direito fundamental, se faz importante citar o entendimento de Bobbio, segundo ele não existem direitos fundamentais por natureza, uma vez que estão interligados a uma concepção circunscrita histórica e regionalmente, pois “O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas.” (BOBBIO, 1992, p.18-9)
Dessa forma, para o afeto ser considerado um direito fundamental, não é necessário que esteja expressamente no rol de direitos fundamentais manifesto na Constituição Federal de 1988, nos termos do §2º do artigo 5º. Isto porque, conforme exposto acima, os direitos fundamentais apresentam como uma de suas características a historicidade, na medida em que estariam relacionados a um determinado contexto histórico e social.
Como já demonstrado, a família evoluiu e passou a não ser mais apenas um simples elo econômico, vindo a possuir laços de afetividade que se consolidaram com o passar das décadas. Ou seja, a atualidade requer humanização da família, levando também em conta o afeto.
Na construção de uma família o afeto é algo essencial. Dentro da presente concepção, se faz indispensável as palavras de Dias:
O direito das famílias, ao receber o influxo do direito constitucional, foi alvo de uma profunda transformação. O princípio da igualdade ocasionou uma verdadeira revolução ao banir as discriminações que existiam no campo das relações familiares. Num único dispositivo, o constituinte espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Além de alargar o conceito de família para além do casamento, foi derrogada toda a legislação que hierarquizava homens e mulheres, bem como a que estabelecia diferenciações entre os filhos pelo vínculo existente entre os pais. A Constituição Federal, ao outorgar a proteção à família, independentemente da celebração do casamento, vincou um novo conceito, o de entidade familiar, albergando vínculos afetivos outro. (DIAS, 2011, p.23).
A Constituição Federal de 1988, nesse sentido, trouxe a tutela da pessoa humana assegurando, portanto, principalmente o respeito e a proteção aos direitos fundamentais, então mesmo que não seja reconhecido de modo expresso pela Constituição Federal, o afeto pode ser considerado um direito fundamental, pois ele é inerente à pessoa humana.
Importante destacar, que o afeto é importante para preservação da entidade familiar. Essa preservação é demonstrada como um interesse do indivíduo, que necessita de um núcleo estável para evoluir como ser humano.
Em tese, a função da família deveria sempre ter sido de grupo de convivência familiar e de solidariedade, o que tem sido reconhecido pela jurisprudência dos tribunais e pelos juristas. A sociedade é composta por laços de afeto, e quando isso acaba por tocar as relações jurídicas, o direito tem que regular essas relações.
Conforme o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar e julgar os litígios que apresentam problemas relacionados ao afeto e ao núcleo familiar, o juiz responsável deve estar atento às particularidades apresentadas em cada caso concreto.
É importante destacar que o valor de uma indenização nessas lides não reparará o amor que foi perdido, a convivência que nunca existiu e o afeto propriamente, mas deve servir como uma punição pedagógica para educar quem abandona e fazer com que outros pais e mães tenham uma conduta responsável em relação aos seus filhos, sujeitos de direitos. Segundo Santos: "A indenização conferida nesse contexto não tem a finalidade de compelir o pai ao cumprimento de seus deveres, mas atende a duas relevantes funções além da compensatória: a punitiva e a dissuasória." (SANTOS, 2005, p.132).
Primeiramente, é possível pensar que humanização e monetização do afeto podem parecer expressões que vão de encontro uma com a outra, isto é, não é possível colocar preço em uma relação que está se tornando mais humanizada com o passar do tempo. Mas a monetarização configura humanização.
As relações de afeto assumem papel cada vez mais importante na sociedade atual e atentar contra elas, causa danos e gera obrigações indenizatórias.
Como exemplo, é possível citar uma ação proposta por um filho contra o pai, quanto ao pedido de indenização. Vale citar a Apelação Cívil nº. 408.550-5 interposta no Tribunal de Justiça de Minas Gerais em 2004. Nesta apelação decidiu o Tribunal pela admissibilidade do pedido de indenização, usando como argumento o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana, junto ao que se denominou princípio da afetividade, concedendo indenização no valor de duzentos salários mínimos ao filho. Consta no acordão da decisão que:
No seio da família da contemporaneidade desenvolveu-se uma relação que se encontra deslocada para a afetividade. Nas concepções mais recentes de família, os pais de família têm certos deveres que independem do seu arbítrio, porque agora quem os determina é o Estado. Assim, a família não deve mais ser entendida como uma relação de poder, ou de dominação, mas como uma relação afetiva, o que significa dar a devida atenção às necessidades manifestas pelos filhos em termos, justamente, de afeto e proteção. [...]
Como dito anteriormente, não é possível precificar o afeto, mas talvez essa forma de punição possa atenuar os casos de abandono dos pais e, como consequência, evitar o ajuizamento de ações de indenização por abandono afetivo pelos filhos, sendo, portanto, uma possível solução.
A responsabilização por abandono afetivo é mais uma prova de que é possível conferir a fundamentalidade do afeto. O abandono afetivo decorre de uma conduta omissiva praticada pelos pais em relação aos filhos, baseada nos artigos 186 e 927 do Código Civil, artigo 229 da Constituição Federal e artigo 1.634, I do Código Civil, que impõem o dever de criação e educação. “Os danos daí decorrentes vinculam-se aos direitos da personalidade, bem como a proteção da dignidade humana. O nexo causal advém da determinação da omissão dos pais como causa adequada ao abalo psíquico do filho.” (SANTOS, 2009, p. 205-208).
Com isso, conclui-se que a pretensão do Estado, inicialmente, é não intervir nas relações familiares. No momento em que isso não é possível, o mesmo deve interferir para resolver os litígios.
Assim, o afeto deve ser considerado e reconhecido como direito fundamental, viabilizando proteger a dignidade da pessoa humana e permitindo romper paradigmas históricos, em respeito à igualdade e a busca pela felicidade.
O princípio da proteção integral, dentre outros descritos na Constituição e no ECA, demonstram que crianças e adolescentes são detentores de direitos fundamentais, merecedores de especial proteção por parte da família, sociedade e Estado. Em vista disso, é necessário resgatar a parentalidade responsável, buscar uma mudança de cultura numa sociedade onde muitos genitores só exercem a paternidade nos finais de semana, negligenciando seus filhos.
O instituto da responsabilidade civil está ligado ao direito de família, justamente para evitar a impunidade frente aos atos considerados ilícitos, como o do abandono afetivo, que configura desrespeito a direitos legalmente assegurados.
Conclui-se com o presente artigo que tanto a transgressão das regras previstas em lei quanto o abandono afetivo geram o dever de indenizar e reparar os danos causados às crianças e adolescentes.
As perdas pessoais decorrentes do abandono afetivo por parte de seus genitores são extensas e profundas, gerando impactos na formação humana das crianças, e ainda que a indenização pecuniária não seja capaz de trazer-lhes tudo o que foi perdido, a responsabilização dos genitores autores do abandono afetivo, permite que as vítimas tenham uma oportunidade de obter a competente reparação, dando-lhes o sentimento de que a justiça foi feita.
Ademais, a devida e justa punição mostra a sociedade os riscos sociais relativos ao abandono afetivo das crianças, além de mostrar para as pessoas a necessidade de que se crie uma cultura que repudie toda e qualquer violação de direito inerentes às crianças, protegendo-as e dando-lhes condições dignas de crescimento e desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
. Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm. Acesso em 26 março de 2021
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[2] Advogado, graduado em Direito pelo Centro Universitário Una Betim (2013). Pós Graduado em Direito Cível pela LFG (2015). Pós Graduado em Direito Processual Civil pela Faculdade Damásio (2016). Mestre em Direito Privado pela PUC Minas (2019). Conselheiro da OAB Contagem. Professor em Tempo Integral no Centro Universitário Una Betim.
Bacharelanda em Direito pela Faculdade UNA de Contagem.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Erinéia do Carmo dos Santos. O dever de indenizar em caso de abandono afetivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jun 2021, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56685/o-dever-de-indenizar-em-caso-de-abandono-afetivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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