ANA AMÉLIA RODRIGUES PEIXOTO[1]
(coautora)
DANIEL SECCHES SILVA LEITE³
(orientador)
RESUMO: O presente artigo científico apresenta um estudo crítico, técnico e teórico acerca do uso da Mediação no processo sucessório. A mediação, como meio alternativo de solução de conflitos, utiliza técnicas de negociação que evitam a potencialização do conflito e permitem a solução amigável e, diante disso, se apresenta como meio hábil para que se evite o desgaste da relação familiar em razão do traumático e agudo processo de sucessão em razão do falecimento de ente querido. Assim, este estudo busca a compreensão da mediação como instituto autônomo de solução de conflitos, além de estudar os procedimentos sucessórios, traçando, por fim, um paralelo analítico acerca da utilização da mediação em procedimentos sucessório, judicial ou extrajudicial cuja importância se dá em razão da manutenção das relações familiares, visto que esta não sofrerá o desgaste e o abalo comum às lides sucessórias.
Palavras-chave: Família. Direito Sucessório. Mediação. Sucessão.
ABSTRACT: This scientific article presents a critical, technical and theoretical study about the use of Mediation in the succession process. Mediation, as an alternative means of resolving conflicts, uses negotiation techniques that avoid the potentialization of conflict and allow a friendly solution and, in view of this, it presents itself as a skillful means to avoid the erosion of the family relationship due to the traumatic and acute succession process due to the death of a loved one. Thus, this study seeks to understand mediation as an autonomous conflict resolution institute, in addition to studying succession procedures, drawing, finally, an analytical parallel about the use of mediation in succession, judicial or extrajudicial procedures whose importance is due to the maintenance of family relationships, since this will not suffer the wear and tear common to succession disputes.
Keywords: Family. Mediation. Succession. Succession Law.
Sumário: Introdução. 1. Mediação e seus princípios. 2. O procedimento sucessório judicial e extrajudicial. 3. O uso da mediação no procedimento sucessório. 4. Considerações finais. Referências.
A mediação de conflitos, juntamente com a arbitragem e a conciliação, se apresenta como um dos principais meios de solução alternativa de conflitos. Desde a sua criação aos costumes, até o aprimoramento legislativo da mediação, o procedimento se vale de conceitos de negociação e flexibilidade entre as partes, em prol da busca de uma solução pacífica e equânime do conflito entre os participantes.
De outra forma, o procedimento de partilha e sucessão guarda peculiaridades e problematizações próprias de si. Por vezes, a herança se reveste em uma dolorosa e arrastada contenda entre os herdeiros, esvaindo a estrutura e a relação familiar entre os entes que, via de regra, se encontram consternados pela perda de um ente querido.
Diante disto, este estudo procura o conhecimento analítico e aprofundado destes dois institutos. Em primeira monta, busca a compreensão do que é a mediação e como este meio de solução de conflitos é utilizado no sistema jurídico brasileiro; em segundo momento, faz-se a racionalização e a pré-compreensão do procedimento sucessório judicial e extrajudicial, traçando, por fim, um paralelo entre os institutos jurídicos, procurando estabelecer formas de aplicação da mediação como meio de solucionar o conflito entre os herdeiros, fomentar o acordo e a boa convivência e preservar as relações familiares e afetivas entre os partícipes, para além da sucessão e do trauma experimentado por eles.
A mediação é um meio alternativo de solução de conflitos, podendo ser aplicada em procedimentos de natureza extrajudicial e/ou judicial e apresenta-se, junto à conciliação e a arbitragem, como meio hábil para a solução pacífica e amigável de pendências jurídicas entre as partes envolvidas. Destarte, a mediação poderá ser utilizada na resolução de conflitos que versem dobre direitos disponíveis, de forma livre, e direitos indisponíveis, desde quem, neste caso, o acordo oriundo da mediação seja submetido ao crivo da homologação judicial.
O atual Código de Processo Civil, considerando a importância da mediação, confere a ela seção específica de tutela, entre os artigos 165 e 175, de modo a predeterminar regras e princípios que regem a mediação judicial no Brasil. Paralelamente e concomitantemente, a mediação é tutelada, de forma específica, pela Lei 13.140/2015, que trata precipuamente das regras de aplicação da mediação.
Por conceito, a mediação, de forma imparcial e independente, potencializa a vontade das partes envolvidas, tornando o procedimento judicial mais efetivo e legitimo para com elas. Neste contexto, a mediação é conceituada, nos moldes do artigo 1º, parágrafo único da Lei 13.140/2015 como:
a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia.
Acerca da referida conceituação, Daniel Amorim Assumpção Neves, com mestria, define a mediação como sendo uma “forma alternativa de solução de conflitos fundada no exercício da vontade das partes, o que é o suficiente para ser considerada espécie de forma consensual do conflito” (NEVES, 2016, p. 89).
Neste contexto, ainda sobre a mediação e sua importância no procedimento judicial, sua aplicação e efetividade, o mesmo autor afirma:
A mera perspectiva de uma solução de conflitos sem qualquer decisão impositiva e que preserve plenamente o interesse de ambas as partes envolvidas no conflito torna a mediação ainda mais interessante que a autocomposição em termos de geração de pacificação social. (NEVES, 2016, p. 90)
Neste sentido, conforme se nota, a mediação possui grande relevância na solução pacífica de conflitos, sendo regida por regras e princípios previamente estabelecidos que irão nortear o processo mediatório.
Neste diapasão, cumpre demonstrar que os princípios, em termos gerais, têm por função orientar o direito material e processual, conferem amoldamentos supralegais ao procedimento, de valor genérico e que produzem efeitos jurídicos. Nesta feita, nos termos do artigo 166 do CPC, a mediação é regida, para além dos princípios gerais do direito, pelos princípios da Independência, Imparcialidade, Oralidade, Autonomia da Vontade, Decisão Informada e Confidencialidade. Além destes, a Lei de mediação adiciona ainda os princípios da Boa-fé e da busca do consenso, conforme artigo 2º[2].
Quando nos referimos do princípio da Independência, informamos que as partes são independentes, de modo que o mediador, terceiro partícipe do processo, deve limitar-se à mediação e não promover interferências na independência e autonomia dos demais participantes.
Noutro giro, a imparcialidade do mediador é que determina que este não deverá guardar qualquer vínculo ou interesse pessoal para com as partes, sob risco de parcialidade e, consequentemente, vício de procedimento, sendo que, a ele, se aplicam as mesmas regras gerais de suspeição e impedimento aplicáveis aos magistrados. A obrigação do mediador informar às partes possíveis causas de suspeição, fatos ou circunstâncias de impedimento de sua atuação no procedimento está determinada nos termos do artigo. 5º[3] “caput” e parágrafo único da Lei de mediação:
Subproduto do princípio da confidencialidade e da celeridade processual (princípio geral do direito) o princípio da oralidade informa que o procedimento de mediação será feito preponderantemente de forma oral, sem que, em regra, sejam promovidos complexos registros ou gravações, em respeito aos demais princípios aludidos.
O princípio da Autonomia da Vontade trata da elevação da vontade das partes litigantes, que poderão convencionar regras processuais e materiais, potencializando a satisfação das partes e a efetividade do procedimento de mediação. É mister o esclarecimento de que nem tudo poderá ser convencionado entre as partes, mas estas poderão, nos termos da Lei, negociar as melhores regras a que serão submetidas. Nesse sentido, acerca do princípio da autonomia Selma M. Ferreira Lemes, citando Amaral Neto, afirma que:
A esfera da liberdade de que o agente dispõe no âmbito do direito privado chama-se autonomia, direito de reger-se por suas próprias leis. Autonomia da vontade é, portanto, o princípio de direito privado pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico, determinando-lhe o conteúdo, a forma e os efeitos. Seu campo de aplicação é, por excelência, o direito obrigacional, aquele em que o agente pode dispor como lhe aprouver, salvo disposição cogente em contrário. E quando nos referimos especificamente ao poder que o particular tem de estabelecer as regras jurídicas de seu próprio comportamento, dizemos em vez de autonomia da vontade, autonomia privada. Autonomia da vontade, como manifestação da liberdade individual no campo do direito, psicológica; autonomia privada, poder de criar, nos limites da lei, normas jurídicas. (LEMES apud AMARAL NETO, 1992, p. 34)
Ademais, considerando que a mediação tem como base o atendimento da vontade mútua das partes, não poderiam elas, as pessoas, serem obrigadas a se submeterem ou permanecerem no procedimento de mediação, conforme artigo 2º, §2º[4] da Lei 13.140/15.
Em continuidade, o princípio da decisão informada determina que, para que seja realizada mediação ou autocomposição da demanda, é necessário que as partes tomem suas decisões munidos de todas e quaisquer informações relevantes existentes, o que, novamente, visa a ascensão sa autonomia das partes e a segurança jurídica do procedimento, que é realizado com legalidade e legitimidade, sob o crivo do juiz, em procedimentos extrajudiciais, e do escrivão/tabelião, caso o procedimento se faça extrajudicialmente. Luiz Antônio Scavone Junior afirma que este princípio:
(...) estabelece como condição de legitimidade da autocomposição por meio da conciliação a absoluta consciência e conhecimento das partes quanto aos seus direitos e quanto aos fatos estabelecidos pelo conflito, o que somente pode ser atingido, na nossa opinião, se o conciliador tiver formação jurídica, notadamente em razão da necessidade de o conciliador sugerir solução juridicamente possível. (SCAVONE JUNIOR, 2018, p. 303)
O processo de mediação não se reveste de publicidade, tendo em vista que, pelo princípio da Confidencialidade, um dos mais importantes, a mediação é confidencial em relação a terceiros, sendo que, por força dos artigos 30 e 31[5] da Lei de Mediação. O dever de confidencialidade atinge a todos os envolvidos no processo: Partes, juiz, mediador, advogados, testemunhas e tantos outros quanto forem partícipes no procedimento.
Em confirmação a isto, o autor Luiz Antônio Scavone Junior palestra que:
Os procedimentos de mediação e conciliação são confidenciais e toda informação coletada durante os trabalhos não poderá ser revelada pelo profissional, pelos seus prepostos, advogados, assessores técnicos ou outras pessoas que tenham participado do procedimento, direta ou indiretamente, e, evidentemente, nessa medida, não podem testemunhar(...). A confidencialidade atinge, inclusive, as partes. (SCAVONE JUNIOR, 2018, p. 300)
Em raciocínio concomitante, Fernanda Tartuce corrobora este posicionamento reafirmando a importância da confidencialidade. A autora afirma que “o fato de poderem dispor sobre o que querem ver coberto pela confidencialidade (disciplinando os fins a que se destinarão as informações obtidas na sessão consensual) é mais uma expressão do princípio da autonomia da vontade” (TARTUCE, 2018, p. 232). Neste contexto, a autora termina por definir a confidencialidade como:
“o instrumento apto a conferir um elevado grau de compartilhamento para que as pessoas se sintam “à vontade para revelar informações íntimas, sensíveis e muitas vezes estratégicas” que certamente não exteriorizariam em um procedimento pautado pela publicidade. (TARTUCE, 2018, p. 233)
A busca pelo consenso, de forma óbvia e clara, é princípio básico da mediação, tendo em vista ser o objetivo principal e essencial do procedimento, de modo que é a busca pela mediação.
Por fim, traz-se o princípio da Boa-fé, que determina a fidelidade e respeito no procedimento de mediação. A boa-fé é princípio geral de direito e deve ser considerada independente da seara de direito em questão, mas pela importância que guarda, foi elevada a princípio específico da mediação. Sobre o tema, Daniel M. Assumpção Neves explana que
(...) é necessário que algumas regras sejam estabelecidas, aliás, como em qualquer outra atividade humana que coloque contentores frente a frente. Os deveres de proceder com lealdade e com boa-fé, presentes em diversos artigos do Código de Processo Civil, prestam-se a evitar os exageros no exercício da ampla defesa, prevendo condutas que violam a boa-fé e lealdade processual e indicando quais são as sanções correspondentes. Como ensina a melhor doutrina, ainda que por vezes não se mostre fácil no caso concreto, deve existir uma linha de equilíbrio entre os deveres éticos e a ampla atuação na defesa de interesses. (NEVES, 2016, p. 313)
Diante do todo o exposto, pode-se afirmar que a mediação se apresenta como o meio mais adequado para que tenhamos um procedimento judicial equânime, justo e amoldado às necessidades das partes, inclusive no processo sucessório, de modo a permitir aos herdeiros o lugar de fala e a autonomia de suas vontades, oferecendo a oportunidade de promover a solução do conflito de forma pacífica, célere e eficaz.
3 O procedimento sucessório judicial e extrajudicial
Tão logo ocorra o evento morte, abre-se o processo sucessório, sendo o procedimento de inventário e partilha o meio apto a promover a divisão, partilha e transferência de propriedade dos bens deixados pelo falecido. Deste modo, o procedimento sucessório de inventário pode ocorrer de forma judicial ou extrajudicial, a depender das características e peculiaridades das partes envolvidas, bem como dos bens a serem partilhados.
O direito sucessório poderá ter como origem a sucessão legítima, que decorre essencialmente de força de Lei, ou da sucessão testamentária, que se traduz no testamento, ato de última vontade do autor da herança antes do evento morte.
Sobre os tipos de sucessão, Euclides de Oliveira e Sebastião Amorim explicam que
A sucessão legítima dá-se por disposição legal, em favor das pessoas mencionadas como herdeiras, por uma ordem de prioridade que a lei denomina “ordem da vocação hereditária”. Trata-se de direito fundamental, definido na Constituição Federal, artigo 5º, inciso XXX: é garantido o direito de herança. [...] De seu turno, a sucessão testamentária decorre da manifestação de última vontade do autor da herança, mediante testamento ou codicilo. Serão sucessores, por essa forma, as pessoas nomeadas pelo testador, mas com a restrição de que se resguarde a metade da herança, chamada de legítima, aos herdeiros necessários, que são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. (OLIVEIRA; AMORIM, 2016, p. 52)
Neste contexto, insta esclarecer ainda que, por força do artigo 1.788 do código civil, a presença de herdeiros legítimos ou necessários poderá ocorrer comutativamente à presença de herdeiros testamentários, sem que haja qualquer objeção jurídica, em âmbito processual ou material. (OLIVEIRA; AMORIM, 2016, p. 52)
Diante disso, antes de adentrar no uso da mediação e de suas vantagens no procedimento sucessório, faz-se necessário tecer breves esclarecimentos acerca do procedimento de inventário e partilha, como forma de facilitar o entendimento do assunto aprofundado.
3.1 Procedimento sucessório judicial
Via de regra, o procedimento sucessório deverá ocorrer por meio judicial, de modo a resguardar a legalidade e a eficácia do procedimento que, por vezes, se apresenta longo e complexo.
Legalmente, o Direito das Sucessões é tutelado pelo código civil, artigo 1.784 e seguintes, além dos dispositivos do código de processo civil, artigo 610 e seguintes, de modo que todo e qualquer procedimento deverá respeitar os ditames legalmente estabelecidos.
Conforme estabelecido pelos artigos 610 e 611, ambos do Código de Processo Civil, em casos de interessado incapaz ou que o falecido tenha deixado testamento, o procedimento deverá ser, necessariamente, judicial, devendo ser instaurado até 02 (dois) meses após a morte do autor da sucessão, devendo ser findo no prazo de 12 (doze) meses.
O procedimento de inventário tem o condão de reunir todo o complexo de passivos e ativos do falecido em um único montante jurídico, chamado de monte mor, reunindo ainda todas as pessoas interessadas, herdeiros necessários, legalmente estabelecidos, e testamentários, que decorrem da vontade do “de cujus”. Em regra, a sucessão legítima respeitará a ordem de sucessão disposta no art. 1829[6] do código civil, podendo esta ordem, por força dos artigos seguintes, sofrer sensíveis alterações em decorrência de características dos herdeiros, como regime de comunhão de bens.
Ao seu turno, é justa a lembrança de que a legítima compõe 50% da herança e que esta, por força de Lei, não pode ser disposta por meio testamentário, de modo que somente outra metade poderá ser objeto de disposição por parte do falecido em seu ato de última vontade.
Nesta seara, a sucessão legítima demonstra caráter protetor da família, por limitar quantum mínimo à legítima, mas sem afastar em completude a autonomia da vontade do falecido, ao permitir a ele o atendimento de sua vontade por meio do testamento deixado. Sobre a ordem sucessória, Paulo Cézar Pinheiro Carneiro informa que
a sucessão legítima apresenta-se como equilíbrio entre autonomia privada e proteção ao núcleo familiar. Diz-se, então, que o instituto tem uma função supletiva e limitadora da vontade individual. Supletiva porque, ausente previsões testamentárias, será seguida a ordem estabelecida em lei. Limitadora, pela necessidade de subsistência do núcleo familiar, que não poderia ser deixado em completo desamparo, ao menos no que tange aos herdeiros necessários, já que eles fazem jus a uma quota mínima de 50% da herança. A proteção a eles pode se ver ainda em vida, já que o artigo 549 do CC proíbe doações que superem a legítima. Os herdeiros legítimos estão previstos no artigo 1.829 do Código Civil, sendo listados, nessa ordem preferencial, como o descendente, o ascendente, o cônjuge ou o companheiro e os colaterais. Com a exclusão desses últimos, todos os demais também são considerados herdeiros necessários, a teor do artigo 1.845 do Código Civil. (CARNEIRO, 2019. p. 22)
Assim, o procedimento sucessório terá como função a proteção dos direitos familiares e patrimoniais dos envolvidos, atentando-se à vontade do de cujus, ao respeitar o testamento, desde que a estipulação e destinação de bens promovidas por ele não extrapole o valor legalmente reservado à Legítima.
Outrossim, a finalidade do procedimento judicial é, diante de herdeiros incapazes ou da presença de testamento, garantir que a divisão seja legalmente justa e equânime, ressalvando, assim, o direito e a vontade daqueles que não possuem voz no processo. O juízo tem papel primordial no procedimento, propriamente como guardião da Lei e da ordem jurídica.
Neste condão, o procedimento visa promover, ao seu fim, a divisão dos bens sem que alguma das partes seja prejudicada, garantindo o cumprimento da vontade do falecido. Ao termo, cada herdeiro recebe o formal de partilha, documento em que se discrimina a quota parte (quinhão) que lhe compete a herança.
Em resumo, e com a didática que lhe é peculiar, Paulo Cézar Pinheiro Carneiro explica o procedimento sucessório da seguinte forma:
Em termos sucintos, no inventário serão arrolados e avaliados os bens do monte, citados ou habilitados os herdeiros, pagas as dívidas reconhecidas, colacionados os bens doados em vida pelo falecido, e calculado o imposto devido pela transmissão. Trata-se, portanto, de uma espécie de descrição e liquidação do acervo hereditário a ser, em breve, partilhado, e de uma determinação de quem concorrerá nessa divisão. Entre nós, todo esse iter se desenvolve perante a autoridade judiciária ou por escritura pública [...] A partilha, por sua vez, é a fase final do procedimento sucessório, em que se haverá de atribuir a cada um dos herdeiros a porção que lhe couber dos bens e direitos do acervo, pondo fim à comunhão hereditária. (CARNEIRO, 2019. p. 37)
Neste diapasão, como é peculiar nos procedimentos judiciais, o inventário judicial terá decisão proferida pelo juízo competente de forma fundamentada, nos termos do artigo 612 do CPC. Deste modo, não é difícil a compreensão de que o procedimento judicial ignora parte da vontade dos herdeiros, pois retira deles parcela de voz e autonomia da vontade.
3.2 Procedimento sucessório extrajudicial
Paralelamente, é possível, conforme disposição do art. 610, §1º CC/02[7], a realização de inventário extrajudicial para a partilha dos bens. Para tanto, é necessário que todos os herdeiros sejam capazes; que o autor da herança não tenha deixado testamento e que fundamentalmente todos os herdeiros estejam de acordo com a divisão e partilha.
O procedimento de inventário extrajudicial procura, a seu modo, elevar a autonomia da vontade das partes que, capazes, poderão transigir pelo melhor resultado útil do procedimento. Ao final, o resultado prático se assemelha ao procedimento judicial, em que cada herdeiro recebe, certidão de escritura pública emitida pelo cartório, de modo que esta poderá ser levada a qualquer registro ou órgão para que se tenha os consectários necessários.
Acerca da possibilidade de realização do procedimento extrajudicial e de sua importância prática e jurídica, de forma didática e explicativa Oliveira e Amorim palestram que
Não mais subsiste, portanto, a exclusividade do procedimento judicial para formalizar a sucessão hereditária. O ato pode ser praticado na esfera administrativa, por ato do Tabelião de Notas da escolha dos interessados, quando presentes os requisitos legais.
Cumpre ressaltar que o novo modo de inventário, qualificado como extrajudicial, notarial ou administrativo, tem o propósito de facilitar a prática do ato de transmissão dos bens, porque permite modo mais simples e célere para resolver a partilha. Com isso reduz a pletora dos serviços judiciários, abrindo campo a um procedimento extrajudicial no Ofício de Notas, afastando os rigores da burocracia forense para a celebração de um ato notarial que visa chancelar a partilha amigavelmente acordada entre meeiro(a) e herdeiros e o recolhimento dos impostos devidos. Parece-nos acertada a alteração empreendida pela Lei n. 11.441/2007, porque reserva aos magistrados a análise das questões mais complexas e simultaneamente preserva o direito dos cidadãos de recorrerem, quando entenderem necessário, ao Judiciário. (OLIVEIRA; AMORIM, 2016, p. 543)
Desta feita, o procedimento extrajudicial possuirá, ao seu termo, a mesma eficácia e validade jurídica conferidas ao procedimento realizada de forma judicial, produzindo todos os efeitos necessários para a transferência de propriedade dos bens deixados pelo ente falecido aos herdeiros por direito.
Entrementes, pode-se afirmar que, por ser decorrente da vontade conjunta dos herdeiros do falecido, o procedimento extrajudicial enaltece a vontade destes em relação ao resultado prático e fático do procedimento, permitindo a cada um deles transigir a seu modo sobre sua quota parte (conhecida por quinhão), desde que em concordância com os demais partícipes.
4 O uso da mediação no procedimento sucessório
A mediação pode ser utilizada em qualquer dos procedimentos sucessórios, seja ele judicial ou extrajudicial, de modo que o processo mediatório pode ser utilizado em qualquer deles. Isto se faz possível pois, no procedimento judicial, aplica-se o disposto no art. 3º, §3º do CPC, que preconiza o uso da mediação e da conciliação como forma de solução de conflitos. Assim, mediar ou conciliar, no curso do procedimento judicial, se faz possível e útil, embora a decisão final dique adstrita ao juízo, de modo que a vontade das partes poderá ser minimizada ou mesmo mitigada pelo magistrado.
Noutro giro, a mediação é de extrema importância e aplicabilidade em casos de inventários extrajudiciais. Conforme art. 610, §1º, a concordância dos herdeiros quanto aos termos do inventário é condição essencial para sua validade e finalização.
Acerca do uso da mediação no procedimento de inventário, Maria Carla Fontana Gaspar Coronel afirma que a mediação provoca um procedimento mais célere e sem conflitos. Para a autora, o uso da mediação nestes procedimentos deve atentar a algumas questões fundamentais como
- A atividade mediadora jamais será obrigatória.
- A família, de comum acordo, deverá escolher um terceiro imparcial (sem poder decisório), que auxiliará todos os envolvidos a entender a situação de acordo com a lei.
- O mediador estimulará a comunicação entre os membros da família, identificando possíveis líderes e facilitadores.
- Por fim, o mediador deverá desenvolver soluções consensuais para a controvérsia entre os membros da família. (CORONEL, 2019)
Em procedimentos extrajudiciais a mediação poderá ser utilizada antes e durante o procedimento de inventário propriamente dito, de modo a viabilizar o próprio procedimento, tendo em vista que não é penoso encontrar exemplos em que os herdeiros, capazes, sem acordo, judicializam a demanda para solução do conflito.
Em regra, o inventário e partilha possui caráter patrimonial e afetivo. Parece óbvia a carga emocional em que os herdeiros são envoltos quando da perda do ente querido. Neste sentido, a mediação é o meio mais adequado para, atentando-se para as necessidades extra-patrimoniais, resolver a demanda entre as partes. Este é o posicionamento de Fernanda Tartuce, que afirma:
O valor dos bens envolvidos na sucessão pode provocar controvérsias consideráveis por conta de fatores subjetivos. Quando as disputas envolvem objetos de significado afetivo (altamente simbólico), não se pode resolver adequadamente a querela com base em uma objetividade matemática. Existindo fatores subjetivos quanto à valorização do bem, pode haver dificuldades para os operadores do Direito por estar em jogo uma diferenciada ordem de valores na qual os desejos escapam à compreensão meramente objetiva que o sistema jurídico ordinariamente empreende à partilha de bens286. Nessa conjuntura, o aporte interdisciplinar da mediação pode colaborar para descortinar os elementos subjetivos envolvidos na questão e amenizar as resistências dos envolvidos. (TARTUCE, 2018, p. 364)
Em raciocínio análogo e complementar, Adolfo Braga Neto afirma que “a mediação familiar tem o espírito não adversarial, de cooperação e humanização “, sendo este o motivo para sua utilização em procedimentos de inventário e partilha. (BRAGA NETO, 2019, p.111).
Neste ínterim, tem-se por óbvia a conclusão de que a mediação, aliada aos seus procedimentos e princípios peculiares e aos demais meios alternativos de solução de conflitos, se apresenta como o meio mais adequado para a resolução de discordâncias entre as partes relativas ao inventário extrajudicial, sobretudo em razão de se atentar à humanidade do procedimento e aos cuidados com as pessoas envolvidas, afastando-as da fria e impositiva atuação estatal.
Considerações finais
Diante de todo o estudo realizado acerca do procedimento sucessório, sobretudo em relação ao procedimento de inventário extrajudicial, e do instituto jurídico da mediação, seus preceitos, princípios e aplicações, pode-se afirmar que o uso da mediação em casos de inventário e partilha constitui grande avanço na tutela dos direitos e na autonomia da vontade das partes.
O processo de mediação, conforme visto, apresenta vasto campo para a expansão de utilização de seus métodos. Tanto assim, que o próprio legislador eleva a mediação à positividade da Lei, informando que a mesma deve ser utilizada em todos os meios e que deve ser almejada em todo o procedimento judiciário.
A mediação é um moderno meio de solução de conflitos, que permite às partes conflitantes o diálogo e a negociação, elevando a igualdade e a justiça da prestação jurisdicional e do procedimento, visto que almeja a satisfação equânime das partes em relação ao processo, judicial ou extrajudicial, a que foram submetidas, sem abandonar ou abrir mão das últimas vontades que o de cujus eventualmente tenha deixado, o que eleva e enaltece a importância da mediação, em razão da potencial satisfação de todos para além das questões financeiras envolvidas, pois promove o agrado da potencial carga emocional acometida aos envolvidos.
Em segunda monta, é possível concluir ainda que a mediação, em razão da forma de aplicação e do uso de técnicas de apaziguamento e da elevação da autonomia da vontade das partes, permite a preservação da unidade e das relações familiares entre os herdeiros que, em momento fragilizado de perda do ente querido, eventualmente se apresentam em litígio, tendo em vista o valor, financeiro ou sentimental/afetivo, envolto aos itens da herança.
Deste modo, entende-se que se faz necessária a atuação do Estado no sentido de buscar meios e métodos para se aplicar de modo sistêmico e institucionalizada as formas de resolução pacífica de conflitos, como é a mediação, mas não se limitando a ela, sempre com objetivo de melhor atender ao cidadão e preservar a justiça e a ordem familiar e social, sem ignorar a humanidade e a perspicácia necessárias ao procedimento sucessório que por si só representa trauma às pessoas envolvidas.
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[1] Graduanda do curso de Direito da Faculdade UNA – Unidade Aimorés.
³ Orientador e professor do curso de Direito da Faculdade UNA – Unidade Aimorés.
[2] Lei 13.140/2015 - Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:
I - imparcialidade do mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade; IV - informalidade; V - autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso; VII - confidencialidade; VIII - boa-fé.
§ 1º Na hipótese de existir previsão contratual de cláusula de mediação, as partes deverão comparecer à primeira reunião de mediação.
[3]Lei 13.140/2015 Art. 5º Aplicam-se ao mediador as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz.
Parágrafo único. A pessoa designada para atuar como mediador tem o dever de revelar às partes, antes da aceitação da função, qualquer fato ou circunstância que possa suscitar dúvida justificada em relação à sua imparcialidade para mediar o conflito, oportunidade em que poderá ser recusado por qualquer delas.
[5] Art. 30. Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação.
§1º O dever de confidencialidade aplica-se ao mediador, às partes, a seus prepostos, advogados, assessores técnicos e a outras pessoas de sua confiança que tenham, direta ou indiretamente, participado do procedimento de mediação, alcançando: I - declaração, opinião, sugestão, promessa ou proposta formulada por uma parte à outra na busca de entendimento para o conflito; II - reconhecimento de fato por qualquer das partes no curso do procedimento de mediação; III - manifestação de aceitação de proposta de acordo apresentada pelo mediador; IV - documento preparado unicamente para os fins do procedimento de mediação.
§2º A prova apresentada em desacordo com o disposto neste artigo não será admitida em processo arbitral ou judicial.
§3º Não está abrigada pela regra de confidencialidade a informação relativa à ocorrência de crime de ação pública.
§4º A regra da confidencialidade não afasta o dever de as pessoas discriminadas no caput prestarem informações à administração tributária após o termo final da mediação, aplicando-se aos seus servidores a obrigação de manterem sigilo das informações compartilhadas nos termos do Código Tributário Nacional.
Art. 31. Será confidencial a informação prestada por uma parte em sessão privada, não podendo o mediador revelá-la às demais, exceto se expressamente autorizado.
[6] CC. Art. 1.829 -. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais.
[7]CPC. Art. 610. Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2 o O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
Graduanda do curso de Direito da Faculdade UNA – Unidade Aimorés.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALOMON, Anamaria Negrão. A aplicação da mediação como manutenção das relações no Direito Sucessório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2021, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56704/a-aplicao-da-mediao-como-manuteno-das-relaes-no-direito-sucessrio. Acesso em: 23 dez 2024.
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