RESUMO: A antecipação da produção da prova testemunhal urgente, prevista no artigo 366 do Código de Processo Penal, é relevante manifestação da discricionaridade judicial no processo penal. O objetivo do presente trabalho é, a partir da base teórica da Crítica Hermenêutica do Direito, de Lenio Streck, avaliar as decisões dos Tribunais Superiores sobre o tema, a fim de apresentar uma resposta adequada à Constituição do que caracterizaria a urgência exigida pelo citado dispositivo legal, afastando-se a discricionariedade.
PALAVRAS-CHAVE: Discricionaridade. Urgência. Prova Testemunhal.
ABSTRACT: The anticipation of the production of urgent testimonial evidence, established in the Article 366 of the Brazilian Code of Criminal Procedure, is a relevant manifestation of judicial discretion in criminal proceedings. The objective of the present work is, based on the theoretical basis of the Critical Hermeneutics of Law, by Lenio Streck, to evaluate the decisions of the Superior Courts on the subject, in order to present a constitutionally adequate response of what would characterize the urgency demanded by the mentioned article, avoiding the judicial discretion.
KEYWORDS: Judicial discretion. Urgency. Testimonial evidence.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O subjetivismo do positivismo jurídico e a Crítica Hermenêutica do Direito. 3. A antecipação da prova testemunhal no processo penal. 4. As decisões dos tribunais superiors à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A proposta de Lenio Streck com sua Crítica Hermenêutica do Direito é, a partir do enfoque hermenêutico, combater o problema da discricionaridade judicial, própria do positivismo jurídico e fortemente presente na prática judiciária no Brasil. Trata-se de tarefa árdua e indispensável à defesa da democracia e à necessária limitação do poder dos juízes.
No presente trabalho, apresentaremos algumas das principais características da referida teoria da decisão, a fim de lançar as bases para uma análise da intepretação do artigo 366 do Código de Processo Penal – mais precisamente, da antecipação da produção da prova testemunhal urgente nele prevista – pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.
A aplicação do mencionado dispositivo legal tem sido terreno fértil para o solipsismo judicial, conferindo-se aos juízes, com a anuência dos Tribunais Superiores, liberdade para definir a urgência da prova.
Neste sentido, amparados nas lições de Streck, procuraremos apresentar uma definição de prova testemunhal urgente, que atenda às exigências de coerência e integridade do direito, bem como que esteja em conformidade com a Constituição da República e o processo penal democrático nela consagrado.
2. O SUBJETIVISMO DO POSITIVISMO JURÍDICO E A CRÍTICA HERMEMÊUTICA DO DIREITO
A discricionariedade judicial é um elemento comum às diversas correntes do positivismo jurídico[1], tomada por estas como a solução para o problema da indeterminação do Direito.
Hans Kelsen, por exemplo, definiu a interpretação feita por juízes e tribunais como um “ato de vontade”, através do qual se escolhe um sentido dentro da “moldura da norma” (ou até fora dela) para aplicá-la (STRECK, 2017b, p. 75). Para Herbert Hart, as regras jurídicas têm limites imprecisos (“textura aberta”), conferindo-se ao julgador liberdade para, quando não encontrar no Direito uma regra clara a ser aplicada (hard cases), criar uma solução para o caso concreto (SERRANO, 2016, p. 132).
Também nos denominados positivismos exclusivista e inclusivista está presente a discricionariedade: no primeiro, ao se admitir o emprego de regras e princípios não jurídicos para o preenchimento de lacunas; no segundo, ao se concluir que, mesmo com a incorporação de fatores morais no Direito, ainda assim esta pode ser insuficiente para regular todos os casos, abrindo-se espaço, pois, para que o juiz realize escolhas (STRECK, 2017a, p. 59).
Segundo Lenio Streck (2017b, p. 75), a aposta positivista na discricionariedade decorre do fato de que as questões relativas à razão prática – como a interpretação realizada pelos órgãos judiciais - são colocadas em segundo plano, limitando-se a teoria do Direito a uma racionalidade teórica. Neste sentido, leciona Pedro Serrano (2016, p. 115):
Tal concepção formal-objetivista do direito e sua obsessão metodológica pela pureza científica acabar por retirar da ciência jurídica qualquer tentativa de compreender o fenômeno da interpretação e aplicação do direito sob a ótica da racionalidade, relegando-as à discricionariedade e à subjetividade do julgador e conferindo-lhe um inegável poder absolutista, incompatível, nota-se, com os ideais de segurança jurídica e com os valores do Estado de direito que lhe foram tão caros enquanto cientistas jurídicos.
A discricionariedade judicial defendida (ou aceita) pelos positivistas está ligada ao paradigma da filosofia da consciência, segundo o qual, em apertada síntese, os objetos não têm uma essência a ser revelada, como ocorria na metafísica clássica: a atribuição de sentidos é feita pela consciência do sujeito (“esquema sujeito-objeto”)[2]. É através da razão que o mundo passa a ser explicado (STRECK, 2017b, p. 14).
Ao se definir que o conhecimento deriva da consciência do sujeito, abre-se caminho para o solipsismo judicial. O sujeito solipsista é aquele que constrói o próprio objeto de conhecimento, a partir de seu ponto de vista interior; ele estabelece a “verdade” a partir de sua consciência (STRECK, 2017b, p. 68). É a esse sujeito - “viciado em si mesmo”, egoísta, encapsulado - que o positivismo “delega” o poder discricionário, permitindo que as decisões sejam tomadas com base em subjetividades, ideologias ou interesses pessoais, através da atribuição arbitrária de sentidos (STRECK, 2017a, p. 276)[3].
Nota-se, portanto, que os positivistas “conferem ao julgador um poder de imperador absolutista, totalmente incompatível com o Estado de direito que queriam defender” (SERRANO, p. 134)[4].
Com sua Crítica Hermenêutica do Direito, Lenio Streck visa a combater a discricionariedade e o solipsismo próprios do positivismo, e o faz amparado na hermenêutica de Martin Heidegger e Hans-Georg Gadamer, bem como na teoria integrativa de Ronald Dworkin.
Seu ponto de partida é o linguistic turn, do qual são expoentes os já citados Heidegger e Gadamer. O giro ontológico-linguístico promove uma ruptura paradigmática, transferindo o conhecimento para o âmbito da linguagem[5]: é nesta, e não na consciência, que se dá o sentido (STRECK, 2017b, p. 15). Trata-se da superação da filosofia da consciência e sua subjetividade pelo entendimento de que a linguagem não é uma ferramenta ou um terceiro elemento entre o sujeito e o objeto, mas sim “condição de possibilidade, de acesso ao mundo, o que se dá numa experiência compartilhada/intersubjetiva” (STRECK, 2017a, p. 60).
Com efeito, a linguagem é pública, e não privada, produto de um sujeito solipsista (STRECK, 2017b, p. 17). Portanto, a linguagem não está à nossa disposição, os sentidos não podem ser arbitrariamente definidos pelo intérprete, já que aquela é intersubjetiva e se antecipa a qualquer tipo de interpretação; existe, pois, uma pré-compreensão, que não abre espaço para o subjetivismo (STRECK, 2017a, p. 227)[6].
A relação sujeito-objeto dá lugar ao círculo hermenêutico elaborado por Heidegger, que é a base da intepretação e segundo o qual “sempre ingressamos em um ‘processo’ de compreensão com algo antecipado” (STRECK, 2017a, p 29). Sobre o tema, segue a lição de Lenio Streck (2017a, 29-30):
Heidegger explica: quando olho para um canto e vejo um fuzil, é porque, de forma antecipada eu já sabia o que era uma arma. Círculo hermenêutico é condição de possibilidade para a compreensão. Se falo de uma inconstitucionalidade é porque antes já sei o que é uma Constituição, Direito constitucional, jurisdição constitucional, etc. Isso tudo significa também que o círculo hermenêutico é o que propicia a antecipação de sentido que temos de algo.
A noção de pré-compreensão (“antecipação de sentidos”) é essencial para se entender como se dá a interpretação e a aplicação do Direito.
Conforme afirmou Gadamer, “antes de dizer algo sobre o texto, deve-se deixar que o texto diga algo” (STRECK, 2017b, p. 107-108). Em outras palavras, se por um lado o texto (da lei escrita, por exemplo) não é tudo, também não é um nada[7], de modo que não se parte de um “grau zero de sentidos”, mas sim da pré-compreensão, de um sentido antecipado (STRECK, 2017a, p 21). Para Gadamer, ao interpretar o intérprete atribui sentido ao texto e explicita o que compreendeu, mas só o faz na aplicação[8], não havendo, pois, cisão do ato interpretativo em conhecimento, interpretação e aplicação (STRECK, 2017b, p. 98-99).
Nesse novo paradigma, evidencia-se a impossibilidade de o aplicador do Direito atribuir sentidos arbitrariamente ou, em outras palavras, “julgar conforme sua consciência”, como faz o sujeito solipsista[9]. A decisão não mais se dá a partir uma escolha, no exercício de um poder discricionário. O juiz não mais elege, diante de várias possibilidades de decisão, aquela que lhe convém.
A ideia de pré-compreensão promove o controle desse subjetivismo, exigindo que o juiz se comprometa com o sentido do direito projetado pela comunidade política. Nesta linha, ensina Streck (2017b, p. 117-118):
[...] toda decisão deve se fundar em um compromisso (pré-compreendido). Esse compromisso passa pela reconstrução da história institucional do direito – aqui estamos falando, principalmente, dos princípios enquanto indícios formais dessa reconstrução – e pelo momento de colocação do caso dentro da cadeira de integridade do direito. Não há decisão que parta do “grau zero de sentido”. Portanto, e isso é definitivo, a decisão jurídica não se apresenta como um processo de escolha do julgador das diversas possibilidades de solução da demanda. Ela se dá como um processo em que o julgador deve estruturar sua intepretação – como a melhor, a mais adequada – de acordo com o sentido do direito projetado pela comunidade política.
Neste ponto, a Crítica Hermenêutica do Direito se vale da teoria de Ronald Dworkin para enfrentar a subjetividade, exigindo dos juízes coerência e respeito à integridade do direito, na busca de uma decisão (resposta) adequada à Constituição.
A coerência relaciona-se à igualdade: deve o julgador aplicar, para casos idênticos, os mesmo preceitos e princípios (STRECK, 2017b, p. 101). A integridade, por sua vez, “exige que os juízes construam seus argumentos de forma integrada ao conjunto do direito” (STRECK, 2017b, p. 101), vale dizer, que o julgador decida de acordo com os princípios que constituem a comunidade, construídos ao longo da história[10].
O combate à discricionaridade e ao solipsismo presentes no positivismo é exigência da democracia, na medida em que se estabelece limites e possibilita o controle das decisões judiciais, reduzindo a subjetividade. Para tanto, a Crítica Hermenêutica do Direito, através das bases que aqui se expôs sinteticamente, defende a existência do direito fundamental à obtenção de respostas adequadas à Constituição (STRECK, 2017c, p. 689):
A decisão (resposta) estará adequada na medida em que for respeitada, em maior grau, a autonomia do Direito (que se pressupõe produzido democraticamente), evitada a discricionariedade (além da abolição de qualquer atitude arbitrária) e respeitada a coerência e a integridade do Direito, a partir de uma detalhada fundamentação. O direito fundamental a uma resposta correta, mais do que o assentamento de uma perspectiva democrática (portanto, de tratamento equânime, de respeito ao contraditório e à produção democrática legislativa), é um “produto” filosófico, porque caudatário de um novo paradigma que ultrapassa o esquema sujeito-objeto predominante nas duas metafísicas.
Expostos, sinteticamente, os caracteres gerais da teoria desenvolvida por Lenio Streck, passamos a apresentar julgados dos Tribunais Superiores acerca da antecipação da prova testemunhal por aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal, a fim de, em seguida, analisá-los à luz da doutrina aqui exposta.
3. A ANTECIPAÇÃO DA PROVA TESTEMUNHAL NO PROCESSO PENAL
A Lei nº 9.271/96 alterou o artigo 366 do Código de Processo Penal[11], determinando a suspensão do processo e do prazo prescricional quando o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado. A modificação legislativa afastou a possibilidade de tramitação do processo quando o réu não for encontrado, em atendimento aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório (artigo 5º, inciso LV, da Constituição da República), que eram fortemente vilipendiados no modelo anterior[12], bem como às disposições da Convenção Americana sobre Direitos Humanos[13].
O citado dispositivo prevê, por outro lado, a possibilidade de “o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes”. Para os fins do presente estudo, cumpre identificar como os Tribunais Superior tem tratado do tema, especificamente quanto à antecipação da prova testemunhal.
No Supremo Tribunal Federal, há o entendimento de que “a determinação de produção antecipada de prova está ao alvedrio do juiz, que pode ordenar sua realização se considerar existentes condições urgentes para que isso ocorra” (STRECK, 2017, p. 32)[14], posicionamento este ainda predominante da 1ª Turma, conforme se verifica no seguinte trecho da ementa de recente julgado[15]:
[...] cabe ao juiz da causa decidir sobre a necessidade da produção antecipada da prova testemunhal, podendo utilizar-se dessa faculdade quando a situação dos autos assim recomendar, (...) especialmente por tratar-se de ato que decorre do poder geral de cautela do magistrado (art. 366 do CPP).
No caso que aqui tomamos como exemplo, o STF negou provimento a agravo regimental, considerando idônea a decisão que antecipou a produção de prova testemunhal em razão da possibilidade de as testemunhas se esquecerem dos fatos ou não serem localizadas e na imprevisibilidade de retomada do andamento do processo, bem como por economia processual.
Na mesma linha, a 2ª Turma, no Habeas Corpus nº 135.386[16], decidiu que a gravidade do crime e o risco de perecimento da prova (consistente no esquecimento de detalhes importantes pelas testemunhas, em decorrência do decurso do tempo) justificam a antecipação da colheita da prova. Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes afirmou que “o magistrado utilizou-se da prudência necessária, a fim de resguardar a produção probatória e, em última análise, o resultado prático do processo penal”, invocando, ademais, o direito à duração razoável do processo (artigo 5º, LXXVII, da CR/88). Nota-se, portanto, que também se atribuiu ao julgador a tarefa de estabelecer aquilo que é urgente, com base na sua “prudência”.
Ressalte-se o entendimento divergente dos Ministros Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, neste e em outros casos semelhantes[17], para os quais a antecipação da prova testemunhal do artigo 366 do Código de Processo Penal deve observar os parâmetros do artigo 225 do mesmo diploma[18], não bastando a mera alegação de comprometimento da memória das testemunhas pela ação do tempo.
Nesta linha, o Superior Tribunal de Justiça editou, em 2010, a súmula 455, com o seguinte teor: “A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo.”
Entretanto, o próprio STJ permite a antecipação da colheita da prova quando a testemunha é policial, ao argumento de que o trabalho dos agentes de segurança pública, em constante contato com fatos submetidos ao processo penal, seria fator de maior comprometimento da memória, de modo que não antecipar a oitiva destes comprometeria a eficiência do sistema punitivo, conforme afirmou o Min. Rogério Schietti Cruz em seu voto-vista no Recurso em Habeas Corpus nº 64.086, julgado pela Terceira Seção em 23/11/2016.
A Corte Superior também tem flexibilizado o entendimento sumulado em situações em que, muito embora as testemunhas não sejam policiais, o lapso temporal entre os fatos e a instrução prejudique a memória daqueles e, consequentemente, a busca pela “verdade real”[19].
Vê-se que, em que pese a invocação dos parâmetros do artigo 225 do Código de Processo Penal, a que acima nos referidos, em alguns julgados[20], o STJ tem decido que o juiz pode tomar como urgentes a oitiva de policiais (em qualquer hipótese) e de quaisquer testemunhas, quando maior o decurso do tempo.
Neste panorama, é possível concluir que as Cortes Superiores tão somente exigem, para a antecipação da oitiva de testemunhas com amparo no artigo 366 do CPP, que o juiz apresente fundamentação concreta, que aponte o que ele considere urgente, segundo sua própria concepção de urgência. A limitação imposta pelo STJ – de não se indicar apenas o decurso do tempo como fundamento para a decisão – comporta diversas exceções, como se expôs, e não representa, de fato, uma real restrição a uma infinidade de casos[21].
4. AS DECISÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES À LUZ DA CRÍTICA HERMENÊUTICA DO DIREITO
A partir do quanto se expôs, verifica-se que as Cortes Superiores conferem ampla discricionariedade aos juízes para a determinação do que seriam provas urgentes, a possibilitarem a produção antecipada, nos termos do artigo 366 do CPP.
Nota-se, aqui, a íntima relação entre a filosofia da consciência e o sistema inquisitório, fortemente presente na legislação infraconstitucional e na prática judiciária, eis que fica a critério do juiz a antecipação das provas (STRECK, OLIVEIRA, 2019, p.58). Neste sentido:
[...] é possível afirmar que, no sistema inquisitório (ou inquisitivo), o sujeito (da relação sujeito-objeto) é o “senhor dos sentidos”. Ele “assujeita” as “coisas” (se se quiser, “as provas”, o “andar do processo” etc.). Isso exsurge, como já referido, da produção da prova ex officio e da prevalência de princípios (sic) como o do “livre convencimento do juiz” ou da “livre apreciação da prova”. Ou seja, no “sistema inquisitivo”, a prova depende do “inquisidor”. Transplantada a frase para a filosofia no direito, a prova depende do sujeito. A prova é a “coisa”. Essa “coisa” depende da visão de mundo do sujeito. Em outras palavras, a prova depende do que pensa o juiz. É do seu alvedrio que exsurgirá a decisão. (STRECK, OLIVEIRA, 2019, p. 56-57)
A Constituição da República de 1988, ao estabelecer o contraditório, a ampla defesa, a imparcialidade do juiz, a exigência de fundamentação e de publicidade das decisões, entre outros direitos e garantias, adotou o modelo acusatório de processo penal (LOPES JÚNIOR, 2015, p. 48-49), no qual “o poder persecutório do Estado é exercido de um modo, democraticamente, limitado e equalizado” (STRECK, OLIVEIRA, 2019, p. 56).
Conforme afirma Aury Lopes Júnior (2010, p. 27), o processo penal é “instrumento a serviço da realização do projeto democrático” e sua finalidade é garantir a “máxima eficácia dos direitos e garantias fundamentais, em especial a liberdade individual”. Mais do que mero caminho necessário para à aplicação da pena, o processo penal é limite ao poder punitivo estatal.
Em primeiro lugar, portanto, temos que a decisão que determina a antecipação da produção de provas deve refletir os princípios constitucionais, a fim de que seja, pois, uma resposta correta (adequada à Constituição), na linha do que estabelece a Crítica Hermenêutica do Direito.
A partir dessas premissas, a antecipação da oitiva de testemunhas não pode se amparar no suposto comprometimento da “eficácia do sistema punitivo” ou na busca de se garantir “o resultado prático do processo penal”, tampouco em prol da celeridade do processo, conforme consta em algumas das decisões acima mencionadas. Tais entendimentos violam as garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório em favor de uma ideia de eficiência que toma o processo penal como instrumento de segurança pública, o que não é compatível com o modelo constitucional democrático.
Igualmente inaceitável a invocação da busca da “verdade real” como pretexto para antecipar a instrução, como defende Rômulo de Andrade Moreira (2013, p. 42-43), para quem toda prova testemunhal é urgente. Esta “busca pela verdade”, além de ser própria do sistema inquisitivo[22] e, pois, incompatível com a Constituição, é mais uma manifestação da filosofia da consciência no processo penal. Segundo Streck (2017b, p. 56), o “princípio da verdade real”:
[...] era a instrumentalização da ontologia clássica no processo penal, pelo qual a verdade do processo penal se revelaria ao juiz (adequatio intellectus et rei). A verdade estaria “nas coisas”, que, por terem uma essência, iluminariam o intelecto do juiz. Ocorre que, por desconhecimento filosófico ou uma corruptela metodológica, o aludido “princípio” foi transformado em modus operandi do paradigma que superou o objetivismo realista: o paradigma da filosofia da consciência. Desse modo, ao invés da “coisa” “assujeitar” o juiz – circunstância que asseguraria o exsurgimento da verdade “dada” no âmbito do processo penal -, foi o juiz que passou a “assujeitar” a coisa (a prova processual). E a “verdade real” passou a ser aquela “extraída inquisitorialmente pelo juiz”. É dizer, a prova passou a ser aquilo que a consciência do juiz “determina”. Por alguma razão – que é de todos conhecida – a “verdade real” cambiou de paradigma...!
Cumpre ressaltar, ainda, que, ao contrário do que sustentam alguns doutrinadores[23], a antecipação da colheita de prova testemunhal compromete a ampla defesa e o contraditório, impedindo, por exemplo, que o defensor (público ou dativo) conheça a versão do acusado e possa formular perguntas pertinentes à testemunha, exercendo, pois, uma defesa meramente simbólica (LOPES JÚNIOR, 2015, p. 566)[24].
Por tais razões, a oitiva antecipada de testemunhas, só deve ser determinada em situações excepcionalíssimas, e não sob a alegação genérica de que o decurso do tempo compromete a memória, sob pena de violação dos citados princípios constitucionais. Tampouco se pode deixar ao arbítrio do juiz em quais situações o possível esquecimento por parte da testemunha permitiria sua oitiva antecipada, o que, como visto, tem ocorrido no STJ.
Há de se indagar, pois, qual o sentido de “provas urgentes” contido no citado dispositivo, para que este não dependa da opinião do julgador solipsista. Neste sentido:
De nossa parte, entendemos que, a partir de uma análise constitucional, parece-nos evidente que, quando a lei estabelece a possibilidade de o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes, a sua decisão deverá estar fundamentada/justificada com todos os detalhes, além de passar pelo crivo do contraditório e da ampla defesa (...). Além disso, a urgência deve ser considerada levando-se em conta toda a história institucional das decisões anteriores que tratam dessa temática, respeitando a coerência e a integridade. “Provas consideradas urgentes” não é um enunciado assertórico. Tampouco é um enunciado performativo. A “proposição jurídica” só terá sentido em cada caso concreto. A aplicação automática do dispositivo (tabula rasa) abre espaço para a decisão que o juiz julgar mais conveniente. E isso é reforçar o “subjetivismo/discricionarismo” dos juízes.” (STRECK, OLIVEIRA, 2019, p. 56-57)
Portanto, em obediência aos critérios de integridade e coerência, temos como adequadas as decisões que extraem o conceito de “prova urgente" do artigo 225 do Código de Processo Penal, que prevê a tomada antecipada do depoimento da testemunha que houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista. O elemento essencial à caracterização da prova testemunhal urgente é, pois, a possibilidade de perecimento da prova, que se resume à ausência – não meramente temporária, mas que comprometa seu comparecimento em definitivo – e ao risco concreto de morte ou de enfermidade que impossibilite o depoimento.
O entendimento aqui defendido é extraído de todas as decisões da Corte invocadas como precedentes para a formulação do enunciado da súmula nº 455 do STJ[25], que pretendeu afastar o risco de comprometimento da memória como fator para antecipação da oitiva de testemunhas. Como exemplo, transcrevemos trecho do voto proferido pelo Ministro Felix Fischer no Habeas Corpus nº 111.984:
Cumpre esclarecer que a produção antecipada de prova testemunhal não é obrigatória em se tratando de suspensão estabelecida no art. 366 do CPP. Não é automática. Ela deve ser - conforme o caso - avaliada fundamentadamente.
A decisão prevista no referido artigo, acerca da prova, deve ser, portanto, motivada. In casu, constata-se que o Juízo a quo não demonstrou com dados concretos extraídos dos autos a necessidade da produção antecipada da prova, restringindo-se em afirmar que o transcurso do tempo poderia influir na memória das testemunhas.
Na verdade, o art. 366 se coaduna melhor com o art. 225 do que com o art. 92,
todos do CPP. Esta última hipótese, acerca da inquirição antecipada de testemunhas, não traz, em princípio, nenhum gravame para o réu, em regra, presente. Justamente o sistema é que recomenda o tratamento diferenciado porquanto distintas - e, totalmente distintas - as situações.
Nas prejudiciais, o réu não é, necessariamente, revel (ex vi art. 92 do CPP). Já
na revelia, a possibilidade de prejuízo para o acusado pode ser, na prática, de grande monta. Aliás, igualando-se as hipóteses, a suspensão do art. 366 do CPP não teria nenhuma razão de ser (v.g., a suspensão para as alegações finais...).
Contudo, como exposto acima, nem mesmo o STJ segue as decisões que ampararam o entendimento sumulado (em verdade, tampouco segue o simples enunciado da súmula, que diz menos que os precedentes que o sustentam), deixando de lado a exigência de observância do artigo 225 do CPP para a caracterização da urgência da prova, desvirtuando, por completo, o histórico com que o tema foi abordado na Corte.
5. CONCLUSÃO
A Crítica Hermenêutica do Direito, de Lenio Streck, fornece robustos elementos para o combate à discricionaridade judicial, inaceitável no processo jurisdicional de bases democráticas.
A partir do quanto se expôs, é possível verificar que os Tribunais Superiores têm adotado uma atitude permissiva quanto à discricionariedade na aplicação do artigo 366 do Código de Processo Penal, no ponto específico da antecipação da oitiva de testemunhas. Como visto, extrai-se dos posicionamentos majoritários tanto do STJ, como do STF, uma defesa cega do solipsismo, sob diversos argumentos, nenhum deles, contudo, com amparo na Constituição e no sistema acusatório nela consagrado.
Verificou-se, também, a inobservância dos deveres de coerência e integridade – não apenas decorrentes das teorias de Dworkin e Streck, mas imposição legal[26] -, revelada pela adoção de um verdadeiro casuísmo, especialmente pelo STJ, que ignora o conteúdo dos próprios precedentes que levaram à elaboração de súmula sobre o tema.
A partir das lições de Streck, reconstruindo a história institucional das decisões que tratam da oitiva antecipada de testemunhas, nos termos do artigo 366 do CPP, é possível concluir pela necessidade de observância do artigo 225 do CPP para a identificação da urgência exigida pelo dispositivo legal.
Com isso, atende-se, a um só tempo, os requisitos de coerência e integridade, a necessidade de se resguardar ao máximo os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (tornando excepcional a oitiva antecipada de testemunhas) e de se afastar a discricionaridade do julgador, propiciando que se chegue a uma decisão adequada à Constituição.
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[1] A referência, conforme o alerta de Lenio Streck (2017c, p 34), é às correntes positivistas posteriores ao positivismo exegético, eis que já superada a ideia do “juiz boca da lei”.
[2] A partir do método racionalista de Renè Descartes, “na verificação da ‘verdade’, o cientista deve partir de sua consciência (mente, espírito) em direção ao mundo exterior (matéria), com o intuito de se aclarar, continuamente, a compreensão daquilo que observa. Desse modo, passa-se a acreditar que, na relação Sujeito-Objeto estabelecida, a perfeita compreensão sobre aquilo que é submetido à análise pode ser alcançada mediante um puro exercício intelectual (filosofia da consciência) do pesquisador.” (MARQUES, DONATO, 2011, p. 78)
[3] “A ‘vontade’ e o ‘conhecimento’ do intérprete não constituem salvo-conduto para a atribuição arbitrárias de sentido e tampouco para uma atribuição de sentidos arbitrária (que é consequência inexorável da discricionariedade). Isso porque é preciso compreender a discricionaridade como sendo o poder arbitrário ‘delegado’ em favor do juiz para ‘preencher’ os espaços da ‘zona de penumbra’ do modelo de regras. Não se pode esquecer, aqui, que a ‘zona da incerteza’ (ou as especificidades em que ocorrem os ‘casos difíceis’) pode ser fruto de uma construção ideológica desse mesmo juiz, que, ad libitum, aumento o espaço da incerteza e, em consequência, seu espaço de ‘discricionariedade’. Nesse sentido, discricionariedade acaba, no plano da linguagem, sendo sinônimo de arbitrariedade.” (STRECK, 2017c, p. 70-71)
[4] Pedro Serrano vai além e inclui a adoção do positivismo analítico – com o seu paradigma subjetivista e o esquema sujeito-objeto - como uma das razões para o fortalecimento da jurisdição como fonte de exceção nos países de modernidade tardia (2016, p. 106-107).
[5] “No decorrer do século XX houve uma mudança no conceito de verdade, que passou de uma construção do homem isolado que conhece a realidade por meio de raciocínios dedutivos (visão idealista), para o homem que conhece a realidade e a acessa coletivamente, pois o ato de conhecer é um ato de comunicação e, como tal, a verdade é resultado de um consenso pré-estabelecido pelo diálogo.” (SERRANO, 2016, p. 136)
[6] “A partir da fenomenologia hermenêutica de Heidegger, a compreensão não é um processo que é produto de uma subjetividade do sujeito, mas é um existencial, é algo que nos constitui como seres humanos. Nessa linha, compreender significa o modo de ser próprio do ser humano na medida em que não nos perguntamos por que compreendemos o mundo pelo fato de já o termos compreendido. Há uma antecipação de sentidos que inexoravelmente interpela qualquer tipo de interpretação. Essa antecipação é a pré-compreensão (Vorverständnis) da qual nos fala Heidegger. Por isso compreender, e, portanto, interpretar (que é explicitar o que se compreendeu) não depende de um método ou de um processo consciente do sujeito. Existe um processo de compreensão prévio que antecipa qualquer interpretação e somente a partir dele que o intérprete partirá para realizar o processo hermenêutico, dentro do qual, é necessário frisar, já estava inserido.” (STRECK, 2017a, p. 227)
[7] “Obedecer ‘à risca o texto da lei democraticamente construída’ (já superada - a toda evidência – a questão da distinção entre direito e moral) não tem nada a ver com a ‘exegese’ à moda antiga (positivismo primitivo). No primeiro caso, a moral ficava de fora; agora, no Estado Democrático de Direito, ela é cooriginária. (...) A legalidade reclamada, neste caso, é uma legalidade construída a partir dos princípios que são o marco da história institucional do direito; uma legalidade, enfim, que se forma no horizonte daquilo que foi, prospectivamente, estabelecido pelo texto constitucional.” (STRECK, 2017b, p. 97)
[8] Lenio Streck (2017a, p. 29) ensina que entre norma e texto não existe uma diferença estrutural, mas sim ontológica: “(...) o texto jurídico só existe na medida em que a ele se atribui uma norma. O texto não existe em sua ‘textitude’; ele só é (existe) na sua norma, que é o sentido que se atribui no processo de applicatio, isto é, de intepretação/aplicação”. Ainda sobre a applicatio: “Applicatio quer dizer que, além de não interpretarmos por partes, em fatias, também não interpretamos in abstrato. Quando nos deparamos com um texto jurídico (uma lei), vamos compreendê-lo a partir de uma situação, concreta ou imaginária. (...) Isso quer dizer que o intérprete não enxerga, primeiro, uma coisa sem sentido, para, depois, acoplar o conceito. Conceitos não existem sem coisas. É claro que conceitos e coisas não estão colados. Mas também não são descolados a ponto de o intérprete poder dar qualquer conceito (sentido) à coisa. Quando o intérprete se depara com o texto, há um sentido que se antecipa.” (STRECK. 2017a, p. 22-23)
[9] Sobre a mudança de paradigma, leciona Pedro Serrano (2016, p. 137): “Esta descoberta de que o homem acessa a realidade pela linguagem tem um efeito devastador nas teorias idealistas, pois não é o homem que cria a realidade das coisas como bem entende, mas deve buscar a verdade nos consensos que a linguagem determina por meio do diálogo. (...) Ao adotar o direito como fenômeno de comunicação, o pressuposto kantiano de que não é possível realizar uma conclusão objetiva a partir de um juízo de valor – porque a verdade do seu pressuposto não é demonstrável universalmente – cai por terra, pois se há consenso entre os interlocutores de que determinado pressuposto é verdadeiro, a conclusão passa a ser ‘objetivável’”.
[10] “Ao decidir o novo caso, cada juiz deve considerar-se como um complexo empreendimento em cadeia, do qual essas inúmeras decisões, estruturas, convenções e práticas são a história; é seu trabalho continuar essa história no futuro por meio do que ele faz agora. (...) Cada juiz se posiciona na história institucional, devendo interpretar o que aconteceu e dar-lhe continuidade da melhor maneira possível. Cada tomada de decisão deve se articular ao todo coerente do Direito, mantendo uma consistência com os princípios constitutivos da comunidade. Dworkin se compromete com decisões judiciais corretas através da coerência e integridade normativas.” (STRECK, 2017a, p. 252)
[11] Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
[12] “Incrivelmente, até 1996, ainda existia no Brasil a possibilidade de processos em estado de revelia, ou seja, sem que o acusado tivesse sido citado (citação real). Eram processos nitidamente inquisitórios (ou melhor, ainda mais inquisitório que o atual...), em que se nomeava um defensor (in)ativo, na verdade, um convidado de pedra, absolutamente inativo e impossibilitado de produzir prova.” (LOPES JÚNIOR, 2015, p. 558-559)
[13] “Artigo 8.2. Toda pessoa acusada de delito tem direito a que se presuma sua inocência enquanto não se comprove legalmente sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas: (...) b) comunicação prévia e pormenorizada ao acusado da acusação formulada; c) concessão ao acusado do tempo e dos meios adequados para a preparação de sua defesa; d) direito do acusado de defender-se pessoalmente ou de ser assistido por um defensor de sua escolha e de comunicar-se, livremente e em particular, com seu defensor; (...)”
[14] Habeas Corpus nº 93.157, julgado em 23/09/2008 pela 1ª Turma, redator para o acórdão Min. Menezes Direito (vencido o Min. Ricardo Lewandowski).
[15] Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 165.581, julgado em 22/02/2019 pela 1ª Turma, relator Min. Alexandre de Moraes (vencido o Min. Marco Aurélio).
[17] Como exemplos: Habeas Corpus nº 130.038, julgado em 03/11/2015 pela 1ª Turma, e Habeas Corpus nº 108.064, julgado em 13/12/2011 pela 1ª Turma, ambos relatos pelo Ministro Dias Toffoli. Na mesma linha, o Habeas Corpus nº 83.709-3, julgado pela 1ª Turma em 30/03/2004, relator para o acórdão Min. Cezar Peluso.
[18] Art. 225. Se qualquer testemunha houver de ausentar-se, ou, por enfermidade ou por velhice, inspirar receio de que ao tempo da instrução criminal já não exista, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, tomar-lhe antecipadamente o depoimento.
[19] No Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 557.840, julgado em 05/05/2020 pela 5ª Turma (relator Min. Ribeiro Dantas), decidiu-se ser possível a antecipação da oitiva das testemunhas por terem transcorridos dez anos entre a data dos fatos e a instrução.
[20] Como exemplos, citamos julgados em que foram relatores os mesmos Ministros que, nos exemplos anteriores, decidiram ser possível a antecipação da colheita da prova testemunhal pelo risco de esquecimento: Recurso em Habeas Corpus nº 107.319, julgado em 21/03/2019 pela 6ª Turma (relator Min. Rogério Schietti Cruz), e Habeas Corpus nº 313.376, julgado em 18/05/2017 pela 5ª Turma (relator Min. Ribeiro Dantas).
[21] Invocamos, neste ponto, o trabalho de Marcelo Semer (2019, p. 187-200), segundo o qual, no universo de processos por ele pesquisado, 90,46% das testemunhas em processos relativos ao tráfico de drogas são agentes de segurança pública ou guardas municipais, aos quais se confere uma “credibilidade especial”. Portanto, seguindo-se a posição do STJ, nos milhares de processos que tratam do citado crime a regra seria a antecipação da oitiva das testemunhas, desvirtuando o caráter excepcional – marcado pela urgência – da produção antecipada de provas.
[22] “No sistema inquisitório, nasce a (inalcançável e mitológica) verdade real, em que o imputado nada mais é do que um mero objeto de investigação, ‘detentor da verdade de um crime’, e, portanto, submetido a um inquisidor que está autorizado a extraí-la a qualquer custo. Recordemos que a intolerância vai fundar a inquisição. A verdade absoluta é sempre intolerante, sob pena de perder seu caráter ‘absoluto’”. (LOPES JÚNIOR, 2010, p. 76-77)
[23] "[...] a antecipação da prova testemunhal não tolhe o contraditório nem a ampla defesa, em especial, porque o processo não chegará a ser sentenciado em seu mérito enquanto o réu não for localizado, e uma vez comparecendo ao processo, terá contato com todos os testemunhos produzidos, para somente, então, como ato final da produção da prova oral, ser interrogado.” (AVILA, ALTOÉ, 2017, p. 265)
[24] Importante registrar o posicionamento de Vinícius Peluso (2008, p. 200-202), que afirma que, em consonância com os princípios constitucionais que regem o processo penal, a previsão do artigo 366 do CPP não pode consistir em verdadeira antecipação da produção da prova testemunhal, mas sim medida cautelar, que visa a conservar o depoimento que corre o risco concreto de não se realizar; se ao tempo da retomada do curso do processo for possível a oitiva da testemunha, esta deverá ser feita novamente, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, para se converter em prova.
[25] São elas: RHC nº 21.173, julgado em 19/09/2009 pela 6ª Turma, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura; HC nº 111.984, julgado em 17/02/2009 pela 5ª Turma, Rel. Min. Felix Fischer; HC nº 132.852, julgado em 14/05/2009 pela 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz; HC nº 103.451, julgado em 05/06/2008 pela 6ª Turma, Rel. Min. Jane Silva; HC nº 67.672, julgado em 28/05/2008 pela 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteve Lima; HC nº 45.873, julgado em 17/08/2006 pela 6ª Turma, Rel. Min. Nilson Naves; EREsp nº 469.775, julgado em 02/03/2005, julgado em 24/11/2004 pela 3ª Seção, Rel. Min. Laurita Vaz.
[26] Imposta pelo artigo 926 do Código de Processo Civil (“Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.”) e plenamente compatível com o processo penal.
Mestrando em Processo Penal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Defensor Público do Estado de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Guilherme Diniz. A antecipação da prova testemunhal no processo penal e a crítica hermenêutica do direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2021, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56705/a-antecipao-da-prova-testemunhal-no-processo-penal-e-a-crtica-hermenutica-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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