FELLYPE MANOEL DA COSTA CANTANHEDE[1]
(coautor)
ROCHELE JULIANE LIMA FIRMEZA BERNARDES[2]
(orientadora)
RESUMO: Este trabalho propõe analisar a problemática da não aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nos contratos bancários de empréstimos para capital de giro obtidos por pessoa jurídica. A pesquisa utilizou o método dedutivo com emprego de material bibliográfico e documental legal. Verificou-se que o Código de Defesa do Consumidor surgiu com a pretensão de dirimir conflitos na relação de consumo e a proteção ao consumidor. Serão identificados os conceitos jurídicos dos participantes da relação de consumo: consumidor e fornecedor. Virá à lume, também, as espécies de vulnerabilidades do consumidor, sendo elas técnica, jurídica ou científica, fática ou socioeconômica e informacional, e os serviços bancários como objeto da relação de consumo. Além disso, o estudo trará a teoria finalista mitigada ou aprofundada como instrumento que permite a aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos contratos dessa natureza. Concluiu-se que a utilização da teoria finalista mitigada é um instrumento importante para a efetiva aplicação do CDC em casos pertinentes.
Palavras-chave: Consumidor. Vulnerabilidades. Capital de giro. Teoria finalista.
ABSTRACT: This paper proposes to analyze the problem of non-application of the Consumer Defense Code (CDC) in bank contracts for working capital loans obtained by legal entities. The research used the deductive method with the use of bibliographic material and legal documents. It was found that the Consumer Protection Code emerged with the intention of settling conflicts in the consumer relationship and consumer protection. The legal concepts of the participants in the consumer relationship will be identified: consumer and supplier. The types of consumer vulnerabilities will also come to light, whether technical, legal or scientific, factual or socioeconomic and informational, and banking services as the object of the consumer relationship. In addition, the study will bring the finalist theory mitigated or deepened as an instrument that allows the application of the Consumer Defense Code in contracts of this nature. It was concluded that the use of the mitigated finalist theory is an important instrument for the effective application of the CPC in pertinent cases.
Keywords: Consumer. Vulnerabilities. Working capital. Finalist theory.
Desde 11 de setembro de 1990, vigora em território nacional a Lei 8.078/90, conhecida como o Código de Defesa do Consumidor. Nela temos as diretrizes que regulam as relações entre o fornecedor de um produto e quem o consome. Logo, quando se fala em uma relação jurídica de consumo, não há que se pensar em regulamentação de tais relações por código diverso ao Código de Defesa do Consumidor.
Na visão de Ross (2018, n.p), junto ao conceito de consumidor trazido no CDC, existe uma indeterminação no conceito de destinatário final como é posto no Código. Para tentar explicar tal indeterminação, restaram três teorias, a saber: Teoria Objetiva ou Maximalista; Teoria Finalista ou Subjetiva e a Teoria Finalista Mitigada ou Aprofundada que é uma inovação do STJ sobre a Teoria Finalista, na qual é possível reconhecer o intermediário da relação de consumerista como consumidor, quando este for encontrado em situação de efetiva hipossuficiência.
No tocante ao conteúdo deste trabalho, no segundo capítulo serão abordadas as determinações dos elementos constitutivos das relações jurídicas de consumo e suas respectivas conexões dentro dessa relação, trazidas pelo Código Consumerista, bem como pela doutrina. Serão tratados, em seguida, os tipos de vulnerabilidades atinentes ao elemento passivo da relação consumerista, isto é, o consumidor. Já no capítulo seguinte, será abordada a pertinência dos serviços bancários ao Código de Defesa do Consumidor, com elucidações da doutrina e do próprio Código. Ainda nesse mesmo tópico, serão tratadas as finalidades do capital de giro, assim como a aplicabilidade por meio da Teoria Finalista e do CDC nos serviços bancários de empréstimo para capital de giro. Finalizando esse ponto, serão trazidas as consequências da não aplicação do CDC nos casos em que couber sua égide. Em sequência, serão trazidas as considerações finais a respeito do assunto discutido.
O objetivo deste trabalho é conectar a Teoria Finalista Mitigada já consolidada no ordenamento jurídico nacional aos contratos bancários, quando estes visam o capital de giro. Para isso, utilizou-se como metodologia de pesquisa a análise de decisões judiciais, a revisão de bibliografias específicas em Direito do Consumidor, valendo-se do método dedutivo de pesquisa para a obtenção de conclusões a respeito, para então responder à problemática de pesquisa deste artigo, cuja finalidade é compreender a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor em contratos bancários de empréstimo para capital de giro.
Entende-se que a relevância jurídica deste estudo está em considerar, de maneira fática, a importância da aplicação dessa teoria, pois, ainda que seja posta a finalidade como diversa do estabelecido no CDC, não fica afastada a vulnerabilidade do consumidor desse serviço/produto, enquadrando-se perfeitamente no que concerne à teoria finalista mitigada. A relevância acadêmica está em fomentar a pesquisa de forma que instrua, positivamente, os futuros operadores do Direito no tangente à aplicação equitativa de tudo aquilo que se aprendeu no âmbito acadêmico. Já a relevância social está na discussão dos possíveis impactos que a não aplicação da teoria finalista mitigada pode causar no mundo real, isto é, os efeitos reais da aplicação da lei abstrata.
O Código de Defesa do Consumidor surgiu com a pretensão de dirimir conflitos de consumo, sejam contratuais ou não, individuais ou coletivos, de modo a regular e manter em equilíbrio a relação entre os polos ativo e passivo na relação consumerista.
A relação de consumo é composta por elementos subjetivos, a saber, o consumidor e o fornecedor; elementos objetivos, que são os produtos ou serviços ofertados; e, por fim, o elemento finalista, ou seja, o destinatário final. Dentro dessa relação, é necessário destacar que cada um desses elementos possui definições bem firmadas dentro do CDC.
No polo passivo, há o consumidor que, de forma bem simples e sem a necessidade do conceito previsto no Código de Defesa do Consumidor, é aquele que retira o produto ou serviço do mercado de consumo, sendo este vulnerável e destinatário fático e econômico do produto ou serviço.
Acerca disso, Filomeno (2018) ainda comenta que excluíram dessa conceituação os componentes de natureza sociológica, psicológica ou filosófica. Ele afirma o seguinte:
Do ponto de vista psicológico, considera-se consumidor o sujeito sobre o qual se estudam as reações a fim de se individualizar os critérios para a produção e as motivações internas que o levam ao consumo. [...]. Já do ponto de vista sociológico é considerado consumidor qualquer indivíduo que frui ou se utiliza de bens e serviços, mas pertencente a uma determinada categoria ou classe social [...]. Nas considerações de ordem literária e filosófica, [...] o chamado homem consumidor torna-se o protótipo do indivíduo-autômato, condenado a viver numa sociedade opressora, voltada exclusivamente para a produção e distribuição de todos os valores com que lhe acena a sociedade produtora-consumista, eis que fundada na inexorável e mecânica aquisição pelo consenso posto, de molde a até criar, muitas das vezes, necessidades artificiais. (p. 70-71)
Dentre os quatro sentidos mencionados, entende-se que o conceito econômico de consumidor expresso no caput do art. 2º do CDC é aquele que melhor retrata a finalidade do sujeito de direitos que adquire ou contrata no mercado de consumo, qual seja: o atendimento de uma necessidade própria do destinatário final.
É importante, também, falar da figura do consumidor por equiparação, que para o público em geral se trata de uma figura ainda pouco conhecida, mas que está expressamente destacada no parágrafo único do art. 2º do CDC: “equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”, assim como o no art. 17 do mesmo Código: “para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”.
O consumidor, por equiparação, pode ser a coletividade de pessoas que mesmo indetermináveis atuam como consumidores de um produto ou serviço oferecidos no mercado. Mas pode ser, também, conforme o art. 17, já citado, e como preceitua Resende (2019, n.p) “todo aquele que, embora não tenha participado diretamente da relação de consumo, sofre as consequências do efeito danoso decorrente do defeito na prestação de serviço à terceiros, que ultrapassa o seu objeto”.
Estabelece também o CDC em seu art. 29 que “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. Logo, entende-se que também é consumidor todo aquele que, mesmo sendo determinado ou não, estiver sujeito às práticas consumeristas, destacando para tanto, a sua vulnerabilidade, mesmo não sendo destinatário final.
Desta feita, percebe-se que o consumidor pode ser não só sujeito individual, ao retirar um produto ou serviço do mercado, mas também a coletividade de pessoas que agem da mesma forma, além de todas as vítimas que sofrem os efeitos danosos da relação consumerista, mesmo que não tenham participado diretamente da relação.
No que tange à caracterização da figura do consumidor pelo art. 2º, caput e parágrafo único, restou dúvida importante a respeito de quem seria de fato esse “destinatário final”. A partir de então surgem teorias que visam sanar tal dúvida.
Tem-se a primeira teoria que é a teoria objetiva ou maximalista, a qual conceitua o destinatário final como aquele que retira do mercado um produto ou serviço, não importando qual a finalidade dada por parte do consumidor a esse produto ou serviço. Tem-se também a teoria finalista, que nas palavras de Freitas (2014, n.p) “há destinação final quando o sujeito retira definitivamente o produto ou serviço do mercado, não utilizando em atividade econômica, civil ou empresária”. Essa teoria difere da maximalista exatamente no que diz respeito à finalidade que o possível consumidor dá ao produto ou serviço retirados do mercado. Observa-se que, neste último, quando a finalidade da retirada do produto ou serviço for para atividade econômica, civil ou empresário, não se trata de uma relação consumerista.
No curso histórico do direito consumerista, a teoria finalista foi se consolidando como a corrente majoritária dentro do ordenamento jurídico, ensejando em inúmeras decisões que usavam o princípio da finalidade como determinante para a aplicação ou não do CDC em algumas relações jurídicas. A partir de então que o Superior Tribunal de Justiça inaugura uma nova teoria visando trazer à tona a vulnerabilidade como princípio basilar para a aplicação do CDC. Doravante surge a Teoria Finalista Mitigada que veio para superar uma lacuna jurídica deixada pela teoria finalista. A respeito disso Belache (2015) afirma:
Essa nova teoria apresenta a definição de consumidor de forma mais ampla, considerando que a pessoa jurídica ou pessoa empresária pode ser considerada consumidora, mesmo na hipótese de adquirir produto ou serviço e emprega-lo com insumo ou reemprega-lo no mercado de consumo, ou seja, sem ser destinatário final.
[...] Ou seja, a teoria em apreço exige apenas a retirada do bem do mercado de consumo e a existência de algum tipo de vulnerabilidade para reconhecer a relação de consumo. (n.p)
Faz-se necessário também enfatizar a importância da existência dessa teoria, pois é a partir do seu uso que acontece um liame entre o cerne do que o CDC defende, pois como já dito antes, são os direitos do consumidor, tendo em vista sua vulnerabilidade e os casos concretos em si, mesmo quando não há uma situação de destinatário, mas que se configura a sua hipossuficiência.
É imprescindível dizer que a teoria finalista mitigada não vem para excluir a aplicação da teoria que a antecede, mas sim para ampliar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, trazendo às trincheiras de proteção do CDC aquelas relações antes excluídas por não se enquadrarem no conceito determinado pela teoria finalista subjetiva.
O conceito de fornecedor é descomplicado e fica nítido na forma que o diploma consumerista estabelece a respeito deste quando diz:
Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 1990)
É importante demonstrar que, para ser considerado fornecedor, não basta disponibilizar um serviço ou produto de forma esporádica e sem caráter profissional. Isso significa que além de fornecer um produto, é necessário também fazê-lo com habitualidade e profissionalmente.
Logo, fica claro que se alguém prestar um serviço na forma de favor esporádico e sem cunho profissional, não pode ser responsabilizado nos termos do Código Consumerista em eventual dano. Ressalta-se que o requisito de profissionalismo está interligado a um conhecimento presumido do produto ou serviço oferecido. Acerca desse assunto, assevera Miragem que:
[...] esse caráter profissional da atividade ofertada caracteriza como uma atividade econômica, uma vez que o fornecedor visa vantagem econômica ao comercializar o produto ou serviço. Porém, isto não significa que o fornecedor sempre deverá ter fins lucrativos, bastando apenas que ofereça sua atividade mediante remuneração. (2013, p. 157)
Vale ressaltar o que também está no texto legal: “tanto a empresa, seja nacional ou estrangeira, como uma pessoa física que disponibilize produto ou serviço ao mercado, são consideradas fornecedoras”. Existe debate entre doutrinadores para delimitar quando a pessoa física é considerada fornecedora. Por exemplo: se uma pessoa em sua residência vende sanduíches para seus amigos, e estes só podem pagar a dívida dessa vez, ela não poderá ser considera fornecedora, pois a habitualidade não está caracterizada.
A respeito desse produto, o CDC dispõe no § 1º do seu art. 3º (BRASIL, 1990) que “Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”. Logo, torna-se muito fácil a compreensão desse conceito. Mas fazendo uma conexão com a indústria e o mercado, pode-se chegar à ideia de que o produto é resultado da atividade empresarial para ser oferecido no mercado. Nesse sentido, Nunes (2013, p. 139) assevera que o conceito de “[...] produto é universal nos dias atuais e está estreitamente ligado à ideia do bem, resultado da produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas contemporâneas”.
Por fim, quando se fala em serviço, o CDC traz no mesmo art. 3º, mas desta feita no § 2º que “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
No intento de melhorar a compreensão desse dispositivo, Bolzan (2014) destaca que tal definição do Código Consumerista aponta para três aspectos bem definidos, sendo eles a prestação do serviço mediante remuneração; a inclusão dos serviços bancários como pertencentes às relações de consumo e, por fim, a exclusão das relações de trabalho da égide consumerista. Vale pontuar, como já dito anteriormente, que o serviço precisa ser oferecido de forma habitual e com caráter profissional, não podendo ser para tanto, considerado uma relação trabalhista, pois mesmo sendo habitual, não há que se falar em um vínculo trabalhista do consumidor com o fornecedor do serviço.
O CDC parte do princípio de que o consumidor é o lado vulnerável na aquisição de um produto ou serviço. Esse desequilíbrio existente entre consumidor e fornecedor dá à luz a necessária proteção e defesa do consumidor, visando o reconhecimento de sua pequenez ante a grandeza do fornecedor em situações concretas, isto é, no mundo real.
De acordo com dados extraídos do site do Governo Federal[3] “a defesa do consumidor no Brasil se desenvolveu a partir da década de 1960, quando foi reconhecida a vulnerabilidade do consumidor e sua importância nas relações comerciais nos Estados Unidos”. Enquanto nos Estados Unidos e nos países europeus o reconhecimento à vulnerabilidade e à proteção dos direitos do consumidor surgem a partir do movimento de uma sociedade ativa, no Brasil, tais proteções surgiram da consequência do movimento industrial ocorrido nas décadas de 60 e 70 seguido de crises econômicas e sociais.
No que tange ao assunto até aqui posto, é imprescindível o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor dentro da relação consumerista. A respeito disso, elucida Tartuce e Neves (2017, p. 33) que “[...] com a realidade da sociedade de consumo, não há como afastar tal posição desfavorável, principalmente se forem levadas em conta as revoluções pelas quais passaram as relações jurídicas e comerciais nas últimas décadas [...]”, visto que na prática é evidente a fragilidade do consumidor, pois este não é resistente às práticas nocivas sem o intervencionismo auxiliador de órgãos ou instrumentos para sua proteção.
Desse modo, o instituto da vulnerabilidade é, de fato, uma questão imprescindível a ser debatida com a finalidade de que o consumidor tenha satisfeitos os seus direitos em face do fornecedor. Nas palavras de Belache (2015, n.p), “a vulnerabilidade sendo um regulador do campo de aplicação da legislação consumerista, desenvolveu 04 (quatro) espécies: técnica, jurídica, fática e informacional”.
A vulnerabilidade técnica diz respeito à ausência de conhecimento específico que o consumidor não possui sobre o produto ou serviço que é posto no mercado de consumo. Desta feita, o fornecedor está em condição de superioridade em relação ao consumidor pois presume-se que esse primeiro detém conhecimento especializado quanto ao produto ou serviço.
Nesse sentido, Bolzan e Lenza asseguram o seguinte (2017, p. 210): “a vulnerabilidade técnica está ligada aos meios de produção, cujo conhecimento é de monopólio do fornecedor”. Esses autores não querem dizer com isso que o monopólio do fornecedor está intimamente ligado à produção e distribuição dos produtos tão somente, mas que ele escolhe o que será ofertado, quando será ofertado e a forma como será produzido, ficando o consumidor refém do que o fornecedor lhe dá por opção.
Logo, como já dito e reiterado agora, o consumidor é vulnerável tecnicamente por não deter conhecimento técnico suficiente que o faça ter ciência plena a respeito do produto ou serviço adquirido.
A vulnerabilidade jurídica faz conexão direta ao que o próprio nome pode sugerir. Trata-se da falta de conhecimento do consumidor dos seus direitos, ou mesmo do difícil acesso à justiça e da ausência de assistência jurídica, assim como na deficiência do poder judiciário na prestação jurisdicional.
Quanto a esse conteúdo, faz-se necessário entender que nem todo consumidor tem na sua formação superior, muito menos na média, conhecimentos científicos que o ajudem a entender os caminhos percorrer até a garantia dos seus direitos. Acerca disso, Marques (2011, p. 327) diz que “a vulnerabilidade jurídica ou científica consiste na falta de conhecimento jurídico, de contabilidade ou econômica”. No diploma consumerista, essa vulnerabilidade é presumida para o consumidor pessoa física. Já em relação ao profissional e pessoa jurídica, a presunção é oposta, devendo ser comprovada sua posição vulnerável. Eis que, em tese, possui parco conhecimento da legislação e consequências de seus atos.
Portanto, pode-se resumir que tal vulnerabilidade caracteriza-se pela falta de conhecimento ou pela dificuldade de acesso, ou mesmo na demora da justiça em prestar a devida assistência ao consumidor em contraponto à lesão sofrida por este.
Com relação à vulnerabilidade fática ou socioeconômica, entende-se que o consumidor não é detentor de poder econômico semelhante ao do fornecedor. Nesse contexto, é possível afirmar que aquele, quando posto diante deste, encontra-se em condição de menor condição financeira na busca por seus direitos, necessitando de maior aparato profissional.
Destaca-se, nesse ponto, o consumidor hipossuficiente, aquele cujos recursos financeiros são escassos, sendo agravada tal situação quando o serviço ou produto é de caráter essencial, ou quando, na condição fática, houver um idoso, criança, pessoa doente ou correlatos.
Mas não se resume apenas a menor capacidade econômica do consumidor, ficando claro no que ensina Miragem (2013, p. 116) que “a vulnerabilidade fática ou socioeconômica é espécie ampla, que abrange, genericamente, diversas situações concretas de reconhecimento da debilidade do consumidor”.
Em suma, o consumidor, por não ter acesso às informações específicas do mercado e, em decorrência inclusive da desleal concorrência entre os fornecedores, fica sujeito ao domínio econômico hoje existente entre consumidor-empresário, visto que estes são os detentores dos meios de produção.
No que diz respeito à vulnerabilidade do consumidor em relação à informação, cabe destacar que a sua condição está ligada à informação. Ou seja, por não deter nem ser obrigado a tal, o consumidor fica sujeito ao fornecedor, visto que ele é detentor do conhecimento em relação ao produto/serviço. Quer-se dizer com isso que o fornecedor está em condição de superioridade por possuir, de modo natural, conhecimento a respeito do produto ou serviço ofertado por ele.
Dito isso, pode-se incorrer na confusão entre essa vulnerabilidade e a vulnerabilidade técnica, mas “o fato é que esta vulnerabilidade se difere da técnica, visto que nesta não há falta de informações, mas sim informações manipuladas, controladas e, por muitas vezes, desnecessárias”. (BENJAMIN et al, 2013, p. 106)
Sendo assim, a informação é de extrema importância para o consumidor, que precisa do conhecimento real do produto o qual pretende adquirir.
Nos serviços que fazem parte do rol exemplificativo do § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, os serviços bancários estão em destaque devido à polêmica em relação à época da discussão do anteprojeto que se tratava da inclusão ou não como objeto da relação de consumo até os dias de hoje. De modo que, vez ou outra, surge um “projeto de lei com o intuito de excluir as atividades bancárias do conceito de serviço de consumo”. (BOLZAN, 2014, p. 127)
A questão que suscitou mais discussão foi em relação aos depósitos feitos em cadernetas de poupança, alegando ser serviço não remunerado. Em decorrência disso, não seria passível de regulação pelo diploma consumerista. No entanto, em 28 de março de 2001, entendeu o STJ no julgamento do Recurso Especial 106.888 que o “Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) é aplicável aos contratos firmados entre as instituições financeiras e seus clientes referentes à caderneta de poupança”. Assim, prevaleceu na doutrina e na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a incidência do CDC aos serviços bancários em razão de suas atividades “se enquadrarem, sim, no conceito de objeto das relações de consumo”. (BOLZAN, 2014, p. 128)
Para que uma empresa possa dar início às suas atividades no Brasil, faz-se necessário o cumprimento de alguns requisitos, a saber, a formulação do contrato social; a finalidade da empresa e a forma de funcionamento; o registro na junta comercial; alvará de localização e funcionamento; a inscrição estadual; por fim, a obtenção de licenças e inscrições concedidas pelo estado e/ou município tais como, licença ambiental, licença sanitária, vistoria de cumprimento de normas de segurança etc.
Mas, além desses requisitos que dizem respeito à existência e legalidade dessa empresa, para que esta se mantenha, conforme o dito comum “as portas abertas”, é necessário ter o mínimo de equilíbrio financeiro. Tem-se então a necessidade por parte do(s) titular(es) da empresa da disposição de capital inicial, que será a base financeira para a manutenção das atividades de sua empresa.
Com o decurso do tempo, essas empresas visam fazer melhorias, ou mesmo sanar dívidas pretéritas com o intuito de manter o equilíbrio de suas balanças financeiras; surgindo, então, a necessidade do uso do capital de giro que, por vezes, precisa ser complementado por meio de empréstimos bancários.
De acordo com dados do SEBRAE[4], no Brasil, no ano de 2020, já havia mais de 19 milhões de empresas ativas, sendo desse total, mais de 9 milhões registradas como microempreendedor individual, as já conhecidas MEI. Grande parte delas fazem empréstimos para capital de giro junto a instituições financeiras, objetivando a compra de maquinários, pagamento de funcionários, reformas na empresa, pagamento de contas, entre outros.
Nas palavras de Molino (2020, n.p):
O "capital de giro" compõe parte do "caixa" da empresa e é formado por "contas a pagar", "contas a receber" e "estoque". Nas "contas a pagar" estão as despesas enquanto nas "contas a receber" os créditos da empresa. No "estoque" ficam os bens da empresa já adquiridos e que ainda não circularam.
Ainda se utilizando das ideias desse doutrinador, o que difere o bem adquirido em empréstimo para capital de giro do bem adquirido em um empréstimo de um carro, por exemplo, é a natureza fungível da moeda. Enquanto o carro a ser devolvido após o fim do serviço prestado pela locadora deverá ser exatamente aquele emprestado, a moeda emprestada em contratos bancários não será devolvida moeda a moeda, cédula a cédula, porque isso seria uma tarefa impossível para o contratante do empréstimo. Afinal, ele completa: “não há pessoa, física ou jurídica, que realiza operação de crédito para colocar o dinheiro recebido ‘debaixo do colchão’”. (MOLINO, 2020, n.p).
Ao tentarmos analisar as relações de contratuais, é possível perceber nitidamente que existem pelo menos duas situações bem características quando pensamos nos componentes subjetivos do contrato, ou seja, os sujeitos que firmam esse contrato.
A primeira situação se dá quando temos de ambos os lados pessoas (física ou jurídica) com igualdade econômica, social, cultural etc. Assim sendo, podemos claramente perceber a inexistência de vulnerabilidade, pois ambos têm iguais condições dentro do acordo no que tange as vulnerabilidades já citadas. No entanto, quando partimos para verificar a segunda possibilidade de relação contratual, temos de um lado uma pessoa (física ou jurídica) vulnerável, ou hipossuficiente, e do outro uma pessoa que, de modo geral é jurídica, fornecedora de um produto e, em sua maioria, detentora do específico conhecimento do produto que fornece, portanto mais forte dentro da relação contratual, suscitando assim, nessa relação, uma desigualdade que o próprio CDC visa dirimir.
Com o advento do Código Consumerista, tais relações com desigualdades passaram a ser melhor administradas, visando exatamente devolver para a relação contratual o devido equilíbrio entre as partes. Desse modo, considera-se a igualdade entre as partes como um princípio já consagrado e amplamente aplicado na constituição, respeitando as devidas diferenças entre elas.
Ao falarmos de pessoas jurídicas no polo passivo da relação consumerista, pode-se, com certa razão, associar a expressão pessoa jurídica a um status quo de poder, superioridade, ou até mesmo se chegar ao senso comum de que toda pessoa jurídica tem a mesma capacidade econômico-social. Mas isso é um erro inequivocamente grave, pois em nada raro, tem-se pessoas jurídicas formadas por uma única pessoa, ou por um grupo que mesmo em maior número de indivíduos não detém poder econômico ou mesmo intelectual que seja capaz de colocar-se em paridade com grandes instituições fornecedoras de produtos e/ou serviços.
Falando especificamente da pessoa jurídica que busca os serviços de uma instituição financeira para tomar empréstimo com o intuito de abrir ou fomentar seu empreendimento, parte da doutrina entende que esse indivíduo, pessoa jurídica, pequeno empreendedor, deixa de ser consumidor por não se enquadrar na teoria finalista ou subjetiva. Assim, tal teoria chega a ser demasiadamente injusta, pois esquecendo da vulnerabilidade dessa pessoa jurídica em relação à instituição financeira, tira dela o direito de buscar através do CDC estabelecer o equilíbrio que naturalmente inexiste entre os dois polos.
Na teoria finalista, como ultimamente é aplicada, as microempresas não são contempladas com sua aplicação, pois, de modo geral, tem por titulares pessoas simples e até certo ponto, desinformadas. Na maioria das vezes, sem nenhuma formação superior e sem condições de enfrentar e/ou compreender problemas técnicos, informacionais ou de utilização do produto ou serviço. Sendo assim, por estarem excluídas do conceito de destinatária final, perdem a proteção do diploma consumerista, que em seu art. 4º, I já visa o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”. (BRASIL, 1990)
Tomando por base a teoria subjetiva, se uma microempresa celebrar um contrato de empréstimo para o incremento de seu capital de giro, não seria possível a aplicação do Código de Defesa do Consumidor por não ser o destinatário final dele, desconsiderando, assim, a possível situação de vulnerabilidade daquele indivíduo tomador do serviço bancário.
Tendo em vista a importante necessidade de manter o equilíbrio dentro dessa relação, o STJ passou a utilizar-se de uma teoria que amplia o conceito de consumidor de um patamar finalístico para um patamar de vulnerabilidade, desta feita, criando a Teoria Finalista Mitigada ou Aprofundada.
Temos por entendimento do STJ o seguinte:
Direito do Consumidor. Recurso especial. Conceito de consumidor. Critério subjetivo ou finalista. Mitigação. Pessoa Jurídica. Excepcionalidade. Vulnerabilidade. Constatação na hipótese dos autos. Prática abusiva. Oferta inadequada. Característica, quantidade e composição do produto. Equiparação (art. 29). Decadência. Inexistência. Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos. Renovação do compromisso. Vício oculto. - A relação jurídica qualificada por ser "de consumo" não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. - Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa-jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor, para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. - São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas. - Não se conhece de matéria levantada em sede de embargos de declaração, fora dos limites da lide (inovação recursal). Recurso especial não conhecido. (STJ - REsp: 476428 SC 2002/0145624-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 19/04/2005, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 09.05.2005 p. 390RSTJ vol. 193 p. 336)[5]
Logo, observa-se que o STJ, visando reestabelecer o equilíbrio diante de tais circunstâncias, inova sobre a Teoria Finalista, dando a esta a possibilidade de maior abrangência, fazendo valer não somente o consumidor como estritamente o destinatário final de um produto/serviço ofertado, mas também todo aquele que dentro de uma relação estiver no polo passivo em situação de vulnerabilidade.
Vale salientar que entender o consumidor como aquele que, por estar em condição de vulnerabilidade, merece a proteção do CDC, é um avanço significativo para a aplicação mais justa do diploma consumerista, porquanto toda lei precisa ser aplicada no mundo real, não podendo ser tratada como “injusta” ao ponto que tem por premissa algo que não é posto na prática.
Não obstante a isso, as cortes de segundo grau, por seu turno, têm feito uso dessa teoria em prol do tomador do serviço hora em condição de vulnerabilidade. Tem-se por exemplo a ementa da Apelação Civil proferida pelo TJ-SE em 2019, in verbs:
PROCESSO CIVIL – AÇÃO REVISIONAL – RECURSO DO BANCO - INCIDÊNCIA DO CDC – CAPITAL DE GIRO - PESSOA JURÍDICA - VULNERABILIDADE TÉCNICA E ECONÔMICA DA EMPRESA COMPROVADA - TEORIA FINALISTA MITIGADA - PRECEDENTES DO STJ) - INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - MITIGAÇÃO DO PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA - POSSIBILIDADE DE REVISÃO DO CONTRATO - JUROS REMUNERATÓRIOS – NÃO CONFIGURAÇÃO DA ABUSIVIDADE QUANDO COMPARADOS AO PERCENTUAL DIVULGADO PELO BANCO CENTRAL DO BRASIL – UTILIZAÇÃO DA TAXA MÉDIA DE MERCADO APENAS COMO UM PARÂMETRO PARA AFERIÇÃO DE EVENTUAL COBRANÇA ABUSIVA – ACOLHIMENTO PARCIAL. RECURSO DO AUTOR - CAPITALIZAÇÃO DOS JUROS REMUNERATÓRIOS EM PERIODICIDADE INFERIOR A UM ANO – PREVISÃO EXPRESSA - POSSIBILIDADE NOS TERMOS DA SÚMULA 539 DO STJ – NÃO ACOLHIMENTO. MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA PARA APLICAR OS JUROS REMUNERATÓRIOS CONTRATADOS – RECURSOS CONHECIDOS – DESPROVIDO DO AUTOR E PARCIALMENTE PROVIDO DO BANCO. (Apelação Cível nº 201800719473 nº único0003484-71.2016.8.25.0040 - 1ª CÂMARA CÍVEL, Tribunal de Justiça de Sergipe - Relator (a): Ruy Pinheiro da Silva - Julgado em 23/07/2019) (TJ-SE - AC: 00034847120168250040, Relator: Ruy Pinheiro da Silva, Data de Julgamento: 23/07/2019, 1ª CÂMARA CÍVEL)[6]
Acrescenta-se da decisão um trecho do voto do relator, Des. Ruy Pinheiro da Silva:
Segundo a jurisprudência do STJ (Inf. 243), aplica-se ao caso em concreto a Teoria Finalista Aprofundada/Mitigada, uma vez que não obstante seja a acionante pessoa jurídica, deve ser reconhecida sua condição de consumidora, ante a sua patente vulnerabilidade técnica (ausência de conhecimentos bancários específicos) e econômica ou fática (aferida pelo grande poderio econômico das instituições financeiras frente a empresas de pequeno porte, a exemplo das microempresas)[7]
Nesse mesmo diapasão, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento a um Recurso Especial, permitindo assim, a aplicação do CDC mesmo a empresa tomadora do serviço não sendo destinatária final do serviço.
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ENERGIA ELÉTRICA. CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA MITIGADA. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE, SÚMULA 7/STJ. 1. O STJ entende que se aplica a teoria finalista de forma mitigada, permitindo-se a incidência do CDC nos casos em que a parte, embora não seja destinatária final do produto ou serviço, esteja em situação de vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relação ao fornecedor, conforme entendeu a Corte de origem, no caso dos autos. [...] (REsp 1730849/SP, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 07/02/2019).[8]
Sobressalta aos olhos, diante dos exemplos supramencionados, que a aplicação da teoria finalista mitigada traz, para a relação jurídica, maior equidade e possibilidades reais da parte vulnerável ter em mãos ferramentas jurídicas mais concernentes à sua condição para obter um resultado mais justo, tornando a aplicação dessa teoria, nos casos em que couber, imprescindível para a justa adequação do texto legal aos casos concretos que possam ocorrer.
Os contratos bancários de empréstimo financeiro para capital de giro, em nada se diferem de uma relação consumerista nos moldes estabelecidos no próprio CDC. Temos de um lado a figura do fornecedor do serviço — as instituições bancárias — que unilateralmente estabelecem as “regras do jogo”, cujo principal objetivo é a obtenção de lucro por meio do recebimento dos juros e/ou multas concernentes ao acordo firmado. Já no outro polo tem-se o consumidor do serviço, que visa com a contratação do empréstimo, o fomento de seu negócio.
Outrossim, as cortes de primeiro grau, dando ampla margem ao entendimento posto até aqui, trazem jurisprudências que corroboram com a aplicação fática e necessária do CDC em contratos bancários para capital de giro. Como exemplo, tem-se o recurso interposto ante o Tribunal de Justiça do Paraná, a saber:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PESSOA JURÍDICA. APLICABILIDADE. DESTINATÁRIA FINAL DO CRÉDITO. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILDIADE E HIPOSSUFICIÊNCIA. PROVA DOCUMENTAL SUFICIENTE. DESNECESSIDADE DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. - O empréstimo bancário de capital de giro, por não possuir destinação específica à atividade fim da pessoa jurídica, permite a invocação da teoria finalista mitigada para sua sujeição ao Código de Defesa do Consumidor. - Estando os fatos controversos demonstrados pela prova documental presente nos autos, faz-se desnecessária a inversão do ônus da produção da prova. TRIBUNAL DE JUSTIÇA ESTADO DO PARANÁ (TJ-PR – Ação Civil de Improbidade Administrativa: 11215402 PR 1121540-2 (Acordão), Relator: Rafael Vieira de Vasconcellos Pedrosa, 13a Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 1352 05/06/2014)[9]
Logo, vê-se que a aplicação do CDC nessa espécie de contrato não só é possível como também necessária, pois mesmo o Tribunal admitindo a finalidade diversa ao que reza a teoria subjetiva, ainda assim, prezou pelo princípio da vulnerabilidade.
No que segue o raciocínio, o art. 3º, §2º do CDC, preceitua que “Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”. Logo fica clarividente pelo preceito legal, diante do que já foi exposto, que a instituição bancária ao colocar o serviço disponível no mercado não o coloca sem o objetivo de lucro, visto à cobrança de juros e/ou multa por mora. Por conseguinte, encaixa-se perfeitamente na égide do Código Consumerista.
No tocante ao tomador do serviço, assim como em relações semelhantes de consumo, presume-se que ele não possui conhecimento pleno das cláusulas postas no contrato, bem como de seus próprios direitos garantidos legalmente. Assim como já posto, ele não possui as mesmas condições econômicas que a própria instituição financeira. Logo, em conformidade ao princípio basilar constante no CDC em seu art. 4º, I, faz-se necessário o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor.
Diante do que está definido no art. 3º, caput do CDC, abre-se a possibilidade de arguição de que esse tomador de serviço não se enquadraria na condição de consumidor, pois estaria transformando a moeda recebida através do empréstimo em outro bem, isto é, quando da compra de produtos para alienação. Porém a doutrina destaca que:
[...] a ideia é completamente equivocada por duas razões: a) a quantia recebida não é transformada em outros bens porque é devolvida ao banco e; b) a empresa que toma o crédito assume um ônus - o risco do negócio - o qual a coloca em posição de vulnerabilidade em relação às instituições financeiras. Conforme já visto, o valor recebido retorna ao banco e, por essa razão, não é possível dizer que há uma cadeia de fornecimento de serviços de crédito e que a empresa tomadora do empréstimo faria parte dela. (MOLINO, 2020, n.p)
Logo, a aplicação do Código Consumerista é totalmente possível, pois mesmo que o STJ já não tivesse inovado com a teoria finalista aprofundada, ainda assim seria totalmente aplicável. Ainda que desconsiderada a vulnerabilidade do indivíduo tomador do serviço, este se enquadraria — pelo já elucidado — por ser destinatário final do serviço bancário em questão.
O Código de Defesa do Consumidor tem por base uma garantia oriunda da própria Constituição Federal em seu art. 170 V, que traz a defesa do consumidor como princípio basilar da ordem econômica, cuja finalidade é garantir uma existência digna ao indivíduo. Nesse mesmo sentido, o já outrora citado art. 4, I do próprio CDC, traz o reconhecimento da vulnerabilidade desse consumidor como base para a sua aplicação em casos concretos que dele urjam sua proteção. O CDC como regimento das relações consumeristas trouxe ao ordenamento jurídico importantes contribuições no sentido de dar mais equidade entre as relações oriundas da compra de produtos e/ou contratação de serviços profissionais.
Dito isso, faz-se necessário falar que a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor nos casos em que couber sua égide, dentro da esfera do próprio ordenamento, fere princípios básicos tanto do Código de Defesa do Consumidor, da lei infraconstitucional, como da própria Constituição Federal, que é a carta magna do ordenamento jurídico de um país republicano como o Brasil.
Além de suas bases, o CDC tem por missão garantir tratamento mais igualitário na relação consumerista por meio de instrumentos e garantias que por si só conferem maior equilíbrio nos casos concretos, isto é, no mundo real. A saber, como principais vantagens, há a possibilidade de escolha do foro competente para ser iniciada, processada e julgada a ação, além da inversão do ônus da prova.
Como já dito em momento pretérito, grande parcela dos titulares da maioria das mais de 19 milhões de empresas ativas no Brasil são pessoas que, ao contratarem um serviço bancário com o intuito de fomentar sua atividade econômica, não detêm conhecimento técnico, jurídico ou até mesmo informacional. E, por seu turno, também não detêm poder econômico que seja equivalente ao poderio econômico das grandes instituições financeiras instaladas em território nacional. Logo a não aplicação do CDC em contratos bancários em que couber traz, além da eventual insegurança jurídica, a possibilidade de tornar-se um possível litígio muito mais desgastante para a parte presumidamente vulnerável.
A inversão do ônus da prova é também uma das grandes ferramentas trazidas pelo Código Consumerista, porém inexiste em situações fáticas regidas pelo Código Civil. Logo, em caso de não aplicação do CDC, sendo desconsiderada a hipossuficiência do indivíduo no polo passivo, o ônus pela produção de provas pode ser um fator que cause significativas baixas financeiras ao cofre da empresa. Em muitos casos, essa produção se faz por meio dos serviços periciais especializados que, em certos casos, são serviços de alto custo os quais, a seu turno, nada tem a ver com a condição financeiro do pretenso solicitante.
Em consonância a isso, Belache expõe que a não aplicação do Código de Defesa do Consumidor pode implicar negativamente, inclusive na economia nacional, in verbis:
Desta maneira, não há motivo plausível para a exclusão de incidência das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor das relações contratuais de empréstimo formalizadas entre pessoas jurídicas e instituições financeiras ainda que para incrementar ou fomentar o capital de giro dessas últimas. Tais normas, ao contrário, devem incidir nessas hipóteses, sob pena de ser ainda mais penoso o crescimento econômico do país. (2015, n.p, grifo nosso)
Logo, é imprescindível reconhecer a importância da aplicação do CDC nos casos em que couber, pois a sua não aplicação, nesses casos, provocam resultados que, para o consumidor como parte vulnerável, e tomando por base sua vulnerabilidade fática, podem ser preponderantes para a viabilidade econômica na continuação de uma empresa.
Tendo em vista que as relações jurídicas podem ser regidas pelos diversos códigos existentes no ordenamento jurídico nacional, faz-se necessário o devido enquadramento do caso concreto dentro da égide legal correspondente. O Código de Defesa do Consumidor é um importante instrumento cuja existência sempre esteve precedida por garantia constitucional, no qual a proteção ao consumidor torna-se um princípio basilar inserido no direito de ordem econômica.
Outrossim, o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é um princípio constante no Código Consumerista, logo, ante à aplicação da teoria finalista ou subjetiva, tinha-se um limite da aplicação do CDC. Sendo assim, vê-se como imprescindível a inovação do STJ quanto a essa teoria, criando, a partir dela, a Teoria Finalista Aprofundada, que ampliou e aplicou de maneira mais coerente aos próprios preceitos legais o ordenamento consumerista.
Quando falamos das relações nas quais há o consumo de serviços e/ou produtos oriundos de contratos bancários, já é passivo na jurisdição que o CDC é aplicável em tais situações, logo quando diz respeito a contratos oriundos da necessidade do tomador de um serviço bancário, de um empréstimo financeiro para o implemento parcial ou total do seu capital de giro, sabe-se que o CDC, de acordo com precedentes do STJ, é também aplicável nessas situações.
Dessa forma, não era razoável possuir um código tão importante no ordenamento nacional, mas que não tivesse sua efetividade garantida, objetivando a consideração pretérita apenas do consumidor como aquele beneficiário final de um produto ou serviço. Logo, a teoria finalista mitigada vem como uma “mão na roda” na ampliação das trincheiras de proteção das relações de consumo.
Baseando-se nisso, conclui-se que a aplicação da teoria finalista mitigada em contratos bancários de empréstimos para capital de giro, além de possível, faz-se necessária para que o CDC — um importante e imprescindível instrumento balizador das relações jurídicas de consumo — fosse aplicado aos casos concretos.
Nesse mesmo diapasão, conclui-se também que a inovação por parte do STJ, no tocante à criação da teoria finalista aprofundada, tratou-se de um marco jurídico importante não só para a devida implementação do CDC no mundo real, mas também para o respeito dos preceitos estabelecidos na própria Constituição Federal que, como já dito antes, é o regulador de todos os demais dispositivos e precisa ser respeitado como tal.
BELACHE, Francisco Drulha. Pessoa jurídica consumidora: teoria finalista mitigada. Jus.com.br, Paraná, mar. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/37591/pessoa-juridica-consumidora-teoria-finalista-mitigada. Acesso em: 23 set. 2020.
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[1] Discente do curso de Bacharelado em Direito, Centro Universitário Santo Agostinho. E-mail: [email protected].
[5] Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/103241/recurso-especial-resp-476428-sc-2002-0145624-5. Data de acesso: 12 de novembro de 2020.
[6] Disponível em: https://tj-se.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/736688016/apelacao-civel-ac-34847120168250040. Data de acesso: 22 de maio de 2021;
[7] Disponível em: https://tj-se.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/736688016/apelacao-civel-ac-34847120168250040/inteiro-teor-736688153. Data de acesso: 22 de maio de 2021;
[8] Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/673321629/recurso-especial-resp-1730849-sp-2018-0052972-4. Data de acesso: 22 de maio de 2021.
[9] Disponível em: https://tj-pr.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/25111527/acao-civil-de-improbidade-administrativa-11215402-pr-1121540-2-acordao-tjpr. Data de acesso: 31 de maio de 2021.
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFISA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRÉ LUCAS DE MACEDO UCHÔA, . O Código de Defesa do Consumidor nos contratos bancários: a teoria finalista mitigada em contratos bancários para capital de giro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56724/o-cdigo-de-defesa-do-consumidor-nos-contratos-bancrios-a-teoria-finalista-mitigada-em-contratos-bancrios-para-capital-de-giro. Acesso em: 23 dez 2024.
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