JÉSSICA ALINE ARAÚJO LUZ [1]
(coautora)
SAMILA MARQUES LEÃO [2]
(orientadora)
RESUMO: O presente estudo tem como objetivo geral realizar um estudo na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira sobre a imputabilidade do Serial Killer. Apresenta como objetivos específicos: investigar a origem, o conceito e classificação do Serial Killer; discutir sobre o transtorno psicótico e a psicopatia frente ao Serial Killer; verificar na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira se o Serial Killer pode ser considerado imputável. Para discutir os objetivos supracitados empregou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, descritiva, de natureza qualitativa. Realizou-se pesquisa bibliográfica com base em criações científicas como livros, artigos científicos, leis, periódicos, dissertações de mestrado, e teses de doutorado a qual fizessem referência à temática em estudo. Conclui-se, que o tratamento mais adequado é o de semi-imputável, pois afasta parcialmente a imputabilidade, podendo ser substituída por medida de segurança. Porém, no Brasil ainda não possui lugares com tratamentos adequados para Serial Killers. Assim, sugere-se uma atenção para esses casos, buscando criar lugares adequados e específicos para observar, estudar e manter esses indivíduos distante da sociedade, diante da impossibilidade da cura da psicopatia.
Palavras-chave: Serial Killer. Modus operandi. Transtorno psicótico. Psicopatia. Imputabilidade.
ABSTRACT: The present study has the general objective of conducting a study on Brazilian doctrine, jurisprudence and legislation on the imputability of Serial Killer. It has as specific objectives: to investigate in the doctrine the origin, the concept and classification of the Serial Killer; discuss about psychotic disorder and psychopathy in the face of Serial Killer; to verify in the doctrine, jurisprudence and Brazilian legislation if the Serial Killer can be considered imputable. To discuss the aforementioned objectives, bibliographic, descriptive, qualitative research was used as a methodology. Bibliographical research was carried out based on scientific creations such as books, scientific articles, laws, periodicals, master's dissertations, and doctoral theses which made reference to the subject under study. It is concluded that the most appropriate treatment is semi-imputable, as it partially removes imputability and can be replaced by a safety measure. However, in Brazil it still does not have places with adequate treatments for Serial Killers. Thus, attention is suggested for these cases, seeking to create suitable and specific places to observe, study and keep these individuals away from society, in view of the impossibility of curing psychopathy.
Keywords: Serial Killer. Operand modes. Psychotic disorders. Psychopathy. Imputability.
1 INTRODUÇÃO
O crime é um fenômeno social que existe entre os seres humanos desde seus primórdios. Existiu nas tribos e nos clãs e sempre exigiu um estudo acerca das suas causas e consequências buscando analisar o contexto social, econômico, biológica e psicológica. Com a evolução do direito natural (jus naturalis) para o direito positivo, muito se discutiu sobre ele. O direito natural é reputado como um direito autônomo com eficácia universal, no qual é soberano ao homem, Estado e leis, como, por exemplo, as leis divinas ou a natureza. Já o Direito positivo, compreende as regras materializadas (normas escritas) que se sobrepõe às não escritas (direito natural). No Brasil essa discussão passou por três períodos, clássico, neoclássico e finalista para chegar à definição sustentada na atualidade e que o define como uma conduta humana negativa ou positiva que se reproduz e se enquadra em um padrão tipificado em lei, de natureza antijurídica e penalmente reprovável (MORAES; CAPOBIANCO, 2010).
De todos os crimes que existem tipificados nos códigos penais de todos os países o homicídio é o que mais choca e se apresente preocupante diante dos legisladores e dos indivíduos. Todos os dias são cometidos homicídios, tanto no Brasil quanto restante do mundo. Alguns, pela sua peculiaridade, frequência e forma como são executados remetem a criminosos que possuem algum distúrbio mental, como é o caso dos assassinos em série (Seriais Killers) (PORTELA, 2013).
Esse tipo de assassino vem sendo estudado por diversas áreas, como o Direito, a Psiquiatria e Criminologia. Ainda no ano de 1950, criminologistas de vários países como os Estados Unidos da América (EUA) sugeriram determinados parâmetros para caracterizar as várias formas de homicídios, e o perfil dos assassinos, estando o Serial Killer entre eles. Uma das definições mais aceitas no meio científico foi a desenvolvida pela estudiosa de crimes em série, Ilana Casoy (2014) que definiu os assassinos em série (Serial Killers) como indivíduos cruéis que matam quatro ou mais vítimas em um certo intervalo de tempo e local. Agem movidos pela explosão de violência que neles se manifesta dirigindo-a para o grupo que em suas fantasias ou psicoses o ameaçaram ou rejeitaram (SOUZA, 2015).
A ciência psicológica e do direito vem construindo ao longo da sua história discussão sobre o perfil psicológico do Serial Killer, já que não se encaixa em nenhum conhecido até agora pelos estudiosos, embora seja aceito o entendimento de se tratar de uma psicopatia. Esse fato nos faz indagar sobre o porquê de uma pessoa praticar crimes assim e se esse comportamento é fruto de uma questão genética ou são distúrbios decorrentes de traumas sofridos na infância. As formas de praticar esses crimes é o que mais chama atenção, pois as transgressões têm ligação uma com a outra, deixando uma espécie de assinatura no crime e chega a ser única, ou seja, é uma forma de identificar o autor do crime. Essa conduta é denominada de modus operandi, através dela é possível fazer as ligações entre o crime e determinar que se trate de um Serial Killer.
Acerca dos crimes praticados por Serial Killers, indaga-se: “Será se eles apresentam transtornos mentais?”; “Será se eles são realmente inimputáveis?”, as medias aplicadas são justas para um criminoso desse nível?”, “qual seria a medida mais adequada para punir esses criminosos?”. Em solo brasileiro o legislador cuidou de grafar no Código Penal artigos voltados para os inimputáveis (Art. 26 caput) e semi-imputáveis (Art. 26 parágrafo único) (Art. 98). O inimputável é aquele isento de pena, pois seu desenvolvimento mental era inteiramente incompleto no tempo da ação ou omissão. Já o semi-imputavel, é onde prevê a diminuição da pena do indivíduo que em virtude da perturbação mental, não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato. E em regra os indivíduos com psicopatia, como os Serial Killers são considerados como semi-imputáveis pois estamos diante de um indivíduo psicopata, que sofre de perturbações mentais, assim não sendo inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato. Contudo, nem sempre é assim, pois existem casos na jurisprudência que esses tipos de criminosos foram enquadrados como imputáveis, diferenciando-se apenas o quantum da pena aplicada (PORTELA, 2013).
Diante do exposto pretende-se com essa pesquisa realizar um estudo na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira sobre a imputabilidade do Serial Killer. O estudo justifica-se em virtude do fato das pesquisadoras terem observado que o tema é bastante complexo e exige um estudo aprofundado sobre a matéria.
Levando em consideração essa observação, o presente estudo tem como objetivo geral realizar um estudo na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira sobre a imputabilidade do Serial Killer. Possui como objetivos específicos: Investigar na doutrina a origem, o conceito e classificação do Serial Killer; discutir sobre os transtornos mentais - transtorno psicótico e a psicopatia - frente ao Serial Killer; verificar na doutrina, jurisprudência e legislação brasileira se o Serial Killer pode ser considerado imputável.
Com intuito de tornar possível a realização desse estudo empregou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, descritiva, de natureza qualitativa. A pesquisa possui respaldo em doutrinadores como: Casoy (2014), Calhau apund Freire (2012) Trindade; Beheregaray; Cunea (2009), dentre outros não menos importantes. Dessa maneira, pretende-se repontar o seguinte questionamento: qual tratamento é dado aos Serial Killers pela legislação penal brasileira, quanto sua imputabilidade?
2 OS ASPECTOS PSICOLÓGICOS DO SERIAL KILLER E A SUA IMPUTABILIDADE FRENTE AO DIREITO PENAL BRASILEIRO
2.1 Conceito e Classificação de Serial Killer
O Serial Killer também denominado como assassinos em série são os indivíduos criminosos que praticam uma sequência mínima de 03(três) crimes subsequentes, que se repetem por certo intervalo de tempo, seguindo essa lógica e padrão. Esse intervalo de tempo entre um crime e outro os distingue dos genocidas, indivíduos responsáveis pelo extermínio de diversas pessoas em um curto tempo.
Existem vários aspectos psicológicos que os Serial Killers têm em comum, tanto no que diz respeito a sua ação quanto ao seu passado, onde muitas das vezes as vítimas e seus métodos podem falar muito sobre ele. Existem estudos que apontam traços mais comuns encontrados na história de vida dos Serial Killers, como a tríade: enurese em idade avançada, abuso sádico de animais ou de outras crianças, destruição de propriedade ou piromania, isolamento social, mentiras crônicas, rebeldia pesadelos constantes, entre outras características marcantes na infância desses indivíduos.
Conforme Ilana Casoy defende essa tese onde podemos ver a seguir:
Na infância, nenhum aspecto isolado define a criança como um serial killer potencial, mas a chamada “terrível tríade” parece estar presente no histórico de todos os serial killers: enurese em idade avançada, abuso sádico de animais ou outras crianças, destruição de propriedade piromania. (CASOY, 2017. p. 27).
Outro aspecto importante ser discutido é sobre as fantasias, que para o Serial Killer ela é compulsiva e complexa e acaba se transformando no centro de seu comportamento. Portanto, o crime acaba se tornando a própria fantasia do criminoso, sendo planejada e executada por ele, enquanto a vítima é apenas um elemento que reforça a fantasia. Esse comportamento faz com que ele planeje de forma minuciosa para poder atingir seus objetivos, tendo como ponto forte sua grande necessidade de controle sobre a vítima, assim, tornando os acontecimentos mais reais, onde se torna o combustível para ele vir praticar futuros crimes, por isso quase todos estão à procura de vítimas mais vulneráveis para alimentar essa fantasia de que tem o poder ou o controle.
Essa necessidade de o assassino em ter controle sobre a vítima se torna um desejo incontrolável, onde muitas das vezes eles cometem o crime usando-se de artifícios que desvalorizam ou degradam a vítima, praticando tortura, relações sexuais e que para muitos não chega ser suficiente e ele acaba por matar a vítima. Por isso, a forma de realizar o crime é o que faz chegar até o criminoso, pois para eles tem um valor simbólico, o que faz ser uma característica marcante e fala muito sobre ele, essa característica é considerada uma assinatura do Serial Killer.
Segundo Ilana Casoy (2014) em sua obra “Serial Killer-Louco ou Cruel” os Serial Killers são classificados em quatro tipos:
-Visionário: é um indivíduo completamente insano, psicótico. Ouve vozes dentro de sua cabeça e as obedece. Pode também sofrer alucinações ou ter visões.
- Missionário: socialmente não demonstra ser um psicótico, mas internamente tem a necessidade de “livrar” o mundo do que julga imoral ou indigno. Este tipo escolhe um certo grupo para matar, como prostituas, homossexuais, etc.
- Emotivos: matam pôr pura diversão. Dos quatro tipos estabelecidos, é o que realmente tem prazer de matar e utiliza requintes sádicos e cruéis.
- Libertinos: são os assassinos sexuais. Matam pôr “tesão”. Seu prazer será diretamente proporcional ao sofrimento da vítima sob tortura e a ação de torturar, mutilar e matar lhe traz prazer sexual. Canibais e necrófilos fazem parte deste grupo. (CASOY, p.15,2014).
2.2 Discutindo transtornos Psicóticos e a Psicopatia e sua relação com o Serial Killer
Para discutir sobre o transtorno psicótico da psicopatia é preciso primeiramente conceitua-los. O transtorno psicótico é uma desordem psíquica que não diz respeito ao âmbito da personalidade, mas, sim, da perda de contato com a realidade, essa perda muita das vezes é transitório, onde podemos citar a esquizofrenia. Já a psicopatia também denominada como transtorno de personalidade antissocial (TPA) é uma condição mais grave, onde não há cura, pois consiste em uma desordem de personalidade e que se torna muito marcante pelo comportamento caracterizado pelo padrão invasivo e desrespeitoso do indivíduo.
Em relação à psicose, caracteriza-se como um transtorno que apresenta sintomas, como delírios, discursos desorganizados, comportamento desorganizado ou catatônico, ou seja, tudo que leva ao delírio. Portanto, os sintomas do transtorno psicótico são heterogêneos onde possui características desiguais, podendo sua gravidade prever tantos os aspectos importantes, como o grau de déficits cognitivos ou neurológicos.
Ana Beatriz Barbosa Silva (2008) compreende que o termo psicopata não é sui generis na denominação utilizada para esta disfunção comportamental, como podemos ver a seguir:
Além de psicopatas, eles também recebem as denominações de sociopatas, personalidades anti-sociais, personalidades psicopáticas, personalidades dissociais, personalidades amorais, entre outras. Embora alguns estudiosos prefiram diferenciá-los, no meu entendimento esses termos se equivalem e descrevem o mesmo perfil. (SILVA,2008. p.13).
O psicopata tem uma alteração do caráter onde ele não só é insensível aos outros como ele é indiferente, e essa insensibilidade do psicopata o leva a atos de crueldade, onde pode se manifestar desde matar alguém ou prejudicar gravemente. Esses transtornos da personalidade e psicopatia se tornam um grande desafio da psiquiatria, sendo que a personalidade será avaliada e, assim, determinará como ocorrerá a evolução dos quadros mentais, definindo também como esse indivíduo se comporta no meio social.
A psicologia entende que situações vivenciadas na infância podem levar ao desenvolvimento de dificuldades emocionais ao longo da vida. Os traumas sofridos como bullying, abusos sexuais e maus tratos por são vistos como um dos fatores que podem contribuir para o aparecimento de transtornos mentais.
Doutrinadores e estudos apontam que a maioria dos Serial Killers são psicopatas, mas também há registros que apontam alguns como sendo psicóticos, ainda que em número bem menor. Mougenot (2004) defende que os Serial Killers podem ser psicóticos, este, sim, doentes mentais.
Renan Arnaldo Freire (2012), aponta:
“O assassino serial é, regra geral, um delinquente inteligente e que, aproveitando-se disso, tenta manipular a ação das pessoas para obter a sua impunidade. É um psicopata, não tem sentimento de compaixão por ninguém, pois lhe interessam unicamente os seus objetivos. Para esse assassino, chega a ser um desafio prazeroso cometer o crime e ludibriar a ação do estado, como vistas a obter a total impunidade.” (CALHAU apund FREIRE, 2012).
Portanto, algumas doutrinas chegam a um entendimento, que os Serial Killers são doentes mentais que praticam crimes em razão da sua agressividade e também do alto nível de fantasiar a realidade, por isso, apesar de muitos serem diagnosticados como psicopata, ainda sim, existem casos em que se é encontrado características de psicóticos, mesmo que em números menores, mas existem Serial Killers psicóticos.
2.3 Aspectos Psicológicos e Características que Contribuem Para Identificar o Serial Killer:
A Psicologia está sempre em busca de características que fazem identificar um Serial Killer de maneira mais rápida. Os métodos que eles utilizam são dotados de incomum hediondez, fazendo surgir hesitações jurídicas e sociais quanto a motivação dos malfeitores em série, especialmente no âmbito psicológico em referência à saúde mental. Portanto, ao tracejar o perfil criminológico de um Serial Killer torna-se uma forma fácil de identificá-los e até de evitar que pratiquem novas infrações, como também viabiliza a análise de como será delineada a sua punibilidade diante do ordenamento penal.
Os Serial Killers possuem características diferentes uns dos outros, onde segundo o psiquiatra Michael Stone (2001), 90% dos estudados eram diagnosticados como psicopatas, 89% eram sádicos, 60% apresentavam personalidade narcisista, 47% eram esquizoides, e 33% eram explosivos ou irritáveis, sendo que alguns deles eram capazes de construir família e manter uma boa relação, vivendo em duas realidades diferentes. No entanto, ao analisarmos os aspectos que contribuem para os identificar, devemos observar os aspectos psicossociais, onde estudos comprovam que danos no córtex pré-frontal, assim como no hipotálamo, podem contribuir para um comportamento violento, assim também como os aspectos psicológicos do indivíduo onde estudos confirmam a relação entre o transtorno de personalidade antissocial e a criminalidade.
Os estudos apontam que comportamentos como humilhar a suas vítimas e faze-las sofrer, reforçando a convicção de que o psicopata criminoso tem sim, o discernimento, colocando a vítima nessa situação para que ele se sinta bem. É peculiar à atuação do Serial Killer o abandono à vítima, geralmente despida, pois a intenção de humilhar e constranger as vítimas é um traço marcante. Portanto, existem algumas marcas, quase que um ritual nos crimes em que cometem serem conhecidas como “assinaturas” e que ajudam a identificá-los.
Casoy define que o modus operandi de um psicopata é marcado pela criação de uma espécie de um “ritual” quando este comete um homicídio. Enquanto criminosos comuns agem almejando riqueza patrimoniais, vingança ou algum outro meio que justifique seus atos, os psicopatas apresentam manifesta e gratuita crueldade. Para que seja estudado o “modus operandi”, ainda segundo a autora é necessário observar-se a arma, o tipo de vítima e o local escolhido para a realização do delito. CASOY (2002)
Casoy também trata sobre a assinatura de um Serial Killer, que para ela se trata da soma de comportamentos identificados pelo modus operandi e pelo ritual. Para o Serial Killer só cometer o crime não irá satisfazê-lo, pois em seu íntimo à necessidade de deixar a sua marcar, uma assinatura para os delitos que comete (CASOY, 2004).
Já para Silva a assinatura de um serial killer é para eles, uma forma de identificação, como se fosse a assinatura de um artista em sua obra de arte. Como exemplo é o caso de Alexandre Pichushkin, o “Assassino do Xadrez”, atuava na zona sul de Moscou, o ritual iniciava com a captura da vítima, logo após estrangulava-as com um cinto, e ao constatar a morte destas, com um martelo abria um buraco no crânio e colocava uma garrafa quebrada nele. Alexandre fez 46 vítimas, todas usando o mesmo modus operandi e ao final deixando sua marca. Sendo assim, Silva define como o “modus operandi” a maneira que o criminoso comete o crime, já a assinatura é o que o criminoso faz como produto de seu desejo, sua realização e é imutável. SILVA (2010).
Desse modo, podemos dizer que existem vários aspectos que ajudam a identificar que o crime foi praticado por um Serial Killer, pois eles têm um ritual na hora de realizar o crime, onde escolhem suas vítimas e que muitas das vezes possuem características de pessoas vulneráveis, também o local onde vão realizar a infração penal e assim, também, como as marcas que ele deixou na vítima ou no local. Portanto, os meios mais comuns para identificar de imediato que se trata de um Serial Killer são identificar a assinatura e o modus operandi. Mas vale ressaltar que há situações em que os assassinos em série não têm uma assinatura, mas quando têm geralmente é constante, diferente do modus operandi.
2.4 Definição de Imputabilidade, Semi Imputabilidade e Inimputabilidade
Antes de expor qual o tratamento adotado pelo Código Penal brasileiro aos Serial Killers é importante saber o que é o juízo de culpabilidade e a definição dos institutos da imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade.
Primordialmente, deve-se frisar que a culpabilidade na esfera penal se funda em uma conduta negativa do indivíduo infrator, essa conduta gera um critério de desaprovação, no qual o indivíduo podia e devia agir de modo diferente, porém optou por conduzir-se segundo a sua vontade ou por negligência no momento do fato concreto, embora tivesse plena capacidade de o evitar. Certamente, sem isso, não há possibilidade de articular sobre o juízo da reprovação tampouco da punição. Logo, sem conduta dolosa ou culposa não há de se falar em crime. (CAPEZ, 2020, p. 160).
Esse juízo de reprovação estabelece até qual ponto a prática de um ato que contraria o Código Penal pode ser censurado. Importante considerar que no Brasil a capacidade de culpabilidade se dá quando o indivíduo alcança a maioridade para efeitos cível e penal, passando a ser considerado apto para responder por seus atos e supõe-se que tenha consciência de antijuricidade.
Nas lições de CAPEZ (2020, p.566) para a exata definição da culpabilidade é imprescindível que estejam presentes os elementos: imputabilidade; potencial percepção da ilicitude; e exigibilidade de conduta diversa, dito isso confirma o que foi dito anteriormente.
Constata-se a imputabilidade como componente dos elementares do instituto da culpabilidade. Para definirmos o que vem a ser a imputabilidade é inescusável reputar os elementos cognitivos (consciência) e volitivos (vontade), por esses rudimentos define-se a imputabilidade como a “possibilidade de se atribuir, imputar o fato típico e ilícito ao agente.” (GRECO, 2017, p.435).
Nessa perspectiva Fernando Capez (2019) assevera:
“Imputável não é apenas aquele que tem capacidade de intelecção sobre o significado de sua conduta, mas também de comando da própria vontade de acordo com esse entendimento. [...] A imputabilidade apresenta, assim, um aspecto intelectivo consistente na capacidade de entendimento e outro volitivo que é a faculdade de controlar e comandar a própria vontade, faltando um desses elementos a gente não será considerado responsável pelos seus atos.” (CAPEZ, 2019, p. 308).
Desse modo, só pode falar em imputabilidade se o agente tiver intenção de cometer o fato típico e ilícito e se ele tiver vontade, caso contrário há de se falar em excludente de culpabilidade, dado que a responsabilização pelos atos depende da capacidade de conscientização ou autodeterminação cumulado com o desejo de cometer o ilícito penal (CAPEZ, 2019, p. 308). No mesmo sentido, conclui-se que a imputabilidade é a capacidade de assimilar a ilegalidade do ato cometido, seguido de uma vontade de fazê-lo.
A semi-imputabilidade, no que lhe concerne, deve ser interpretada como a redução da capacidade de assimilar o caráter ilícito do fato e de autodeterminação, em outras palavras, o agente ao tempo do fato não era inteiramente apto a agir de forma coerente com a norma penal devido perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto, ou retardado, nesse caso a pena obrigatoriamente será reduzida de um a dois terços (MASSON, 2018, p. 519).
Por outro lado, tem-se a inimputabilidade que diferentemente dos demais institutos, é a inaptidão de reconhecer o caráter criminoso do fato e a vontade de acomete-lo, por falta de discernimento completo. Isto significa que só será considerado houver cumulados os requisitos: a) causal: tiver doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, ou retardado; b) cronológico: praticar o ilícito penal ao tempo do fato; c) consequencial: perda total da capacidade de entender ou de querer. Tais pressupostos em conjunto caracterizam a inimputabilidade. Apesar de ser cumulativos, essa regra não se aplica aos menores de dezoito anos, em razão do Código Penal reconhece-los como inimputáveis mesmo na falta de algum desses critérios (CAPEZ, 2020, p. 337).
Como se verifica, a inimputabilidade é a possibilidade de se afastar a responsabilização Penal (culpa) pelos atos contrários à norma daqueles que dispõem de perturbação de saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto, ou retardado, ou que possui idade inferior a dezoito anos, portanto, são assim considerados para afastar a culpa por razão da falta dos requisitos de depreensão acerca da ilicitude e da vontade de cometer a infração penal.
Findo isso, os três institutos: imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade têm a finalidade de responsabilizar o agente pela conduta que contraria o fato tipificado pelo Código Penal, podendo ponderar a culpabilidade se presentes as excludentes de imputação.
3 ANALISANDO O TRATAMENTO DADO AOS SERIAL KILLERS NO BRASIL
O comportamento doentio do Serial Killer tem levado à discussão na seara do direito penal brasileiro se essa categoria de criminoso é ou não imputável, ou se deve ser tratado, apenas como semi-imputável, tratamento dado em regra a essa modalidade de assassinos em solo brasileiro. Esse é o tratamento dado.
Já se disse anteriormente que o legislador pátrio elencou no Código Penal o art. 26 que trata da inimputabilidade e da semi-imputabilidade. No caput do referido artigo tem-se a seguinte redação: “Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto, ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento” (BRASIL, 1940, p. 1).
Não há qualquer dúvida que aí o legislador trata da inimputabilidade do agente. E o critério adotado é biopsicológico, representado pelos fatores “doença mental” e “desenvolvimento mental incompleto ou retardado” apresentados pelo artigo em epígrafe. Já o elemento psicológico está representado pela menção à incapacidade completa de entendimento do agente sobre o caráter ilícito do feito.
Por sua vez, a semi-imputabilidade encontra-se no parágrafo único do então art. 26, cujo texto in verbis, diz que:
Art. 26 – Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento (BRASIL, 1940, p. 1).
Aqui se deve destacar que o critério adotado para a redação desse parágrafo é o mesmo, isto é, o biopsicológico. Note-se, entretanto, que o art. 26 aduz a questão da falta de entendimento do caráter do ilícito para decretar sua inimputabilidade ou semi-imputabilidade.
Ocorre que o Serial Killer não possui transtorno psicótico, isto é, não sofre de delírios nem fantasias, e sim psicopatia, que é diferente e mais grave, mas que lhe permite saber o grau de sua ilicitude, fato que leva ao entendimento de que sua conduta cabe a culpabilidade, sendo ele um agente semi-imputável. Essa também é a concepção da Jurisprudência na pessoa do Relator Des. Costa Lima, no julgado 462/409:
A personalidade psicopática não se inclui na categoria das moléstias mentais acarretadoras de irresponsabilidade do agente. Inscreve-se no elenco das perturbações de saúde mental, em sentido estrito, determinantes da redução da pena”. (TJMT – AP. Crim – Relator Des. Costa Lima – RT 462/409 (TRINDADE; BEHEREGARAY; CUNEA, 2009, p. 137).
Segue nessa mesma intelecção o Relator Des. Adriano Marrey (TR 495/304) ao declinar que:
Personalidade psicopática não significa, necessariamente, que o agente sofre de moléstia mental, embora o coloque na região fronteiriça de transição entre o psiquismo normal e as psicoses funcionais. (TJSP – Ap. Crim – Relator Des. Adriano Marrey – TR 495/304 (TRINDADE; BEHEREGARAY; CUNEA, 2009, p. 137).
Desse modo, observa-se que a jurisprudência não segue em linhas gerais o art. 26 do Código Penal brasileiro, enquadrando o Serial Killer como semi-imputável. Ao inovar pretende os tribunais demonstrarem que o legislador pátrio não acerta na sua interpretação do assassino em série, uma vez que ele não possui doença mental.
3.1 Caso Real de Serial Killer no Brasil
LACERDA (2012, p.13) relata, no livro “Meninos de Altamira: violência, “luta” política e administração pública”, que em meados de 1991 a 2003 o caso “Meninos Emasculados” ganhou grande repercussão no mundo por retratar o crime cometido pelo mecânico Francisco das Chagas Rodrigues de Brito, também conhecido como “Serial Killer do Maranhão”.
Suas principais vítimas eram meninos, de famílias de extrema vulnerabilidade social, cuja faixa etária era de 04 a 15 anos. Só no Maranhão foram 30 crianças assassinadas, mas houveram mais 12 casos no Pará, onde totalizam 42 assassinatos. Ele usava os mesmos modos operandi, onde atraia as crianças para a mata e a partir daí começava o ritual de crueldade, onde matava em simetria.
Todas as suas vítimas foram mortas com pancadas na cabeça, algumas tinham os dedos e mamilos extirpados, porém a marca em comum era a emasculação– decepamento da parte íntima masculina– essa era a sua assinatura, e como “troféu” guardava as camisetas cortadas ao meio e algumas partes dos corpos. Atualmente, encontra-se preso no Complexo Penitenciário localizado em Pedrinhas no Maranhão com condenação que supera mais de 250 anos pelos crimes acima mencionados.
Para a psicóloga forense Maria Adelaide de Freitas Caíres, Chagas transparecia reconhecer a ilicitude de seus atos, pois os praticou escondido, mas a sua perturbação interferia na oportunidade de evitar. A doutora foi responsável por um dos laudos contra o aludido Serial Killer, no qual concluiu que esse indivíduo sofre de transtorno antissocial de personalidade voltado para a psicopatia.
Dessa forma, conforme tal entendimento da psicóloga Maria Adelaide, e do promotor, a imputabilidade de Francisco das Chagas não deve ser totalmente afastada, em razão dele ter consciência dos seus atos, sendo assim é considerado semi-imputável.
Ao buscarmos conceituar os Serial Killers, também denominados como assassinos em série, chegamos ao entendimento doutrinário, que os Serial Killers são indivíduos que comentem três ou mais crimes com um certo intervalo de tempo e lugar. O estudo feito através de análise de doutrinas e jurisprudências, e artigos, demonstrou que a maioria dos doutrinadores defende que os Serial Killers são psicopatas, pois possui uma desordem de caráter, mas há também alguns doutrinadores que defendem a tese de que existem casos de psicoses, sendo acometidos pôr a perda transitória de contato com a realidade, por isso se torna uma certa dificuldade para psiquiatria, visto que esses indivíduos não se encaixam em nenhuma linha específica de pensamento.
Vale ressaltar, que os Serial Killers geralmente são indivíduos inteligentes e manipuladores, a maioria deles ao serem analisados sobre sua história de vida, percebe-se que sofreram certos traumas na infância e ao longo de sua vida. Por isso, para chegar ao perfil de um Serial Killer, é preciso observar os modus operandi e sua assinatura pessoal, pois acaba por falar muito sobre sua característica pessoal. Verificou-se, também, que quanto a aplicabilidade da lei penal brasileira, os Serial Killers são tratados como semi-imputáveis, essa é a pena aplicada, porém reduzida, podendo ser substituída por medida de segurança, o que acaba, portanto, sendo uma problemática, pois no Brasil ainda não possui lugares com tratamentos adequados para quem é considerado Serial Killer.
Além disso, conclui-se também que esses indivíduos possuem diversas características que são fatores de risco para a sociedade, e pelo fato de não haver um tratamento adequado acaba por dificultar a ressocialização deles, na sociedade, então sugere-se uma atenção para esses casos, buscando criar lugares adequados e específicos para observar, estudar e manter esses indivíduos em tratamentos conforme o grau de periculosidade, diante da impossibilidade da cura da psicopatia.
REFERÊNCIAS
BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3. ed. Lisboa: Edições, 2015.
BONFIM, Edilson Mougenot. O Julgamento de um Serial Killer: O julgamento do maníaco do parque. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
BRASIL. [Decreto-lei n. 2.848 (1940)] Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República, [2021]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm. Acesso em 29 out. 2020.
CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal 1-Parte Geral. Saraiva Educação SA, 2021. Disponível em: https://books.google.com.br/books?hl=ptBR&lr=&id=2bkZEAAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT5&dq=CAPEZ,+Fernando.+Curso+de+direito+penal+1++parte+geral.+23.+ed.+S%C3%A3o+Paulo:+Saraiva,+2019.+&ots=eNKtXPqy46&sig=fKpQjXzMa6u8i04ogWRXh74r9o#v=onepage&q=CAPEZ%2C%20Fernando.%20Curso%20de%20direito%20penal%201%20%20parte%20geral.%2023.%20ed.%20S%C3%A3o%20Paulo%3A%20Saraiva%2C%202019.&f=false. Acesso em: 01 maio 2021.
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