PEDRO MANOEL CALLADO MORAES
(orientador)
RESUMO: O artigo tem como escopo abordar o procedimento de Inventário Extrajudicial, que com a entrada em vigor da Lei 11.441/07, deixou de ser exclusivamente judicial. Com a finalidade de facilitar o processo de transmissão de bens do de cujus aos seus herdeiros, o inventário extrajudicial permite dar celeridade à partilha dos bens, o que implica na desjudicialização dos conflitos, possibilitando o desafogamento do Judiciário pela retirada da demanda excessiva. Entretanto, o inventário será obrigatoriamente judicial, notadamente mais longo e demorado, caso presentes algumas restrições como a existência de filho(s) menor(es) de idade ou incapaz(es), não concordância entre herdeiros, existência de testamento deixado pelo falecido, entre outras, as quais serão abordadas neste trabalho. É notório que a morosidade da Justiça acarreta severas gravidades, pois atingem os direitos constitucionais fundamentais do cidadão, e como solução, o ordenamento jurídico oferece aos herdeiros que o inventário seja realizado mediante escritura pública. Sendo assim, a pesquisa recai sobre as vantagens e desvantagens do inventário extrajudicial à luz do direito sucessório.
Palavras-chave: Inventário. Inventário extrajudicial. Direito das sucessões.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; 2 DIREITO SUCESSÓRIO; 3 INVENTÁRIO; 4 INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL: LEI 11.441/2007; CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Em tema de direito sucessório, a sucessão hereditária tem início com o falecimento do autor da herança.
Para tanto o inventário é um instrumento obrigatório, sendo este a forma de transferir a titularidade dos bens do falecido aos herdeiros, representando este instrumento a formalização da sucessão, ou seja a exteriorização administrativa da transmissão.
No ordenamento jurídico pátrio, há possibilidade de realização de Inventário pela via judicial, ou como alternativa, pela via extrajudicial. Esta última modalidade, estabelecida pela 11.441/2007, surgiu no ordenamento pátrio com a finalidade de desburocratizar o procedimento, dando celeridade ao tramite e como consequência disso, desafogar o judiciário.
À vista disso, o presente trabalho tem por objetivo geral analisar o direito sucessório, apresentando as modalidades de inventário e seus requisitos. Como objetivo específico, é dado enfoque ao inventário de modalidade extrajudicial, apresentando seus aspectos peculiares, e analisando suas vantagens e desvantagens.
Inicialmente, o trabalho aborda sobre a matéria do direito sucessório, fixado pelo Código Civil de 2002, versando sobre questões específicos como o momento da abertura da sucessão e princípios.
O segundo capítulo dedica-se a análise do procedimento de Inventário, abarcando seu conceito, e demais particularidades.
No decorrer do terceiro capítulo, é dado enfoque ao Inventário Extrajudicial disciplinado pela lei 11.441/2007, seus principais pressupostos, incluindo suas vantagens e desvantagens.
A pesquisa do tema em questão baseia-se na revisão bibliográfica, por meio de doutrina e jurisprudência correlatas, e notadamente na legislação constitucional e civil pátrias.
2.DIREITO SUCESSÓRIO
O Direito das Sucessões pode ser considerado como “o efeito de garantir a continuidade das relações jurídicas” (ALMADA, 1991, p. 19). Trata-se da “transferência da herança, ou do legado, por morte de alguém, ao herdeiro ou legatário, seja por força de lei ou por obra de testamento” (MONTEIRO, 2012, p. 01).
No que diz respeito ao Código Civil, faz parte da parte especial que estabelece o curso do patrimônio de uma pessoa após seu falecimento (GOMES, 2008, p. 01).
A herança possui origem em uma justificativa complexa: o vínculo de sangue próprio de hereditariedade, em que o filho herda as particularidades gerais da espécie e da raça, como da própria família, assim como, além do laço de hereditariedade, as consequentes relações de afeto e atração geradas da continuidade do sangue. Em verdade:
O direito hereditário se firma como um arremate natural da geração entre os homens; derivando de uma sequência contínua que une as gerações, pois a continuidade dos descendentes avança e prospera pelo instinto de conservação e melhoramento da sua família, a cujos sucessores almeja garantir uma função estável e conspícua na finança e na sociedade (GOMES, 2008, p. 03).
Denomina-se sucessão, lato sensu, na continuação, no todo ou em parte, em uma terceira pessoa, das relações jurídicas que terminaram para o seu dono.
O direito sucessório tem alguns escopos como a continuidade do patrimônio na família do de cujus; a denominação da consideração do sucedido pelo herdeiro; e o seguimento das relações jurídicas provindas do autor da herança (LISBOA, 2012).
A sucessão pode ocorrer por ato de vontade ou por determinação de lei:
A sucessio inter vivus, é a causa da transmissão, a vontade humana, emitida de acordo com a lei, há um ato de transferência do titular do direito ou de quem se encontra revestido de legitimidade para dispor do bem; A sucessio causa mortis, é o fenômeno da morte, nas hipóteses legalmente previstas, tem-se a morte como fator fundamental da transmissão. Ocorrido o óbito, opera-se a separação notória entre a patrimonialidade e a personalidade (PEREIRA, 2014, p. 01).
Assim, a sucessão hereditária, é a transmissão de bens deixados pelo falecido para os herdeiros ou legatário. “Os pontos principais que ao direito das sucessões cabe resolver são, pois, a verificação da morte do autor, com a abertura da sucessão, que é automática, ocorrendo simultaneamente com o falecimento” (WALD, 2012, p. 24).
A morte, não obstante marcar o termo da existência da pessoa humana, trata-se do componente determinante para a transmissão da herança, tendo em vista que trata-se de momento que dá início a abertura da sucessão.
A morte, que é fato natural, desenvolve-se em fato jurídico, ao suscitar uma sucessão de repercussões, já que dela deriva, dentre outros efeitos, a mudança na titularidade dos bens. Ao mesmo tempo em que encerra os direitos e obrigações do de cujus, revela direitos e obrigações relativamente aos herdeiros. (RIZZARDO, 2011, p. 21).
Ressalta-se que sucessão hereditária pode ser encarada no sentido objetivo, é sinônimo de herança, massa de bens e encargos, direitos e obrigações que compunham o patrimônio do de cujus, e no sentido subjetivo, equivale a direito de suceder, isto é, de recolher os bens da herança (GOMES, 2008).
A morte ocasiona a extinção da personalidade civil, e como não há direitos subjetivos sem titular, os bens, direitos e obrigações do de cujus devem ser transmitidos aos seus sucessores no momento da morte
Consoante entendimento do art. 1.784, Código Civil, com a morte, e derivada abertura da sucessão, transmite-se a herança, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Nota-se que a transferência da posse e da propriedade do patrimônio do de cujus se transmite de forma automática, não necessitado de espaço de tempo algum, aos sucessores.
A doutrina pátria esclarece que não somente a propriedade é transferida imediatamente aos herdeiros, “como igualmente todos os direitos, pretensões, ações, exceções de que era titular o falecido se transmissíveis” (DINIZ 2013, p. 36), não integrando o fundo hereditário os direitos personalíssimos e as obrigações pessoais do de cujus.
O direito à herança é um direito fundamental, garantido no artigo 5º, inciso XXX, da Constituição Federal de 1988, bem como o art. 227, § 6º, CF assegura a paridade de direitos, inclusive sucessórios entre todos os filhos, havidos ou não da relação do casamento assim como adoção.
A herança se apresenta como o “conjunto de bens pertencente ao sucedido, no momento de sua morte, e que são transferidos aos herdeiros legítimos ou testamentários” (RIZZARDO, 2011, p. 12). Trata-se do desdobramento natural do direito à propriedade privada que será transferida com a morte do respectivo titular.
Em razão disso, ressalta-se que a herança “é alçada à altitude de garantia constitucional fundamental, conforme o inciso XXX do art. 5º da CF/88, sendo, portanto, cláusula pétrea que não é passível de violação, nem mesmo pelo poder constituinte derivado” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 6).
A transferência imediata do patrimônio diz respeito ao princípio da saisine (droit de saisine), uma ficção jurídica, de origem francesa, com o intuito de obstar que os bens do sucedido ficasse sem titular. Sendo transferência automática, que decorre de lei, aa titularidade do patrimônio pertencente ao de cujus.
É o conceito de droit de saisine, estabelecendo a imediata e direta transmissão dos bens do falecido aos seus herdeiros. Desse princípio fundamental podem ser extraídos relevantes efeitos: a abertura da sucessão dá-se com a morte, e na mesma oportunidade os herdeiros a assumem (imediata mutação subjetiva); os direitos não se alteram substancialmente, havendo apenas substituição do sujeito (sub-rogação pessoal pleno jure) (AMORIM, 1997, p.26).
Trata-se de efeito da abertura da sucessão, isto é, da transmissão dos bens, com a morte, que os herdeiros, sendo de natureza testamentária ou legítima, desde então poderão: executar as ações de domínio; reclamar diante da turbação da posse e para o exercício possessório, não carece de investidura judicial. À respeito, o Superior Tribunal de Justiça entende:
APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO POSSESSÓRIA – POSSE DA AUTORA DA GERANÇA – SAISINE – AQUISIÇÃO EX LEGIS – PROTEÇÃO POSSESSÓRIA QUE INDEPENDE DO EXERCÍCIO FÁTICO – OCUPAÇÃO CLANDESTINA – ESBULHO CARACTERIZADO – INDENIZAÇÃO POR ANCESSÃO INVEDIVA – AUSENCIA DE BOA-FÉ – GRATUIDADE DA JUSTIÇA – BENEFÍCIO QUE APENAS SUSPENSA A EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO DAS VERBAS DE SUCUMBÊNCIA, MAS NÃO IMPEDE A CONEDAÇÃO – RECURSO AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
Pelo princípio da saisine, a posse dos bens do falecido se transmite aos herdeiros, imediatamente, na data de sua morte (art. 1.784, CC). Se alguém recebe a posse nessa qualidade, não está na situação de quem nunca a exerceu, podendo, como possuidor indireto, valer-se dos interditos possessórios em caso de lesão, já que nesse caso a posse se transmite ope legis e, portanto, independe do exercício fático.
Frisa-se que o princípio da saisine compreende todos os vínculos patrimoniais em caráter universal do falecido. No tocante ao legatário, sendo este conceituado como o que sucede apenas a título singular, recebendo um bem certo e determinado, todavia, altera-se: se o legado for um bem infungível, a propriedade se transmite desde a abertura da sucessão. No entanto, caso a hipótese recair sobre bem fungível, o legatário somente o adquire após a partilha. De qualquer modo, a posse “deve ser requerida aos herdeiros que estão obrigados a entregá-la por ocasião da partilha e depois de comprovada a solvência do espólio” (GONÇALVES, 2012, p. 36).
No caso de pluralidade de herdeiros ressalta-se que a aplicação do postulado em comento determina a “constituição de um condomínio e de uma composse, automaticamente, entre eles uma vez que a herança é universal e indivisível” (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 66).
Relativamente à questão do titular da herança ou o legado por disposição de ultima vontade, a legislação determina o seguinte:
Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão;
II - as pessoas jurídicas;
III - as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.
Não obstante a transmissão dos bens ser automática, faz-se necessário o herdeiro aceite a herança para que a transmissão se torne definitiva. Entretanto, a transmissão será tida por não verificada se houver renúncia, consoante artigo 1.804, CC. Relativamente ao tema em comento:
No sistema brasileiro, a aceitação tem efeito retro-operante: retrocede à data da abertura da sucessão. A aceitação da herança possui o impacto de ratificar a atribuição de bens anteriormente feita. Apesar disso, não temos que entender que a aquisição ocorra com a aceitação, porque os direitos hereditários nasceram antes, com a morte do autor da herança (FARIAS; ROSENVALD, 2015, p. 70).
3.INVENTÁRIO
A concretização do inventário é imposta para que os sucessores do de cujus possam obter a atribuição legal dos bens que lhes são cabíveis.
A sucessão se concretiza com a realização do inventário, que é o procedimento pelo qual se definem os herdeiros e legatários, o acervo patrimonial, apura-se o imposto de transmissão e promove-se a partilha de bens, expedindo-se o formal de partilha ou carta de adjudicação (NADER, 2016). Nesse sentido:
Inventário é, pois, procedimento judicial ou extrajudicial pelo qual se apura o ativo e o passivo da herança, a fim de se chegar à herança líquida (ativo menos passivo). Esta herança líquida, que se apura após o pagamento das dívidas e recebimento dos créditos, será, então, partilhada entre os herdeiros (FIUZA, 2009, p. 988).
A doutrina civilista pátria classifica as espécies de inventário como: inventário judicial, realizado no âmbito do Poder Judiciário, que se desenrola através do rito comum e também pelo inventário por arrolamento sumário e arrolamento simples; e por fim o inventário extrajudicial, feito em Cartório extrajudicial:
Art. 610, CPC: Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial.
§ 1º Se todos forem capazes e concordes, o inventário e a partilha poderão ser feitos por escritura pública, a qual constituirá documento hábil para qualquer ato de registro, bem como para levantamento de importância depositada em instituições financeiras.
§ 2º O tabelião somente lavrará a escritura pública se todas as partes interessadas estiverem assistidas por advogado ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.
Consoante o disposto no art. 611, CPC, o inventário judicial deve ser iniciado no prazo de 60 (sessenta dias) contados da abertura da sucessão. Considera-se tal modalidade como de jurisdição contenciosa, posterior à troca de titularidade, de declaração dos bens do falecido para a liquidação (MARCATO, 2007, p. 211). Destaca-se que ser encerrada dentro do prazo de 12 (doze) meses. Especificamente sobre o instituto em debate:
Ressalta-se esta característica: não se trata de estudo da transmissão, mas sim da entrega, com a partilha, do patrimônio. Isto porque, pelo fenômeno da abertura da sucessão os bens se transferem imediatamente de titularidade e da posse do falecido para a titularidade e a posse dos herdeiros, formando eles um condomínio ou uma comunhão na propriedade hereditária. Apesar disso, na realidade apenas com o inventário efetua-se a transmissão concretamente (RIZZARDO, 2008, p. 585).
Interessante ressaltar a figura do inventário negativo:
Não se pretende inventariar o nada. Cuida-se, exatamente, de utilizá-lo para fazer certo que nada existe a inventariar. Concebido para inventariar o nada seria, sem dúvida, uma onerosa inutilidade. Usado, entretanto, para firmar que nada existiu que devesse ser inventariado, para fazer certo que inexiste herança, é uma necessidade do Direito, que produzirá efeitos jurídicos (MONTEIRO, 2012, p. 167).
Há casos em que não deixando o falecido bens, o cônjuge sobrevivente pode interessar-se em fazer um inventário negativo, a fim de provar que nenhum bem herdou (WALD, 2012, p. 34).
O inventariante é quem se responsabilizará pelo inventário e que possui certas obrigações a cumprir de acordo com os artigos 618 e 619 do CPC, entre elas representar o espólio ativa ou passivamente, em juízo ou fora dele (art. 618, inciso I, CPC 2015). Para a escolha do inventariante, seja o inventário judicial ou extrajudicial, é preciso da assinatura de todos os herdeiros.
Admite-se a realização do inventário negativo através de escritura pública, ou seja, por meio de um procedimento extrajudicial, em conformidade com o artigo 28 da Resolução nº 35 do Conselho Nacional de Justiça de 2007, que disciplina a Lei N. 11.44/2007.
4.INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL: LEI11.441/2007
O art. 610, §1º, CPC, regulamenta o inventário extrajudicial, e a título de complementação, a Resolução nº 35/2007, do Conselho Nacional de Justiça (arts. 11 a 32), disciplina sobre os procedimentos desta modalidade administrativa de inventário e partilha através da escritura pública e seus respectivos atos notariais.
Sem qualquer participação do juiz, o inventário e a partilha serão efetuados por escritura pública, a qual constituirá título hábil para o registro imobiliário, independentemente de homologação judicial (art. 982, caput). Trata-se de sistema antigo no direito europeu e que, a partir da Lei nº 11.441/2007, passou a vigorar também entre nós, gerando só benefícios para as partes e para os serviços Judiciários. De fato, entre maiores e capazes que se acham em pleno acordo quanto ao modo de partilhar o acervo hereditário, nada recomenda ou justifica o recurso ao processo judicial e a submissão a seus custos, sua complexidade e sua inevitável demora. Por outro lado, a retirada do inventário da esfera judicial contribuiu para aliviar a justiça de uma sobrecarga significativa de processos (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 220)
O procedimento de inventário extrajudicial deverá, ainda, respeitar a Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça. Destaca-se que é de livre escolha das partes o tabelionato onde a escritura pública de inventário será lavrada, não havendo competência territorial para tanto, conforme enuncia o artigo 1.º, da Resolução 35 do CNJ.
Possui o mesmo prazo do inventário judicial, de acordo com o art. 611, CPC, de 2 (dois) meses.
Faz-se necessário esclarecer sobre a atividade notarial e registral:
Trata-se de uma função pública, destinada a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, cujo exercício é realizado em caráter privado; seu ingresso se dá por meio de concurso público de provas e títulos, realizado pelo Poder Judiciário, com a participação, em todas as suas fases, da Ordem dos Advogados do Brasil, do Ministério Público, de um notário e de um registrador, conforme estabelecido no artigo 15 da lei Federal 8.935/94. (KÜMPEL, 2013, p. 45)
Em outras palavras, o serviço notarial é “a atividade de agente público, autorizado por lei, de redigir, formalizar e autenticar, com fé pública, instrumentos que consubstanciam atos jurídicos extrajudiciais do interesse dos solicitantes (CENEVIVA, 2014, p. 39).
Nesse sentindo, considera-se escritura pública como “o ato praticado perante o tabelião ou seu substituto legal que contém a manifestação de vontade das partes interessadas em realizar um negócio jurídico ou em declarar uma situação jurídica relevante” (KUMPEL, 2013, p. 54).
A opção pelo procedimento extrajudicial proporciona rapidez na solução do inventário e economia para os interessados:
O número de pessoas que procuram o Tabelionato para realizar a partilha de bens no inventário extrajudicial aumenta a cada ano, o que justifica a criação de referidos institutos, como segue: Esta questão é importantíssima, pois o número de pessoas que procuram os Cartórios de Notas para fazer seus testamentos aumenta a cada ano. De acordo com o Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, em 2014 os Cartórios de Notas de todo o Brasil lavraram 28.542 testamentos. Entre 2010 e 2014, o número de testamentos lavrados no País cresceu 62%. São Paulo lidera o ranking de estados que mais lavraram o documento, seguido pelo Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro (CASSETARI, 2017, p. 143).
Assevera-se que nem todos os procedimentos envolvendo inventário e partilha por falecimento podem ser realizados na esfera extrajudicial, tendo em vista que em alguns casos é vedada a realização pela via extrajudicial, e seu descumprimento acarreta nulidade do procedimento.
São pressupostos do inventário extrajudicial: Todos os herdeiros devem ser maiores e capazes; existência de consenso entre os herdeiros quanto à partilha dos bens; o falecido não pode ter deixado testamento, exceto se o testamento estiver caduco ou revogado; A escritura deve contar com a participação de um advogado.
Para se realizar o procedimento extrajudicial, faz-se necessário que todas as partes sejam capazes. Em se tratando de inventário que envolva menores ou incapazes, deverá ser obrigatoriamente realizado pela via judicial. A emancipação ou a ocorrência de qualquer outra causa que leve a cessação da incapacidade (art.5º, parágrafo único, Código Civil) autoriza o uso da via extrajudicial.
Em relação ao requisito da capacidade, o Tabelião deve apurar se as partes estão em pleno gozo de suas capacidades mentais; ademais, deve também ficar atento no caso de alguma das partes apresentar sinal de embriaguez ou de uso de substancia entorpecente.
Em relação à restrição na realização de inventário extrajudicial:
Caso o cônjuge, concorrente ou não, hipótese em que ele é considerado herdeiro, for incapaz, ele será interessado na sucessão, razão pela qual embaraça a execução da escritura. Se o cônjuge for somente meeiro, igualmente é interessado na sucessão, deverá participar do inventário para assegurar a sua meação, a escritura não poderá ser realizada (CASSETTARI, 2017, p. 139)
Em caso de existência de apenas um único herdeiro, sendo ele capaz, e se forem preenchidos os demais pressupostos autorizadores do inventário extrajudicial, poderá ser realizada a adjudicação extrajudicial, que produzirá todos os efeitos da carta de adjudicação (FARIA, 2017). Merece destaque o art. 12, da Resolução nº 35/2007:
Art. 12. Admitem-se inventário e partilha extrajudiciais com viúvo(a) ou herdeiro(s) capazes, inclusive por emancipação, representado(s) por procuração formalizada por instrumento público com poderes especiais, vedada a acumulação de funções de mandatário e de assistente das partes.”
Além disso, é preciso que todos os interessados sejam capazes, é preciso que concordem com os termos da partilha de bens, não podendo haver divergência, como também não pode faltar nenhum dos herdeiros ou titulares de direitos sucessórios. À propósito:
RELATOR(A): HUGO CREPALDI. COMARCA: GUARULHOS. ÓRGÃO JULGADOR: 25ª CÂMARA DE DIREITO PRIVADO. DATA DO JULGAMENTO: 27/06/2013.DATA DE REGISTRO: 02/07/2013. APELAÇÃO CIVIL Nº 825083520088260224 EMENTA: APELAÇÃO AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE Autora que pleiteia a reintegração de um veículo, sob as alegações de que se tornou possuidora indireta com a morte de seu irmão, o antigo proprietário do bem. Apresentação de escritura pública de inventário dando notícia da doação das quotas dos outros herdeiros para a autora Entretanto, diante da notícia da existência de filha menor do de cujus, de rigor o reconhecimento de nulidade da escritura, por afronta ao art. 2.015 e 2.016 do Código Civil. A existência de herdeiro incapaz impõe a realização de inventário judicial, de modo que a inobservância da forma prevista em lei culmina na sanção de nulidade Recurso provido.
Mesmo que apenas um herdeiro demonstre posicionamento oposto ao método de partilhar o patrimônio do falecido, não é cabível a modalidade extrajudicial, devendo ser remetido à esfera judicial, em virtude da ocorrência de conflito, que precisará da intervenção do Judiciário para ser dirimido (CARVALHO FILHO, 2015).
A Resolução 35 do Conselho Nacional de Justiça (Art. 8º) fixa que é imperioso a constituição de advogado para efetivação do inventário extrajudicial, basta ver: “Art. 8º. É necessária a presença do advogado, dispensada a procuração, ou do defensor público, na lavratura das escrituras decorrentes da Lei 11.441/07, nelas constando seu nome e registro na OAB” (DIAS, 2015). A inobservância da regra acima citada ocasionará em nulidade de referido documento.
Cada herdeiro pode eleger um advogado em representação própria, ou, caso preferir, optar por somente um causídico para todo o procedimento administrativo, dependendo da vontade dos herdeiros ou dos interessados ao direito sucessório (DIAS, 2015).
A participação do advogado está conectada à observância de postulados constitucionais, respeitando o princípio do acesso à justiça, ligado à valores sociais e políticos.
“Se a parte for advogado, este participará do ato notarial na qualidade de advogado assistente”, sendo dispensada a atuação de outro advogado conjuntamente no procedimento (CAHALI e ROSA, 2007, p. 89).
Outro requisito exigido pela legislação para a realização da partilha de bens em inventário extrajudicial é a ausência de testamento deixado pelo de cujus, considerando-se que não esteja caduco ou revogado, dado que, existindo testamento, o procedimento deverá ser realizado judicialmente.
Nota-se que é possível que as partes desistam do processo judicial em curso, migrando para a via extrajudicial (JEREMIAS, 2014, p. 07).
Preenchendo os pressupostos legalmente exigidos, a transferência dessas demandas ao âmbito extrajudicial possibilita que o Judiciário dê o enfoque necessário aos processos em que seja primordial sua atenção. Trata-se inconveniente que os inventários separações e divórcios em que haja consenso entre as partes, e não envolvam incapazes, se submetam ao moroso, desgastante e oneroso procedimento judicial (BOECKEL, 2016).
É necessário o pagamento das custas, que se referem ao pagamento do imposto ITCMD e à taxa de escritura do cartório. Tais valores se alteram conforme o Estado em que será realizado o procedimento, podendo ser verificadas diretamente com o cartório.
Enfatiza-se que o benefício da gratuidade da justiça é aplicável aos procedimentos de inventário extrajudiciais, devendo ser comprovado, mediante simples declaração de hipossuficiência. Trata-se de garantia de acesso à justiça, essencial à vida civil do indivíduo, não cabendo, pois, dirimir esse direito nos inventários extrajudiciais.
A gratuidade prevista na Lei 11.441/2007, de acordo com a Resolução nº35/CNJ, engloba as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais (art. 6º). Exige-se que os interessados declararem não possuir condições de arcar com os emolumentos (art. 7º). Essa gratuidade do ato notarial, antes prevista de maneira expressa tão somente para a separação e divórcio, foi expressamente asseverado igualmente ao inventário e partilha pela Lei nº 11.965, de 3.7.2009, que deu nova redação ao art. 982 e seus parágrafos. (THEODORO JÚNIOR, 2017, p. 223).
O Tabelião pode se recusar a lavrar o inventário, caso estiver presente indícios de fraude quando da declaração de vontade dos herdeiros, contanto que a decisão seja reduzida a termo e devidamente fundamentada.
É possível fazer a partilha de um bem que deveria ter sido incluído em inventário já concluído, procedimento denominado de sobrepartilha, observando-se os mesmos pressupostos para a lavratura de inventário, incluindo também a presença do formal de partilha, da carta de adjudicação ou do processo de inventário (art. 25, da Resolução nº 35, de 24/04/07, do CNJ).
Acerca do tema, oportuno esclarecer que a sobrepartilha pode ser feita extrajudicialmente, a qualquer tempo, ainda que a partilha anterior tenha sido feita judicialmente e ainda que os herdeiros, hoje maiores, fossem menores ou incapazes ao tempo da partilha anterior.
Elenca-se outra vantagem do inventário extrajudicial:
O tempo é julgado curto e muitas vezes exaustivo para os enlutados que precisam lidar com toda a burocracia, prazos, preocupações e busca por documentos, em paralelo a dor do luto. Assim como a morte de um ente querido, o inventário não é algo desejado, mas, da mesma forma que na lei da vida existe a perda, na lei dos homens existe o inventário e o enfrentamento desses dois processos que se entrelaçam se faz necessário para todos (BRUNETTI, 2019).
Percebe-se que o procedimento de inventário extrajudicial é vantajoso no sentido que além de desafogar o Poder Judiciário, proporciona credibilidade aos cartórios de notas que passam a ter prestígio pela celeridade de seus serviços e dirime as dificuldades da população, que consegue solucionar as adversidades e obter o seu bem da vida sem ter que esperar décadas para que isto ocorra.
Destaca-se como desvantagens a restrição da realização desse procedimento, que dependerá da análise do caso concreto. Sendo assim, para o preenchimento de todos os requisitos, é necessária atenção tanto das partes como do tabelião.
Ademais, a determinação da lei para que o advogado esteja presente no inventário extrajudicial, não significando a mera juntada de documentos. O patrono é habilitado a observar particularidades e precavê-los, além de cumprir aos ditames legais do procedimento.
Outrossim, é permitida a retificação da escritura pública, contanto que haja o consentimento de todos os interessados, o que dificulta o procedimento, sendo essa mais uma desvantagem.
À título conclusivo, cabe aos herdeiros a escolha do procedimento, optando pela via judicial ou extrajudicial, fazendo-se a observância de todos os requisitos aqui mencionados e a análise do caso concreto de cada herdeiro, só assim será possível dizer qual procedimento será adequado, se judicial ou extrajudicial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A opção de realizar o inventário e partilha dos bens do espólio, de forma extrajudicial, é apenas um dos acessos possíveis que o legislador pátrio encontra para descongestionar o Poder Judiciário, que nas últimas décadas afligiu-se de uma exorbitante crescente de demanda de cidadãos que a este poder se dirigem, para solucionar seus problemas.
É notório que a opção pela via administrativa do inventário, expande-se de forma significativa, o que mostra a eficácia que tal lei proporcionou perante a sociedade.
As alterações trazidas pela Lei nº 11.441/2007 no Código de Processo Civil, posteriormente regulamentadas pela Resolução nº35/2007 do Conselho Nacional de Justiça, acabaram não só desafogando o Poder Judiciário, como também desburocratizando procedimentos onde não há litígio, isto é, descomplicando a solução de demandas.
Uma vez preenchidos os seus requisitos, conclui-se que é válida a opção pela via extrajudicial para o inventário, tamanha a sua celeridade e simplificação, com livre escolha do cartório de notas, além do menor custo e menor desgaste emocional tanto por sua rapidez quanto por ser feito quando não há conflitos entre os herdeiros.
Como em qualquer relação onde existem interesses de uma ou mais pessoas, existem fatos que podem causar problemas para a solução dos interesses das partes, como dúvidas quanto à forma de se proceder perante certos procedimentos, ou requisitos, além de divergências existentes entre as partes que poderão surgir. Apesar disso, o advento da Lei 11.441/07, proporcionou ao direito sucessório uma grande evolução quanto ao acesso à justiça.
REFERÊNCIAS
ALMADA, Ney de Mello. Direito das sucessões. 2. ed. São Paulo: Brasiliense coleções, 1991.
AMORIN, Sebastião; OLIVEIRA, Euclides de. Inventários e partilhas: teoria e prática. 11. ed. São Paulo: Leud, 1997.
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Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MASSON, CÁSSIA ROSANA. Inventário extrajudicial: vantagens e desvantagens Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2021, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56732/inventrio-extrajudicial-vantagens-e-desvantagens. Acesso em: 23 dez 2024.
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