FÁBIO BARBOSA CHAVES[1]
(orientador)
RESUMO: A licitação deve desenvolver-se em estrita conformidade com o que dispõe a lei, ponto em que se demonstra a necessidade da assessoria jurídica ao longo do processo. O presente trabalho pretende demonstrar, por meio de revisão bibliográfica qualitativa, a partir de consulta a obras publicadas sobre a temática, a importância da assessoria jurídica contínua na organização e execução dos processos licitatórios da Administração Pública. Buscou-se entender como se organiza e executa os processos licitatórios e, nesse sentido, verificar as atribuições da assessoria jurídica previstas dos dispositivos legais que tratam de licitações. A presente pesquisa objetivou ainda identificar as fases e atividades a serem desenvolvidas pela assessoria jurídica com os servidores no processo licitatório, bem como apresentar as vantagens de uma assessoria jurídica contínua nas licitações. O acompanhamento do processo desde o seu termo de abertura pela assessoria jurídica até a plena execução contratual pode evitar muitos erros e tomadas de decisões equivocadas ou mal pensadas, que podem, inclusive, trazer consequências negativas após realização de auditorias. O papel da assessoria jurídica ficou ainda mais evidente e claro no texto da Lei 14.133/2021 apontado em vários dispositivos a obrigatoriedade da atuação do órgão jurídico.
Palavras-Chaves: Administração Pública; Assessoria Jurídica; Licitação.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO - 2. A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SEUS PRINCÍPIOS NORTADORES - 3. O MECANISMO DE CONTROLE E O SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO - 4. O PROCESSO LICITATÓRIO E A RESERVA LEGAL IMPOSITIVA - 5. A ASSESSORIA JURÍDICA E O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA - 6. A NATUREZA E VINCULAÇÃO DO PARECER JURÍDICO LICITATÓRIO - 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS - 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 INTRODUÇÃO
Por lei, a licitação é obrigatória no Brasil para todos os órgãos da Administração Pública direta e indireta, e tem como objetivo a obtenção de seu objeto nas melhores condições para a administração, e para tanto, esse objeto deverá ser convenientemente definido no edital ou no convite, a fim de que os licitantes possam atender fielmente ao desejo do Poder Público, como leciona Meirelles (2010).
De acordo com a Lei 8.666/1993, ainda em vigor e a Lei 14.133/2021, recentemente sancionada, ambas leis que orientam a Licitações e Contratos, a Administração Pública deve optar pela proposta mais vantajosa considerando o princípio constitucional da isonomia e os demais princípios básicos, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório, julgamento objetivo e eficiência.
A licitação deve desenvolver-se em estrita conformidade com o que dispõe a lei, pois se trata de um procedimento administrativo rigorosamente formal, onde cada ato é praticado na forma ditada pela lei, ponto em que se demonstra a necessidade da assessoria jurídica ao longo do processo.
Assim, o presente trabalho pretende demonstrar, por meio de revisão bibliográfica qualitativa, a partir de consulta a obras publicadas sobre a temática, a importância da assessoria jurídica contínua na organização e execução dos processos licitatórios da Administração Pública.
Por meio da presente pesquisa, buscou-se entender como se organiza e executa os processos licitatórios e, nesse sentido, verificar as atribuições da assessoria jurídica previstas dos dispositivos legais que tratam de licitações. A presente pesquisa objetivou ainda identificar as fases e atividades a serem desenvolvidas pela assessoria jurídica com os servidores no processo licitatório, bem como apresentar as vantagens de uma assessoria jurídica contínua nas licitações.
2 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E SEUS PRINCÍPIOS NORTEADORES
Para Scarpino Junior e Natália Mendonça Lorenzato (2017), como atividade destacada no papel do Administrador Público, existe o planeamento, visando o desenvolvimento social e a melhoria da qualidade de vida, uma vez que a Administração Pública, enquanto gestora de bens públicos, deve cumprir e respeitar determinados preceitos legais que visam tanto o bom recebimento dos ingressos quanto a efetividade dos gastos.
Segundo os autores, com o objetivo de garantir probidade e transparência na gestão da coisa pública, a CRFB / 1988, no âmbito do seu artigo 37, apresenta normas básicas que regem a Administração Pública direta e indireta, visando a submissão do Administrador Público, em toda a sua atividade funcional, ao estrito cumprimento da lei, para que o administrador não seja dispensado, e em caso de descumprimento, disciplinar, civil e mesmo criminal (SCARPINO JUNIOR; LORENZATO, 2017).
Os princípios fundamentais que norteiam toda a atividade da administração pública encontram-se, de forma explícita ou implícita, no texto da Constituição de 1988. Muitas leis mencionam ou enumeram princípios administrativos. Em muitos casos, eles são meras cópias ou desenvolvimentos de princípios constitucionais expressos; em outras, são implicações lógicas das disposições constitucionais quanto à atuação dos órgãos, entidades e agentes da administração.
Os princípios são obrigatórios pela Administração, pois de acordo com a Constituição, a Administração obedecerá aos princípios mencionados. Assim, não é faculdade do agente público em toda a sua atividade guiar-se por princípios administrativos, mas, sim, um dever. Dentre os princípios norteadores da atividade administrativa, aqueles expressos no caput do art. 37 da Constituição da República: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficácia (esta última acrescentada pela EC 19/1998).
A Constituição de 1988 dispõe, no inciso II de seu art. 5, a formulação mais geral do princípio da legalidade: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer outra coisa senão nos termos da lei”. Para Alexandrino (2016), a legalidade traduz a noção de que a administração pública só deve agir quando existe uma lei que a determina ou autoriza. Enquanto os particulares estão autorizados a fazer qualquer coisa que a lei não proíba. Estabelece que toda atividade administrativa só é considerada autêntica se permitida por lei.
Para Di Pietro (2010), a ideia de impessoalidade engloba a de imparcialidade, referindo-se à mesma definição da necessidade de ações e tomadas de decisão desinteressadas, imparciais e objetivamente orientadas. A imparcialidade diz respeito à forma como a Administração se relaciona com os indivíduos na forma como compõe os interesses que se inserem no seu contexto decisório.
Embora individual em relação à cultura de cada grupo social, pode variar de acordo com a região, exigindo do agente público ampla conduta ao disposto na Lei, mas também moderada nos princípios éticos de boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade e probidade (BRUNO, 2013).
Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2010), o princípio da moralidade exige que o administrador público não prescinda dos preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não apenas averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto.
A publicidade é dever de transparência da Administração Pública. A atuação da Administração Pública deve ser transparente. Essa é a regra. A publicidade não é um elemento formativo do ato; é um requisito de eficácia e moralidade. Com efeito, a publicidade é condição para a eficácia do ato, uma vez que só poderá produzir efeitos se houver divulgação 19 por parte do órgão oficial, quando a lei assim o exigir.
Eficiência é um atributo que faz com que o agente público alcance resultados positivos, garantindo à sociedade o cumprimento real dos desígnios necessários, como saúde, qualidade de vida, educação, etc. 20 Inclui um esforço incansável por parte do agente público para que há um melhor resultado e benefício dos atos por ele praticados. Requer também maior organização da Administração Pública em conformidade com modernos padrões de gestão (FARIA, 2015).
Portanto, os referidos preceitos que devem ser considerados durante a gestão dos recursos públicos, servindo não apenas como norteador para a elaboração de novas normas e também para a condução dos trabalhos do Administrador Público, encontram respaldo e origem na Constituição da Federação República do Brasil, 1988.
3 OS MECANISMOS DE CONTROLE E O SISTEMA DE RESPONSABILIZAÇÃO
O papel do Assessor Jurídico é, senão outro, mediar a vontade da sociedade, conduzida na atuação de seus representantes, a vontade democrática e a lei, entendendo a política pública a ser implementada e buscando estabelecer os mecanismos que permitir a realização deste estado de vontade.
Manifestando-se por meio de opiniões, o Assessor Jurídico não pratica ato decisório, emitindo atos de natureza apenas de opinião, embora, como se verá a seguir, alguns atos de opinião tenham força vinculante, conforme ensina Hely Lopes Meirelles (2010) ao definir que os pareceres administrativos são "declarações de órgãos técnicos sobre os assuntos submetidos à sua apreciação".
Segundo Meirelles (2010), a opinião é exclusivamente opinativa, não vinculando a autoridade a quem atua como consultor ou os indivíduos “às suas motivações ou conclusões, salvo se aprovado em ato posterior. Complementa o raciocínio ao acrescentar que o ato administrativo, em si, é o ato que aprova o parecer, e este, pode se apresentar sob a forma de ato normativo, ordinário, negociador ou punitivo.
A doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello (2014, p. 387), é no mesmo sentido. Na visão do jurista, as opiniões são atos de administração consultiva e são aquelas que “visam informar, elucidar, sugerir medidas administrativas a serem estabelecidas em atos de administração ativa”. Mas nem sempre o órgão jurídico é chamado a emitir parecer por ato de vontade da autoridade competente.
Em algumas situações previstas em lei, a regularidade do ato que será (ou deveria ser) desencadeado, ficará dependente de análise jurídica prévia. Nestes casos, o encaminhamento ao setor jurídico deixa de ser mera consulta para passar a fazer parte do devido processo legal (DI PIETRO, 2011).
A Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, que trata da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, no caput do artigo 52, estabelece que “ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para o órgão de assessoria jurídica da Administração, que fará o controle prévio da legalidade por meio da análise jurídica da contratação. Também sujeitos à análise de pareceres jurídicos, conforme estipulado no § 4º do art. 52, os processos de “contratação direta, convênios, termos de cooperação, convênios, reajustes, adesões a atas de registro de preços, demais instrumentos similares e seus termos aditivos."
No entanto, em consonância com o § 5º do art. 52 da citada Lei, é permitido que a autoridade máxima competente dispensa a análise jurídica em razão de baixo valor, baixa complexidade de contratação, entrega imediata do bem ou utilização de minutos padronizados.
Vale ressaltar que a nova lei de licitações, de acordo com seu artigo 52, não exige apenas a apreciação do edital e dos documentos a ele anexos. Passa a exigir, expressamente, a avaliação de todo o processo licitatório, depois a revisão jurídica de todos os atos praticados na fase preparatória.
Dessa forma, essa nova percepção aproxima a assessoria jurídica de um órgão de controle interno ou auditoria, pois os advogados terão que analisar a veracidade dos procedimentos dos agentes administrativos que atuaram no decorrer de todo o processo.
Parece que terão que analisar se os documentos de estudo técnico preliminar e de termo de referência contêm as informações exigidas pela nova lei, se o orçamento foi elaborado de acordo com os critérios estabelecidos, se o objeto da licitação não qualifica-se como um item de luxo etc.
Por fim, o parágrafo 6º do artigo 52 da nova lei de licitações traz novidades extremamente relevantes, pois qualifica a culpabilidade do advogado público, que só pode ser responsabilizado pela emissão de parecer em casos de fraude ou fraude, na direção do que já aparece do artigo 184 do Código de Processo Civil.
Nessa perspectiva, a responsabilização dos advogados públicos difere dos requisitos de responsabilização dos demais agentes públicos, previstos no artigo 28 da Lei de Introdução às Regras do Direito Brasileiro, dependendo da dolo ou culpa grave. A diferença é que, ressalta-se, com a nova lei, o advogado não pode ser responsabilizado por culpa grave, apenas por fraude ou fraude, aplicando-se-lhes a mesma diretriz de culpa que se aplica aos magistrados, prevista no inciso I do artigo 143 do o Código de Processo Civil.
Diante disso, a nova Lei prevê que as autoridades de aplicação da ordem pública poderão defender, na esfera administrativa, de controle ou judicial, as autoridades competentes e os servidores públicos que tenham participado dos processos relativos a licitações e contratos em razão de ato praticado com estrita observância, orientação constante na assessoria jurídica. A regra é válida mesmo quando o agente público deixa de ocupar o cargo, no cargo ou função em que praticou o ato questionado (art. 10, §2º).
4 O PROCESSO LICITATÓRIO E A RESERVA LEGAL IMPOSITIVA
A lei geral de licitações, 8.666 / 1993, dispõe, em seu art. 38, parágrafo único, o seguinte: “As minutas de editais de licitação, bem como as de contratos, acordos, convênios ou reajustes deverão ser previamente apreciados e aprovados pelos assessores jurídicos da Administração”. A exigência também deve ser atendida no procedimento licitatório do Leilão, em suas duas modalidades, presencial e eletrônico, por aplicação subsidiária da Lei nº 8.666 / 93, o que pode ser verificado pelo disposto no art. 9º da Lei nº 10.520 / 02. Verifica-se que o Assessor Jurídico se manifestou com maior força de intervenção.
Note-se, de forma clara e adequada, que a norma confere uma atribuição inusitada à intervenção do Consultor Jurídico. Não só obriga o gestor a submeter previamente à sua assessoria jurídica as atas de que trata o dispositivo em tela, mas também lhe confere competência para aprová-las. Significa, ao contrário, sentir que também deu a ele autoridade para desaprová-los.
Assim, não parece haver dúvida sobre o caráter vinculante dessa manifestação, uma vez que o legislador não teria exigido a mera audiência conclusiva do jurista. Ele também quer, e principalmente, seu "acordo" (avisos de acordo com). É mais um mecanismo de controle prévio da legalidade (CHAVES, 2011)
A princípio, não seria redundante lembrar que o consultor jurídico exerce advocacia. E se for assim, é com esse espírito que o assunto deve ser estudado. A Carta Magna de 1988, em seu art. 133 defende que o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável pelos seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
O Estatuto da OAB, no art. 32, destaca que o advogado é responsável pelos atos que, em seu exercício profissional, praticar com dolo ou culpa. O parágrafo único do artigo 32 do Estatuto da Ordem dispõe que “em caso de litígio temerário, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que esteja associado a ele para prejudicar a parte contrária, o que será determinado em sua própria ação”.
Conclui-se que, apesar de ter certas garantias, o advogado será responsável por seus atos, mas somente quando agir com dolo ou culpa. A culpa é classificada como culpa stricto sensu, também chamada de culpa aquiliana e culpa lato sensu, mais conhecida como intenção. Esta se configura quando o resultado prejudicial é alcançado voluntariamente pelo agente e os efeitos de seu comportamento são deliberadamente buscados por ele (CHAVES, 2011).
A culpa stricto sensu é caracterizada pela negligência do autor do dano, incluindo imprudência e imperícia, implicando o abandono do dever de cuidado ou a adoção de medidas capazes de evitar certos fatos considerados ilícitos. No caso de serviços profissionais como o advogado, geralmente, a culpa em sentido estrito configura-se nos casos de imperícia e imprudência, conforme elucidado por Chaves (2011).
A primeira é a falta de aptidão para o desempenho de uma atividade em que o conhecimento técnico é essencial para seu exercício; a segunda está ligada à falta de cuidado no desempenho da profissão. No caso dos serviços jurídicos, conforme lição de Ricardo Vieira de Carvalho Fernandes (2012), a imperícia e a negligência, no caso dos serviços jurídicos, caracterizam-se: “Apenas pela constatação de erro grave e indesculpável.
Isso porque a natureza de suas atividades, bem como a inviolabilidade funcional prevista no artigo 133 da Constituição, impõem um regime diferenciado às suas funções essenciais, permitindo o exercício funcional com independência nas escolhas das teses, estratégias, argumentos, precedentes, recursos a serem usados. Portanto, mesmo que a escolha não seja bem-sucedida, esse fato não acarreta sua responsabilidade por simples erro.
Neste ínterim, ao examinar o Mandado de Segurança 24.073/02, do Supremo Tribunal Federal - STF, no qual o Tribunal de Contas da União pretendia manter a responsabilidade do Assessor Jurídico junto ao administrador por contratação, sem licitação, considerada ilegal. Neste caso, o Relator, Ministro Carlos Veloso, defendeu a posição de que a lei não é uma ciência exata e que implica em interpretações.
Observa-se que, para o ministro relator do Mandado de Segurança 24.073/02, são comuns interpretações divergentes de determinado texto da lei, o que invariavelmente ocorre na Justiça. Portanto, para que a responsabilidade do advogado que se pronunciou sobre determinada questão de direito fosse lícita, seria necessário demonstrar que o profissional trabalhou com culpa, em sentido amplo, ou que cometeu ato grave e indesculpável erro.
Em suma, na advocacia, apenas o profissional responde, o que inclui o advogado público, quando este age com negligência ou imperícia, causando erro grave e indesculpável. E com isso, o árbitro ficará isento de responsabilidade na defesa de uma tese aceitável, baseada em uma lição de doutrina e jurisprudência.
Para o TCU, no Acórdão 2060/2007, Plenário, o parecer jurídico e técnico não vincula o gestor, que tem a obrigação de examinar a correção dos pareceres, até mesmo para corrigir eventuais disfunções na administração e, portanto, não descarta, em si apenas, sua responsabilidade por atos considerados irregulares pelo Tribunal de Contas da União.
Segundo Marçal Justen Filho (2010), ao examinar e aprovar os atos licitatórios, a assessoria jurídica assume responsabilidade individual solidária pelo que foi realizado. Por outras palavras, a afirmação sobre a validade do aviso e dos instrumentos de contratação associa o emitente do parecer ao autor dos atos.
Assim, o prévio exame jurídico de editais e minutas de instrumentos contratuais não pode e não deve ser entendido e tratado como mera formalidade, cumprida apenas para efeito de cumprimento das determinações legais e que se caracterizará por aposição de mero visto de procurador nos instrumentos enviados (JUSTEN FILHO, 2010).
5 A ASSESSORIA JURÍDICA E O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA ADMINISTRATIVA
Segundo Chaves (2011), o assessor jurídico é sempre instado a exprimir-se em processos administrativos, ou em reuniões de gestão, na qualidade de consultor, a opinar sobre a legalidade das ações que a Administração pretende realizar. Com base em suas considerações, escritas ou verbais, o gestor toma a decisão de fazer ou parar de fazer algo, de acordo com as orientações oferecidas.
Para Chaves (2011), praticamente nenhum passo é dado na Administração Pública sem antes ouvir a Assessoria Jurídica. Portanto, a função de assessoria jurídica é claramente preventiva e orientativa por natureza.
Por meio de sua atuação, a assessoria jurídica, antecipando-se aos efeitos jurídicos das ações administrativas que lhe são encaminhadas, busca, em última instância, evitar vícios jurídicos que possam causar a nulidade dos atos administrativos que lhes sejam submetidos à apreciação, ou mesmo apresentar os meios juridicamente adequados para que o Gestor Público adote as medidas corretas para atender à necessidade coletiva (FURTADO, 2007)
Segundo os autores Jessé Torres Pereira Junior e Marinês Restelatto Dotti (2017), ao receber as minutas de editais e contratos e seus aditamentos, antes de devolver o processo para due diligence ou complementação, devem buscar saber junto aos setores técnicos mais detalhes sobre a lacuna ou impropriedade percebida.
Assim, a assessoria jurídica deve orientar os funcionários na instrução do processo desde o início, de acordo com suas convicções técnicas e estar aberta para revisá-los em casos extraordinários. A princípio, poderia se imaginar que, devido ao excesso de trabalho que um setor jurídico concentra, o modus operandi ora defendido traria uma carga maior de tarefas; que colocar os servidores em seu escritório roubaria um tempo precioso de análise do processo. Na verdade, a tendência é que ocorra o contrário (PEREIRA JUNIOR; DOTTI, 2017)
Na medida em que os setores técnicos utilizam a orientação do Departamento Jurídico, os processos devem passar a ser encaminhados em condições de aprovação. Portanto, um processo de aquisição, que normalmente precisaria ir e vir algumas vezes para acertar os detalhes, ocorreria apenas uma vez. Portanto, a Assessoria Jurídica desempenha um papel extremamente relevante neste contexto. Não deve ser confundido com um órgão de controle, embora, até certo ponto, seja. Se sua função primária é preventiva, deve atuar de forma orientadora (LIMA; SILVA, 2019).
Percebe-se no texto da nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, que o controle é necessário, mas será feito por meio de mecanismos de governança. Uma lógica que já vinha sendo utilizada em nível infralegal e restrita ao espaço dos órgãos e entidades de controle do Executivo federal e dos poderes legislativo e judiciário (BRASIL, 2021).
Observa-se que a nova Lei implementa mecanismos de liderança, estratégia e controle em todos os poderes e entidades por meio do envolvimento da alta administração nas decisões (art. 11, parágrafo único), ampliando a necessidade de planejamento anual de contratações (art. 174, §2º, I), do reforço à importância de estudos técnicos preliminares para definição das soluções a serem contratadas (art. 18, §1º), da necessidade de gerenciamento de riscos por meio de matrizes específicas (arts. 22 e 103).
Essa visão mais estratégica promovida pela Lei 14.133 reforça ainda mais e deixa mais evidenciada a importância e necessidade da atuação da assessoria jurídica nos processos licitatórios (Art. 7, §2º e §3º, art. 19), inclusive responsabilidades (art. 10), continuidade nas etapas do procedimento (art. 53; art. 72, III) até mesmo após a contração auxiliando na fiscalização dos contratos (art. 117, §3º) e na tomada de decisões quanto a recursos (art. 168, parágrafo único) e de controle (art. 169, II).
6 A NATUREZA E VINCULAÇÃO DO PARECER JURÍDICO LICITATÓRIO
Analisando mais precisamente sobre a obrigação ou não imposta por lei ao administrador de proceder à consulta, Di Pietro (2011), observa que o parecer pode ser apresentado em três tipos: Parecer facultativo, quando fica a critério da Administração solicitá-lo ou não, além de não vincular quem o solicitou. Se foi indicada como fundamento da decisão, fará parte dela, pois corresponde à própria motivação do ato. O parecer é obrigatório quando a lei o exige como condição para a prática final do ato.
O art. 42 da Lei 9.784 / 99, delimita uma variação dos conceitos de parecer “obrigatório” e “vinculante”, abordando as gradações entre eles e apontando seus efeitos na esfera administrativa. O artigo 42 prevê que, quando for necessário ouvir um órgão consultivo, o parecer deverá ser emitido no prazo máximo de quinze dias, a menos que haja regra especial ou comprovada necessidade de prazo mais longo.
O parágrafo primeiro do artigo 42 da Lei 9.784 / 99 estabelece que, caso o parecer obrigatório e vinculante deixe de ser emitido no prazo estabelecido, o processo não terá prosseguimento até a respectiva apresentação, responsabilizando-se pelos causadores do atraso. Segue-se o parágrafo segundo do mesmo artigo da Lei, elucidando que, caso o parecer obrigatório e não vinculativo deixe de ser emitido no prazo previsto, o processo poderá prosseguir e ser decidido com o seu indeferimento, sem prejuízo da responsabilidade dos que omitiram no atendimento.
De acordo com o voto do Ministro Joaquim Barbosa no Mandado de Segurança 24.584-DF, de 2008, a exigência legal de aprovação da ata pelo consultor jurídico da Administração, sem dúvida, caracteriza a vinculação do ato administrativo ao parecer jurídico favorável. Para o ministro, a lei não se contenta em estabelecer a obrigação da mera existência de parecer jurídico com conteúdo opinativo ou informativo, mas condiciona a prática dos atos ao exame e aprovação do órgão jurídico.
Para o Tribunal de Contas da União - TCU, no acórdão 3923/2009, Primeira Turma, deve-se observar a legislação pertinente na elaboração dos pareceres, uma vez que o Tribunal de Contas da União já se pronunciou no sentido de que compete ao parecer jurídico instado a se pronunciar nos termos do contrato, acordo, etc., posição que, segundo o órgão de controle, foi reafirmada pelo STF no Mandado de Segurança 24.584 / DF.
Apesar das decisões do TCU que determinam a atuação dos assessores jurídicos em cada procedimento licitatório, o texto legal - parágrafo único do art. 38 da Lei nº 8.666 / 1993 - não se expressa quanto a essa obrigação. Assim, a utilização de minutas-padrão, obedecidas as precauções necessárias, nas quais, como afirma a requerente, se limita ao preenchimento das quantidades de bens e serviços, unidades favorecidas, local de entrega de bens ou prestação de serviços, sem alteração do cláusulas desses instrumentos previamente examinadas pelos assessores jurídicos, atende aos princípios da legalidade, como também da eficiência e proporcionalidade (TCU, Plenário 1504/2005).
Ao contrário das minutas de editais e contratos, em que o parecer é vinculante, nos processos de contratação por dispensa e licitação inexequível na forma da Lei 8.666 / 93, seu artigo 26 não discute a necessidade de parecer jurídico como condição da eficácia do ato. Prevê-se neste artigo que as isenções previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade a que se refere o art. 25, necessariamente justificada, e a demora prevista ao final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deve ser comunicado, no prazo de 3 (três) dias, à autoridade superior, para homologação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Verifica-se que, na continuidade do artigo 26 da Lei 8.666/1993, o parágrafo único estabelece que o processo de destituição, inexequibilidade ou demora, previsto neste artigo, será instruído, conforme o caso, com os seguintes elementos: I - caracterização da situação de emergência ou calamitosa que justifique o desligamento, quando aplicável; II - motivo da escolha do fornecedor ou executor; III - justificativa do preço. IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão destinados.
Conforme previsto na Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Lei 14.133/2021 - parágrafo 2º do artigo 52, esclarece que o parecer jurídico não é vinculativo, pois pode ser motivado pela autoridade máxima do órgão ou entidade, caso em que a este responderá pessoal e exclusivamente pelas irregularidades que, por esse motiva, eventualmente lhe forem atribuídas.
O § 1º do artigo 52 da nova lei de licitações formula condições para a manifestação de pareceres jurídicos, que devem ser expressos em parecer jurídico, com a obrigação de fazer uma avaliação do processo licitatório de acordo com critérios objetivos prévios de atribuição de prioridade – inciso I. No Inciso II do mesmo artigo, estabelece que o parecer deve apresentar a declaração com uso de uma linguagem simples e compreensível e de forma clara e objetiva, com valorização de todos os elementos essenciais à contratação e com explicação dos pressupostos factuais e jurídicos levados em consideração na análise jurídica.
Em continuidade, o inciso III do artigo 52 da Lei 14.133/2021, faz a previsão de que no parecer jurídico deve-se dar atenção especial à conclusão, que deve ser desvinculada da fundamentação, ser uniforme com seus entendimentos anteriores, ser apresentada em tópicos, com orientações específicas para cada recomendação, de forma a permitir à autoridade consultiva seu fácil entendimento, e, se constatada a ilegalidade, apresentar posição conclusiva quanto à impossibilidade de continuidade do contrato nos termos analisados, inclusive, com sugestão de medidas que poderão ser adotadas para adequá-lo à legislação aplicável.
O art. 53 da lei regulamenta a atuação dos assessores jurídicos na fase interna de licitações. A norma diz que, ao final da fase preparatória, o processo licitatório seguirá para a assessoria jurídica da Administração, que fará o controle prévio da legalidade por meio da análise jurídica das contratações.
O parágrafo 1º do artigo 53 detalha tudo o que deve constar do parecer jurídico. Há uma clara preocupação do legislador em evitar pareceres em modelos padronizados, de apenas uma página, com conteúdo genérico. A medida aproxima a assessoria jurídica do órgão de controle interno.
A análise jurídica só será dispensável nos casos de baixo valor, baixa complexidade de contratação, entrega imediata do bem ou se forem utilizadas minutas de editais e instrumentos contratuais previamente padronizados pela assessoria jurídica, tudo conforme definido em ato do máximo competente autoridade legal (Art. 53, §5º).
A preocupação com o controle dos contratos e a responsabilização dos agentes públicos permeia toda a legislação, que chega a dedicar um capítulo próprio ao assunto. O art. 169 determina que as contratações públicas sejam continuamente submetidas à gestão de riscos e controle preventivo, devendo utilizar recursos de tecnologia da informação e subordinar-se ao controle social.
Verifica-se no referido artigo que o controle passa pelas seguintes linhas de defesa: I - primeira linha de defesa, composta por servidores públicos e servidores públicos, licitantes e autoridades que atuam na estrutura de governança do órgão ou entidade; II - segunda linha de defesa, integrada pelas unidades de assessoria jurídica e de controle interno do próprio órgão ou entidade; III - terceira linha de defesa, integrada pelo órgão central de controle interno da Administração e pelo tribunal de contas (BRASIL, 2021).
Vale destacar que um aspecto importante trazido pela nova Lei é o fato de alterar profundamente o perfil de quem atua na contratação pública. Já conhecido como agente contratante (arts. 7 a 10), com a nomenclatura do leilão mantida para a modalidade específica, o comprador público deve ser funcionário efetivo ou funcionário público do quadro permanente da instituição, deve ser continuamente treinado e profissionalizado, e estará sujeito a um sistema de gestão por competência, sob responsabilidade da alta direção, e ao acompanhamento contínuo da assessoria jurídica.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A assessoria jurídica desempenha um papel extremamente relevante no âmbito das licitações. Não deve ser confundido com um órgão de controle interno, neste caso, mesmo que, até certo ponto, pode ser. Sua função primária é preventiva, deve atuar de forma orientadora e contínua. Cabe aos assessores jurídicos orientarem os servidores da área técnica e esclarecer dúvidas quanto à instrução dos processos.
Verifica-se a importância de que, ao receber as minutas de editais e contratos e seus aditamentos, antes de devolver o processo para diligenciar ou complementar, buscar-se saber junto aos setores técnicos mais detalhes sobre a percepção de lacuna ou impropriedade. A importância também de prestar orientação aos funcionários na instrução do processo desde o início, de acordo com suas convicções técnicas, além de revisão em casos extraordinários.
Levando em consideração o teor do dispositivo legal, o parecer jurídico pode por muitas vezes ser entendido pelos gestores ou pela equipe de servidores envolvidos na licitação como mera instrumentalização processual.
Observa-se que, na verdade, o acompanhamento do processo desde o seu termo de abertura pela assessoria jurídica até a plena execução contratual pode evitar muitos erros e tomadas de decisões equivocadas ou mal pensadas, que podem, inclusive, trazer consequências negativas após realização de auditorias.
Por fim, observou-se que, com a entrada em vigor da Lei 14.133, de 1º de abril de 2021, a nova lei de licitações e contratos administrativos, o papel da assessoria jurídica ficou ainda mais evidente e claro em seu texto, apontado em vários dispositivos a obrigatoriedade da atuação do órgão jurídico desde elaboração de minutas à fiscalização dos contratos já efetivados, demonstrando a necessidade de auxílio contínuo da assessoria jurídica nas licitações e contratos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Lei 8.666 de 21 de junho de 1993 que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Brasília: Planalto, 1993.
_____. Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021. Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Brasília: Planalto, 2021.
_____. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002. Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências. Brasília: Planalto, 2002.
_____. Decreto nº 10.024, de 20 de setembro de 2019 que regulamenta a licitação, na modalidade pregão, na forma eletrônica, para a aquisição de bens e a contratação de serviços comuns, incluídos os serviços comuns de engenharia, e dispõe sobre o uso da dispensa eletrônica, no âmbito da administração pública federal. Brasília: Planalto, 2019.
_____. Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, que estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão. Brasília: Planalto, 2006.
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[1] Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC/MINAS. Mestre em Direito, Relações Internacionais e Políticas Públicas pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GOIÁS. Docente do Centro Universitário Católica do Tocantins – UniCatólica.
Bacharelando do curso de Direito pelo Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Lucas Alves. A importância da assessoria jurídica contínua nos processos licitatórios da administração pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2021, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56737/a-importncia-da-assessoria-jurdica-contnua-nos-processos-licitatrios-da-administrao-pblica. Acesso em: 23 dez 2024.
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