ANA CRISTINA LIRA[1]
(coautora)
GILBERTO ANTÔNIO NEVES PEREIRA DA SILVA[2]
RESUMO: A união estável foi reconhecida como entidade familiar com o advento da Constituição Federal, e trouxe avanços significativos ao longo do tempo, garantindo os direitos dos companheiros e possibilitando que a união estável seja tutelada pelo Estado. Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo analisar as medidas que são favoráveis para se ter o reconhecimento da união estável, juntamente com as suas inovações surgidas no século XXI. Como objetivos específicos, tem-se de relacionar o reconhecimento jurídico da União Estável e suas inovações constitucionais e identificar as propostas estabelecidas segundo o Código Civil para o reconhecimento da União Estável. Para tanto, este trabalho foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica, com abordagem dedutiva. Conclui-se que a partir das semelhanças e diferenças jurídicas entre os institutos da união estável e casamento, ambos garantem direitos específicos aos seus participantes, cabendo ao cidadão a liberdade de escolha sobre qual será o melhor caminho para a constituição de sua família.
Palavras-chave: União Estável, Direitos, Legislação, Reconhecimento, Inovações.
ABSTRACT: The stable union was recognized as a family entity with the advent of the Federal Constitution, and brought significant advances over time, ensuring the rights of partners and enabling the stable union to be protected by the State. In this context, this paper aims to analyze the measures that are favorable to have the recognition of the stable union, along with its innovations that have emerged in the twenty-first century. The specific objectives are to relate the legal recognition of stable unions and their constitutional innovations and to identify the proposals established by the civil code for the recognition of stable unions. To this end, this work was developed by means of a bibliographical research, with a deductive approach. It is concluded that from the similarities and legal differences between the institutes of stable union and marriage, both guarantee specific rights to its participants, leaving the citizen free to choose which will be the best way for the constitution of your family.
Keywords: stable union, rights, legislation, recognition, innovations.
Sumário: 1 Introdução - 2 Evolução histórica da união estável para o seu reconhecimento como entidade familiar - 3 Conceituação de união estável segundo o código civil de 2002: 3.1 Pressupostos de configuração da união estável e suas inovações; 3.2 Direitos e deveres dos companheiros na união estável; 3.3 Direitos sucessórios dos companheiros na união estável - 4 Conclusão - Referências
1 INTRODUÇÃO
Com o advento da Constituição Federal de 1988, a união estável passou a ser reconhecida como entidade familiar com especial proteção do Estado, sendo assim, foi posteriormente normalizada por leis infraconstitucionais, e também atribuíram grande relevância perante a sociedade brasileira.
Anteriormente, para que a união estável fosse reconhecida, era necessário um lapso temporal de cinco anos de convivência entre os companheiros. Hoje, por sua vez, os tribunais pátrios não têm fixado um tempo mínimo de convivência, no entanto, é necessário que exista uma convivência reconhecida de forma pública, conforme preceitua o Art. 1.723, caput do Código Civil/2002.
Houve grandes inovações constitucionais que apresentaram mudanças no direito de família, e por isso a união estável saiu do campo do direito das obrigações, transformando-se em uma sociedade de fato, passando a fazer parte do âmbito de direito de família como entidade familiar, com os mesmos efeitos jurídicos do casamento civil.
Desta forma, é de suma importância mencionar que, com a evolução da sociedade, pode-se observar de forma clara a diferença entre a família de outrora e a família atual, pois os requisitos e motivos para constituí-la passaram por transformações expressivas social e juridicamente, tendo em vista que, antes da promulgação da Carta Magna de 1988, interesses e direitos dos companheiros eram somente reconhecidos por intermédio de leis esparsas, decisões judiciais e súmulas jurisprudenciais.
Durante muito tempo na sociedade, todos os tipos de uniões que não resultavam do casamento civil eram chamados de concubinato, e podiam ser classificadas em concubinato puro e impuro; puro, quando os companheiros envolvidos não tinham nenhum tipo de impedimento matrimonial; e impuro, nos casos de relação de adultério, além de concubinato incestuoso ou uma união que envolvia conviventes com parentesco próximo.
Diante disso, as uniões concubinárias passaram a ser reprovadas de diversas maneiras perante a sociedade, até a sua aceitação e reconhecimento sob especial proteção do Estado, no que se refere ao caso do concubinato puro. Uma vez protegidas, passaram a ser reconhecidas como união estável após a promulgação da Constituição de 1988, Iniciaremos este estudo com uma análise e explicação, retratando o reconhecimento da união estável e sua evolução constitucional com o passar dos anos, além de apresentar as mudanças científicas, tecnológicas e também mudanças de valores que foram significativas para sociedade, o que acabou por impulsionar inúmeras mudanças ao longo do século passado, as quais tiveram influência direta no conceito de família, sobretudo no Brasil do século XXI.
Serão discorridas as consequências do reconhecimento jurídico da união estável e suas inovações constitucionais diante do século XXI, ressaltando a grande relevância da evolução que a legislação brasileira conquistou. Com base nos parâmetros constitucionais, várias inovações foram introduzidas no âmbito do direito de família, com o marco do texto constitucional para esta nova entidade familiar.
Por sua vez, disciplinando nas inovações sociais e na seara jurídica concernente a união estável, a promulgação da Carta Magna de 1988 trouxe para o instituto um novo status de entidade familiar, visto que a sociedade brasileira, durante muito tempo almejava tão significativa regulamentação, e isso finalmente ocorreu no texto constitucional, em virtude da existência de muitas famílias vivendo em união não formalizada e inclusive considerada como marginalizada (BRASIL, 1988).
Para tanto, o presente estudo foi desenvolvido por meio de uma pesquisa bibliográfica com abordagem dedutiva, baseada na elaboração, se utilizando sobretudo de materiais que já foram publicados, assim como jurisprudências, códigos, doutrinas e revistas jurídicas, em virtude de serem estudos referentes às inovações prestigiadas a nova entidade familiar, sob à luz da Constituição Federal de 1988.
Atualmente, o direito de família, com o marco da Constituição Federal, ampliou o conceito, o reconhecimento e a proteção à nova entidade familiar, visando, o princípio da dignidade da pessoa humana. Ademais, os efeitos jurídicos e as consequências que versam sobre a nova temática são de grande magnitude para que se possa haver melhor eficácia na construção do direito e na prestação jurisdicional, precipuamente para atuação dos operadores do direito diante das transformações sociais.
Desta forma, dispôs-se a analisar as medidas que são favoráveis para que se tenha o reconhecimento da união estável, juntamente com as suas inovações no século XXI e as propostas estabelecidas segundo o Código Civil.
2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA UNIÃO ESTÁVEL PARA O SEU RECONHECIMENTO COMO ENTIDADE FAMILIAR
O Direito Brasileiro consagrou as expressões ‘companheirismo’ e ‘conviventes’ na união estável, para caracterizar a união informal entre pessoas do mesmo sexo ou não, com o objetivo de constituição familiar, cedendo lugar a desgastada definição de concubinato, que não pode ser confundida com a união estável. Portanto, pode-se assim dizer que tal relação está isenta de formalidades, não se coaduna com a mera eventualidade, e por conta disso é equiparada ao casamento em caso de reconhecimento jurídico, consolidando-se como forma de família (DINIZ, 2018).
Assim, importa dizer que a conquista para o reconhecimento da união estável foi considerada pela doutrina como muito difícil, haja vista que anteriormente ao novo status de entidade familiar, era conhecida como concubinato, para alguns, e, para outros uniões livres, sem base sólida de família, julgada inclusive como ameaça para o casamento, praticamente união condenada para o seio da sociedade brasileira.
Segundo Magalhães (2018), o status da união era de substancial importância para a antiga qualificação dos filhos. Quando se tratava do concubinato, antiga nomenclatura da união estável, eram considerados naturais. Já os filhos advindos do casamento eram considerados legítimos.
Pode-se constatar que no já revogado Código Civil de 1916, há vários dispositivos que não protegem o casal concubino, ao contrário, proibia o amparo recíproco em relação à herança por morte, e considerava patrimonialista, legítima e exclusiva a família proveniente do matrimônio, como única instituição familiar que poderia receber a proteção do Estado.
Segundo Stolze e Pamplona (2019), a união livre simplesmente não era considerada como família, e a sua concepção era fruto de uma relação ilícita, comumente associada ao adultério, que deveria ser rejeitada e proibida, por decorrência de dogmas religiosos e imposições estatais de controle.
Anterior ao Código Civil de 19l6, de forma bem restrita, alguns direitos já vinham sendo timidamente garantidos às companheiras viúvas dos trabalhadores das estradas de ferro, pois as empresas foram responsabilizadas civilmente pela indenização no caso de morte. Assim, a empresa tinha o dever de dar suporte nas despesas alimentícias e de prover auxílio de educação, surgindo dessa forma o Decreto nº 2.681/1912.
Vale ressaltar que o ordenamento jurídico da época trazia em seu bojo um conceito de família bastante conservador e restrito advindo da forte influência da igreja católica romana, de forma que os filhos considerados ilegítimos não recebiam o mesmo tratamento dados aos legítimos, que por sua vez eram reputados como os únicos beneficiários do espaço da família codificada.
Desta forma, o Código Civil de 1916 não dava a liberdade de constituição de vida familiar por qualquer outra forma de organização que não a do casamento, limitando-se a sempre tratar do concubinato como sinônimo de relação adulterina, e permitindo o reconhecimento e filho com a condição de que que não houvesse impedimento dirimente absoluto ao casamento, conforme diz art. 363, inciso I, do diploma legal.
Já nos meados de 1942, o Decreto-Lei nº 4.737 dispõe sobre o reconhecimento de filhos naturais somente após ocorrer o desquite do ascendente casado, sendo posteriormente estendida para os casos de filhos extraconjugais, nas situações de necessidade de auxílio alimentar, e se fazia necessária a investigação da paternidade.
Nesse sentido, outras leis e decretos, tais como a legislação previdenciária, admitem a designação do segurado para a companheira que vivesse sob sua dependência econômica, mediante a convivência de mais de cinco anos comprovados, mesmo que a mulher não fosse companheira exclusiva.
Destarte, a jurisprudência brasileira foi admitindo outros direitos, mesmo de forma resistente, e tinha como pré-requisito o lapso temporal do concubinato, unilateralmente ou por comum acordo, de forma que a companheira sempre ficava em situação de abandono e desamparo, pois via de regra, todo patrimônio amealhado do casal com esforço comum encontrava-se exclusivamente no nome do companheiro.
A jurisprudência adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo estendeu-se aos demais tribunais do país, e foi admitida também pelo Supremo Tribunal Federal, que a adotou no sentido de que o rompimento de uma ligação more uxorio duradoura gerava consequências de ordem patrimonial. Daí, surge a Súmula 380, nestes termos: “comprovada a existência da sociedade de fato entre concubinos, é cabível a sua dissolução judicial, com a partilha do adquirido pelo esforço comum”.
Conforme Stolze e Pamplona (2019), o referido aresto jurisprudencial tratou da partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum, o que se convencionou reconhecer como uma sociedade de fato. Tal qual a sociedade formada pelo vínculo matrimonial, a conjunção de esforços de ambos os concubinos (expressão que ainda persistia naquele momento histórico) formava, no campo dos fatos, uma sociedade, o que autoriza, na sua eventual dissolução, a partilha dos bens.
Vale ressaltar que a Súmula não trouxe solução completa, mas para resolver principalmente os litígios da época, foi de grande pertinência, mormente no desenlace das questões de dissolução. Por não existir possibilidade jurídica do pedido por conta da inexistência de lei, muitos julgamentos negavam qualquer direito à concubina, e nos casos de morte dos companheiros, por ser uma união livre e informal, muitos parentes do de cujus aproveitavam a oportunidade para tomar posse do patrimônio, não respeitando o companheiro(a) no direito de herança.
Finalmente em 1988, a Constituição da República Federativa do Brasil conquistou um grande espaço para tutelar a união estável no direito de família, e dessa forma buscou dignificar e proteger em um novo status a entidade familiar constitucionalmente reconhecida, atribuindo direitos e deveres para os companheiros e para os filhos concebidos na união.
Apesar da Constituição celebrar com ênfase sua proteção à entidade familiar constituída entre o homem e a mulher por meio da união estável, em se tratando do repúdio social fruto da religiosidade, as uniões de pessoas do mesmo sexo permaneceram sendo alvo de muita discriminação, e não eram amparadas juridicamente pelo ordenamento brasileiro.
Atualmente muitos países reconhecem a união homoafetiva e autorizam o casamento dessas pessoas. Contudo, a justiça brasileira vem reconhecendo juridicamente a existência das uniões homossexuais, mas conferindo apenas efeitos de ordem patrimonial, sob a qualificação de sociedade de fato, respaldada pelo direito das obrigações.
Nessa esteira comenta Dias (2016, p.483):
[...] Não se pode, simplesmente, ignorar a condição pessoal do indivíduo, como se tal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana. Diante das garantias constitucionais que configuraram o Estado Democrático de Direito, impositiva a inclusão de todos os cidadãos sob o manto da tutela jurídica. A constitucionalização da família implica assegurar proteção ao indivíduo em suas estruturas de convívio, independentemente de sua orientação sexual.
Para que seja reconhecida juridicamente, a união estável deverá apresentar suas principais características. Sendo assim, a lei de forma clara e transparente transcreve suas características como a convivência pública, contínua e duradoura. Contudo, pode-se simplificar através de quatro elementos, sendo eles: a publicidade, continuidade, estabilidade, e principalmente o animus de constituição de família.
Conforme o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, na constituição familiar da união estável é imprescindível a presença dos elementos essenciais para sua formação, veja um julgado:
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POS MORTEM. ENTIDADE FAMILIAR QUE SE CARACTERIZA PELA CONVIVÊNCIA PÚBLICA, CONTÍNUA, DURADOURA E COM OBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA (ANIMUS FAMILIAE). DOIS MESES DE RELACIONAMENTO, SENDO DUAS SEMANAS DE COABITAÇÃO. TEMPO INSUFICIENTE PARA SE DEMONSTRAR A ESTABILIDADE NECESSÁRIA PARA RECONHECIMENTO DA UNIÃO DE FATO. 1. O Código Civil definiu a união estável como entidade familiar entre o homem e a mulher, "configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família" (art. 1.723). 2. Em relação à exigência de estabilidade para configuração da união estável, apesar de não haver previsão de um prazo mínimo, exige a norma que a convivência seja duradoura, em período suficiente a demonstrar a intenção de constituir família, permitindo que se dividam alegrias e tristezas, que se compartilhem dificuldades e projetos de vida, sendo necessário um tempo razoável de relacionamento. 3. Na hipótese, o relacionamento do casal teve um tempo muito exíguo de duração - apenas dois meses de namoro, sendo duas semanas em coabitação -, que não permite a configuração da estabilidade necessária para o reconhecimento da união estável. Esta nasce de um ato-fato jurídico: a convivência duradoura com intuito de constituir família. Portanto, não há falar em comunhão de vidas entre duas pessoas, no sentido material e imaterial, numa relação de apenas duas semanas. 4. Recurso especial provido. (BRASIL, 2019c).
Óbvio que esses elementos, necessariamente, precisam estar conectados a um elemento principal, que é o ânimo de constituir família, isto é, a intenção de estar vivendo como se casados fossem (a chamada convivência more uxorio). É possível perceber, inclusive, que a intenção de estar convivendo como casados é apresentada como elemento principal para a caracterização da entidade familiar.
A publicidade da convivência diz respeito à notoriedade da relação no meio social frequentado pelo casal, ou seja, a exposição pública da relação, em que assumem perante a sociedade comportamento e atos de casados, e são, portanto, socialmente reconhecidos como uma família.
Ainda que a lei não estabeleça um decurso de lapso temporal mínimo para a caracterização da união estável, outro elemento característico importante é a continuidade do vínculo, que deve ser prolongado e de caráter contínuo, e por isso que há diferença entre união estável e namoro.
Observa-se, a propósito, o julgado do Superior Tribunal de Justiça, neste tocante:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.529.347 - DF (2019/0181947-1) RELATOR: MINISTRO PRESIDENTE DO STJ. AGRAVANTE: L A M J ADVOGADOS: ANTÔNIO JOSÉ DA CRUZ - DF012595 ADRIANA BELTRAO MENDES XAVIER E OUTRO (S) - DF029133 AGRAVADO: L DO N M ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO DISTRITO FEDERAL DECISÃO Trata-se de agravo apresentado por L A M J, contra a decisão que não admitiu seu recurso especial, que visa reformar acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL E TERRITÓRIOS, assim resumido: APELAÇÃO CÍVEL. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO POST MORTEM DE UNIÃO ESTÁVEL HOMOAFETIVA. SEPARAÇÃO DE CASAS. RELAÇÃO POSTERIOR. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. NAMORO. IMPROCEDÊNCIA. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Presidente. (BRASIL, 2019b).
A notoriedade também é significativa, porém pode ser discreta, pois a união deve ser conhecida no meio social em que os conviventes participam, e deverão tratar-se como se casados fossem. Em outras palavras, é necessário que a relação afetiva seja pública, no sentido de não ser clandestina, ser considerada como família, e deve manter o respeito recíproco e a convivência em qualquer situação.
Neste sentido, corrobora Diniz (2018, p.326) sobre publicidade, em que:
Notoriedade de afeições recíprocas, que não significa de modo alguma publicidade. A esse respeito bastante expressiva é a lição de Cunha Gonçalves, segundo a qual a ligação concubinária há de ser notória, porém pode ser discreta, caso em que a divulgação do fato se dá dentro de um círculo mais restrito, o dos amigos, o das pessoas de íntima relação de ambos, o dos vizinhos do companheiro, que poderão atestar as visitas frequentes do outro, suas entradas e saídas. A discrição seria, como pondera Caio Mário da Silva Pereira, um meio termo entre a publicidade ou notoriedade franca e o segredo dessas relações. Assim, não se tem união estável se os encontros forem furtivos ou secretos, embora haja prática reiterada de relações sexuais.
É mister que a união estável seja revestida de estabilidade, o que nada mais é do que a convivência duradoura. O relacionamento passa por um processo de amadurecimento da relação, e se inicia por meio de um vínculo afetivo e envolvimento mútuo, que acaba transbordando o limite particular e torna-se público para as pessoas que vivem em derredor. Após esses passos, o relacionamento pode tornar-se cada vez mais estável, o que faz com que tal visibilidade de vínculo o torne merecedor da tutela jurídica como uma entidade, e dessa forma o casal passa a ter uma universalidade única, que garantem os direitos patrimoniais
A união estável é a prova do enlaçamento da vida, comprometimento e afetividade recíprocos durante bons e maus momentos, bem como a repartição de alegrias e tristezas experimentadas reciprocamente. Também deve ter expectativa criada entre ambos de alcançar projetos futuros comuns, daí a exigência dos requisitos de notoriedade, continuidade e durabilidade da relação, que servem como meio de comprovação da existência do relacionamento.
Como uma característica citada pela lei, se pressupõe que a relação seja contínua, ou seja, interruptiva. Do contrário, se a ausência de continuidade for constatada, isso induzirá o enfraquecimento da relação, conforme discorre Gonçalves (2019, p.49):
Não há prazo mínimo, mas deve apresentar-se como “duradoura”, isto é, não haverá “união estável” quando os fatos relevarem que a convivência entre o homem e a mulher não passou de uma “relação passageira” ou “fugaz”. A descontinuidade, também induz debilidade no relacionamento entre os conviventes e afasta a tutela especial da lei. Da mesma maneira, a clandestinidade da convivência impede a configuração de entidade familiar.
Ademais, na união estável o objetivo de constituir família é a principal característica para o reconhecimento do instituto, porque os conviventes vivem uma relação de companheirismo e comunhão de vida, com aspecto de casamento e potencial repercussão jurídica. Portanto essa intenção será investigada para que seja reconhecida a união estável, se for verificada a ausência dessa finalidade instantânea de constituição de família, a conclusão será de que, na verdade, se trata de um namoro. Ainda, não será considerada como um fator determinante a existência de filhos.
Nessa esteira, Gonçalves (2019, p.49-50) ainda diz que:
O mais importante, porém, segundo a disciplina da Lei nº 9.278, não é o tempo de convivência (dado objetivo). É o animus dos companheiros, pois a união estável, qualquer que seja a duração da convivência, terá de caracterizar-se pelo objetivo de constituir família. Isto quer dizer, somente haverá a “entidade familiar” legalmente tutelada quando se configurar, por parte dos conviventes, o animus de assumir, perante a sociedade, um status em tudo semelhante ao de pessoas casadas, concedendo-se mutuamente o tratamento, a consideração, o respeito que se dispensam reciprocamente, os esposos.
Vale ressaltar que a união estável é desprovida de solenidade para sua constituição, portanto, devido a esse caráter fático e informal, conclui-se que, por ser uma união de fato, não se condicionaria ao parecer impositivo da diversidade sexual, típico do casamento, admitindo assim o reconhecimento da relação familiar entre os conviventes, sejam do mesmo sexo ou não. Deste modo, expõe o professor Barroso (2015, p.141):
Todas as pessoas, a despeito de sua origem e de suas características pessoais, têm o de desfrutar da proteção jurídica que estes princípios lhes outorgam. Vale dizer: de serem livres e iguais, de desenvolver a plenitude de sua personalidade e de estabelecerem relações pessoais com um regime jurídico definitivo e justo. E o Estado, por sua vez, tem o dever jurídico de promover esses valores, não apenas como uma satisfação dos interesses legítimos dos beneficiários diretos, como também para assegurar a toda a sociedade, reflexamente, um patamar de elevação política, ética e social. Por essas razões, a Constituição não comporta uma leitura homofóbica, deslegitimada a das relações de afeto e de compromisso que se estabelecem entre indivíduos do mesmo sexo. A exclusão dos homossexuais do regime de união estável significa declarar que eles não são merecedores de igual respeito, que seu universo afetivo e jurídico é de “menos valia”, menos importante, menos digno.
Dando continuidade à análise das características discutidas, existem outras indicadas pelos doutrinadores, quais sejam a vontade como um elemento ensejador dessa relação, embasado no princípio da livre manifestação de desejo entre os companheiros. Outro elemento importante é a fidelidade, que tem como função revelar a intenção da vida em comum, e em alguns casos, revelar a dependência e coabitação dos parceiros, sendo que, a relação de união estável deverá ter aparência de casamento. Tais características, além de serem relevantes para o devido reconhecimento jurídico e social, também serão essenciais para que direitos a benefícios legais inerentes aos companheiros sejam aplicados.
Desta forma, apesar da legislação brasileira estabelecer que a ausência de uma dessas características essenciais elimina o reconhecimento de união estável, caso se verifique e se comprove nesta situação a existência do núcleo familiar, o Estado terá que garantir sua proteção. Deste modo, para Diniz (2018), existem diversas espécies de união estável presentes no ordenamento jurídico atual, que podem ser classificadas como concubinato puro ou impuro, ou mesmo, concubinato.
Assim preceitua Diniz (2018, p.330):
Será puro se apresentar como união duradoura, sem casamento civil, entre homem e mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou por outra ligação concubinária. [...] Ter-se-á concubinato impuro ou simplesmente concubinato, nas relações não eventuais em que um dos amantes ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de casar-se. No concubinato há um panorama de clandestinidade que lhe retira o caráter de entidade familiar (CC, art. 1727), visto não poder ser convertido em casamento. Apresenta-se como: a) adulterino [...], se se fundar no estado de cônjuge de um ou ambos os concubinos [...]; e b) incestuoso, se houver parentesco próximo entre os amantes.
Neste sentido manifesta-se Pereira (2016, p.6):
Assim, entendemos que a expressão união estável, adotada pela atual Constituição brasileira, veio substituir a expressão concubinato. Podemos dizer, então que a união estável é o concubinato não adulterino. O concubinato adulterino, em razão do princípio jurídico da monogamia, não recebe a proteção do Estado como forma de família. Os direitos decorrentes do concubinato adulterino não estão no campo do Direito de Família, mas na teoria das sociedades de fato, no direito obrigacional, que encontra respaldo e fundamentação teórica para justificá-lo. Entretanto, a linguagem de grande parte de nossos tribunais, para designar as consequências e efeitos jurídicos de uma união estável, é ainda a de concubinato ou, quando muito, alternando uma e outra.
Portanto, observa-se que, a união estável ou o concubinato puro correspondem ao convívio duradouro de pessoas sem impedimentos de outra relação, podendo ser do mesmo sexo ou não, com o objetivo de constituir família. Por outro lado, o impuro ocorre quando os concubinos vivenciam situação adversa do casamento ou mesmo da união estável, e por isso encontram-se desprovidos de proteção do Estado.
Após a devida conceituação de união estável e da análise de seus principais elementos caracterizadores, a próxima seção tratará de um exame da legislação vigente que diz respeito ao tema abordado no estudo.
3 CONCEITUAÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL SEGUNDO O CÓDIGO CIVIL DE 2002
A Constituição Federal de 1988 concede novo status a união estável, antes denominada pejorativamente pela sociedade como concubinato, e dá um manto de proteção jurídico e social para nova entidade familiar, com a seguinte expressão constitucional, no art. 226, § 3º, CF, in verbis:
Art. 226, Caput. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
Com a promulgação do Código Civil de 2002, após a revogação dos diplomas anteriores que regiam a matéria da união estável, o instituto foi inserido no Livro IV do Direito de Família, e passou a ser regulamentado em título próprio a partir do art. 1.723 a 1.727, tratando dos aspectos pessoais e patrimoniais. O artigo 1.723 do respectivo Código inicia o conceito de união estável reconhecendo-a como entidade familiar entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua, duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Como já apresentado, Gonçalves (2019) considera que não é, pois, o tempo com determinação de número de anos que deverá caracterizar uma relação como união estável, mas outros elementos expressamente mencionados: “convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.
A Lei Civil estabelece, em seu art. 1.723, § 1º, que a existência de alguns dos impedimentos matrimoniais, aqueles previstos no art. 1.521, impedirão a configuração da união estável, são vedações para a celebração do casamento e, naturalmente, por equiparação terão efeitos na constituição da união estável.
Nesse sentido, não podem viver em união estável (o que significa dizer, não podem casar): os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; os afins em linha reta; o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; os irmãos, unilaterais ou bilaterais e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; o adotado com o filho do adotante; e, finalmente, o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte. Cumpre ressaltar que a existência de casamento anterior, conforme o art. 1.521, VI, não constituirá obstáculo para a caracterização da união estável se um dos companheiros, embora ainda casado, já estiver separado de fato.
Face às considerações aduzidas, faz-se necessário apresentar entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, em decisão recente, observa-se o julgado:
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DE DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C PEDIDO DE ARROLAMENTO E PARTILHA DE BENS. UNIÃO ESTÁVEL CONCOMITANTE A CASAMENTO SEM SEPARAÇÃO DE FATO. 1. À luz do disposto no § 1º do artigo 1.723 do Código Civil de 2002, a pedra de toque para o aperfeiçoamento da união estável não está na inexistência de vínculo matrimonial, mas, a toda evidência, na inexistência de relacionamento de fato duradouro concomitante àquele que pretende proteção jurídica. Nesse viés, apesar de a dicção da referida norma também fazer referência à separação judicial, é a separação de fato (que, normalmente, precede a separação de direito e continua após tal ato formal) que viabiliza a caracterização da união estável de pessoa casada. 2. Consequentemente, mantida a vida em comum entre os cônjuges (ou seja, inexistindo separação de fato), não se poderá reconhecer a união estável de pessoa casada. Nesse contexto normativo, a jurisprudência do STJ não admite o reconhecimento de uniões estáveis paralelas ou de união estável concomitante a casamento em que não configurada separação de fato. 3. No caso dos autos, procedendo-se à revaloração do quadro fático delineado no acórdão estadual, verifica-se que: (a) a autora e o réu (de cujus) mantiveram relacionamento amoroso por 17 anos; (b) o demandado era casado quando iniciou tal convívio, não tendo se separado de fato de sua esposa; e (c) a falta de ciência da autora sobre a preexistência do casamento (e a manutenção da convivência conjugal) não foi devidamente demonstrada na espécie, havendo indícios robustos em sentido contrário. 4. Desse modo, não se revela possível reconhecer a união estável alegada pela autora, uma vez que não foi atendido o requisito objetivo para sua configuração, consistente na inexistência de relacionamento de fato duradouro concomitante àquele que pretende proteção jurídica. 5. Uma vez não demonstrada a boa-fé da concubina de forma irrefutável, não se revela cabida (nem oportuna) a discussão sobre a aplicação analógica da norma do casamento putativo à espécie. 6. Recursos especiais do espólio e da viúva providos para julgar improcedente a pretensão deduzida pela autora. (BRASIL, 2019a).
Como leva a lição de Rosenvald e Farias (2015), que, apesar de os impedimentos matrimoniais serem aplicáveis à união estável, as causas suspensivas não embaraçam a sua caracterização, o que, de algum modo, pode gerar uma perplexidade: pessoas que celebram casamento com inobservância das causas suspensivas ficam submetidas, obrigatoriamente, ao regime da separação de bens, enquanto que aquelas que constituem união estável com inobservância das mesmas causas suspensivas não sofrem da mesma restrição patrimonial. É o que emana do § 2º do art. 1.723, registrando que “as causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
Dessa forma, pode-se verificar que a união estável não se constituirá se houver um dos impedimentos que alude o diploma legal, não ocorrendo impedimentos se existirem causas suspensivas, nos casos de pessoas casadas separadas de fato ou judicialmente. Por seu turno, se ocorrer inobservância dos impedimentos por um dos companheiros ou ambos, não será reconhecida a constituição da união estável.
Vale destacar ainda que, com a vigência do Código Civil de 2002, os efeitos patrimoniais da união estável passam a adotar o regime da comunhão parcial de bens, ressalvada a hipótese de as partes haverem firmado um contrato de convivência em sentido contrário. Isso consubstancia-se como mais um reconhecimento que percorreu um longo caminho a ser conquistado, pois outrora, através da jurisprudência, somente eram reconhecidos os efeitos patrimoniais como sociedade de fato sob a condição de existirem provas do esforço de ambos, tendo como destaque a Súmula 380 do STF.
3.1 PRESSUPOSTOS DE CONFIGURAÇÃO DA UNIÃO ESTÁVEL E SUAS INOVAÇÕES
Durante muito tempo foi mantido o concubinato na sociedade, e com o passar dos anos e a evolução das leis e da sociedade, esse tipo de união foi elevado à condição de entidade familiar, constituído pela união estável, em uma risca inexcedível de preconceito, contrariando a família natural e evoluindo até superação dos preconceito existentes na sociedade. É importante ressaltar que essas evoluções se deram com o artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, e com o seu advento, surgiram alguns requisitos para a configuração da união estável, como já apresentado anteriormente.
Umas das grandes evoluções dos requisitos para a caracterização da união estável é o reconhecimentos da união estável homoafetiva, que foi reconhecida historicamente em votação unânime no ano de 2011, com julgamento conjunto pelo Supremo Tribunal Federal, e conta com eficácia erga omnes e efeito vinculante da ADPF nº 132/RJ e da ADI nº 4.277/DF, conferindo ao artigo 1.723 do Código Civil interpretação conforme a Constituição Federal, para excluir daquele dispositivo todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, de forma que esse posicionamento deverá ser seguido por todos os juristas do Brasil.
Outrora, de acordo com o artigo 226, § 3º da Constituição Federal, a proteção como entidade familiar só protegia a união estável entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, mesmo que essa redação não tenha sido efetivamente alterada, deve ser lida de outra maneira, onde se lê ''homem e a mulher'', deve ser ter a interpretação de ''cônjuges'', '' pessoas'' ou ''conviventes”.
Seguindo a esteira de inovações jurisprudenciais, pode-se ressaltar a decisão proferida no julgamento em 2017, pelo Supremo Tribunal Federal, quando declararam inconstitucional o art. 1.790 do Código Civil, que estabelece diferenças entre a participação do companheiro e do cônjuge na sucessão dos bens, inclusive em uniões homoafetivas.
Segundo o voto do Ministro Luís Roberto Barroso “Quando o Código Civil desequiparou o casamento e as uniões estáveis, promoveu um retrocesso e promoveu uma hierarquização entre as famílias que a Constituição não admite”, completou. O artigo 1.790 do Código Civil pode ser considerado inconstitucional porque viola princípios como a igualdade, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e a vedação ao retrocesso”.
Conforme afirma o Mestre Gonçalves (2019), não se justifica, com efeito, esse tratamento discriminatório, em comparação com a posição reservada às famílias matrimonializadas, nas quais o cônjuge sobrevivente figura em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, afastando da sucessão os colaterais do de cujus, quando a própria Constituição Federal recomenda proteção jurídica à união estável como forma alternativa de entidade familiar, ao lado do casamento.
É importante ressaltar que a regra maior é a da Constituição Federal, que traz o respeito à dignidade da pessoa humana (BRASIL, 1988), e adota como primordiais os princípios da igualdade, isonomia, afetividade, o que se faz concluir que as mesmas regras da união estável devem ser utilizadas na união homoafetiva, assim como em todas as famílias constituídas no território nacional.
Outra grande mudança na doutrina e na jurisprudência brasileira foi em relação a coabitação entre os companheiros, isso significa dizer que ninguém deixará de ter uma união estável reconhecida por não possuir filhos, por questões profissionais ou ainda por morarem em residências distintas, e isso torna a coabitação um requisito não necessário. Muitos doutrinadores, como Diniz (2018) e Gonçalves (2019), defendem a coabitação, que apesar de não ser considerado um elemento essencial para a configuração, se torna uma característica que facilita a demonstração da união estável.
Pode-se destacar um marco jurisprudencial relevante, como a edição da Súmula de nº 382 pelo Supremo Tribunal Federal, estabelecendo que: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxório, não é indispensável à caracterização do concubinato”. Dessa forma, foi consolidado o entendimento sobre a configuração da união estável, ficando evidente que a coabitação não é essencial, mas sim a qualidade da relação entre os companheiros em questão. Se essa relação preenche todos os demais requisitos legais que estão estabelecidos na lei, residir no mesmo endereço fica absolutamente dispensável (BRASIL, 1964).
O art. 1.723, Caput do Código Civil, não estabeleceu um lapso temporal para o reconhecimento da união estável, o que anteriormente, segundo a Lei nº 9.278, de 10 de maio de 1996, para que a união estável fosse reconhecida, era necessário um lapso temporal de cinco anos de convivência entre os companheiros, o que foi revogado pela nova legislação vigente e causou grandes benefícios para os cônjuges que viviam menos de cinco anos juntos.
Acerca dessa evolução, Madaleno (2018) doutrina que "andou bem o legislador ao afastar um prazo mínimo para reconhecer a existência de uma união estável, porque importa ao relacionamento a sua qualidade e não o tempo da relação".
Dessa forma, conclui-se que a união estável é construída na base sólida da afetividade, trazendo para família qualidade na convivência e responsabilidade de todos os integrantes que formam esta entidade familiar e que buscam na união a verdadeira felicidade, com respeito e obediência ao que preceitua o ordenamento jurídico no que tange os seus requisitos.
3.2 DIREITOS E DEVERES DOS COMPANHEIROS NA UNIÃO ESTÁVEL
É mister esclarecer que um dos deveres dos companheiros na união estável é o amparo financeiro, como está regulamentado na lei e nas relações pessoais entre os conviventes. Dentre os direitos e deveres estão a lealdade, respeito, assistência, o dever de guarda, educação dos filhos e sustento. Portanto, observa-se que apesar de serem semelhantes, existem alguns aspectos que distinguem as peculiaridades da união estável e do casamento.
É notório que, para cada dever haverá um direito equivalente, como o de exigir uma conduta compatível ao levar em consideração o dever de lealdade, além do compromisso de fidelidade sexual e afetiva, visto que na ausência desse compromisso, pode-se haver a dissolução da relação de companheirismo.
O dever de respeito recíproco, por ser de uma grandeza imensurável, é difícil de ser apreendido por meios jurídicos tradicionais, por isso é um pressuposto da própria afetividade, o que justifica a existência do próprio vínculo. O dever de assistência poderá ser concretizado não só de forma material, a exemplo do apoio alimentar, mas também de auxílio espiritual e moral. Por último, há o dever de guarda, educação, e sustento dos filhos, assim como acontece no casamento, o que é decorrência do próprio poder familiar, como bem observa Cahali (2018, p. 194):
In fine, tem-se o dever de guarda, sustento e educação dos filhos. Não nos parece, porém, cuidar essa hipótese de um efeito tipicamente matrimonial. Efetivamente, a guarda, sustento e educação da prole parece estar mais razoavelmente ligada aos deveres decorrentes da paternidade ou maternidade, que, por lógico, da existência ou não de um casamento.
Contudo, pode-se dizer que os efeitos na união estável incidem distintamente, se comparados ao casamento, pois no matrimônio se estabelecem relações pessoais e patrimoniais que acarretarão consequências de efeitos jurídicos. Assim, a relação de união estável pode ou não gerar efeitos jurídicos, pois uma vez reconhecida como entidade familiar social e juridicamente, terá a proteção do Estado.
Dessa forma preceitua Pereira (2016, p. 48) sobre a liberdade de rompimento:
Objetivamente, podemos apontar como principal consequência, ou efeito jurídico desse tipo de casamento, a liberdade de rompimento da relação. A união estável pode ser dissolvida livremente, sem qualquer justificação e independente de processo judicial. Se considerarmos meramente o aspecto jurídico, o rompimento de uma relação concubinária talvez seja mais fácil e, consequentemente menos traumático. Mas o que está no cerne dessa relação é a comunhão de afetos, e esta não se rompe sem dor, sem sofrimento. É assim nas relações com selo da oficialidade ou não. Ao contrário do que se apregoa, a separação de um casal que não tenha as regras escritas, ou preestabelecidas, é muito mais difícil de se fazer, uma vez que as relações afetivas acabem se misturando muito mais com os aspectos materiais, financeiros e patrimoniais do que aqueles que tem suas regras definidas através de um casamento civil.
Com base no Código Civil de 2002, conclui-se que, os deveres decorrentes da união estável, tal como matrimônio, não devem ser entendidos como uma previsão ligada especificamente à relação entre companheiros, mas sim como a simples reverberação de um importante dever de matriz muito mais genérica, advinda do próprio vínculo paterno ou materno-filial. Dessa forma, destaca-se outro efeito pessoal da união estável, que é a possibilidade dada à companheira para que utilize o sobrenome do convivente, prevista no artigo 57, § 2º, da Lei 6.015/73, que regulamenta sobre os Registros Públicos, qual seja:
Art. 57. § 2º. A mulher solteira, desquitada ou viúva, que viva com homem solteiro, desquitado ou viúvo, excepcionalmente e havendo motivo ponderável, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o patrocínio de seu companheiro, sem prejuízo dos apelidos próprios, de família, desde que haja impedimento legal para o casamento, decorrente do estado civil de qualquer das partes ou de ambos.
Assim sendo argumenta Czajkowski (2016, p. 205) sobre a existência de impedimentos legais para o casamento dos concubinos:
[...] As uniões livres subsistem e proliferam em nossa sociedade não porque as partes precisam, mas porque querem fazer assim; e a emancipação feminina, a igualdade jurídica da mulher e do homem, tornou ultrapassada a necessidade dela adotar o nome de família dele para fazer-se respeitada perante o meio social. [...] É cada vez mais difícil imaginar uma razão excepcional, um motivo ponderável para uma concepção desta ordem. Talvez uma carreira profissional associada ao nome do(a) companheiro(a), onde a aplicação do permissivo legal teria o condão de evitar prejuízos comerciais, ou de regularizar relações societárias. De qualquer forma, a evolução dos costumes e o advento do divórcio fizeram perder, em muito, o sentido e o alcance deste artigo.
Deste modo, diante de tantas mudanças relativas à união estável implantadas na Lei nº 9.278/96 e no Código Civil de 2002, automaticamente modificou-se o prazo de cinco anos obrigatórios de estabilidade. Consequentemente, por interpretação analógica à regra do artigo 57 da Lei nº 6.015/73, também se deve dar importância ao disposto no artigo 1.565, § 1º do Código Civil de 2002, que afirma que, qualquer dos cônjuges pode adotar o sobrenome do outro, e portanto, isso deve ser estendido aos companheiros.
No contrato de convivência tem-se a possibilidade de que os conviventes, a qualquer tempo, regulem da forma mais adequada possível às questões patrimoniais, e podem inclusive agregar efeito retroativo às deliberações. A lei proporciona liberdade, ao dar diversas possibilidades, para que os companheiros possam estipular o que quiserem, não só em se tratando de questões de ordem patrimonial, mas também de ordem pessoal, desde que, não contrariem a Constituição Federal.
Aproveitando o ensejo, é oportuno consignar o entendimento do julgado com grande relevância pelo Superior Tribunal de Justiça:
PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. CONTRATO DE CONVIVÊNCIA PARTICULAR. REGULAÇÃO DAS RELAÇÕES PATRIMONIAIS DE FORMA SIMILAR À COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. POSSIBILIDADE. 1. O texto de Lei que regula a possibilidade de contrato de convivência, quando aponta para ressalva de que contrato escrito pode ser entabulado entre os futuros conviventes para regular as relações patrimoniais, fixou uma dilatada liberdade às partes para disporem sobre seu patrimônio. 2. A liberdade outorgada aos conviventes deve se pautar, como outra qualquer, apenas nos requisitos de validade de um negócio jurídico, regulados pelo art. 104 do Código Civil. 3. Em que pese a válida preocupação de se acautelar, via escritura pública, tanto a própria manifestação de vontade dos conviventes quanto possíveis interesses de terceiros, é certo que o julgador não pode criar condições onde a lei estabeleceu o singelo rito do contrato escrito. 4. Assim, o pacto de convivência formulado em particular, pelo casal, na qual se opta pela adoção da regulação patrimonial da futura relação como símil ao regime de comunhão universal, é válido, desde que escrito. 5. Ainda que assim não fosse, vulnera o princípio da boa-fé (venire contra factum proprium), não sendo dado àquele que, sem amarras, pactuou a forma como se regularia as relações patrimoniais na união estável, posteriormente buscar enjeitar a própria manifestação de vontade, escudando-se em uma possível tecnicalidade não observada por ele mesmo. 5. Recurso provido. (BRASIL, 2016)
Como se pode verificar, a possibilidade de avença escrita denomina-se de contrato de convivência, instrumento pelo qual os conviventes de uma união estável regulamentam os reflexos da relação. O pacto informal pode constar de escrito particular, ou mesmo de escritura pública, e deve ser levado ou não a inscrição, registro ou averbação. Podem inclusive conter disposições ou estipulações diversas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em vários negócios jurídicos, desde que apresente a anuência dos conviventes.
O contrato de convivência não pressupõe a existência de uma união estável, pois sua constituição decorre da constatação positiva dos elementos legais, mas é um forte indício da sua existência. Tal contrato está sujeito a suspensão, pois sua eficácia depende da caracterização da união estável, e não pela vontade manifestada no contrato. Assim, mesmo firmando o contrato, é possível que a união seja questionada judicialmente.
A liberdade dos conviventes mediante um contrato de convivência é plena, salvo, em casos de doação de todo o patrimônio a um dos conviventes, sem que o mesmo nada tenha deixado para sua própria subsistência, permitindo, nessa situação, efeito retroativo. O contrato de convivência poderá ser modificado a qualquer tempo, e pode inclusive ser revogado no decorrer da união, desde que seja uma vontade expressa dos companheiros.
Nos contratos de convivência será considerada nula a convenção ou cláusula que contrarie a lei. No entanto, será validada a cláusula que determina o pagamento de indenização quando há dissolução da união, sendo que essa previsão poderá ter embasamento tanto em situações em que apenas um dos conviventes deseja a separação ou ainda em casos de culpa de um dos companheiros.
Não há uma imposição para que o contrato seja registrado no Cartório de Registro Civil ou averbado no Registro Imobiliário dos bens do casal, porquanto, poderá ser registrado no Cartório de Registro de Títulos e Documentos para conservar o documento, tornando-o público, e assim poderá resguardar direitos de terceiros, mas sem eficácia erga omnes.
Ainda, caberá a averbação para os contratos de convivência que tragam disposições sobre bens imóveis, para que produzam efeitos publicísticos, pois isso se trata de uma circunstância que terá influência no registro ou nas pessoas nele interessadas, preservando a fé pública que os registros imobiliários possuem, bem como a boa-fé dos terceiros que precisam saber da existência da união.
Segundo o autor, o contrato de convivência não é constitucional, mas nem por isso sofre restrições, salvo, se houver cláusulas que contrariem os direitos indisponíveis. Portanto, o seu objetivo é tratar especialmente alguns dos efeitos patrimoniais disponíveis da união estável. Entretanto, não será admitido que o contrato de convivência trate de direitos sucessórios ou questões da proteção dos filhos, pois diz respeito a um direito indisponível. Pode-se assim dizer que, a grande vantagem do contrato de convivência é a possibilidade dada aos casais de estabelecerem seus interesses patrimoniais de acordo com seus critérios.
3.3 DIREITOS SUCESSÓRIOS DOS COMPANHEIROS NA UNIÃO ESTÁVEL
Serão abordados a seguir as alterações relevantes do direito sucessório dos companheiros na união estável, e será dado ênfase em aspectos importantes, como a proteção do cônjuge e companheiros, à luz do Código Civil de 2002, visivelmente desigual e prejudicial na matéria de sucessão para o companheiro (a) sobrevivente, com fulcro no art. 1.790 do novel Estatuto.
A sucessão dos companheiros na união estável está regulamentada no art. 1.790 do Código Civil, que tem provocado inúmeras discussões e críticas pela doutrina e tribunais, por ser considerado, pela maioria, como inconstitucional, pois viola princípios constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, o princípio da isonomia e outros.
Vale ressaltar que segundo o art. 1790 do Código Civil, os companheiros não constam na ordem de vocação hereditária, e por isso passam a ser herdeiros especiais. Dessa forma, foi permitida a participação dos companheiros na sucessão, em relação aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união, e concorrem com os filhos comuns do casal, além dos descendentes do autor da herança e outros parentes sucessíveis.
Conforme observa Carlos Roberto Gonçalves:
[...] não se justifica, com efeito, esse tratamento discriminatório, em comparação com a posição reservada às famílias matrimonializadas, nas quais o cônjuge sobrevivente figura em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, afastando da sucessão os colaterais do de cujus, quando a própria Constituição Federal recomenda proteção jurídica à união estável como forma alternativa de entidade familiar, ao lado do casamento.
Dessa forma, analisa-se que o Código Civil de 2002, em comparação com a lei nº 8.971/94, traz no seu conteúdo um retrocesso, haja vista que a citada lei outorgava direito ao companheiro sobrevivente a totalidade da herança, na eventualidade de inexistência de descendentes e ascendentes do de cujus.
A união estável teve seu reconhecimento como entidade familiar por meio da promulgação da Carta Cidadã de 1988, em seu art. 226, § 3º, e até aquele momento, não havia dúvidas, pois o companheiro não era herdeiro, e apenas segundo jurisprudência lhe era concedido, no caso de ruptura, a divisão do patrimônio adquirido pelo esforço comum, por meio da aplicação da Súmula 380 do Supremo Tribunal Federal.
Segundo o artigo 1.790 do novel, o companheiro somente herdaria os bens adquiridos onerosamente na constância da união, assim como a posição do companheiro sobrevivente como sucessor único, tão somente na quarta classe de herdeiros, após os colaterais. Ademais, vale ressaltar que os bens que forem adquiridos de forma gratuita, como por exemplo no caso de doação, herança ou prêmios, os companheiros sobreviventes serão excluídos, e apenas os descendentes, ascendentes ou colaterais serão favorecidos.
No entanto, o artigo 1.844 do Código Civil possui uma divergência, que estabelece que os bens adquiridos de forma gratuita ou por herança somente poderão ser destinados ao Estado se o falecido não deixar cônjuge, companheiro ou outro herdeiro, então é notório que existe uma controvérsia entre os artigos.
É lamentável ver que, em caso de óbito, uma união de longa data, repleta de afetividade, respeito e luta pela conquista de patrimônio, tenha seu patrimônio distribuído a parentes colaterais, que por diversas vezes são considerados como estranhos por parte dos companheiros.
Como bem se posicionam Farias e Rosenvald (2015, p. 489):
[...] em verdade, a regra é tão grave que, admitindo a formação de uma entidade familiar estável por um homem (que já possua vasto patrimônio, mas que, após o início da convivência, não mais adquire qualquer bem), que veio a falecer após dez ou quinze anos de relacionamento, percebe-se que a companheira sobrevivente ficará rigorosamente sem qualquer direito, pois não fará jus à meação (uma vez que nada foi adquirido) e tampouco à herança (cujo direito depende da existência de bens adquiridos a título oneroso).
Embora a Constituição Federal consagre o princípio isonômico, o legislador da lei infraconstitucional não o contemplou, pois, verificando os direitos do cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão parcial de bens, ele concorrerá com os descendentes e ascendentes na totalidade dos bens, independentemente de serem particulares ou não. Se porventura, existem somente bens adquiridos durante o casamento, o viúvo não concorrerá, pois já se caracteriza como meeiro e herdeiro.
Segundo Gonçalves (2017, p. 830), o Código Civil de 2002,
[...] além de restringir o direito hereditário aos bens adquiridos onerosamente na constância da união estável, ainda impôs a concorrência do companheiro (a) sobrevivente com descendentes, ascendentes e até colaterais do falecido, retirando-lhe o direito real de habitação e o usufruto vidual, previstos nas leis que anteriormente regulavam a convivência extramatrimonial.
É importante salientar que as leis anteriores destacadas pelo autor são as leis nº 8.971/94 e nº 9.278/96, que regulamentaram as determinações do § 3º, do artigo 226 da Constituição Federal de 1988. Assim, o direito sucessório dos companheiros foi reconhecido somente em 1994, por intermédio da lei nº 8.971, em seus arts. 1º e 2º e incisos, e posteriormente com a edição da lei nº 9.278/96, que destinou, em seu art. 7º, parágrafo único, o direito real de habitação em condições semelhantes com a do cônjuge sobrevivente.
A lei nº 8.971/94 regulamentou as questões relacionadas aos companheiros em relação ao direito sucessório e aos alimentos. Com a regulamentação, a morte de um dos conviventes foi transferida para o âmbito do direito das sucessões, estabelecendo assim, o direito de participação aberta. No tocante à lei nº 9.278/96, fica estabelecida a igualdade de direitos e deveres dentre aqueles que são companheiros na união estável, e deliberando o direito da habitação ao companheiro sobrevivente, sobretudo em relação à residência da família.
Diante das várias conquistas e inovações da união estável desde a Constituição Federal de 1988, destaca-se a construção jurisprudencial, que ao longo da jornada vem buscando resolver situações complexas e conflituosas surgidas no decorrer dos avanços sociais e que foram declaradas inconstitucionais por meio do art. 1.790 do Código Civil de 2002, pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento de dois recursos extraordinários nº 646.721/RS e nº 878.694/MG, com repercussão geral sobre a tese de direito sucessório dos companheiros na união estável.
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 646.721/RS, foram analisados estritamente os casais homoafetivos, e estabelecido que
[...] possui repercussão geral a controvérsia acerca do alcance do artigo 226 da Constituição Federal, nas hipóteses de sucessão em união estável homoafetivas, ante a limitação contida no art. 1.790, do Código Civil. (BRASIL, 2011).
No julgamento do Recurso Extraordinário nº 878.694/MG, o Supremo Tribunal Federal estendeu a análise da matéria do direito sucessório, em decisão histórica:
Ementa: Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1790 do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002” (BRASIL, 2018).
Dessa forma, o plenário da Suprema Corte declarou, por maioria, a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil de 2002. Tendo sido aprovada a inconstitucionalidade na distinção de regimes sucessórios entre cônjuge e companheiros prevista no artigo citado, o regime do art. 1.829 do Código Civil deve ser aplicada tanto nas hipóteses de casamento como na união estável.
É notório perceber a inconstitucionalidade do artigo mencionado, pois ele excluiu os conviventes de uma união estável da ordem hereditária, bem como dos herdeiros necessários, o que fere dois princípios constitucionais: o da dignidade da pessoa humana e o princípio da isomeria, tendo em vista que o artigo 226, § 3° da Carta Magna assegura toda credibilidade e proteção jurídica a união estável, sendo dever do Estado proteger e não a restringir.
Portanto, conclui-se que em se tratando da tese de direito sucessório, nota-se a equiparação entre o cônjuge e o companheiro sobrevivente, o que se constitui como uma inovação de grande relevância para o século XXI em se tratando do reconhecimento da união estável.
4 CONCLUSÃO
A temática escolhida para presente estudo aborda as consequências do reconhecimento jurídico da união estável e suas inovações constitucionais diante do século XXI, haja vista a grande contemplação da Constituição Federal de 1988, que tornou a união estável uma nova entidade familiar.
Diante do novo status de entidade familiar, ocorreram efeitos jurídicos, e as consequências que versam sobre o novo conceito de família são de enorme relevância para o ordenamento jurídico, para assim haja eficácia na construção do direito e na prestação jurisdicional, sobretudo pelos operadores do direito, diante das transformações sociais e jurídicas.
O estudo se iniciou com a evolução histórica da união estável e seu reconhecimento, que embora seja uma instituição antiga, não era bem-vista, nem pela sociedade brasileira. A lei, por sua vez, sempre excluiu e marginalizou esse tipo de união, visto que não era concebida pelos laços solenes do matrimônio. Desta forma, apresentou-se a construção da nova entidade familiar no ordenamento jurídico e jurisprudencial.
Se faz importante ressaltar que a conquista para o reconhecimento da união estável como entidade familiar somente tornou-se possível por conta da promulgação da Constituição Federal de 1988, que tutelou com especial proteção sobre o instituto, visando os princípios da dignidade da pessoa humana e afetividade, solidificando as bases das famílias brasileiras, que há muito tempo almejavam sair das sombras.
No esboço do estudo foi trazida a conceituação de união estável segundo o Código Civil/2002, sob o pálio do art. 1.723, caput do Diploma legal, que apresenta como requisitos essenciais e cumulativos para constituição da união estável, a configuração da convivência pública, contínua e duradoura do casal, estabelecida com o objetivo de constituição de família.
Além dos fatores essenciais e cumulativos para constituição da união estável, também destacou-se que assim como a lei civil estabelece para o matrimônio o § 1º do art. 1.723 do CC, há disciplina para existência da união estável, e que quando há existência de impedimentos matrimoniais, previstos no art. 1.521, por equiparação terão efeitos na constituição da união estável, Porém, não se aplica a incidência do inciso VI, se porventura um dos companheiros estiver separado de fato ou judicialmente.
Destacou-se ainda que, com a vigência do Código Civil de 2002, os efeitos patrimoniais da união estável passaram a adotar o regime da comunhão parcial de bens, ressalvada a hipótese de as partes haverem firmado um contrato de convivência em sentido contrário.
No capítulo dos pressupostos de configuração da união estável e suas inovações, pontuou-se a respeito de duas inovações jurisprudenciais de magnitude, como quando o Supremo Tribunal Federal, em 2011 no julgamento histórico e com unanimidade da ADPF nº 132/RJ e da ADI nº 4.277/DF, decidiu a equiparação da união homoafetiva a união estável. Mostrou-se ainda quando no ano de 2017 a Suprema Corte declarou a inconstitucionalidade do art. 1.790 do Código Civil, por considerá-lo uma violação aos princípios da igualdade, dignidade da pessoa humana, proporcionalidade e a vedação ao retrocesso. Assim, pode-se equiparar os regimes jurídicos sucessórios do casamento e da união estável.
Os direitos e deveres dos companheiros foram tratados, conforme preceitua o art. 1.724 do Código Civil, que diz que os conviventes têm como direitos e deveres, a lealdade, respeito, assistência, o dever de guarda, educação dos filhos e sustento. Portanto, observa-se que embora o casamento e união estável sejam semelhantes, existem alguns aspectos que distinguem suas peculiaridades.
Como se pode verificar, a proteção jurídica à entidade familiar constituída pela união estável abrange tanto o complexo de direitos de cunho pessoal como os de natureza patrimonial, e dessa forma, os companheiros terão seus direitos e deveres regidos legalmente, principalmente na ocorrência de uma possível ruptura ou por situação de morte.
Diante de todo exposto, buscou-se analisar as medidas que são favoráveis para haja reconhecimento da união estável, juntamente com as suas inovações surgindo no século XXI. Porquanto o marco constitucional de 1988 representou um grande avanço na tutela de proteção especial da nova entidade familiar, relacionou-se o reconhecimento jurídico da união estável e suas inovações, com respaldo constitucional. Viu-se as jurisprudências corrigindo alguns equívocos legislativos, tais como o art. 1.790 do Código Civil. E por fim, identificou-se as propostas estabelecidas segundo o Código Civil a partir do art. 1.723 a 1.727 para o reconhecimento da constituição da união estável.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional brasileiro e a efetividade e suas normas: limites e possibilidades da Constituição brasileira. 6. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2015.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 2016. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso: 12 out. 2020.
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[1]Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA. E-mail: ana. lira1108@gmail.
[2]Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA, Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected].
Bacharelanda do Curso de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAIS, Fabiana da Silva. As consequências do reconhecimento jurídico da união estável e suas inovações constitucionais diante do século XXI Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 jun 2021, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56751/as-consequncias-do-reconhecimento-jurdico-da-unio-estvel-e-suas-inovaes-constitucionais-diante-do-sculo-xxi. Acesso em: 23 dez 2024.
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