Resumo: Trata-se da análise do artigo 28, da referida lei, em sua totalidade, visto como inconstitucional através de olhos garantidores aos princípios expressos na Constituição Brasileira. Será feito um esclarecimento a respeito dos princípios constitucionais, em tese, violados pela política sancionatória aplicada, assim como, será buscado um aprofundamento em relação ao delito de posse de drogas, quando destinada para consumo pessoal, disposto na lei vigente. O objetivo do presente estudo está elencado na discussão a respeito da (in) constitucionalidade do artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006. Metodologicamente, será realizada uma pesquisa bibliográfica, de cunho qualitativo. A pesquisa bibliográfica busca explicar e discutir o tema com base em referências teóricas publicadas em livros, revistas, periódicos e outros, além de analisar conteúdos de cunho científico, sobre a matéria estudada.
Palavras-chave: Drogas; Inconstitucionalidade; Constituição.
Abstract: This is an analysis of Article 28 of the law in its entirety, seen as unconstitutional through the eyes of the guarantors of the principles expressed in the Brazilian Constitution. A clarification will be made about the constitutional principles, in thesis, violated by the sanctioning policy applied, as well as a deepening in relation to the crime of possession of drugs, when destined for personal consumption, as set forth in the current law. The objective of the present study is to discuss the (in)constitutionality of article 28 of Law 11.343/2006. Methodologically, a bibliographical and qualitative research will be carried out. The bibliographical research seeks to explain and discuss the theme based on theoretical references published in books, journals, periodicals and others, in addition to analyzing scientific content on the subject under study.
Key-words: Drugs; Unconstitutionality; Constitution.
Sumário: Introdução. 1. Breve Histórico da Legislação Antidrogas Brasileira. 2. A Lei N. 11.343/2006. 3. Princípios Constitucionais e a Violação pela Política Sancionatória. 4. Delito de Posse de Drogas nos casos de Uso Pessoal. 5. A inconstitucionalidade do Art. 28 da Lei N. 11.343/200 e sua Descriminalização. 6. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
Não obstante verifica-se que na sociedade de maneira específica no Brasil, os vícios nas drogas levam a perda da vida de muitas pessoas.
Uma vez percebido tal mal que a mesma vinha causando na sociedade criou-se no Brasil uma política de combate às drogas, nesse sentido fora criado a Lei Antidrogas N. 11.343/2006, cujo objetivo é evitar a propagação, punição e ressocialização de pessoas.
Será abordado de maneira específica o artigo 28 da lei de drogas e sua confrontação com a Carta Magna de 1988, bem como, a proteção aos direitos fundamentais previstos no artigo 5º, inciso X, além do direito da personalidade que diz respeito às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa.
Tendo por objetivo equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade ao Estado foi imposto limites para que não lese ou invada e esfera privada, todavia, com intuito de igualar esses direitos, e por último, o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto à descriminação de droga para uso pessoal.
1 BREVE HISTÓRICO DA LEGISLAÇÃO ANTIDROGAS BRASILEIRA
No Brasil, a criminalização das condutas referentes as drogas tornadas ilícitas, iniciou-se com a Consolidação das Leis Penais de 1932, com a alteração do art. 159 do Código Penal de 1890, onde fora substituída as palavras “substâncias venenosas” para “substâncias entorpecentes” e também com a amplificação da quantidade de condutas proibidas, bem como, introdução da cominação de pena privativa de liberdade, cravada a quem fornecesse tais substâncias em 1 a 5 anos.
No entanto, é o Decreto-lei 891/38, que fora promulgado na ditadura do Estado novo, que marca a maior sistematização e alcance da proibição. Neste momento, estabelece-se a internação obrigatória de “toxicômanos” e sugere, como circunstância agravante da pena imponível a produtores, comerciantes e consumidores o fato do agente, com a conduta relacionada às drogas verificadas ilícitas, “sugerir ou procurar satisfação de prazeres sexuais”.
Em 1940, com o novo Código Penal, os dispositivos criminalizados se incorporam, no art. 281. Passado algum tempo, a partir da ditadura militar, em 1964 a legislação segue sendo modificada, da seguinte forma:
· A Lei 4.451/64, introduz a tipificação da ação de plantar as matérias primas das substâncias proibidas, ainda mantidas as penas de 1 a 5 anos de reclusão;
· O Decreto-lei 385/68, explicita a criminalização da posse para uso pessoal, impondo-lhe as mesmas penas de 1 a 5 anos de reclusão previstas para o dito “tráfico”;
· Nasce lei específica sobre a temática – a Lei 5.726/71 – que, manteve as tipificações das condutas previstas nas regras do artigo 281 do Código Penal; eleva a pena máxima de 5 para 6 anos; instaura a quadrilha específica para o dito “tráfico”, prevendo a possibilidade de sua formação com apenas duas pessoas tendo penas de 2 a 6 anos de reclusão, e ordena o trancamento da matrícula do estudante encontrado com as substâncias proibidas, igualmente a perda do cargo de diretores de estabelecimentos de ensino que deixassem de comunicar às autoridades sanitárias os casos de uso e “tráfico” dessas substâncias no âmbito escolar.
Após cinco anos, surge nova lei especial – a mais conhecida Lei 6.368/76 –que, distinguiu as penas previstas para a posse para uso pessoal, decretou em 6 meses a 2 anos de detenção, triplicando, contudo, as penas para as condutas verificadas como “tráfico”, que passaram a ser de 3 a 15 anos de reclusão.
Desde sua vigência, muitos projetos surgiram e foram apresentados para modificação, até que, dentre diversos projetos, um concebeu à Lei 10.409/2002. A lei trouxe muita impropriedade, assim, diante dos inúmeros vetos apostos pelo Presidente da República, a pretendida substituição da Lei 6.368/76 não se viabilizou. A Lei 6.368/76 conservou-se orientado as definições de crimes e de penas e a lei 10.409/2002 uniu-se a referida, instruindo outros aspectos acerca do tema drogas.
A intenção de substituir a Lei 6.368/76 criou quase que instantânea apresentação de novo projeto, que, em agosto de 2006 foi aprovado pelo Congresso Nacional e sancionado pelo Presidente da República, resultando na nova Lei 11.343/2006. Entrou em vigor em outubro de 2006, revogou as leis 6.368/76 e 10.409/2002, passando a ser a lei brasileira vigente em matéria de drogas, e que será analisada mais adiante.
2 A LEI 11.343/2006
Art. 1º Esta Lei institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas - Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e define crimes.
Parágrafo único. Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. (Art. 1º da Lei Antidrogas - Lei 11.343/06).
A Lei 11.343/06, conhecida também como Lei Antidrogas, pode ser dividida em quatro partes.
Podemos considerar a primeira parte sendo a introdução, acompanhada pela segunda parte, que elucida a evolução da legislação brasileira, focando nas Ordenações Filipinas, o Código Criminal do Império, contínuo pelo Código Penal de 1890. E ainda, aduz o que representam as drogas do ponto de vista médico e jurídico.
Na terceira parte introduz a Nova Lei de Drogas, especificamente o artigo 28. Elucida também o conceito de narcotráfico, que refletirá na identificação da quantidade “ideal” aceita para o julgamento de um usuário de drogas. Evidencia os tipos penais objetivos e subjetivos, bem como os sujeitos. Ademais, traz à tona grande questão a respeito da descriminalização. Na quarta parte, temos os objetivos específicos, que tem enfoque ao tratamento do ao usuário diante nova legislação.
A lei de drogas vigente no passado não apresentava eficácia. Atestado que a lei não apresentava resultados bons na luta contra as drogas, a justiça optou por mudar o texto da Lei de Drogas, tendo como objetivo assegurar o direito individual de alguém manter a sua dignidade. Reconhecer a necessidade fez a perspectiva de analisar os problemas provenientes das drogas ser alterado. Dessa forma, buscaram-se formas variadas através da Justiça Restaurativa, visando livrar o usuário do vício e permitindo que ele exerça sua autodeterminação, evidenciando seu direito à sua dignidade, conforme estabelece a Constituição Federal.
3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E A VIOLAÇÃO PELA POLÍTICA SANCIONATÓRIA
Nesta seção, o objeto de estudo, será atribuído às previsões constitucionais, elencadas pela Constituição de 1988, a respeito dos direitos e garantias individuais, e o conflito criado pelo caráter criminoso e sancionatório inserido pela previsão legal que pune o usuário pela posse de droga, destinada ao uso pessoal.
A respeito da Constituição Federal, Nervo (2005, p.174) explica:
A Constituição Federal, de 1988, é considerada o grande marco histórico nacional, na conquista de direitos e garantias individuais tidas como fundamentais na busca pela redemocratização político e social pátria, principalmente, em razão de que, na ocasião de sua promulgação, o Brasil findava um triste período de sua história, em que fora governado por uma ditadura, a qual perdurou nos anos de 1964 a 1985. Na época, o país se encontrava em um novo processo de redemocratização, em que havia a necessidade de devolver ao povo todos os direitos que lhes haviam sido suprimidos durante o processo ditatorial.
A Carta Magna, de 1988, exibiu-se ao território nacional, buscando uma forma de restaurar o que fora abolido de seus habitantes durante o regime da ditadura, ao deliberar no texto constitucional garantias e direitos individuais, que devolviam a segurança de um país chefiado pela cidadania e democracia. Expressos no título II da Constituição, os direitos fundamentais, podem, conforme explica Masson (2012, p. 191), ser definidos, da seguinte forma:
Em suma, os direitos fundamentais cumprem na nossa atual Constituição a função de direitos dos cidadãos, não só porque constituem – em um primeiro plano, denominado jurídico objetivo – normas de competência negativa para os poderes públicos, impedindo essencialmente as ingerências destes na esfera jurídico individual, mas também porque – num segundo momento, em um plano jurídico subjetivo – implicam o poder de exercitar positivamente certos direitos (liberdade positiva), bem como o de exigir omissões dos poderes públicos, evitando lesões agressivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Nessa mesma premissa, assim entende Carvalho (2014, p. 374):
O Direito Penal não tem legitimidade de intervir nas opções pessoais, bem como não pode impor padrões de comportamentos morais que intensificam o desrespeito à diversidade e ao pluralismo. É indiscutível que a criminalização da posse de drogas para consumo próprio demonstra uma tendência moralizadora/padronizadora das vias penais que não se coaduna com os direitos e garantias individuais. Em razão destas garantias constitucionais do direito à intimidade e à vida privada os indivíduos possuem plena liberdade sobre seus atos e escolhas pessoais, desde que não invadam ou prejudiquem bens jurídicos alheios.
Dessa forma, verifica-se que tais direitos perfazem, fundamentalmente, o encargo de limitar a intervenção do poder do Estado na esfera da vida privada do indivíduo. Sendo então, proporcionando a ele, as decisões e iniciativas particulares que venham, tão somente, atingi-los de forma positiva ou negativa, desde que tais ações não reflitam em terceiros.
No que tange à ação punitiva do Estado, diante a posse de drogas para uso pessoal, a atitude de punir, fere alguns princípios fundamentais concebidos na Constituição Federal de 1988, sendo eles: o princípio da intervenção mínima; princípio da humanidade ou dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, CF); princípio da lesividade ou da ofensividade e o princípio da alteridade (BRASIL, 1988, [s.p.]).
Inicialmente, é necessário definir o significado de um princípio constitucional e sua valoração referente a sua relevância e aplicabilidade, perante o caso concreto. Segundo explica Novelino (2009, p. 132) “[...] um princípio faz parte de um ordenamento jurídico, o que se quer dizer é que os aplicadores do direito devem leva-lo em consideração, se for o caso, como critério determinante na escolha de um ou outro sentido”.
Além disso, segundo o entendimento doutrinário de Novelino (2009, p. 136), de forma hipotética, num conflito entre norma e princípio, via de regra “[...] não há qualquer tipo de hierarquia normativa entre princípios e regras, sendo que qualquer umas das espécies poderão prevalecer sobre a outra caso estejam contidas em um estatuto de mesmo grau hierárquico”.
Diante disso, é evidente a necessidade e pertinência de um aprofundamento, tanto na compreensão quanto no domínio de cada um desses princípios constitucionais, a fim de evidenciar como estes princípios são dispensados na ação do Estado, ao punir o usuário de drogas.
O princípio da dignidade da pessoa humana, é previsto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, e busca garantir a liberdade dos indivíduos limitando o poder do próprio Estado. Dignidade, segundo Agostini (2009, [s.p.]) baseado no entendimento de Kant, pode ser compreendida, como:
[...] o sentimento de respeito: um sentimento a priori, destinado apenas à pessoas; um sentimento que impede que os seres humanos sejam tratados simplesmente como um meio, isto é, que sejam manipulados, instrumentalizados; e que, fundado na reciprocidade entre os seres humanos requer desses, que podem exercer sua capacidade de moralidade, não tratar como meros meios aqueles que não podem, mas considerá-los como fins em si mesmos, isto é, como se estivessem em condições para tal [...].
Lima (2012, p.33) compreende que “[...] o preceito do artigo 28 agride o princípio da dignidade humana, o qual possui posição privilegiada na Carta Magna por ser considerado basilar e norteador de toda e qualquer interpretação da ordem jurídica”.
Para Moares (2000, p. 60):
A dignidade da pessoa humana se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.
Percebe-se que este é um dos princípios essenciais na construção de uma sociedade, que almeja um Estado ideal, em harmonia, onde o cidadão é livre para agir, conforme seu arbítrio e sua íntima moralidade, livre das imposições dos poderes estatais. A respeito da expressa previsão constitucional deste princípio e sua aplicação no ordenamento jurídico pátrio, Rocha (1999, p. 23) esclarece:
[...] é relevante ressaltar o fato de que os ordenamentos normativos, obviamente, não concedem dignidade. O que eles fazem é apenas o reconhecimento da dignidade como dado essencial da construção do universo jurídico. Enquanto princípio constitucional, a dignidade permeia e orienta o ordenamento que a concebe como fundamento, porém seu significado é muito mais amplo que a conceituação jurídica que venha a ser adotada. A dignidade prevalece como condição da essência humana, ainda que um dado sistema jurídico não a conceba.
Em outras palavras, significa dizer que a dignidade inerente da pessoa humana supera a relevância da previsão expressa constitucionalmente visto ser essencial para a obtenção de uma sociedade livre e igualitária, em que o Estado apenas cumpre as funções que são instituídas, sem violar a vida privada do cidadão, gerando assim autonomia e dignidade.
Na mesma vertente buscada pelo princípio da dignidade, destaca-se o princípio da intervenção mínima, ou “ultima ratio” como também é conhecido. Este tem como função orientar e limitar o poder incriminador do Estado e só é utilizado se comprovado meio necessário para prevenção de ataques contra bens jurídicos relevantes, serve como fundamentador em casos extremos (BITENCOURT, 2017, p.60).
Greco (2009, p. 79) explica:
O referido princípio, conforme pode ser observado, busca limitar o intervencionismo do Estado, ao restringir sua atuação aos casos em que houver real necessidade, quando o objeto da intervenção seja a sociedade em toda a sua abrangência, para fins de resguardar o bem maior, sem, contudo, invadir a vida privada do indivíduo, permitindo-se somente em casos excepcionais. Ou seja, não pode o Direito Penal servir de instrumento único de controle social, dessa forma, estaria banalizando a sua atuação, a qual deve ser subsidiária, isto é, a última alternativa.
Já o princípio da lesividade ou da ofensividade não tem previsão expressa na Constituição, mas possui base constitucional, de forma implícita.
O artigo 13 do Código Penal Brasileiro determina que “o resultado de que depende a existência de um crime somente é imputável a quem lhe deu causa”. (BRASIL, 1940, [s.p.]).
Para que ocorra o desvalor da conduta, é necessário, por força legal, que haja o desvalor do resultado, ou seja, sem resultado, não há ofensa, nem prejuízo a bens jurídicos. O princípio da lesividade funda-se nos três elementos constitutivos do crime, sendo estes a natureza do resultado e os efeitos que produz. Assim, a absoluta necessidade das leis penais fica condicionada pela lesividade a terceiros dos fatos dispostos como proibidos. Segundo Ferrajoli (2006, p. 427-429):
Somente as proibições, da mesma forma que se dá em relação às penas, podem ser configuradas como instrumentos de minimização da violência e de tutela dos mais fracos contra os ataques arbitrários dos mais fortes, no marco de uma concepção mais geral do direito penal como instrumento de proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. O princípio da lesividade tem tido um papel essencial na definição do moderno Estado de direito e na elaboração de um direito penal mínimo, facilitando uma fundamentação não teleológica nem ética, senão laica e jurídica, orientando-o para a função de defesa dos sujeitos mais frágeis por meio da tutela de direitos e interesses considerados necessários ou fundamentais.
O Direito Penal precisa limitar sua atuação a necessidade real, isso não significa dizer que deve se abster de seu papel sancionatório, sendo responsável por gerar segurança à sociedade, porém, deve ser dispensado aos casos em que não houver qualquer espécie de detrimento que vitime a população.
O princípio em questão, segundo explica Araújo (2012, p.11), possui quatro funções, sendo elas: “A) impede a incriminação de condutas internas; b) impede a incriminação da autolesão; c) impede a incriminação de meros estados existenciais; d) impede a incriminação de condutas que não afetem qualquer bem jurídico”.
A respeito do princípio da alteridade, Lima (2012, p.10) afirma que, este, foi desenvolvido pelo penalista alemão Claus Roxin, e tem como acepção a proibição de que sejam incriminadas as condutas que dizem respeito a atitudes, meramente, individuais, ou seja, aquelas que não ofendem a nenhum bem jurídico ou direito e interesse de terceiros. Isto é, ações consideradas imorais, inapropriadas, mas que são puramente internas e particulares, não podem ser penalizadas, ante a ausência do elemento da lesividade, o qual é o que traz legitimidade a intervenção penal. Em face desse princípio não se punem, as chamadas autolesões, salvo no caso em que a ação gere prejuízos a terceiros.
Dessa forma, compreende-se, que a criminalização da posse de drogas para uso pessoal configura afronta ao princípio da alteridade, pois a conduta não transcende a esfera individual, por conseguinte, o Estado retira do indivíduo a prerrogativa de gerir sua vida da maneira que julgar adequada, ocasionando violações ao direito à liberdade, à intimidade e à inviolabilidade da vida privada.
Segundo Karam (2013, p. 25):
A simples posse para uso pessoal das drogas tornadas ilícitas, ou seu consumo em circunstâncias que não envolvam um perigo concreto, direto e imediato para terceiros, são condutas que não afetam nenhum bem jurídico alheio, dizendo respeito unicamente ao indivíduo, à sua intimidade e às suas opções pessoais.
Diante o que dispõem cada um dos referidos princípios constitucionais, evidencia-se, razoável, a compreensão de que a ação punitiva do Estado em face do usuário de drogas, incide de forma violadora no ordenamento jurídico nacional, o que pode gerar crítica infringência ao texto constitucional.
4 DELITO DE POSSE DE DROGAS NOS CASOS DE USO PESSOAL
A lei 11.343/06 institui fatos típicos e determina suas respectivas penas no capítulo III - “Dos crimes e das penas”. Nele, está inserido o artigo 28, que alude sobre a posse de drogas para uso pessoal nos seguintes termos:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas:
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
É notório que os legisladores buscaram diferenciar, precisamente, na tipificação, mas especialmente, nas penas, o usuário do traficante. Todavia, isso não significa a descriminalização da posse.
O artigo 28 da lei 11.343/06 foi despenalizado, tão somente, acerca da pena prevista no artigo 16 da lei 6.368/76.
A despenalização abrange a alteração de conduta já tipificada como crime através de uma nova lei que retire a possibilidade de prisão da reprimenda, sem rejeição do caráter criminoso da conduta, que será punido de forma mais branda, claramente o que ficou demonstrando pelas leis 6.368/76 e 11.343/06.
A descriminalização seria quando uma lei nova retira o caráter criminoso da conduta, não podendo ser considerado mais como crime. Deveras, é o que pretendiam fazer alguns juristas com o artigo 28 da Lei 11.343/06.
No Recurso Extraordinário 635.659, proposto pelo defensor público-geral de São Paulo, é questionada a constitucionalidade do art. 28 da Lei de Drogas. O relator, ministro Gilmar Mendes, votou pelo provimento do RE no sentido de declarar a inconstitucionalidade do art. 28 sem redução de texto, sob os seguintes argumentos, em suma:
1) o uso de drogas geraria um dano privado, sendo, portanto, desproporcional tratá-lo como crime;
2) tendo em vista que o uso se configura numa autolesão, o tratamento penal estaria também ferindo o direito ao livre desenvolvimento da personalidade e autodeterminação.
A punição pelo crime (com ou sem pena) de portar drogas para uso pessoal, é tarefa que cabe ao legislador. Ou seja, se não há previsão constitucional expressa vedando a possibilidade de criminalizar determinadas condutas, não compete ao Judiciário, pois este é um espaço de conformação democraticamente estabelecido ao Congresso Nacional.
5 A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 28 DA LEI N. 11.343/2006 E SUA DESCRIMINALIZAÇÃO
Ao falar de drogas, é inevitável não relacionar o tema ao usuário e seu consumo pessoal. Essa divergência relativa à conduta do uso, efetiva o nascimento de duas vertentes, sendo que uma favorável à descriminalização do uso de drogas e outra contraria, devendo, portanto, permanecer criminalizado.
A lei 11.343/06 entrou em vigor com a expectação de proporcionar um trato diferençado ao usuário e dependente de drogas. Dessa forma, essa expectação convocou a descriminalização das drogas pela legislação brasileira. Porém, embora a disposição do artigo 28 da referida lei tenha instituído penas mais brandas, não aconteceu a descriminalização para o uso pessoal.
Na vertente descriminalizadora, a alegação que os defensores trazem tem como pilar a divergência da nova lei com o art. 5º, X, da CR/88. Uma vez que tratando-se de usuários, há de ser falar em dependência química, que é questão de saúde pública e não de penalização, assim como, ser a criminalização aspecto de marginalização e estigmatização do dependente.
As condutas elencadas no caput do art. 28 supracitado, careceriam ser tipificadas enquanto crime, de acordo com o objetivo do indivíduo em adquirir, transportar, guardar, dentre os outros. Ora, se fosse para terceiro, mas não, é para uso próprio, o foco da questão, então, remete-se à criminalização de uma conduta que entrava somente o usuário e não a terceiro.
Neste sentido, aduz BARROS (2019, s.p.) que:
O bem jurídico tutelado pelo art. 28 da Lei de Drogas é a saúde pública, o mesmo que se pretende proteger com o delito do art. 33, estar-se-ia incorrendo em inconstitucionalidade por ofensa ao postulado da proporcionalidade, sob o aspecto da proteção deficiente (controle de evidência), já que a Constituição traz no art. 5º, inciso XLIII, mandado de criminalização expresso para o tráfico de drogas – equiparado a crime hediondo e que atenta inequivocamente contra a saúde pública, repise-se -, de maneira que não faria sentido apenar com uma advertência uma conduta que também põe em risco o mesmo bem jurídico.
Ao definir esse crime considerado de perigo abstrato, o legislador calculou o uso da droga em quaisquer das situações previstas e ainda, para uso próprio, poderia causar danos à saúde de outrem.
Esclarece BARROS que:
“Desenvolvendo o argumento de que “o porte de drogas para uso pessoal não afeta a saúde pública, bem jurídico protegido pelo Direito Penal e que justificaria a punição do tráfico de drogas, mas apenas, e quando muito, a saúde individual do usuário, não preenchendo um requisito básico para a incriminação de condutas (princípio da lesividade).”
Logo, torna-se desnecessária a intervenção do Estado, através do direito penal em condutas individuais com capacidade danosa, tendo em vista, que o foco deve ser o fato de tratar-se de escolha individual, de uma pessoa racional e capaz, onde o dano refletirá a si próprio e não a terceiros, insinuando supostamente uma violação constitucional. Portanto, de acordo com o princípio da ofensividade, não há crime sem danos ou perigo tangível de lesão ao bem jurídico. Assim, não haverá crime se a conduta violar apenas bens jurídicos pessoais, dada a ausência de transcendentalidade da ofensa. Pode-se concluir então, que o porte de drogas para uso pessoal não supera a esfera privada do agente, não podendo então, admitir a incriminação penal de tal conduta.
Contudo, tal entendimento não prevalece. A defesa da descriminalização tem alegações fortes e razoáveis, porém, existe uma segunda vertente que não partilha desse entendimento. Para essa vertente, os Estados tem capacidade de verificar o efeito da criminalização, ao contrário dos efeitos da descriminalização, que não se podem precisar quais seriam. Essa ausência de mensuração seja sobre o usuário, seja sobre a sociedade, guia a premência de examinar o tema com ponderação.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A lei n. 11.343/2006, trouxe novidades acerca da aplicação das penalidades, forçando a alteração de hábitos jurídicos. O grande marco da nova lei se deu com a despenalização para o uso pessoal da droga, contudo, consoante exaustivamente indicado ao logo estudo, não houve a legalização das drogas pela legislação brasileira.
Averígua-se, deste modo, que o artigo 28 da Lei n. 11.343/2006, permanece sendo um ilícito penal, semelhante às Contravenções Penais, restando ao agente às sanções previstas na lei.
Encarcerar o usuário era um agravante problema. A lei 11.343/06 veio a adequar uma nova realidade social. Inovando com a despersonalização, extinção pena privativa de liberdade, sujeitando o agente apenas às penas restritivas de direito.
Inclusive a esse respeito, o não cumprimento das penas restritivas de direito, ocasionam ao agente o pagamento de multas, que conseguem abranger o valor máximo apreciado em R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), traduzindo-se para uma penalidade coercitiva maior que as instituídas aos crimes comuns sujeitos a pena de reclusão e detenção e/ou multa.
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________. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 05 mar 2021.
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________. Lei nº 6.368, de 21 de outubro de 1976. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6368.htm>. Acesso em 01 mar 2021.
Universitária do Curso de Bacharelado em Direito na Universidade Luterana do Brasil – ULBRA e estágiária jurídica.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Thayná Eugênia Oliveira. O uso pessoal de drogas na Lei n.11.343/06: sua afronta a Constituição Federal e sua descriminalização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56775/o-uso-pessoal-de-drogas-na-lei-n-11-343-06-sua-afronta-a-constituio-federal-e-sua-descriminalizao. Acesso em: 23 dez 2024.
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