ANA CARLA PINHEIRO FREITAS
(Orientadora)
RESUMO: Trata-se de pesquisa sobre a admissibilidade do dano moral ambiental, principalmente em seu caráter coletivo. Como ponto de partida, faz-se a análise da responsabilidade civil por danos ecológicos. Em atenção ao princípio ambiental do poluidor-pagador, impera, em nosso sistema jurídico, a responsabilidade objetiva em casos de danos ao meio ambiente. E mais, não bastasse a objetivação da responsabilidade, adota-se a teoria do risco integral, que não admite excludentes. Quanto ao dano moral ambiental coletivo, o mesmo é regulado na Lei de Ação Civil Pública. Não se deve comparar o dano moral individual com o dano moral coletivo. Este último prescinde dos sentimentos de dor, sofrimento e angústia. Há certa resistência por parte dos operadores do direito no reconhecimento do dano moral ambiental coletivo em casos concretos, em razão da novidade da tutela coletiva e da abstração dos direitos difusos. Necessidade de mudança de mentalidade em razão das transformações e complexidades enfrentadas pela sociedade.
Palavras-chave: Danos ecológicos. Responsabilidade objetiva. Teoria do risco integral. Dano moral ambiental coletivo. Lei de Ação Civil Pública. Direitos difusos.
O presente trabalho objetiva discorrer sobre a possibilidade de indenização por dano moral ao meio ambiente, principalmente dano moral coletivo.
A primeira vista, é impossível imaginar que o bem ambiental possa sofrer dano moral, uma vez que as características e os pressupostos do dano moral individual são incompatíveis com as noções de direitos difusos, dos quais é exemplo o meio ambiente.
Inicialmente, cumpre afirmar que a destruição e a degradação enfrentada pelo meio ambiente não é um fato novo, pois já vem ocorrendo há um longo tempo, e mais intensamente após a Revolução Industrial, no século XVIII.
Entretanto, as consequências geradas com a exploração desmedida do meio ambiente, preocupada apenas com o auferimento de lucros, movimentaram vários setores da sociedade global, entre os quais os operadores do direito, para a necessidade de proteção do bem ambiental.
No Brasil, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto nos arts. 129, III, e 225, caput, da Constituição Federal, passou a ser regulamentado pela Lei nº 7.347/1985 – Lei de Ação Civil Pública, posteriormente aperfeiçoada com a Lei nº 8.884/1994.
Aquela lei, em seu art. 1º, inciso I, passou a admitir expressamente a responsabilidade por danos morais praticados contra o meio ambiente. Em que pese a previsão legislativa, a verdade é que a mesma tem se mostrado insuficiente para a aplicação da reparação por dano moral ambiental coletivo em casos concretos, enquanto a jurisprudência tem variado bastante seu posicionamento.
A doutrina, por sua vez, também tem negado a possibilidade de ressarcimento do dano extrapatrimonial ambiental difuso, com exceção de alguns doutrinadores vanguardistas, tais como José Rubens Morato Leite e Carlos Alberto Bittar Filho, entre outros.
O fato é que a aceitabilidade do dano moral ambiental coletivo enfrenta grandes dificuldades, tal como ocorreu para o reconhecimento do dano moral individual na esfera privada há tempos atrás.
Em verdade, a mentalidade da sociedade e dos operadores do direito ainda permanece tão restrita aos valores individuais, que, muitas vezes, torna-se incompreensível a ideia de conflitos transindividuais, como aqueles tratados no Direito Ambiental.
O dano extrapatrimonial ambiental coletivo, portanto, deve ser desvinculado das noções de direito moral individual, sob pena de não ser possível reconhecer que, da mesma forma que o indivíduo isoladamente considerado, a coletividade também tem valores morais merecedores de reparação.
Ora, como já se pronunciou Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, “Se o dano individual ocupou tanto e tão profundamente o Direito, o que dizer do dano que atinge um número considerável de pessoas?”. Em outras palavras, o autor defende a necessidade de se tutelar também os direitos pertencentes à coletividade, a fim de que se possa garantir a ampla proteção do ser humano.
Ao longo deste trabalho será demonstrado que o meio ambiente sadio é um direito materialmente fundamental, porquanto imprescindível para o desenvolvimento da pessoa humana, e, desta forma, a lesão provocada contra o bem ambiental acarreta a diminuição da qualidade de vida de toda a coletividade.
A presente pesquisa divide-se em três capítulos. Em breve síntese, o Capítulo I trata das noções de responsabilidade civil em seu aspecto geral, para, então, falar sobre as peculiaridades deste instituto sob o enfoque do Direito Ambiental.
No Capítulo II, busca-se demonstrar o conceito de dano moral, sua incidência sob a perspectiva ambiental, e analisar alguns julgados relativos ao tema.
No Capítulo III, por fim, examinam-se as novas tendências jurídicas capazes de justificar a admissibilidade do dano extrapatrimonial ambiental coletivo.
A palavra “responsabilidade” deriva do vocábulo latino “respondere”, constituída da raiz “spondeo”, sendo utilizada de forma solene no direito romano nos contratos verbais celebrados entre estes povos.
Diniz suscita que a noção de responsabilidade, em seu sentido genérico, consiste em atribuir a alguém a autoria de algum feito, mas que tal ideia é insuficiente para o Direito Civil, uma vez que a ciência jurídica não se contenta apenas em reconhecer o responsável.
Assim, a autora supramencionada conclui que, para estar configurada a responsabilidade civil, é necessário que aquele responsável tenha agido de tal maneira (dolosa ou culposamente) que acabe por resultar no descumprimento de norma ou de obrigação, surgindo, a partir daí, o dever de reparação do prejuízo causado. Esta reparação consiste, na maioria das vezes, em indenização patrimonial.
Desta forma, só se cogita da responsabilidade civil quando a conduta de determinado sujeito ocasiona dano a outrem ou à coletividade. Neste caso, o autor da lesão será obrigado a recompor o dano ocasionado.
O instituto da responsabilidade civil clássica, portanto, concentra-se na busca de restaurar o equilíbrio rompido em razão de alguém ter descumprido obrigação imposta por lei, ou, por contrato entre as partes, obrigando o autor do dano a desembolsar quantia monetária capaz de compensar o prejuízo sofrido.
Segundo Diniz, é bastante difícil indicar quais são os requisitos necessários para a caracterização da responsabilidade civil, isto porque a noção de responsabilidade evoluiu em concomitância com as modificações observadas na sociedade, repercutindo de maneira diferente nos diversos campos de atuação do Direito. Entretanto, apesar das divergências encontradas, três requisitos têm se mostrado presentes em todos os ramos do Direito referente à responsabilidade civil, são eles:
a) Existência de uma ação
Para se falar em responsabilidade civil, antes de qualquer coisa, é necessário que um determinado sujeito (responsável) pratique uma determinada ação, que poderá ser comissiva ou omissiva, resultante de um ato lícito ou ilícito, e apoiado na culpa em sentido amplo ou no risco.
Teremos ato ilícito sempre que a ação praticada contrariar o disposto no ordenamento jurídico, nos termos formulados no art. 186 do Novo Código Civil, em se tratando de responsabilidade extracontratual ou aquiliana, ou quando referida ação descumprir alguma obrigação assumida mediante contrato, conforme previsão do art. 389 do mesmo diploma legal, no caso de responsabilidade contratual.
Por sua vez, o ato lícito, apesar de estar em consonância com as disposições legais, pode ocasionar responsabilidade de determinado sujeito quando estiver fundamentado no risco da atividade desenvolvida por este. Neste caso, a responsabilidade se desvincula da ideia de culpa e, portanto, da prática de ato ilícito, e recai unicamente sobre o risco da atividade, que apresenta resultado ilícito, conforme dispõe o parágrafo único, do art. 927, do Código Civil, podendo, em alguns casos, permitir a adoção de excludentes de responsabilidade, como, por exemplo, o caso fortuito ou a força maior, entre outros.
b) Ocorrência de um dano
Nos requisitos que compõe a responsabilidade civil, é de vital importância a ocorrência de dano a um bem ou interesse jurídico de outrem. Em outras palavras, é imprescindível que o ato comissivo ou omissivo praticado pelo agente ou por terceiro por quem este responda cause inequívoco prejuízo patrimonial e/ou moral ao lesado, sendo que o reconhecimento do dano patrimonial não exclui o reconhecimento do dano moral e vice-versa, de acordo com entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça (súmula 37).
c) Nexo de causalidade entre o dano e a ação praticada
Não teria sentido em se falar em responsabilidade civil se os dois requisitos mencionados anteriormente se apresentassem de maneira isolada, sem qualquer relação com o outro. Portanto, para estar configurada a responsabilidade civil é mister que a ação praticada pelo agente e o dano constatado estejam interligados em uma relação de “causa e efeito”, de modo que a inexistência de um resultaria na inocorrência do outro. Como bem observa Karine Damian:
O conceito de nexo de causalidade, portanto, não é jurídico, mas natural. Determina se o resultado surge como consequência natural da conduta perpetrada pelo agente. Além de pressuposto da responsabilidade civil, tal é indispensável, haja vista ser impossível termos responsabilidade sem nexo causal, seja qual for o sistema adotado no caso concreto, subjetivo (da culpa) ou objetivo (do risco).
Ressalte-se que, conforme Diniz, para se verificar o nexo causal, o ato lesivo não deverá resultar imediatamente na causa do dano, podendo constituir tão somente uma condição para a produção da lesão, que surgirá como consequência inevitável.
Não podemos esquecer ainda que alguns autores ao tratarem do nexo de causalidade fazem referência à teoria das concausas ou concausalidade, observada nas situações em que o evento danoso é resultado de um conjunto de causas, que, nos ensinamentos de Senise Lisboa, classificam-se em concausalidade ordinária, concausalidade acumulativa e concausalidade alternativa.
Em síntese, para o referido doutrinador, enquanto na concausalidade ordinária as condutas lesivas seriam coordenadas e dependentes uma da outra para a configuração do dano, na concausalidade acumulativa as condutas seriam totalmente independentes, mas proporcionalmente responsáveis pelo evento danoso, ambas diferentes da concausalidade alternativa, em que, apesar da existência de mais de uma conduta, apenas uma delas acaba por influenciar sobremaneira a ocorrência da lesão.
Por fim, cumpre destacar que, em alguns casos, embora o ato comissivo ou omisso do agente esteja direta ou indiretamente ligado ao dano, não restará configurado o nexo de causalidade existente entre eles, em decorrência de situações previstas em lei que obstam a ocorrência do nexo causal e, portanto, descaracterizam a responsabilidade imputada ao agente. Trata-se das excludentes de responsabilidade, como, por exemplo, a culpa exclusiva da vítima, a culpa exclusiva de terceiro, o caso fortuito e a força maior.
Por outro lado, ressalte-se que haverá situações em estas mesmas excludentes não poderão ser reconhecidas, dadas as circunstâncias e peculiaridades do bem ou interesse jurídico tutelado, como no caso da ocorrência de dano ambiental, ensejando, por consequência, a responsabilidade civil do agente causador do evento danoso.
No tópico anterior mencionou-se superficialmente a divisão da responsabilidade em responsabilidade contratual e responsabilidade extracontratual (ou aquiliana) no sistema jurídico brasileiro. Tendo em vista que a responsabilidade contratual, como o próprio nome indica, deriva de um contrato estabelecido entre os contraentes, originando entre estes um dever de co-obrigação mútua, que, se descumprida, ensejará a responsabilidade do sujeito inadimplente, temos que, em se tratando de um estudo sobre a responsabilidade civil nos danos causados ao meio ambiente, não há razões para se estender sobre a responsabilidade contratual, pois os danos ambientais decorrem da inobservância da lei, ou, em outras palavras, da responsabilidade extracontratual.
A responsabilidade extracontratual é também chamada de responsabilidade delitual ou aquiliana, sendo esta última denominação derivada do direito romano, especificamente da Lex Aquilia de Damno, do século III a. C., responsável por introduzir no direito a ideia de responsabilidade por culpa (subjetiva). Sobre a Lex Aquilia de Damno, sabemos que a mesma se originou por imposição do Estado romano, através de um tribuno do povo, chamado Lúcio Aquílio, e, segundo Venosa (2005, p. 27), conferia “à vítima de um dano injusto o direito de obter o pagamento de uma penalidade em dinheiro do seu causador [...], independentemente de relação obrigacional preexistente”. Ressalte-se que esta penalidade em dinheiro era devida por aquele que tivesse destruído ou deteriorado bem de outrem, isentando-se de qualquer responsabilidade acaso provasse que não agiu com culpa.
Convém destacar que anteriormente à Lex Aquilia, a legislação romana aplicava a regra da responsabilidade sem culpa, segundo a pena de Talião, estabelecida na Lei das XII Tábuas, regida pelo jargão “olho por olho, dente por dente”, ou seja, a retribuição do mal causado nas mesmas proporções, inclusive em penas de caráter físico. Desta forma, como salientado por Tartuce (2010, p. 306), “a experiência romana demonstrou que a responsabilidade sem culpa poderia trazer situações injustas, surgindo a necessidade de comprovação desta como uma questão social evolutiva.” E foi neste contexto que surgiu a Lex Aquilia, que influenciou todas as legislações posteriores do Direito Comparado a médio e longo prazo, como, por exemplo, o Código Civil Francês, de 1804, prevendo a regra da responsabilidade por culpa ou responsabilidade subjetiva.
Após estas considerações, pode-se afirmar que a responsabilidade subjetiva se caracteriza pela presença dos pressupostos mencionados no tópico anterior sem prejuízo do requisito da culpa genérica.
Em outras palavras, a responsabilidade subjetiva está atrelada à prática de algum ato ilícito, ou seja, é necessário que determinado sujeito aja com dolo, ou, no mínimo, com negligência, imprudência ou imperícia, em relação às normas estabelecidas em nosso ordenamento jurídico, para que venha a ser responsabilizado civilmente e, por consequência, seja obrigado a indenizar aquele que foi lesado. Do contrário, ou seja, caso comprove inequivocamente a ausência de culpa, o agente deixará de ser responsável pelo fato que lhe está sendo imputado. É o que ensina Sílvio Rodrigues (2002, p. 11):
[...] se diz ser subjetiva a responsabilidade quando se inspira na ideia de culpa e que de acordo com o entendimento clássico a ‘concepção tradicional da responsabilidade do agente causador do dano só se configura se agiu culposa ou dolosamente’. De modo que a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar. A responsabilidade, no caso, é subjetiva, pois depende do comportamento do sujeito.
Tartuce (2010, p.306), entretanto, observa que “o Direito Comparado – principalmente o direito francês, precursor da maior parte das ideias socializantes – passou a admitir uma outra modalidade de responsabilidade civil, aquela sem culpa”.
Como destaca Diniz, muitas vezes a adoção exclusiva da responsabilidade por culpa não era plenamente satisfatória, tendo se tornado obsoleta com os progressos técnicos verificados ao longo dos anos, motivo pelo qual surgiu a necessidade jurídica de utilização de uma nova teoria da responsabilidade que viesse complementar a responsabilidade subjetiva.
Assim, por exemplo, a entrada em vigor do Novo Código Civil de 2002, diferentemente do Código Civil de 1916, passou a prever também a responsabilidade fundamentada no risco da atividade desenvolvida. É a chamada responsabilidade objetiva, para a qual não interessa a discussão da culpa, além de o ônus da prova ser do demandado.
Nesta hipótese, são requisitos da responsabilidade apenas a atuação do agente, o dano provocado, e o nexo de causalidade entre um e outro, excluindo-se totalmente a culpa. Portanto, a responsabilidade objetiva deriva de situações previstas em lei, independentemente da prática de conduta irregular, bastando a caracterização de risco inerente na atividade desenvolvida pelo agente.
Nas palavras de Diniz (2011, p. 55):
Na responsabilidade objetiva, a atividade que gerou o dano é lícita, mas causou perigo a outrem, de modo que aquele que a exerce, por ter a obrigação de velar para que dela não resulte prejuízo, terá o dever ressarcitório, pelo simples implemento do nexo causal.
Desta forma, surgiram inúmeras situações previstas no Novo Código Civil que passaram a utilizar a responsabilidade objetiva, como, por exemplo, no caso de danos causados por animal, em que o responsável é o dono ou o seu detentor (art. 936, CC), ou no caso de danos que resultam da ruína de prédio ou construção, proveniente da falta de reparos, em que o responsável é o dono do prédio ou da construção (art. 937, CC), entre outros exemplos.
Todavia, a responsabilidade objetiva também está prevista em nossa Carta Magna em relação à atividade desenvolvida pelo Estado, conforme dispõe seu art. 37, § 6°, além da previsão em outros diplomas normativos, como o Código de Defesa do Consumidor, (excetuando-se a responsabilidade do profissional liberal, que é subjetiva) e a Lei de Política Nacional sobre o Meio Ambiente (Lei nº 6.938/81), que será o assunto do próximo tópico.
Ressalte-se que, como já falou-se anteriormente, a responsabilidade objetiva admite excludentes, tais como o caso fortuito, a força maior e a culpa exclusiva da vítima, que, todavia, não se aplicam aos danos causados ao meio ambiente, como se verá a seguir.
No âmbito do Direito Ambiental a responsabilidade objetiva foi inserida já em 1981, antes mesmo de sua previsão no Código Civil, com a instituição da Lei nº 6.938/81 - Lei da Política Nacional do Meio Ambiente - mais especificamente em seu art. 14, § 1º. Desta forma, para que estivesse configurada a responsabilidade do agente, bastava a prova da ocorrência do dano ecológico e do vínculo causal deste com a atividade desenvolvida pelo poluidor.
Destaque-se que a Constituição Federal de 1988 também consagrou a utilização da responsabilidade objetiva no Direito Ambiental ao referir-se às atividades nucleares (art. 21, XXIII, d, da CF/88) e minerárias (art. 225, §2º, da CF/88).
Importante salientar que a reparação no Direito Ambiental deve estar relacionada principalmente à ideia de prevenção, com o fito de coibir a prática de condutas lesivas ao ambiente. Mesmo porque, nesta seara do direito, interessa muito mais a preservação do meio ambiente do que a ressarcibilidade do dano, tendo em vista a impossibilidade de retorno ao status quo anterior, o que torna o pagamento de indenização improfícuo.
Neste sentido, afirma Machado (2010, p.365 ):
Os danos causados ao meio ambiente encontram grande dificuldade de serem reparados. É a saúde do homem e a sobrevivência das espécies da fauna e da flora que indicam a necessidade de prevenir e evitar o dano.
Deste ponto de vista, a responsabilidade civil ambiental diz respeito não só aos danos materiais provocados ao meio ambiente, mas engloba também todos aqueles que de uma forma ou de outra foram prejudicados pela atividade danosa.
De nada adiantaria a utilização de tal responsabilidade se a mesma admitisse as excludentes de responsabilidade antes mencionadas, isto porque a grande maioria dos casos de danos ambientais tem por trás uma situação imprevisível, inesperada, inimaginável, fatos que, se admitidos como excludentes, tornariam a tutela ambiental insatisfatória e, por consequência, o habitat natural da espécie humana estaria desprotegido.
Desta forma, vincula-se a responsabilidade objetiva à teoria do risco integral da atividade desenvolvida. Para esta teoria não há qualquer excludente da responsabilidade do poluidor, bastando que este cause um dano e que, como já mencionado, haja um nexo de causalidade entre este dano e a atividade praticada pelo agente.
Entende de forma contrária Baracho Júnior (2000, p. 322), para quem é inconcebível a ideia de não admitir excludentes de responsabilidade, ferindo, inclusive, os direitos fundamentais, conforme dispõe:
Admitir as excludentes de responsabilidade seria fundamental. Isso porque o instituto da responsabilidade civil por dano ao meio ambiente não pode pretender absorver o mundo da vida, dinâmico e sempre mais rico do que o mundo do discurso por definição.
E ainda acrescenta (2000, p. 322/323):
A responsabilidade civil por dano ao meio ambiente não pode pretender alcançar todas as formas de interação social, partindo do princípio de que existe uma ‘grande cadeia dos seres’[...].
Efetivamente seria difícil, à luz dos direitos fundamentais, aceitar uma concepção de responsabilidade civil tão abrangente, que pudesse absorver o exercício de vários outros direitos e garantias.
Há precedentes no STJ que dispensam a prova do nexo de causalidade entre o dano e a atividade desenvolvida pelo agente quando este é adquirente de imóvel com desastre ambiental. Neste caso, independentemente de o causador dos estragos ter sido o adquirente ou o dono anterior do imóvel, a responsabilidade pelos danos é sempre atribuída ao novo proprietário (STJ – REsp 1056540 GO 2008/0102625-1, Relatora: Min. Eliana Calmon, DJ 14 set. 2009).
É o que podemos verificar também na seguinte ementa:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL - PROPRIEDADE RURAL - ÁREA DEGRADADA - OBRIGAÇÃO 'PROPTER REM' - RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE - SENTENÇA MANTIDA. 1- A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva, bastando que se prove o dano e o nexo deste com a conduta ilícita, consoante a legislação pátria. 2- A preservação do meio ambiente é obrigação 'propter rem', de sorte que sua conservação ou reparação transfere-se ao adquirente do imóvel, independente de não ter sido o autor do dano (TJMG - ApCiv 1.0508.06.001370-5/001 – 6ª Câm. Civ., j. 11.03.2008, Relator: Des. Maurício Barros.).
Ressalte-se que a legislação pátria não define o que pode ser entendido como atividade de risco. Assim, caberá ao julgador analisar, em cada caso concreto, a dimensão do dano provocado e o nexo causal, interpretados conforme os princípios constitucionais e ambientais.
Para Milaré, a utilização da teoria do risco integral na responsabilidade civil traz consequências relevantes aos danos ambientais ocasionados, tais como:
a) Prescindibilidade de investigação de culpa
A primeira consequência é que, como já foi possível perceber, a regra da objetivação da responsabilidade prescinde de investigação e de discussão da culpa do poluidor, sendo necessário, repita-se, tão somente a existência da atividade e a demonstração do nexo causal entre o dano ocasionado e a conduta praticada.
b) Irrelevância da licitude da atividade
A segunda consequência, menos óbvia que a anterior, diz respeito à irrelevância da licitude ou legalidade da atividade desenvolvida. Isto implica que, mesmo que comprovado que o dano provocado foi resultante de atividade lícita, por exemplo, uma atividade que estava dentro dos padrões de emissão regulados pela autoridade administrativa ou, ainda, uma atividade desenvolvida mediante autorização ou licença, ainda assim tais fatos não irão elidir a responsabilidade do agente.
c) Inaplicabilidade de excludentes
Uma terceira consequência está relacionada à impossibilidade de invocar-se o enquadramento do dano como sendo caso fortuito ou força maior. Apesar de não existir um consenso na doutrina da diferença existente entre estes dois conceitos, o certo é que, não importa se o evento danoso foi decorrente de falha técnica ou humana, de obra do acaso ou da natureza, pois, da mesma forma, restará configurada a responsabilidade do agente, cabendo a este, quando muito, interpor ação de regresso contra aquele que acredita ser o verdadeiro poluidor.
Por fim, deve-se destacar ainda o caráter solidário da responsabilidade por dano ao meio ambiente. Ressalte-se que não interessa se a intenção danosa foi compartilhada por mais de um agente, mas tão somente que se possa buscar e exigir dos envolvidos direta ou indiretamente o dever de reparação. É o que pode-se extrair da seguinte jurisprudência:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - Ambiental - Área de preservação - Edificação - Reparação de danos - Responsabilidade objetiva - Solidariedade - Omissão - Polícia do meio ambiente - Sentença de procedência - Recursos não providos. Omitindo ou retardando o cumprimento de seu dever de impedir e desfazer edificação não licenciada, em área de preservação ambiental, tem o município responsabilidade objetiva e solidária na reparação dos danos causados ao meio ambiente. (ApCiv 161.691-5 - São José dos Campos - 8ª Câmara de Direito Público - Relator: Teresa Ramos Marques - 08.08.01 - V.U.)
Perceba-se que, na situação apresentada, a responsabilização solidária do município representa, na verdade, uma oneração para a sociedade, tendo em vista que os recursos daquele ente são públicos. Desta forma, nestas hipóteses, deve-se buscar o ressarcimento, em primeiro plano, do responsável direto, sob pena de injusta penalização da própria coletividade.
A história do reconhecimento do dano moral remete-nos há muitos milênios atrás. Com efeito, os estudiosos afirmam que o Código de Hamurabi, da Babilônia, elaborado, segundo estimativas, em 1.700 a. C., já acolhia o dano moral em alguns de seus dispositivos, como, por exemplo, em seu parágrafo 127, constante dos capítulos IX e X, conforme se depreende de sua redação: “Se um homem livre estendeu o dedo contra uma sacerdotisa, ou contra a esposa do outro e não comprovou, arrastarão ele diante do juiz e raspar-lhe-ão a metade do seu cabelo.”
Importante notar que referido código só admitia a ideia de reparação moral mediante a prática de lesão idêntica, daí a famosa referência atribuída à Lei de Talião, como também é conhecida: “Olho por olho, dente por dente.”
Theodoro Júnior (2000, p. 3) também faz remissão ao Código de Manu, da Índia, como precursor do dano moral, uma vez que o mesmo previa a pena pecuniária para condenações criminais injustas.
Sobre este código, Florindo (2002, p. 36) teceu uma interessante observação: “o Código de Manu demonstrou profundo e indiscutível avanço, em relação ao de Hamurabi, visto que tratava a reparabilidade do dano em pecúnia, muito diferente deste que ainda trazia a lesão reparada por outra lesão de igual valor.”
Mas, afirma Theodoro Júnior, foi o Direito Romano que, sem qualquer sombra de dúvidas, ampliou significativamente o leque de possibilidades de lesão a interesses não patrimoniais passíveis de reparação pecuniária, podendo-se citar como exemplo a já mencionada Lei das XII Tábuas. Segundo os historiadores, a compilação original desta lei se perdeu em razão do incêndio em Roma, em 390 a.C., mas muitos de seus dispositivos foram reproduzidos por outros autores.
O fato é que, destaca Theodoro Júnior, o reconhecimento do dano moral na esfera jurídica revelou-se um percurso longo e penoso, na medida em que predominava a ideia de impossibilidade de se atribuir um preço à dor. Tal teoria, entretanto, foi derrubada com o surgimento dos chamados direitos da personalidade.
Nas palavras de Bittar (1995, p. 3), os direitos da personalidade são:
[...] direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade, previstos no ordenamento jurídico exatamente para a defesa de valores inatos ao homem, como a vida, a higidez física, a intimidade, a honra, a intelectualidade e outros tantos.
Assim, o dano moral começa a ser identificado como a lesão perpetrada contra prerrogativas inerentes à própria condição humana, motivo pelo qual se tornou necessária a sua efetiva reparação, em atenção ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Como afirma Ibrahin, no Brasil Colonial não havia nenhuma regra sobre a reparabilidade do dano moral. Cogita-se que tal instituto surgiu pela primeira vez na legislação brasileira com a edição do Decreto 2.681, de 07/12/1912, que regulava a responsabilidade civil nas estradas de ferro, e, em seu art. 21, estabelecia que, diante de uma lesão corporal ou deformidade, seria cabível uma indenização a ser arbitrada pelo juiz. Note-se, contudo, que referido dispositivo não trazia expressamente o termo dano moral, senão vejamos:
Art. 21 No caso de lesão corpórea ou deformidade, à vista da natureza da mesma e de outras circunstâncias, especialmente a invalidade para o trabalho ou profissão habitual, além das despesas com o tratamento e os lucros cessantes, deverá pelo juiz ser arbitrada uma indenização conveniente.
Cumpre destacar que, antes da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a incidência do dano moral no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a sua reparabilidade, era demasiadamente vaga. O Código Civil de 1916, por exemplo, em seu art. 76, mencionava a necessidade de um “legítimo interesse moral” para a propositura de eventual ação, acrescentando, em seu parágrafo único, que tal interesse deveria estar diretamente associado ao autor ou à sua família.
A partir daí, surgiram diversos questionamentos doutrinários e jurisprudenciais sobre o acolhimento, ou não, do dano moral no diploma legal supracitado.
O Supremo Tribunal Federal, por exemplo, antes da Constituição Federal de 1988, adotava o reconhecimento do dano moral extrapatrimonial de maneira restrita, ou seja, não admitia a sua ocorrência de maneira isolada. Desta forma, o Egrégio Tribunal negava, por exemplo, ser indenizável o valor exclusivamente afetivo decorrente de morte de filho menor que não contribuía para o sustento da casa, conforme RE 12.039/AL. Relator: Lafayette de Andrada. Data do julgamento: 6.8.1948. RT 244/629.
Tal posicionamento só iria se modificar muito tempo depois, após a emissão de vários precedentes contrários ao entendimento de que o dano moral necessariamente deveria estar atrelado a um dano de valor econômico. Assim, o STF editou a súmula 491, estabelecendo que: “É indenizável o acidente que cause a morte de filho menor, ainda que não exerça trabalho remunerado”.
Mesmo depois da edição de referida súmula, destaca Morato Leite (2011, p. 271), ainda reinava entre os operadores do Direito uma grande dúvida no que diz respeito ao fato de tal súmula estar reconhecendo a indenização por dano moral ou apenas por mera expectativa de dano patrimonial.
Ocorre que, somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e, mais especificamente, com a redação disposta no art. 5º, incisos V e X, que menciona expressamente o dano moral, afastou-se, definitivamente, qualquer dúvida sobre o reconhecimento e ressarcimento de referido dano no ordenamento pátrio.
Destaque-se que, de acordo com Gonçalves (p. 394, 1994), os dispositivos constitucionais supramencionados são meramente exemplificativos, tendo em vista que podem ser inseridas outras hipóteses de ocorrência de dano moral no ordenamento jurídico brasileiro, conforme se depreende da leitura do art. 5º, §2º, da Carta Magna.
Após sua previsão constitucional, fez-se necessário definir exatamente o que seria dano moral, o que não era tarefa fácil, levando alguns doutrinadores a adotarem o conceito por exclusão. Assim, por exemplo, Silva (1993, p.13), resume a questão: "dano moral é o conjunto de tudo aquilo que não seja suscetível de valor econômico.” Trata-se, claramente, de conceituação negativa.
Sobre este modo de definir dano moral, assim se posicionou Stiglitz e Echevesti (1993, p. 243):
Diz-se que dano moral é o prejuízo que não atinge de modo algum o patrimônio e causa tão somente uma dor moral à vítima. Esta é uma idéia negativa (ao referir por exclusão que os danos morais são os que não podem considerar-se patrimoniais) e tautológica, pois ao afirmar que dano moral é o que causa tão somente uma dor moral, repete a ideia com uma troca de palavras.
Os doutrinadores que conceituaram dano moral levando em consideração o seu conteúdo, por sua vez, manifestaram-se no sentido de que referido dano se referia a um abalo ao estado anímico ou psicológico do indivíduo.
Assim, segundo Cahali (1998, p. 20), dano moral é:
[...] a privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranquilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos, classificando-se desse modo, em dano que afeta a parte social do patrimônio moral (honra, reputação, etc.) e dano que molesta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade, etc.), dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante, etc.) e dano moral puro (dor, tristeza, etc.).
Bittar (1994, p. 31), por seu turno, afirma que os danos morais “se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis ou constrangedoras, ou outras desse nível, produzidas na esfera do lesado”.
Como se vê, o conceito de dano moral no ordenamento jurídico brasileiro está tradicionalmente relacionado a uma lesão a um direito subjetivo, que provoca sentimentos de dor, sofrimento e angústia em determinado indivíduo ou em seus familiares.
Diniz (p. 94, 2010) ainda acrescenta que o dano moral pode ser classificado em duas espécies: dano moral direto e dano moral indireto. O primeiro decorre de uma ofensa direta a um bem jurídico extrapatrimonial, envolvendo os direitos da personalidade, os atributos da pessoa ou a dignidade da pessoa humana. Por sua vez, o dano moral indireto deriva de uma lesão a um bem jurídico patrimonial que, indiretamente, também provoca prejuízo em um bem jurídico não patrimonial. A autora menciona, como exemplo deste último, a perda de um anel de noivado.
Após estas considerações, podemos afirmar que o dano moral dá-se pela simples violação dos direitos da personalidade, tais como a vida, a integridade física, a liberdade, a honra, a intimidade, a imagem, etc.
Entretanto, como destaca Miguel Reale, em artigo intitulado Os direitos da personalidade, “a cada civilização corresponde um quadro dos direitos da personalidade, enriquecida esta com novas conquistas no plano da sensibilidade e do pensamento.”
Assim, o ilustre doutrinador ressalta que o último valor adquirido pela espécie humana foi o ecológico, valor este que já pode ser visto como um novo direito da personalidade.
O dano ao meio ambiente, entretanto, não atinge somente determinado indivíduo, mas toda a coletividade. Trata-se, em verdade, de uma nova categoria de direitos, classificada pela doutrina como direitos difusos. Nas palavras de Sirvinskas (2011, p. 647), estes direitos situam-se “numa zona nebulosa entre o interesse particular e o geral”.
O mencionado professor ainda (p. 645, 2011) destaca que foi a partir dos estudos desenvolvidos por Mauro Cappelletti que se começou a falar no acesso ao Poder Judiciário para a proteção de interesses da coletividade, não limitados à esfera pública ou à esfera privada. Em verdade, afirma que Mauro Cappelletti foi o precursor da ação civil pública, que, atualmente, é o meio processual mais relevante para a tutela do meio ambiente.
Não é qualquer alteração no meio ambiente que pode ser considerada dano ambiental, mas somente aquela fora dos limites de tolerabilidade. Caso contrário, como afirmou Machado (2010, p. 359), estar-se-ia “entendendo que o estado adequado do meio ambiente é o imobilismo, o que é irreal.” Em outras palavras, para configurar dano ecológico, a alteração ambiental deve ser maléfica.
Assim, o dano ambiental, em síntese, nada mais é do que a lesão provocada contra o meio ambiente.
Segundo o art. 3º, I, da Lei nº 6.938/81, meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”
Assim, constituem exemplos de dano ambiental a devastação das florestas, a poluição do ar, dos rios e dos mares, o aquecimento global, a matança da fauna e da flora, etc.
Segundo Morato Leite, o conceito de meio ambiente envolve ainda uma subdivisão em duas espécies: meio ambiente como macrobem e meio ambiente como microbem.
No primeiro caso, afirma o autor, o bem ambiental é tratado como um bem incorpóreo e imaterial, não se confundindo, portanto, com os seus elementos, tais como a água, o ar, a terra, a fauna, a flora, etc. Nas palavras de Morato Leite (2011, p. 85) “quando se fala, assim, na proteção da fauna, do ar, da água e do solo, por exemplo, não se busca propriamente a proteção desses elementos em si, mas deles como elementos indispensáveis à proteção do meio ambiente como bem imaterial...”
Neste mesmo sentido, o legislador constituinte estabelece no art. 225, caput, da Constituição, que o meio ambiente é “bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações”.
Assim, conclui-se que o legislador brasileiro, ao conceituar meio ambiente, optou por tratá-lo enquanto macrobem, tendo em vista que expõe um conceito genérico de bem ambiental, a fim de tutelar todos os danos que, por ventura, possam ofender o equilíbrio ecológico. Nesta acepção, a tutela do meio ambiente é tida como um direito difuso.
Por outro lado, é fácil concluir que o microbem ambiental consiste exatamente naqueles elementos corpóreos do meio ambiente.
Estas noções são importantes para classificar-se o dano ao meio ambiente em dano coletivo ou dano individual.
Em artigo intitulado A proteção jurisdicional do meio ambiente – uma relação jurídica comunitária, Delton Winter de Carvalho afirmou que os danos ecológicos coletivos
[...] dizem respeito aos sinistros causados ao meio ambiente lato sensu, repercutindo em interesses difusos, pois lesam diretamente uma coletividade indeterminada ou indeterminável de titulares. [...] caracterizam-se pela inexistência de uma relação jurídica base, no aspecto subjetivo e, pela indivisibilidade (ao contrário dos danos ambientais pessoais) do bem jurídico, diante do aspecto objetivo.
Sobre o dano ambiental individual, Milaré (2009, p. 869) assim se pronunciou: “essa é a modalidade de dano ambiental que, afeta desfavoravelmente a quantidade do meio, repercute de forma reflexa sobre a esfera de interesses patrimoniais ou extrapatrimoniais de outrem.”
Por este motivo, o dano ambiental individual também é chamado de dano reflexo ou ricochete. Significa dizer que a lesão perpetrada contra o meio ambiente, além de atingir os interesses da coletividade, acaba por prejudicar um indivíduo em sua esfera material ou moral.
Por fim, cumpre afirmar que o dano material ambiental consiste na degradação física provocada no meio ambiente. O dano moral ambiental, por sua vez, é decorrente do dano material, e restará configurado quando atingir o sentimento da coletividade.
Inicialmente, convém destacar que o conceito de dano moral ambiental tem caráter duplo, ou seja, é possível dividi-lo em duas espécies distintas, quais sejam: o dano moral ambiental individual e o dano moral ambiental coletivo.
O primeiro decorre de lesão provocada contra o microbem ou contra o macrobem ambiental. Em relação ao dano moral ambiental individual decorrente de lesão contra o microbem ambiental, cumpre afirmar que referido dano não apresenta grandes diferenças em relação às demandas envolvendo o dano moral em seu sentido tradicional. Com efeito, nestas situações, o objetivo primordial não é proteger o meio ambiente, mas reparar a lesão extrapatrimonial provocada contra determinado indivíduo.
Assim, pode-se dizer que há dano moral ambiental individual decorrente de lesão contra o microbem ambiental sempre que a esfera íntima de determinado indivíduo é violada. Desta forma, este indivíduo é titular para ingressar no Poder Judiciário e exigir a ressarcibilidade do dano ocasionado.
A título de exemplo do dano supramencionado, cita-se a doença pulmonar que determinado indivíduo contrai em razão da poluição atmosférica ocasionada por uma determinada fábrica.
É importante destacar ainda que as ações envolvendo dano moral individual decorrente de lesão ao microbem ambiental, apesar de pretenderem tutelar principalmente interesse individual, acabam por repercutir também sobre a defesa do meio ambiente.
Assim, o indivíduo lesado poderá se valer da legislação ambiental específica para apoiar o seu pedido de reparação, inclusive alegando responsabilidade objetiva do agente causador do dano, nos moldes do art. 14, §1º, da Lei 6.938/81.
Todavia, determinado indivíduo também pode pleitear reparação quando houver dano moral ambiental decorrente de lesão ao macrobem, como, por exemplo, propondo ação popular em defesa do meio ambiente, conforme estatuído no art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal.
Sobre a propositura daquela ação pelo cidadão para a tutela ambiental, assim se pronunciou Morato Leite (2011, p. 154):
Verifica-se claramente que o legislador constituinte, ao assim agir, legitimando o cidadão à proteção jurisdicional do meio ambiente, privilegiou a existência de uma democracia social, em que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, possa ser exigido via acesso à justiça, fazendo com que os cidadãos venham a contribuir e intervir, com vistas a corrigir as disfunções ambientais existentes.
Quanto ao dano moral ambiental coletivo, ressalte-se que os primeiros doutrinadores a defenderem o seu reconhecimento, a partir das modificações introduzidas pela Lei nº 8.884/94, no art. 1º da Lei nº 7.347/85 – Lei de Ação Civil Pública, foram José Rubens Morato Leite e Carlos Alberto Bittar Filho, dentre outros.
Inicialmente, convém afirmar que o dano moral ambiental coletivo não está restrito à degradação física provocada no meio ambiente. A simples degradação consiste, na verdade, em dano material ecológico.
Entretanto, a lesão ao equilíbrio ecológico acarreta, também, danos ao sentimento moral da coletividade, quando, por exemplo, determinado dano consegue afetar a qualidade de vida e o bem estar da coletividade. Nestes casos, diz-se que houve dano moral ambiental coletivo.
Paccagnella (2003, p. 15) assim coloca a questão:
Exemplificando, se o dano a uma paisagem causar impacto no sentimento da comunidade daquela região, haverá dano moral ambiental. O mesmo se diga da supressão de certas árvores na zona urbana, ou de uma mata próxima ao perímetro urbano, quando tais áreas foram objeto de especial apreço pela coletividade. Entendo, assim, que o reconhecimento do dano moral ambiental não está ligado, diretamente, à repercussão física no meio ambiente. Está, ao contrário, relacionado com a violação do sentimento coletivo, com o sofrimento da comunidade ou grupo social, em vista de certa lesão ambiental.
Portanto, o dano moral ambiental coletivo consiste na lesão material do meio ambiente que resulta na deterioração da qualidade de vida e da saúde da coletividade. Trata-se, portanto, de lesão aos direitos difusos, uma vez que as vítimas são pessoas indeterminadas, ou seja, não é possível individualizá-las.
Contrário a todos os ensinamentos acima esposados, Stocco (2004, p.8) afirma que reconhecer a existência do dano moral ambiental:
É desvirtuar o objetivo da Carta Magna e tangenciar os princípios que informam a responsabilidade civil, pois o que se resguarda é o meio ambiente e não o dano causado à pessoa, individual ou coletivamente. Estes, caso sofram prejuízos, por danos pessoais (físicos) ou materiais (em seus bens), terão direito de ação para obter a reparação por direito próprio, mas não podem beneficiar-se do resultado alcançado pelo Ministério Público ou pelas entidades legitimadas a ingressar com ações civis públicas para a proteção, salvo quando a ação tenha natureza diversa, como a proteção do consumidor ou qualquer outro interesse difuso ou coletivo que cause dano de per si e possa ser individualizado e quantificado posteriormente.
Ora, resguardar o meio ambiente significa também resguardar a vida humana, não apenas de determinado indivíduo, mas de toda a coletividade. Afinal, a qualidade de vida e a saúde da população dependem, necessariamente, de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Desta forma, concessa venia, não é possível admitir os fundamentos do supramencionado doutrinador.
Morato Leite (2011, p. 296) suscita que um dos primeiros julgados a tratar sobre o dano moral ambiental coletivo no Brasil, ocorreu na jurisdição de Santa Catarina. Era uma ação civil pública, sob o nº 2397255394-8, intentada pela Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis – FLORAM, representada pelo Dr. Marcelo Buzaglo Dantas, em face de Arabutan Rabelo Avila, alegando que a extração de saibro em determinada região do Município de Florianópolis, promovida pelo Requerido, muito embora estivesse devidamente licenciada, estava ocorrendo de forma desmedida e sem que houvesse a necessária recuperação da área degradada. Tal conduta, segundo a Requerente, teria ocasionado notável dano moral ambiental à coletividade, e, em especial, aos habitantes daquela região.
O juiz a quo, o Dr. Volnei Ivo Carlin, julgou procedente a presente ação, reconhecendo a ocorrência de dano moral ambiental, e, por conseguinte, determinando o quantum indenizatório devido no caso em comento, a ser revertido ao Fundo para Recuperação de Bens Lesados, previsto no art. 13, da Lei nº 7.347/85.
Entretanto, o Requerido apresentou Recurso de Apelação, sob o nº 2000.025366-9, contra a supracitada decisão. Tal recurso, por sua vez, foi julgado parcialmente procedente, uma vez que a 1ª Câmara do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, apesar de reconhecer a existência do dano moral ambiental, entendeu que o mesmo não estava configurado na situação apresentada, por ser inexistente a violação de sentimento coletivo, e, ainda, em virtude da exploração de saibro ter ocorrido com a autorização do Poder Público, além do fato de que aquele terreno, segundo uma moradora da região, já apresentava sinais de degradação.
Apesar do regresso ocorrido no juízo ad quem, é inegável a importância da sentença proferida pelo Dr. Volnei Carlin como precedente no reconhecimento do dano moral ambiental coletivo brasileiro.
Todavia, a primeira decisão mais significativa no reconhecimento e aplicação deste instituto jurídico e que influenciou o julgamento de processos semelhantes no futuro, ocorreu na jurisdição do Rio de Janeiro. Tratava-se de ação civil pública, sob o nº 0140043-19.1999.8.19.0001, intentada pelo Município do Rio de Janeiro em face de Artur da Rocha Mendes Neto, objetivando a reparação dos danos morais e patrimoniais causados à coletividade daquela municipalidade pela destruição de seu ecossistema, ocasionada pelo Requerido, provocada pelo corte de árvores, supressão do sub-bosque e início de construção não licenciada em terreno próximo ao Parque Estadual de Pedra Branca.
O juiz de primeira instância julgou o pedido parcialmente procedente, reconhecendo apenas o dano de natureza material. Com efeito, a sentença condenou a parte ré a desfazer as obras executadas irregularmente, remover o entulho e plantar 2.800 espécies de plantas nativas daquela região.
Inconformado com a decisão acima referida, o Município do Rio de Janeiro interpôs Recurso de Apelação, sob o nº 2001.001.14586, para que também fosse reconhecida a ocorrência de dano moral ambiental.
Desta feita, a 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgou o recurso totalmente procedente, admitindo a ocorrência de dano moral ambiental e condenando o apelado a pagar o equivalente a 200 salários-mínimos.
Observa-se, com esse acórdão, que o dano ambiental material é perfeitamente cumulável com o dano ambiental moral, e, a respeito desta cumulatividade, o STJ editou a súmula nº 37, já mencionada anteriormente, que estabelece: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.” No caso de danos ao meio ambiente, portanto, a condenação que impõe o dever de reparação patrimonial, também pode reconhecer a ocorrência de dano moral.
Ainda sobre o acórdão acima referido, comentou Carlos Alberto Bittar Filho, em brilhante artigo intitulado “A consagração da noção de dano moral ambiental coletivo no direito brasileiro”: “Absolutamente escorreito o respeitável acórdão, pois o dano ambiental não consiste apenas e tão-somente na lesão ao equilíbrio ecológico, afetando igualmente outros valores precípuos da coletividade a ele ligados, a saber: a qualidade de vida e a saúde (grifo nosso). É que esses valores estão intimamente inter-relacionados, de modo que a agressão ao ambiente afeta diretamente a saúde e a qualidade de vida da comunidade (CF, art. 225).”
É importante ainda considerar que, enquanto a reparação dos danos ambientais materiais objetiva, principalmente, o retorno ao status quo ante, tendo em vista que a reparação em pecúnia não está em conformidade com os princípios basilares do Direito Ambiental, sendo utilizada apenas quando for impossível a recuperação da área degradada, a reparação do dano ambiental moral dá-se, por óbvio, através de indenização. Tal indenização, com valor arbitrado pelo livre convencimento do juiz, tem caráter sancionatório e educativo, objetivando reprimir a ocorrência de danos semelhantes no futuro.
Entretanto, a jurisprudência até então formada a respeito da ocorrência de dano ambiental moral não era uniforme, pois, por vezes, admitia a prática de referido dano, e, em outras, negava a sua ocorrência.
As decisões que negavam a prática de dano moral ambiental coletivo fundamentavam-se, principalmente, na impossibilidade da ocorrência de dano moral contra a coletividade, tendo em vista que tal dano teria caráter tipicamente individual, em razão dos sentimentos de dor e angústia serem sentidos somente pelo indivíduo, além do fato de o dano moral ser incompatível com a ideia de indivisibilidade do dano e de indeterminação das vítimas.
Como exemplo, podemos citar a ApCiv nº 1.0702.96.019524-7/001, interposta pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais, no Tribunal de Justiça daquela circunscrição, em face de Bar Restaurante Tribuna Livre Ltda. No caso, a sentença prolatada nos autos do processo nº 070296019524-7, denegou a ocorrência de dano moral ambiental coletivo aos habitantes de Uberlândia, dano este que, segundo o Apelante, decorreu da poluição sonora praticada pela Apelada e suportada durante anos a fio pelos moradores daquela região.
No acórdão proferido pela 2ª Câmara Cível daquele tribunal, o relator do processo, o Des. Francisco Figueiredo, afirmou que, de fato, a poluição sonora causou grandes transtornos aos habitantes das localidades próximas ao referido bar, entretanto, tais transtornos não poderiam configurar dano moral ambiental, pois “a eventual afetação ambiental não tem como importar em ofensa moral a ser indenizável e muito menos restaria evidenciada uma dor suportada pela comunidade e que pudesse ser traduzida em reparação pecuniária”.
Também julgando improcedente o pedido formulado pelo Apelante, mas por razões diversas daquelas proferidas pelo relator, o voto do Des. Nilson Reis, por sua vez, admitiu a ocorrência de dano moral ambiental contra a coletividade, em especial os moradores nas proximidades vizinhas à Apelada, tendo em vista que a perturbação do bar tirava-lhes o sossego e a tranquilidade do lar. Entretanto, como a inicial do referido processo requeria que o valor a título de indenização por tais danos fosse revertido aos cofres públicos do Município de Uberlândia, não havia como julgar este pedido procedente. Isto porque o dano foi provocado contra os habitantes de Uberlândia, e não contra o referido Município. Neste sentido, assim se pronunciou o Des. Nilson Reis:
[...] porque direito personalíssimo, impossível, concessa vênia, a postulação recursal do ilustre representante do Ministério Público, que não é, no caso dos autos, substituto processual ou detentor de legitimidade para reclamar indenização por danos morais ao Município, invocando, para tanto, o art. 1º da Lei 7.347/85, inaplicável, portanto.
Inteira razão assiste ao voto acima citado, considerando que o bem ambiental brasileiro não é considerado um bem público, nem privado, mas um bem de interesse público. Assim, a lesão perpetrada contra o bem ambiental que, por consequência, provoque dano moral à coletividade, há de ser reparada mediante a fixação de quantum indenizatório a ser revertido ao Fundo para Recuperação dos Bens Lesados, conforme prevê o art. 13 da Lei nº 7.347/1985.
Interessante observar que, na legislação italiana (Lei 349/86), por exemplo, o bem ambiental é considerado bem público e, desta forma, somente o estado tem legitimidade ativa para propor ações relativas ao meio ambiente. Em consequência disso, Morato Leite destaca que a classificação do bem ambiental como bem público pela legislação italiana dificulta ainda mais as formas de reparação do meio ambiente e do exercício da cidadania ambiental.
O fato é que, somente no ano de 2006, o Superior Tribunal de Justiça pôde analisar concretamente, pela primeira vez, a ocorrência de dano moral ambiental. A expectativa era de que o Egrégio Tribunal, finalmente, consolidasse esta modalidade de dano e finalizasse as divergências jurisprudenciais entre os tribunais de todos os estados do país.
Ocorre, entretanto, que o STJ não se posicionou favoravelmente à ocorrência de dano moral ambiental, como será adiante demonstrado.
Tratava-se de ação civil pública intentada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra o Município de Uberlândia e a empresa Empreendimentos Imobiliários Canaã Ltda., objetivando a suspensão das atividades de loteamento nos bairros Jardim Canaã I e II, atividades pelas quais os Requeridos eram responsáveis, e que, segundo laudos técnicos, estavam provocando a degradação da área loteada, motivo pelo qual o Autor requeria a condenação dos réus à reparação dos danos materiais e morais provocados.
A sentença proferida pelo juiz a quo julgou procedente o pedido formulado pelo Autor, condenando os réus a adotarem medidas mitigadoras capazes de cessar a erosão do solo, que contribuía para a destruição de matas e de nascentes de água, além da condenação pelos danos morais coletivos decorrentes do descaso e da ilicitude da conduta dos requeridos, fixados no montante indenizatório de R$ 50.000,00, para cada um dos réus.
Todavia, referida sentença foi apreciada pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, em obediência à regra do duplo grau de jurisdição obrigatório, e o acórdão proferido por aquele tribunal reformou a mencionada decisão para excluir a condenação por danos morais, pronunciando-se da seguinte forma:
A condenação dos apelantes em danos morais é indevida, posto que dano moral é todo o sofrimento causado ao indivíduo em decorrência de qualquer agressão aos atributos da personalidade ou aos seus valores pessoais, portanto de caráter individual, inexistindo qualquer previsão de que a coletividade possa ser sujeito passivo do dano moral.
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, então, interpôs Recurso Especial contra o acórdão acima referido e, por três votos a dois, o tal recurso foi improvido.
O relator do processo, o Min. Luiz Fux, defendeu brilhantemente a ocorrência de dano moral ambiental coletivo no caso em comento, assim como o Min. José Delgado, sendo vencidos pelos votos proferidos pelos ministros Teori Zavascky, Francisco Falcão e Denise Arruda.
O Min.Teori Zavascky fundamentou seu voto-vista na necessária vinculação do dano moral com o indivíduo, na medida em que somente este é capaz de ter sentimentos de dor e angústia, impossíveis de serem sentidos pela coletividade e, apesar de alegar que o dano ecológico pode, em tese, ocasionar também dano moral, entendeu que, no caso em comento, bastava a determinação de medidas reparatórias do dano ocasionado, sem que fosse necessário se falar em dano moral, mesmo porque o Autor da ação ora analisada não havia especificado em que exatamente consistiria este dano moral.
Seguindo essa mesma linha de raciocínio, o Min. Francisco Falcão também não reconheceu a inexistência de dano moral.
A Min. Denise Arruda, por sua vez, reconheceu ser plenamente possível a ocorrência de dano moral ecológico. Este, entretanto, não estava evidenciado nos autos, ou seja, o dano moral não estava efetivamente comprovado.
Já se disse que a previsão do dano moral coletivo em nossa legislação é bastante recente, introduzida com a Lei nº 8.884/94, que modificou a redação do art. 1º da Lei de Ação Civil Pública – Lei 7.347/85.
Impende destacar que tal previsão legislativa surgiu para atender às constantes transformações e crescentes complexidades ocorridas na sociedade. Assim, se durante muito tempo ignorou-se a tutela jurídica do meio ambiente, o mesmo não poderia mais continuar ocorrendo, uma vez que os danos provocados contra a natureza acabaram sendo revertidos contra a própria sociedade.
Todavia, a previsão legislativa pura e simples do dano moral ambiental difuso mostra-se insuficiente para aplicação em casos concretos, na medida em que a evolução legislativa não foi acompanhada pelo pensamento dos operadores do direito.
Neste sentido, manifesta-se Alexandre Amaral Gravonsky, em seu artigo intitulado “A tutela coletiva do século XXI e sua inserção no paradigma jurídico emergente”, afirmando que “alterações legislativas desacompanhadas de mudança de mentalidade de seus aplicadores ou dissociadas do paradigma jurídico dominante, acabam por ter comprometida sua eficácia”.
É o que ocorre, por exemplo, com a previsão legislativa do dano moral ambiental coletivo, tendo em vista que inúmeros julgados negaram a sua ocorrência em virtude de entendimentos jurídicos obsoletos.
Assim, torna-se necessário, diante da novidade da tutela coletiva, promover a revisão de princípios e regras que norteiam a atividade jurisdicional no que diz respeito à reparabilidade do dano moral ecológico, considerando que referido dano não tem sido reconhecido em casos concretos por entender-se que o dano moral se aplica tão somente ao indivíduo, além de não ser possível harmonizar tal dano com a noção de indeterminação das vítimas.
Ocorre, entretanto, que já faz algum tempo que o entendimento do dano moral como atributo exclusivo do indivíduo não tem mais razão de ser, isto porque, dentre outros motivos, o próprio Superior Tribunal de Justiça, após uma série de controvérsias, se manifestou favoravelmente ao reconhecimento do dano moral às pessoas jurídicas, editando a súmula nº 227.
Na época das discussões, formaram-se duas correntes doutrinárias: uma que defendia veementemente a existência do dano moral às pessoas jurídicas e outra que negava ferrenhamente o reconhecimento de referido dano a tais pessoas.
A parcela da doutrina que entendia que o dano moral não se aplicava às pessoas jurídicas defendia que tal dano somente se configurava quando desrespeitado o princípio da dignidade da pessoa humana, que, como o próprio nome sugere, somente pode ser aplicado às pessoas naturais, e não às pessoas jurídicas.
Em outras palavras, essa teoria estabelecia que somente o indivíduo poderia pleitear dano moral, em razão de que somente a pessoa física era capaz de sofrer abalo psicológico, ocasionado por ofensa a um ou mais direitos da personalidade, não podendo, desta forma, ser sentido pela pessoa jurídica, ente fictício e representativo das pessoas físicas.
Nesta linha de raciocínio, Frota (2008, p. 244/245) afirmou que equiparar as pessoas jurídicas
[...] para fins de reparação por danos não-materiais é comprometer a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana alinhavado na Constituição Federal de 1988, o que acarreta a redução e o descompromisso do discurso do direito com os valores e princípios constitucionais, a ceder às tentações neoliberais de flexibilidade e desregulamentação.
Os juristas que negavam o reconhecimento do dano moral às pessoas jurídicas acrescentavam ainda que a ofensa à reputação ou à honra da pessoa jurídica configurava, na realidade, um dano econômico, na medida em que acabava por refletir nos rendimentos e lucros percebidos por aquele ente fictício.
Por outro lado, aqueles que entendiam que o dano moral se estendia às pessoas jurídicas dividiam o conceito de honra em dois aspectos: subjetivo e objetivo.
A honra subjetiva dizia respeito à imagem que cada indivíduo tinha de si próprio, e a lesão a esta imagem configurava, notadamente, dano moral, por ofensa aos direitos intrínsecos da personalidade humana, conhecidos como direitos da personalidade.
Por outro lado, a honra objetiva referia-se à imagem que a sociedade formava sobre determinada pessoa, e, desta forma, poderia também ser aplicada às pessoas jurídicas, tendo em vista que o dano à reputação de tais entes prejudicava severamente o desempenho de suas atividades no mercado.
Assim, o dano à boa imagem de determinada pessoa jurídica poderia perfeitamente ser considerado dano moral, uma vez que a estas pessoas se estendiam, no que coubesse, os direitos da personalidade, nos termos da redação do art. 52 do Código Civil.
E mais, o dano moral às pessoas jurídicas depreendia-se do próprio texto constitucional, conforme asseverou Cavalieri Filho (2008, p.97), nos seguintes termos:
Ademais, após a Constituição de 1988 a noção de dano moral não mais se restringe à dor, sofrimento, tristeza etc., como se depreende do seu art. 5º, X, ao estender a sua abrangência a qualquer ataque ao nome ou imagem da pessoa física ou jurídica, com vistas a resguardar a sua credibilidade e respeitabilidade. Pode-se, então, dizer que, em sua concepção atual, honra é o conjunto de predicados e condições de uma pessoa, física ou jurídica, que lhe conferem consideração e credibilidade social; é o valor moral e social da pessoa que a lei protege ameaçando de sanção penal e civil a quem ofende por palavras ou atos.
O STJ pacificou este entendimento ao editar a súmula nº 227. Na ocasião, o Egrégio Tribunal julgava o Recurso Especial nº 60033-22, de Minas Gerais, e o eminente Min. Ruy Rosado de Aguiar, relator do processo, assim se pronunciou:
Quando se trata de pessoa jurídica, o tema da ofensa à honra propõe uma distinção inicial: a honra subjetiva, inerente à pessoa física, que está no psiquismo de cada um e pode ser ofendida com atos que atinjam a sua dignidade, respeito próprio, auto-estima, etc., causadores de dor, humilhação, vexame; a honra objetiva, externa ao sujeito, que consiste no respeito, admiração, apreço, consideração que os outros dispensam à pessoa. Por isso se diz ser a injúria um ataque à honra subjetiva, à dignidade da pessoa, enquanto a difamação é ofensa à reputação que o ofendido goza no âmbito social onde vive. A pessoa jurídica, criação da ordem legal, não tem capacidade de sentir emoção e dor, estando por isso desprovida de honra subjetiva e imune à injúria. Pode padecer, porém, de ataque à honra objetiva, pois goza de uma reputação junto a terceiros, passível de ficar abalada por atos que afetam o seu bom nome no mundo civil ou comercial onde atua.
Desta forma, uma das características tradicionais do dano moral, notadamente a de que o mesmo só poderia atingir pessoa física, sofria considerável flexibilização para incluir também as pessoas jurídicas como titulares do direito à reparação por dano moral, uma vez que estas mereciam semelhante proteção a que é dada aos indivíduos no que diz respeito à sua reputação, nos moldes formulados no próprio texto constitucional.
Por fim, cumpre registrar o seguinte comentário extraído do artigo “Possibilidade de cumulação de obrigação de fazer ou não fazer com indenização nas ações civis públicas para reparação de danos ambientais”, de Ana Maria Marchesan, Annelise Monteiro Steigleder e Silvia Cappelli:
Com a aceitação de que a proteção dos valores morais não está restrita aos valores morais individuais da pessoa física, tem-se o primeiro passo para que se admita a reparabilidade do dano moral em face da coletividade que, apesar de ente despersonalizado, possui valores morais e um patrimônio ideal que merece proteção.
Em momento anterior, mencionou-se que o surgimento dos direitos da personalidade possibilitou a ressarcibilidade por danos morais.
Por serem intrínsecos à pessoa humana, e em atendimento ao princípio da dignidade humana, constituem características dos direitos da personalidade: a inalienabilidade, a indisponibilidade e a imprescritibilidade.
Também já se disse que os direitos da personalidade não são estáveis, pelo contrário, passam por contínuas transformações a fim de satisfazer as novas exigências da sociedade.
Em nosso ordenamento jurídico, os direitos da personalidade estão, exemplificativamente, previstos no art. 5º da Constituição Federal, elencados como direitos e garantias fundamentais.
Entretanto, o legislador constituinte também estabeleceu, no art. 225, caput, da Constituição, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”, o que, na visão de alguns doutrinadores, constitui, além de um direito difuso, mais um exemplo de direito da personalidade, e mais, um direito da personalidade de índole coletiva.
Explica-se: o art. 5º, caput, da Constituição, prevê que cada indivíduo tem garantido o direito à vida. Entretanto, para que esta garantia possibilite a realização plena da personalidade humana, não basta simplesmente o direito à vida. Este deve ser complementado pelo direito à qualidade de vida, ou, nos termos do art. 225, da Constituição, pelo direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Segundo expõe Milaré, em seu artigo intitulado “Meio Ambiente e os Direitos da Personalidade”:
[...] não existe qualidade de vida sem qualidade ambiental e é exatamente esse liame indissociável entre os dois conceitos que erige o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado a direito humano fundamental e, mais que isso, a uma das espécies dos chamados direitos personalíssimos.
Assim, o indivíduo é titular do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto direito personalíssimo. Todavia, o direito à sadia qualidade de vida também pode ser exercido pela coletividade.
Neste sentido, leciona Morato Leite (2011, p. 281):
No que tange à equiparação do direito ao ambiente sobre interesses que dizem respeito à pessoa, entende-se que, no sistema brasileiro, esta hipótese transcende a pessoa singularmente considerada e dirige-se a uma personalidade coletiva ou difusa, considerando que a finalidade de proteção diz respeito a todos.
O autor supracitado ainda acrescenta:
Desta forma, ao lesar o meio ambiente, ofende-se a um direito ou interesse dúplice e concomitante, isto é, da pessoa singular indeterminada e de toda a coletividade. Com efeito, trata-se de um direito da personalidade de dimensão coletiva e que, em sua cota parte, pertence singularmente ao indivíduo, mas de forma indeterminada.
Desta forma, mais uma vez, o Direito Ambiental exige a adaptação de institutos jurídicos clássicos para a efetiva tutela do meio ambiente. Assim, possibilitou-se a extensão dos direitos da personalidade, antes restritos ao indivíduo, também à coletividade, nos casos de dano extrapatrimonial ao meio ambiente.
Em outras palavras, a proteção da personalidade humana está intimamente ligada à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma vez que a qualidade de vida e a saúde configuram elementos imprescindíveis para o desenvolvimento da personalidade humana. Portanto, o indivíduo é titular do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, assim como a coletividade, em razão de tal direito ser também um direito difuso.
Ainda existe grande controvérsia no Superior Tribunal de Justiça a respeito da necessidade ou não de se comprovar o dano moral ambiental coletivo. A título de exemplificação, cita-se as ementas de alguns julgados daquele tribunal:
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. FRAUDE EM LICITAÇÃO REALIZADA PELA MUNICIPALIDADE. ANULAÇÃO DO CERTAME. APLICAÇÃO DA PENALIDADE CONSTANTE DO ART. 87 DA LEI 8.666/93. DANO MORAL COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INDICAÇÃO DE DISPOSITIVO NÃO DEBATIDO NA INSTÂNCIA "A QUO".
1. A simples indicação dos dispositivos tidos por violados (art. 1º, IV, da Lei 7347/85 e arts. 186 e 927 do Código Civil de 1916), sem referência com o disposto no acórdão confrontado, obsta o conhecimento do recurso especial. Incidência dos verbetes das Súmula 282 e 356 do STF.
2. Ad argumentandum tantum , ainda que ultrapassado o óbice erigido pelas Súmulas 282 e 356 do STF, melhor sorte não socorre ao recorrente, máxime porque a incompatibilidade entre o dano moral, qualificado pela noção de dor e sofrimento psíquico, e a transindividualidade, evidenciada pela indeterminabilidade do sujeito passivo e indivisibilidade da ofensa objeto de reparação, conduz à não indenizabilidade do dano moral coletivo, salvo comprovação de efetivo prejuízo dano.
3. Sob esse enfoque decidiu a 1ª Turma desta Corte, no julgamento de hipótese análoga, verbis:
"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL COLETIVO. NECESSÁRIA VINCULAÇÃO DO DANO MORAL À NOÇÃO DE DOR, DE SOFRIMENTO PSÍQUICO, DE CARÁTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOÇÃO DE TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE DA OFENSA E DA REPARAÇÃO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO." (Resp 598.281/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02.05.2006, DJ 01.06.2006)
4. Nada obstante, e apenas obiter dictum, há de se considerar que, no caso concreto, o autor não demonstra de forma clara e irrefutável o efetivo dano moral sofrido pela categoria social titular do interesse coletivo ou difuso, consoante assentado pelo acórdão recorrido:"...Entretanto, como já dito, por não se tratar de situaçãotípica da existência de dano moral puro, não há como simplesmente presumi-la. Seria necessária prova no sentido de que a Municipalidade, de alguma forma, tenha perdido a consideração e a respeitabilidade e que a sociedade uruguaiense efetivamente tenha se sentido lesada e abalada moralmente, em decorrência do ilícito praticado, razão pela qual vai indeferido o pedido de indenização por dano moral".(Resp 821.891 – RS, Rel. Min. Luiz Fuz, disponibilizado no DJE em 09/05/2008).
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS - DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO - ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.
1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base.
2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos.
3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade.
4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo.
5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstâncias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão.
6. Recurso especial parcialmente provido.
Note-se que os julgados acima indicados não se referem especificamente ao dano moral ambiental coletivo, em virtude de o mesmo, até o momento, só ter sido analisado no REsp. 598.281/MG. Entretanto, as ementas apresentadas tratam da necessidade ou não de comprovação do dano moral coletivo em sentido amplo. No primeiro caso, exige-se a comprovação do efetivo dano. No segundo, o mesmo é dispensado.
Inicialmente, cumpre afirmar que tal divergência remete-nos às discussões relativas à própria consecução do dano moral no seu aspecto individual. Sendo assim, deve-se destacar que é comum nos casos envolvendo dano moral individual fazer a distinção entre este e o que seriam “meros aborrecimentos”. Neste último caso, o agente estaria desobrigado de indenizar em razão de tais aborrecimentos fazerem parte da vida cotidiana em sociedade.
Neste sentido, vale a pena citar os ensinamentos de Cavalieri Filho (2008, p.83-84):
Só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. [...] Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüência, e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados dano moral quanto tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém.
Em que pese a veracidade das afirmações do mencionado autor, tornou-se comum nas ações envolvendo danos morais a alegativa de que o suposto dano ocasionado configuraria meras chateações. E mais, também se passou a questionar a ausência de provas nos autos que demonstrassem a dor, o vexame, o sofrimento ou a humilhação, suportados pela vítima.
A questão é bastante complexa. Ora, como comprovar materialmente algo que é por essência imaterial, intangível? Desta forma, construiu-se a noção do dano moral in re ipsa para alguns casos específicos.
O dano moral in re ipsa é aquele que independe de comprovação, pois decorre do próprio fato, ou seja, o dano ocasionado é presumido. Assim, constitui exemplo de dano moral in re ipsa a inscrição indevida do consumidor nos órgãos de restrição ao crédito.
Após estas breves considerações, cumpre afirmar que para a reparação do dano moral ambiental coletivo também se mostra razoável a desnecessidade de sua comprovação, afinal, o que poderia ser utilizado concretamente para comprovar que a degradação de determinado bem ambiental trouxe prejuízo à saúde e à qualidade de vida de toda a coletividade?
Em outras palavras, a adoção do dano moral in re ipsa nos casos envolvendo danos extrapatrimoniais ambientais garante maior efetividade à proteção do meio ambiente, pois os casos que envolvem dano moral decorrente de degradação dos bens ambientais, muitas vezes, são difíceis de serem comprovados, apesar de o dano ser evidente e inconteste.
O certo é que o dano moral coletivo prescinde da comprovação de dor e de sofrimento, tendo em vista que estes só podem ser apurados na esfera subjetiva, e, em alguns casos, mesmo quando se trata de dano moral individual, a comprovação do dano é dispensada, pois presumida. Portanto, exigir que o dano moral ambiental coletivo seja comprovado torna quase impossível a ressarcibilidade de referido dano, indo contra os princípios norteadores do Direito Ambiental.
Vale a pena citar um trecho da obra de Morato Leite (2011, p. 294):
[...] há que se considerar como suficiente para a comprovação do dano extrapatrimonial a prova do fato lesivo – e intolerável – ao meio ambiente. Assim, diante das próprias evidências fáticas da degradação ambiental intolerável, deve-se presumir a violação ao ideal coletivo relacionado à proteção ambiental e, logo, o desrespeito ao direito humano fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
É interessante notar que o supramencionado autor destacou que a ação contra o meio ambiente deve ser intolerável, ou seja, deve causar desequilíbrio ecológico, pois para que a interferência humana na natureza seja considerada lesiva, deve ultrapassar o limite de tolerabilidade.
Entretanto, a ideia de descabimento de comprovação do dano moral ambiental coletivo ainda sofre forte resistência entre os aplicadores do direito, e, por isso, a maioria das ações buscando a ressarcibilidade de referido dano têm sido declaradas improcedentes, inclusive pelo STJ.
Ademais, o próprio dano patrimonial ambiental é de difícil comprovação. Já se mencionou que a responsabilidade objetiva necessita tão somente de três elementos: a atuação do agente causador do dano, o próprio dano, obviamente, e o nexo de causalidade entre um e outro, abdicando-se da comprovação de culpa. Apesar de adotar-se a responsabilidade objetiva para a apuração de danos ambientais, muitas vezes esta prática se torna insuficiente, na medida em que existem entraves procedimentais para o reconhecimento da presença daqueles elementos.
Assim, em relação ao agente causador do dano ambiental, cumpre destacar que este quase nunca é perfeitamente identificado, isto porque, na maioria das vezes, o dano ambiental decorre de atividades desenvolvidas por variados agentes, de forma sucessiva, ou, até mesmo, de maneira cumulativa. Morato Leite (2011, p. 178) assim coloca a questão: “Levando em conta que o dano ambiental é de difícil individualização, torna-se árduo constatar a parte de cada um, em consequência de uma lesão conjuntamente provocada”.
O autor supramencionado assevera que, nestas situações, mostra-se adequada a adoção da teoria da causalidade alternativa do dano, segundo a qual todos os envolvidos direta ou indiretamente na prática do ato lesivo serão considerados solidariamente responsáveis, conforme previsão do art. 942, “in fine”, do Código Civil, formando-se, desta forma, um litisconsórcio facultativo, ressalvando-se, ainda, a possibilidade de eventual ação de regresso de um dos demandados em face de outro agente.
No mesmo sentido tem se posicionado a jurisprudência brasileira, inclusive com precedentes do próprio Superior Tribunal de Justiça, que publicou seu entendimento no Informativo de Jurisprudência nº 388 (referente ao período de 23 a 27 de março de 2009), com a seguinte redação:
A questão em causa diz respeito à responsabilização do Estado por danos ambientais causados pela invasão e construção, por particular, em unidade de conservação (parque estadual). A Turma entendeu haver responsabilidade solidária do Estado quando, devendo agir para evitar o dano ambiental, mantém-se inerte ou atua de forma deficiente. (...) Assim, sem prejuízo da responsabilidade solidária, deve o Estado – que não provocou diretamente o nem obteve proveito com sua omissão – buscar o ressarcimento dos valores despendidos do responsável direto, evitando, com isso, injusta oneração da sociedade.
Superada a questão relativa à multiplicidade de agentes causadores do dano ambiental, surge outro obstáculo referente à comprovação do nexo de causalidade, isto porque, além de os agentes serem diversos, também pode haver um lapso temporal muito grande entre o dano provocado e a sua manifestação.
Por este motivo, Morato Leite (2011, p. 180) defende que a certeza da causalidade é incompatível com a apuração do dano ambiental, ressaltando a necessidade de abrandar-se o nexo de causalidade por meio da utilização da probabilidade de ocorrência do dano, a fim de evitar prejuízos irreparáveis.
Em que pese o fato de a jurisprudência brasileira ainda se mostrar relutante em adotar a ideia do autor acima indicado, alguns julgados têm se destacado por afastarem a necessidade de comprovação da lesividade concreta por restar configurada a sua possibilidade, como, por exemplo, no julgamento da Apelação Cível n. 99.013600-0 - Des. Luiz Cézar Medeiros, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, senão vejamos:
Presta-se a ação civil pública para defesa do meio-ambiente e para obrigar o proprietário a demolir construção erguida em área não edificável, destinada por lei federal e municipal à preservação permanente, não sendo exigível para a sua propositura a prova de dano efetivo, mas apenas sua probabilidade; suficiente a ameaça de dano para justificar a via processual.
Cumpre mencionar ainda que a jurisprudência brasileira, inclusive o STJ, tem interpretado que a inversão do ônus da prova, prevista no art. 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor, também se aplica em casos que envolvem danos ambientais, com fundamento no princípio da precaução, conforme Informativo de Jurisprudência nº 404, que assim dispõe:
Trata-se da inversão do ônus probatório em ação civil pública (ACP) que objetiva a reparação de dano ambiental. A Turma entendeu que, nas ações civis ambientais, o caráter público e coletivo do bem jurídico tutelado – e não eventual hipossuficiência do autor da demanda em relação ao réu – conduz à conclusão de que alguns direitos do consumidor também devem ser estendidos ao autor daquelas ações, pois essas buscam resguardar (e muitas vezes reparar) o patrimônio público coletivo consubstanciado no meio ambiente. A essas regras, soma-se o princípio da precaução.
Pelo exposto, pode-se concluir que se, por vezes, é difícil apurar a responsabilidade pelo dano ambiental material, mais difícil ainda é comprovar o dano ambiental moral, daí a necessidade de abdicar-se de sua comprovação.
Por fim, conforme afirmado por José Rubens Morato Leite e Pery Saraiva Neto, em artigo intitulado A prova judicial do nexo de causalidade do dano ambiental: prova indiciária e sua valoração em um contexto de incertezas
[...] se a realidade ambiental assenta-se em um contexto de incertezas, descabido que se prossiga tratando a prova judiciária como um mecanismo de construção de supostas certezas. A lógica ambiental funda-se na imprecisão, de modo que, para impor responsabilidades, descabido exigir verdades absolutas, [...] no mais das vezes inatingíveis.
Pelo exposto, pode-se afirmar que enquanto prevalecer a ideia de que o dano moral exige necessariamente a presença dos sentimentos de dor, sofrimento e angústia para estar configurado, não será possível reparar os danos extrapatrimoniais ambientais coletivos.
No REsp 598.281/MG, já analisado em momento anterior, o Min. Teori Albino Zavascky assim se pronunciou: “O dano ambiental ou ecológico pode, em tese, acarretar também dano moral – como, por exemplo, na hipótese de destruição de árvore plantada por antepassado de determinado indivíduo, para quem a planta teria, por essa razão, grande valor afetivo”.
Ora, em seu voto vista referido ministro foi extremamente simplista diante da complexidade do dano moral ambiental coletivo. Não se trata de comparar a natureza com os objetos que atribuímos valor afetivo, como, por exemplo, o anel de noivado, mas de reconhecer que a lesão ao bem ambiental provoca a diminuição da qualidade de vida, da saúde e do bem-estar da coletividade.
Desta forma, a admissibilidade do dano moral coletivo ambiental trata de reconhecer que os valores imateriais da coletividade são profundamente abalados em casos de degradação ambiental, porquanto o meio ambiente é o habitat de todas as formas de vida, inclusive, a humana, e a destruição do bem ambiental põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.
Assim, a responsabilização civil por danos extrapatrimoniais ambientais é mais uma das formas encontradas para reprimir a devastação ambiental. E mais, o montante fixado a título indenizatório deve ter caráter sancionatório e pedagógico, visando impedir a ocorrência de danos no futuro, sem falar no caráter compensatório, uma vez que a indenização se destina a um fundo para recuperação do ambiente local.
Deve-se atentar para o fato de que essa nova percepção de responsabilidade civil decorre dos novos conflitos enfrentados pela sociedade contemporânea, que ultrapassam os interesses individuais.
Neste sentido, cabe destacar que a ofensa ao meio ambiente atinge um número indeterminado de pessoas, inclusive as gerações vindouras. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado insere-se, pois, na categoria dos chamados direitos difusos, transindividuais ou metaindividuais.
Assim, surgiu a tutela coletiva processual brasileira, desenvolvida com a Lei de Ação Civil Pública, com o objetivo de adequar-se às concepções fáticas e jurídicas da atualidade, mas que, dada a sua recente criação, ainda encontra entraves para sua aplicação em casos concretos.
Ademais, seria uma enorme contradição jurídica permitir que os danos à coletividade, morais ou materiais, ficassem sem reparação, e até mesmo fossem estimulados, diante da inexistência de meios que coibissem sua prática, enquanto o dano na esfera individual é considerado perfeitamente indenizável.
Infere-se, então, que a responsabilização civil por dano moral ambiental coletivo visa a ampla proteção do ser humano, porquanto o meio ambiente caracteriza-se por ser um direito fundamental e intercomunitário.
Como derradeira observação sobre o tema, importa destacar a necessidade de diferenciação dos pressupostos do dano moral individual e do dano moral coletivo. O primeiro já é amplamente aceito e integra a tutela individual. O segundo, por sua vez, tem pouco mais de um quarto de século de existência e enfrenta grandes controvérsias.
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Bacharel em Direito e Analista de Documentos em Cartório de Registro de Imóveis da 4ª Zona de Fortaleza-CE
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Janaína De Santiago. O reconhecimento do dano moral ambiental coletivo no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2021, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56787/o-reconhecimento-do-dano-moral-ambiental-coletivo-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
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