RESUMO: O presente artigo tem como objetivo o estudo da paternidade socioafetiva voltado ao direito, reconhecendo que a afetividade prevalece buscando uma melhor forma de auxiliar os aplicadores do direito na compreensão desse instituto, assim como verificar quais os critérios que deverão ser analisados juridicamente de forma que os mesmos estejam garantidos, seja calçado pela lei, doutrina ou jurisprudências.
PALAVRAS-CHAVE: Paternidade Socioafetiva; Filiação; Direito; Família.
ABSTRACT: This article aims at the study of socio-affective paternity focused on the law, recognizing that affectivity prevails by seeking a better way to help lawyers in the understanding of this institute, as well as to verify which criteria should be analyzed legally so that guaranteed by law, doctrine or jurisprudence.
KEYWORDS: Socio-Affective Paternity; Affiliation; Law; Family.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DO DIREITO DE PERSONALIDADE. 3. PATERNIDADE; 4. DIVERSAS FORMAS DE PATERNIDADE. 5. REGISTRO E AUSÊNCIA DO VINCULO BIOLÓGICO. 6. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. 7. OS EFEITOS. 7.1 Efeitos pessoais. 7.2. Dos Efeitos Patrimoniais. 7.2. Efeitos de sucessão. 8. CONSIDERAÇÕES FINAIS. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Hodiernamente vê-se que no decorrer dos tempos passou-se a considerar na sociedade os vários modelos de família, dentre os quais aquele fundamentado nos laços adquiridos através da convivência, onde filhos recebem a proteção, o carinho e os cuidados necessários de pais que não são propriamente os biológicos e os pais em reciprocidade quando precisam também são cuidados pelos filhos socioafetivos.
Dentre os principais meios observa-se que os princípios da dignidade da pessoa humana, o da igualdade e intrinsecamente o da afetividade amparado no art. 226 § 4º, 277, caput, § 5º c/c § 6º da Constituição Federal, é o que mais têm-se utilizado nos tribunais para fundamentar o pedido, que nem sempre é favorável, pois o entendimento jurisdicional ainda não encontra-se devidamente pacificado ficando a critério e visão de cada julgador, mesmo que o STJ- Superior Tribunal de Justiça e STF- Supremo Tribunal Federal entendam que tanto a paternidade quanto a filiação sociafetiva possuem alta relevância observando-se cada caso em concreto, os quais na maioria das vezes devem sobrepor-se aos laços meramente biológicos, enfatizando a isonomia constitucional.
Diante desse questionamento observa-se a necessidade de que sejam devidamente entendidos os seguintes itens: o que são os direitos de personalidade no âmbito jurídico, o conceito de paternidade, as diversas formas de paternidade, registro e ausência de vinculo biológico, reconhecimento de paternidade sócioafetiva e/ seus efeitos.
O estudo objetiva de forma geral pesquisar os fundamentos constitucionais, doutrinários e jurisprudenciais cabíveis ao direito de paternidade sócioafetiva que garantam aos pais e filhos socioafetivos tais direitos de forma mais célere, e de forma específica revisar o ramo do Direito Civil de família, bem como, no que tange as relações socioafetivas entre pais e filhos; estudar os pressupostos para a aplicabilidade efetiva dos princípios da afetividade e dignidade da pessoa humana em tais relações; identificar as principais visões doutrinárias nos âmbitos jurídicos e jurisprudenciais que asseguram a proteção legal nas relações paterno-filial socioafetivas, utilizando como procedimento técnico a pesquisa bibliográfica.
2. DO DIREITO DE PERSONALIDADE
A Personalidade é todo grupo de propriedades importantes ou de forma que constituem a identidade própria de todo ser. É a estrutura prática dos elementos intelectivos, afetivos, fisiológicos e morfológicos de qualquer pessoa, que tem como consequência uma qualidade de prática permanente, cujos conceitos apontam alguma atividade, em todas as condições da vida: possibilidade de interação social, modo de pensar, sentir e agir.
Pode-se considerar que a personalidade é a forma de ser de cada um, a disposição para agir de alguma forma, conforme seu legado genético, sua história e princípios morais próprios. Este modo de vida da pessoa tem sua estrutura, e, é complementado de acordo com o sua natureza, que lhe possibilita ser único, e molda sua personalidade e o torna um ser especial.
A psicologia reflete que o modo de personalidade são a forma de ser do indivíduo, seu conhecimento e forma de sentir as emoções ou o meio de agir. Mas, quando esses traços são muito variáveis e mal colocados, pode-se dizer que há alguns transtornos de personalidade. Os problemas de personalidade, entre os quais são conceituados na psicologia, são: o de personalidade esquizoide, histriônica e borderline, formam uma classe de doença mental e etc.
Em seu artigo 226, §6º, a Constituição Federal defende a paternidade socioafetiva, sendo a equiparação da filiação de filhos naturais e adotados, como sendo iguais. De acordo com os princípios regedores dos direitos humanos, a família se desenvolveu se tornando um lugar de formação e desenvolvimento do homem, por meio de conhecimento da cultura, respeito, laços fraternais, dentre outros meios necessários para a harmonia do ambiente familiar.
A filiação era vista de forma discriminada, dividida em classes do tipo filhos legítima, ilegítima e legitimados, simples e unicamente pelo fato da família seguir a regra de que sua constituição era feita e aceita somente pelo casamento.
Na atualidade podemos conceituar a filiação não somente aquela moldada nos termos da moral familiar ou na constância do casamento, onde a verdade biológica era de certa forma desconsiderada juridicamente e passou a ser absoluta, mas, também a dos filhos nascidos de reprodução heteróloga, de fecundação artificial homóloga e de união estável, a filiação social, a adoção, a filiação socioafetiva, ou seja, assim como as famílias atuais estão estruturadas pela presença do vínculo afetivo paterno-filial, também o estado e a posse de filho afetivo alcançam o reconhecimento independente do tipo de concepção, prevalecendo o nascimento de fato.
Conforme conceitua Maria Helena Diniz, a filiação é uma ligação de parentesco consanguíneo, podendo também ser estabelecida pela relação paternidade socioafetiva, no caso de filiação adotiva e etc, in versis:
Filiação é o vínculo existente entre pais e filhos; vem a ser a relação de parentesco consanguíneo em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida, podendo, ainda, ser uma relação socioafetiva entre pai adotivo e institucional e filho adotado ou advindo de inseminação artificial heteróloga (DINIZ, 2005).
Os Direitos da Personalidade são aqueles que integram uma condição essencial da pessoa humana, como pressupostos de seus direitos fundamentais, de sua existência e de sua dignidade. Uma das principais projeções acerca dos reflexos da constitucionalização do direito privado se refere aos chamados direitos da personalidade. De fato, não se poderia deixar de reconhecer, face às profundas implicações da cada vez mais intensa implicação do Direito Público sobre o Direito Privado, que os direitos de personalidade, intimamente ligados ao próprio homem, poderiam deixar de ser afetados, por não mais ser visto o homem como um mero titular de propriedades (DINIZ, 2005, p. 426-427).
No Direito Civil, os direitos de personalidade podem ser estudos no Capitulo II, artigos 11 e seguintes, vejamos:
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.
Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. [...]
Portanto, é direito de conhecer quem é o genitor (origem genética), nesses casos o simples fato de se questionar o direito da personalidade, o qual prisma por cada pessoa ter esse direito titular da tutela humana, pois essa compreensão decorre do interesse relativo a questões de saúde, numa relação entre medidas preventivas de saúde.
É preciso salientar que o conhecimento da origem genética não se confunde com a identidade de filiação, pois o caso de conhecimento para obter direito à personalidade é extremamente excepcional e se aplica a casos de saúde de relevância maior, enquanto que estado de filiação é um dado construído por laços da convivência familiar (DELGADO, 2006).
Sendo assim, os direitos à honra, imagem e privacidade, que podem ser remetido como direitos da personalidade em geral, representam inegáveis elementos de proteção ao ser humano em face de ilícitos praticados pelos demais. Não se resguarda ao homem, nesse sentido, apenas sua integridade física e seu acervo patrimonial, mas sim lhe é reconhecida a existência de um conjunto de direitos de que dispõe, ainda que deixem de se revestir de conteúdo econômico.
O direito de personalidade esta elencado ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que se encontra no artigo 1º da Constituição Federal de 1988, no inciso III, in fine:
Artigo 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana;
A dignidade da pessoa “[...] não possui contornos exatos, podendo ser conhecida e reconhecida de maneiras diferentes por cada cidadão, de acordo com sua visão e valoração da vida” (LIMA, 2010, p. 68). Contudo, conceituar o referido princípio é tarefa complexa, como bem ensina Sarlet (2010, p. 36):
[...] não há como negar que uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, inclusive para efeitos de definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela no mínimo difícil de ser obtida, isto sem falar na inquestionável (e questionada) validade de se alcançar algum conceito satisfatório do que, afinal de contas, é e significa a dignidade da pessoa humana. Tal dificuldade, consoante exaustiva e corretamente destacado na doutrina [...].
Sendo assim, a dignidade da pessoa humana é um dos principais direitos básicos garantidos pela Constituição Federal, ao não ser assegurado esta confrontando diretamente a Carta Magna.
3. PATERNIDADE
Paternidade é um termo que vem do latim “paternita” e quer dizer ao conceito de da condição de ser pai. Isto significa que o homem que tenha tido um filho acede à paternidade, paternidade usa-se para designar a qualidade do pai (homem).
A paternidade apresenta a responsabilidade de um pai diante de seu filho, assim como proporcionar-lhe segurança e boa educação. Realizar a paternidade responsável significa a ética de cada pai que aceita seus serviços e obrigações como um dever moral, mas também como uma decisão livre marcada pelo amor. Qualquer pai responsável almeja o melhor do mundo e se preocupa com o bem-estar dos seus filhos.
O pai no âmbito da família, sempre foi considerado aquele que se presumia ser o pai, existia o fato certo de que se a esposa seria a mãe dos filhos do marido e esse independente da verdade biológica seria o pai, essa presunção era identificada pela presunção latina “pater is est quem nuptae demonstrant” , nada mais sendo que “qualquer que seja a origem o filho é do marido”.
Na época quem definia quem era ou não o pai era o sistema jurídico, certificando essa paternidade também definia que os filhos provenientes do matrimônio os eram de pleno direito, calçados no dever de fidelidade da esposa, regulava-se também a geração de sucessores.
Não que esta presunção tenha deixado de existir, pois a mesma ainda encontra-se respaldada no Código Civil, estabelecendo os devidos prazos para que a mulher possa novamente casar, de acordo com o art. 1.523, só se admite o casamento da mulher após 10 meses da viuvez ou da dissolução da sociedade conjugal, ainda o art. 1598, caso haja o casamento em período anterior, se o filho nascer antes de 300 dias, presume-se que o pai é o primeiro marido. Se nascer depois desse prazo, será considerado filho do atual marido.
Pode-se dizer que a condição de ser pai não mais é um ato físico, pode ser considerado como uma opção, visto que para excluir um pai presumido basta utilizar o exame de DNA- ácido desoxirribonucleico, que se obtém a prova da ausência de vínculo consanguíneo, já não há essa facilidade quando um pai optou por essa condição e adquiriu todos os direitos garantidos por conta do vínculo afetivo.
Por tanto tempo a presunção pater est foi a base para e definir a paternidade, atualmente com mais força e relevância temos o dito “pai é quem cria”, e na prática é o que vem dominando os julgados, visto que os laços socioafetivos vão além do antigo núcleo patriarcal do matrimônio, assim como o da consanguinidade.
Normalmente a paternidade socioafetiva se dá a partir da relação familiar de um pai com um filho, onde esse criou, educou, deu afeto e atenção, assumiu todos os deveres e obrigações de um pai, o que prevalece aqui são os princípios norteadores desse vínculo, quais sejam, afetividade e convivência familiar.
Com a desbiologização da paternidade firmou-se o critério da relação de amor e companheirismo entre pais e filhos, configurada desde então a relação de parentesco e consequentemente os direitos e deveres de uns para com os outros.
Diante da mesma ideia paternidade socioafetiva em consagração dos direitos à ela inerentes, têm-se o posicionamento de Dias (2015, p.406):
Pai afetivo é aquele que ocupa, na vida do filho, o lugar do pai (a função) É uma espécie de adoção de fato. É aquele que ao dar abrigo, carinho, educação, amor ao filho, expõe o foro mínimo da filiação, apresentando-se em todos os momentos, inclusive naqueles em que se toma a lição de casa e ou verifica o boletim escolar. Enfim, é o pai das emoções, dos sentimentos.
É mister salientar que toda paternidade é socioafetiva independente da origem se biológica ou afetiva e que obrigatoriamente deve derivar do estado de filiação, mesmo que se busque a origem biológica, não estando presente o requisito do estado de filiação, a questão somente servirá para garantir o direito da personalidade, não podendo de forma alguma excluir o pai socioafetivo de um direito já adquirido.
4. DIVERSAS FORMAS DE PATERNIDADE
Pensar em família ainda traz à mente o modelo convencional: “um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos. Mas essa realidade mudou. Hoje, todos já estão acostumados com famílias que se distanciam do perfil tradicional” (DIAS, 2010, p. 38).
A vastidão de mudanças das estruturas políticas, econômicas e sociais produziu reflexos nas relações jurídico-familiares. Os ideais de pluralismo, solidarismo, democracia, igualdade, liberdade e humanismo voltaram-se à proteção da pessoa humana. A família adquiriu função instrumental para melhor realização dos interesses afetivos existentes entre seus componentes (GAMA, 2003, p. 101).
A família só tem sentido enquanto unida pelos laços de respeito, consideração, amor e afetividade. A família é um fato natural, criada pela natureza e não pelo homem, motivo pelo qual excede a moldura que o legislador a enquadra, pois ele não cria a família como o jardineiro não cria a primavera (LÔBO, 2008). Ressalta-se que a afetividade, no campo jurídico, relaciona-se à ideia de parentesco.
Além disso, as mudanças que a Constituição Federal de 1988 trouxe consagrou a igualdade de filiação, acabando com as denominações relacionadas aos filhos, quais sejam: incestuoso, legítimo, ilegítimo, bastardo, adotivo, adulterino, etc. Tais nomenclaturas, hoje, são consideradas inconstitucionais, de acordo com o art. 227, parágrafo 6º da Carta Magna de 1988.
A Constituição Federal de 1988, através do princípio da isonomia entre os filhos, equiparou de forma a não mais considerar as categorias diversas de filiação biológica: a legitimada, a ilegítima e a legítima. Equiparou, ainda, os filhos biológicos e os adotivos.
Existem três tipos de paternidade, apesar de a afetividade prevalecer, sendo elas a Paternidade Biológica, paternidade socioafetiva e jurídica, iremos discorrer sobre elas. A paternidade biológica tem relação direta com os laços de sangue entre pais e filhos. De acordo com o doutrinador Jorge Shiguemitsu Fujita trata-se de uma filiação com vínculo consanguíneo em linha reta de primeiro grau e aqueles que lhe deram a vida, através de uma relação sexual, tendo como consequência a concepção, não importando a sua origem, que poderá ser através do matrimônio, extra matrimonial, entre namorados ou noivos, ou mesmo de um relacionamento sem compromisso (FUJITA, 2011).
Ou seja, são filhos nascidos da junção entre pai e mãe, são os filhos legítimos. Mas há também aqueles filhos providos que não são de nenhuma união sexual, os que são reproduzidos de através da inseminação artificial homóloga ou heteróloga, podendo ser ainda através de fertilização in vitro ou na proveta, neste caso poderá ser usado esperma de marido falecido, porém esse acordo entre os cônjuges deve estar documentado, antes da morte do cônjuge, por exemplo: em testamento.
Com a atualização da Constituição Federal de 1988, surgiu o direito ao reconhecimento do estado de filiação, sua origem genética, considerado pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, em seu artigo 27, além de a qualquer tempo requerer o reconhecimento de paternidade biológica existente, como um direito de personalidade, imprescritível e indisponível.
Portanto, os filhos nascidos ou não na relação de casamento, terão o direito de conhecer a sua origem, seus ascendentes, sua identidade pessoal, características e semelhanças genéticas.
Então, é direito de todos nascidos de união heterossexual ou não, ter seu direito de personalidade resguardado, De acordo com o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, após o réu negar-se a realizar o exame de DNA, o Tribunal julgou ser indispensável o exame para se alcançar, por meio de provas, a verdade real biológica sobre a origem genética do investigante, in verbis:
AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE – EXAME DE DNA - NÃO REALIZAÇÃO - INDISPENSABILIDADE - PRODUÇÃO DA PROVA GENÉTICA - ARTIGO 130 DO CPC - ANULAR A SENTENÇA, PARA SE REALIZAR O EXAME DE DNA. A ação investigatória de paternidade é ação de estado. Envolve discussão acerca de direito indisponível e personalíssimo do investigante e a pretensão de se alcançar, por meio de provas, a verdade real biológica acerca de sua origem genética. Se a parte autora requereu a realização do exame de DNA que, somente não se realizou por acolhimento de justificativa do réu acerca de sua incapacidade financeira de se locomover ao local designado para a realização do exame e por ausência de condições financeiras da parte autora de arcar com o custo do exame em laboratório particular, compete ao Juiz diligenciar na busca da realização da prova, mormente se considerada sua indispensabilidade no caso e a natureza da demanda que debate direito indisponível.
Sendo assim, o suposto pai recusando-se a realizar o exame de DNA para comprovação de paternidade, deve ser entendido segundo a Súmula 301 do STJ que “em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção de paternidade”. Logo, em caso de origem biológica forma-se apenas em casos vínculo sanguíneo.
5. REGISTRO E AUSÊNCIA DO VINCULO BIOLÓGICO
A paternidade socioafetiva se sobrevém a da paternidade registral nos casos de erro substancial apto a autorizar a retificação do registro civil de nascimento. Esse entendimento foi aplicado após o julgamento feito pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao julgar uma ação em que o homem ajuizou a retificação de registro civil cumulada com pedido de exoneração de alimentos em face de seus dois filhos registrais.
O caso repercutiu após, o homem registrar por livre espontânea vontade o primeiro filho, logo após manter um relacionamento com a mãe da criança e aceitou registra-la mesmo não sendo o pai biológico, com o passar dos anos surgiu uma segunda gravidez da mãe e o mesmo acreditou ser o pai biológico, após 13 anos de convívio, e desconfinça ajuizou a ação para retificação do registro civil, que comprovou, após sua morte, por exame de DNA, a inexistência de vínculo biológico. A sentença teve o fundamento de que o ato praticado no registro do primeiro filho é irrevogável, pois o pai agiu de livre vontade. Já em relação ao outro filho, foi considerado preponderante o vínculo afetivo consolidado ao longo do tempo. Segundo o STJ a relatora Nancy Andrighi, não permitiu alterar os documentos de registro e ressaltou que a presença de vínculo afetivo supera a falta de vínculo biológico nas situações em que o autor da ação tenha interesse em retificar a certidão de nascimento puramente por não se verificar a relação genética que ele imaginava existir.
Pois, alterar os registros de nascimento após haver vincula afetivo, é uma afronta ao direito de personalidade, portanto, o filho que conviveu com o genitor e consolidou nele uma figura paterna, e não pode simplesmente ter suas memorais apagadas e sua historia.
No entanto, nos casos onde havia vínculo biológico, o qual depois foi afastado pelo exame de DNA, se caracteriza como erro substancial apto a, em tese, modificar o registro de nascimento, desde que inexista paternidade socioafetiva, que prepondera sobre a paternidade registral em atenção à adequada tutela dos direitos da personalidade.
DIREITO DE FAMÍLIA. SENTENÇA PROFERIDA SOB A ÉGIDE DO CPC/73. APELAÇÃO CÍVEL EM AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE FILIAÇÃO LEGÍTIMA. DEMANDA AJUIZADA POR FILHO EM FACE DO GENITOR E DA IRMÃ. IMPOSSIBILIDADE. DIREITO PERSONALÍSSIMO E INDISPONÍVEL DO PAI. PRECEDENTES DO STJ. EVENTUAL AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO QUE NÃO TEM O CONDÃO DE AFASTAR A PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. ESTADO DE FILIAÇÃO EVIDENCIADO PELA RELAÇÃO MATERIAL DE CARINHO, AFETO E ASSISTÊNCIA EXISTENTE ENTRE PAI E FILHA, O QUE É RECONHECIDO, INCLUSIVE, PELO PRÓPRIO GENITOR, ORA RECORRIDO. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça firmou-se no sentido de que a legitimidade ativa da ação negatória de paternidade compete exclusivamente ao pai registral por ser ação de estado, que protege direito personalíssimo e indisponível do genitor, não comportando sub-rogação, porquanto direito intransmissível. 2. Além disso, para se lograr êxito em uma ação negatória de paternidade, faz-se necessária a demonstração de inexistência de vínculo biológico e a ausência de estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. 3. Com efeito, o objetivo principal do demandante não é discutir o erro no registro civil e apontar a existência de falsidade ideológica, mas negar a paternidade, sob o fundamento de que a registrada não é filha biológica do seu genitor. 4. Corrobora esta conclusão o fato de que o próprio genitor apresentou contestação ao presente feito, reafirmando a paternidade ora questionada, que, embora não haja comprovação de que seja biológica, não exclui a relação socioafetiva, esta, sim, devidamente evidenciada nos autos. 5. Dessa forma, resta patente que o feito em exame trata-se de verdadeira negatória de paternidade, intentada com fins patrimoniais, carecendo o autor, portanto, de legitimidade para a propositura da ação, uma vez que, não obstante eventual ausência de vinculo biológico, permanece o socioafetivo. 6. A pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva, que perpassa, necessariamente, pela vontade e pela voluntariedade do apontado pai, ao despender afeto, de ser reconhecido juridicamente como tal. 7. De fato, não basta para a impugnação de um registro de nascimento que seja comprovada a inexistência de origem biológica, devendo-se provar ainda que não se havia formado qualquer vínculo de afetividade entre pai e filho. 8. No caso sob comento, é nítida a formação de socioafetividade entre os apelados, tanto é assim que o genitor jamais questionou a paternidade da primeira recorrida, restando consignado na peça contestatória a existência de relação material de carinho e afeto voluntários entre pai e filha. 9. Portanto, o reconhecimento espontâneo da paternidade somente pode ser desfeito quando demonstrado vício de consentimento; não há como desfazer um ato levado a efeito com perfeita demonstração da vontade, em que o próprio pai, mesmo diante da possibilidade de inexistência de vínculo biológico, reconheceu a pessoa como seu filho. 10. Recurso de apelação conhecido e não provido. ACÓRDÃO Vistos, discutidos e relatados os presentes autos, em que são partes as pessoas acima indicadas, acorda a 3ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em julgamento de Turma, por unanimidade, em conhecer e negar provimento ao recurso, nos termos do voto da Relatora. DESEMBARGADORA LIRA RAMOS DE OLIVEIRA Relatora (TJ-CE - APL: 00131750820108060151 CE 0013175-08.2010.8.06.0151, Relator: LIRA RAMOS DE OLIVEIRA, 3ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 28/03/2017)
Sendo assim, o vinculo afetivo prevalece ao do vinculo biológico, não sendo cabível em caso de registro a anulação do mesmo, visto que fere o direito a personalidade do menor.
6. RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA
O princípio da igualdade absoluta constituído na Constituição Federal traz os direitos de igualdade entre os filhos, estando previsto no artigo 227, §6º da Constituição Federal de 1988, impediu terminantemente nenhum tipo de discriminação entre os filhos advindos ou não da relação matrimonial, e, consequentemente, passou a admitir a filiação socioafetiva.
A paternidade socioafetiva surge quando há uma relação estabelecida de pai e filho mesmo sem vinculo biológico e sanguíneo ou de adoção. Este de paternidade é comum nas famílias brasileira.
Apesar de haver casos comuns, o registro de paternidade socioafetiva nem sempre foi fácil e precisava de sentenças judiciais para sua efetivação. Porém, em novembro de 2017, com a publicação do Provimento 63 pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), facilitou o reconhecimento de paternidade extrajudicial, portanto, hoje é possível efetuar o reconhecimento de paternidade socioafetiva diretamente nos Cartórios de Registro Civil, vejamos:
PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS - 0006194-84.2016.2.00.0000 INSTITUTO DOS ADVOGADOS DE SÃO PAULO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA – CNJ. A Corregedoria Nacional de Justiça, no âmbito de sua competência regimental, editou o Provimento n. 63, de 14 de novembro de 2017 (DJe de 17 de novembro de 2017), que institui modelos únicos de certidão de nascimento, casamento e de óbito, a serem adotadas pelos ofícios de registro civil das pessoas naturais, e dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva no Livro "A" e sobre o registro de nascimento e emissão da respectiva certidão dos filhos havidos por reprodução assistida.
Ainda que alguns estados já estiverem realizando o reconhecimento extrajudicial da “paternidade” socioafetiva mediante a edição de normativos próprios, o Provimento 63/2017 do CNJ vem para consolidar a possibilidade de que o reconhecimento da filiação socioafetiva seja efetivado nos cartórios do registo civil de qualquer unidade federativa, uniformizando o seu procedimento.
Portanto, de acordo com o referido provimento, os requisitos para que o reconhecimento da filiação socioafetiva seja deferido extrajudicialmente são os seguintes:
I - Requerimento firmado pelo ascendente socioafetivo (nos termos do Anexo VI), testamento ou codicilo (artigo 11, parágrafos 1º e 8º, do Provimento 63/2017 do CNJ);
II - Documento de identificação com foto do requerente – original e cópia simples ou autenticada (artigo 11 do Provimento 63/2017 do CNJ);
III - Certidão de nascimento atualizada do filho – original e cópia simples ou autenticada (artigo 11 do Provimento 63/2017 do CNJ);
IV – Anuência pessoalmente dos pais biológicos, na hipótese do filho ser menor de 18 anos de idade (artigo 11, parágrafos 3º e 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ);
V – Anuência pessoalmente do filho maior de 12 anos de idade (artigo 11, parágrafos 4º e 5º, do Provimento 63/2017 do CNJ);
VI - Não poderão ter a filiação socioafetiva reconhecida os irmãos entre si nem os ascendentes (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ);
VII - Entre o requerente e o filho deve haver uma diferença de pelo menos 16 anos de idade (artigo 10, parágrafo 3º, do Provimento 63/2017 do CNJ);
VIII - Comprovação da posse do estado de filho (artigo 12 do Provimento 63/2017 do CNJ).
Desse modo, para que não ocorram fraudes e litígios de má fé, além do requisito da manifestação de vontade do requerente, dos pais biológicos e do filho maior de 12 anos, a referida norma institui ao oficial de registro a necessidade de observar a configuração da posse de estado de filho como condição indispensável à caracterização da filiação socioafetiva.
Nesse sentindo, a posse do estado de filho deve construída por três requisitos, o primeiro é o tratamento (tractatus), este está presente quando o indivíduo é tratado na família como filho; o segundo é nome (nomem) acontece quando ao filho é atribuído o nome e sobrenome dos pais; já o terceiro é a fama ou reputação (reputatio), ocorre quando há repercussão social da relação de filiação, do tratamento de pais e filhos, quando os vizinhos reconhecem aquela relação de pai e filho.
Portanto, o oficial de registro deve estar atento à comprovação da posse do estado de filho, mais especificamente, no tocante aos elementos do tratamento e da fama que, aliados ao requisito da manifestação de vontade, caracterizam a filiação socioafetiva. Além dos requisitos escritos para o reconhecimento de paternidade socioafetiva, segundo o Provimento 63/2017 do CNJ, são exigidos os seguintes documentos: a) certidão de casamento ou instrumento de reconhecimento de união estável, referente ao pretenso ascendente socioafetivo e a mãe ou pai biológico - tractatus; b) declaração de duas testemunhas, parentes ou não, que atestem conhecer o requerente e o filho, reconhecendo entre eles a existência de relação afetiva de filiação.
7. OS EFEITOS
Sendo assim, pode-se concluir que o reconhecimento da filiação socioafetiva produzirá os mesmos efeitos pessoais e patrimoniais resultantes da filiação consanguínea.
A filiação existente entre pai e filho, seja ela biológica ou socioafetiva é incapaz de, por si só, gerar consequências jurídicas, haja vista ser necessário o seu reconhecimento, caso contrário o filho não terá a possibilidade de usufruir de seus direitos (PEREIRA, 2006, p. 208). “Os direitos subjetivos do filho, provenientes, sem nenhuma dúvida, da relação de parentesco, tornaram-se juridicamente exigíveis por via do reconhecimento, por efeitos do reconhecimento” (PEREIRA, 2006, p. 208).6
7.1 Efeitos pessoais
O estado de filiação é a da relação jurídica de parentesco entre pai e filho que estabelece um complexo de direitos e deveres que devem ser reciprocamente divididos entre os filhos, sem distinção do mesmo.
Segundo o autor, Caio Mário da Silva Pereira (PEREIRA, 2006, p. 218), estabelece sobre a filiação que:
“O estado, pois, constitui uma realidade objetiva, de que cada um é titular, e que usufrui com exclusividade. Realidade tão objetiva, que se lhe prendem atributos peculiares aos bens incorpóreos: diz-se ter o estado de filiação adotiva; vindicar o estado de filiação legítima; reclamar o estado de filiação natural. Diz-se, mais, de alguém que não tem, declarado, o estado de filiação ilegítima, que ele está na sua posse, quando a símile da posse de coisa se apresenta aos olhos de todos como titular daquele estado, como tendo o exercício dos direitos respectivos, posto que proibida a designação discriminatória (SOBRAL, 2015).
A utilização do patrimônio paterno é um direito exclusivo do filho socioafetivo, no qual surge no vinculo de parentesco, que se determina pela filiação biológica ou socioafetiva, no qual é um efeito do reconhecimento de paternidade. Nesta esteira, o direito ao nome é um direito personalíssimo, que identifica a pessoa perante a sociedade e o torno único. Segundo Spencer Vampré o direito ao nome: “é um direito da personalidade. Consiste no poder de individualizar-se, e tem, portanto, caráter de direito pessoal inauferível, imprescritível, inalienável e absoluto (erga omnes)” (apud PEREIRA, 2006, p. 244).
Portanto, o nome dispõe a um valor inerente a dignidade da pessoa humano, no qual todo individuo deve possuir para ser reconhecido perante a sociedade. O reconhecimento da paternidade socioafetiva submete o filho menor ao poder familiar. É isso que reza o artigo 1.612 do Código Civil de 2002, que segue transcrito: “O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconheceram e não houver acordo, sob a de quem melhor atender aos interesses do menor”.
O poder familiar gera para os pais, as obrigações de criar, educar e manter os filhos em sua guarda e companhia representá-los até os 16 anos e assisti-los até os 18 anos, e administrar seus bens até que completem a maioridade (FIÚZA, 1998, p. 657). Por este motivo, os pais tem o direito de exigir obediência e respeito dos filhos. Este instituto deve ser compreendido como uns poderes de proteção como um principiam da proteção integral ao filho.
Vale ressaltar, que o artigo 249 da Lei 8.069/90, e os pais deixarem de cumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar poderá ser condenado ao pagamento da multa.
7.2.Dos Efeitos Patrimoniais
No reconhecimento de paternidade social gera direito de alimentos ao filho socioafetivo, sendo assim surge à obrigação alimentícia do pai para com o filho. Explicita Caio Mário da Silva Pereira (2006, p. 312) que:
“Reconhecido o filho, declarada, portanto, a relação de parentesco, cria-se a obrigação de prestar alimentos, obrigação recíproca entre pai e filho, nos termos do artigo 397 do Código Civil de 1916 (art. 1.696, CC de 2002), extensiva a todos os ascendentes, e subsidiariamente aos parentes colaterais.”
Ressalta-se que o direito aos alimentos encontra-se amparo no Código Civil de 2002, nos artigos 1.634 e 1.694, e artigos 227 e 229 da Carta Magna de 1988, bem como o artigo 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Logo, “a lei transformou os vínculos afetivos que existem nas relações familiares em encargo de garantir a subsistência dos demais parentes”.
Preceitua o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988 sermos o dever de sustento um direito inerente da dignidade da pessoa humana. Vale salientar que, uma nova corrente doutrinária defende a possibilidade de se pleitear a ação alimentos junto ao pai biológico, caso o pai socioafetivo não possuir condições econômicas de prover o sustento do filho, com o entendimento de “que a responsabilidade alimentar antecede o reconhecimento civil ou judicial da paternidade”, de modo que “a concepção gera o dever de prestar alimentos, ainda que o pai biológico não saiba da existência do filho nem de seu nascimento (...)”, é o que pode ser chamado de paternidade alimentar (DIAS, 2007, p. 469)7.
7.3.Efeitos de sucessão
O instituto da sucessão visa resguardar o direito à herança e que o patrimônio de alguém que veio a falecer “o de cujus”, permaneça segundo sua vontade com seu sucessor. No entendimento quanto ao fundamento da sucessão para Gonçalves (2012, p.28), têm-se o seguinte:
O fundamento da transmissão sucessória, ou seja, a razão pela qual se defere a uma pessoa indicada por lei, ou pela vontade manifestada em vida pelo autor da herança, o acervo de direitos que até então a este pertencia, apresenta variações conforme o momento histórico que se esteja a analisar e a corrente de pensamento a que se queira filiar.
Pode-se dizer que a sociofatevidade no direito de família atual encontra mais respaldo e menos discussões, os litigantes contentam-se com as decisões judiciais, algumas inclusive já pacificadas. O mesmo não se pode dizer quando esse tema se volta para as questões patrimoniais, mesmo porque o direito sucessório sempre foi tema de opiniões diversas quanto a quem de direito mereça ou a quem se acha no direito de merecer.
Conforme Gonçalves (2012, p.30)
O direito sucessório tem sofrido, todavia, numerosas impugnações, especialmente dos jusnaturalistas e escritores da escola de Montesquieu e Rousseau, ao argumento de que a sucessão, como a propriedade, constitui pura criação do direito positivo, que este pode consequentemente eliminar, logo que isso interesse às conveniências sociais.
O afeto no direito sucessório há algum tempo já vem sendo requisito para determinar uma ordem ou classe de quem faz jus à herança sabe-se que os descendentes têm a chamada prioridade devido o seu grau de proximidade ao de cujus.
Nos dizeres de Pereira, (2015, sem paginação):
Para priorizar as relações de afeto, e o dever de mútua assistência que está atrelado a elas, a lei criou uma ordem de prioridade entre os herdeiros, beneficiando aqueles mais próximos do de cujus. Essa classificação é conhecida como ordem de vocação hereditária. Dividem-se os herdeiros em classes (descendentes, ascendentes, cônjuge e companheiro (embora de forma diferenciada) podendo parentes colaterais), graus (1º, 2º, 3º, etc.) e linha (materna e paterna).
No entanto não se pode dizer que os casos envolvendo o parentesco socioafetivo nas relações familiares voltadas ao direito sucessório encontre respaldo jurídico, não há lei específica e as decisões ficam a cargo dos magistrados para que seja analisado cada caso concreto, o que na maioria das vezes leva anos até uma sentença definitiva, que inclusive só são resolvidas nas instâncias superiores.
Um exemplo que podemos citar é o acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
TJRS, SÉTIMA CÂMARA CÍVEL, AP 70014775159, Rel. Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 28.06.2006. Caso de um filho adotivo que buscou ser reconhecido como filho socioafetivo e consequentemente com direito à peticionar o direito de herança, visto que sempre cuidou da mãe socioafetiva e esta sempre o teve como filho, inclusive como guardiã judicial quando este era incapaz, em seu voto Maria Berenice Dias defende que” a filiação não se constitui somente pelos vínculos de consanguinidade, mas por outras formas também, e aí está a filiação que ele prefere chamar de sociológica, que todos chamam de socioafetiva, mas que eu prefiro chamar de filiação afetiva.” A ação foi julgada improcedente por maioria dos votos, sob a alegação de que o apelado tão somente buscava as vantagens financeiras nos seguintes termos “É bom ter os olhos bem abertos, para não se deixar tomar pela bem intencionada, mas ingênua ilusão de que em tais situações se estará preservando o princípio da dignidade da pessoa humana, pois o que invariavelmente se encontra por trás e pretensões da espécie aqui deduzida nada mais é do que o reles interesse patrimonial. É de indagar se o apelado deduziria este pleito se a falecida guardiã fosse pessoa desprovida de posses.
É nítido que a maioria dos litígios é sempre para desconstituir a legitimidade ou a garantia dos direitos aos herdeiros socioafetivos, sempre sobre o questionamento de não haverem sido constituídos como herdeiros testamentários se era essa a vontade do de cujus, o que há de se observar nessa questão é que um pai ou um filho afetivo devem ser constituídos como herdeiros legítimos, não cabendo a estes somente o quinhão da parte testamentária , mas sim sobre toda a legítima do patrimônio .Assim que provado os devidos laços de parentesco, juridicamente cabe os devidos direitos e a legitimidade para pleitear a herança.
8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É necessário observar o novo entendimento de família no direito brasileiro, a Constituição de 1988, reconheceram os diversos modelos de entidade familiar, salvaguardando-os através dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade, convivência familiar e pelo não menos importante da afetividade, a paternidade socioafetiva então se tornou comum nos novos modelos de família brasileira.
O que há de mais comum na família moderna é o convívio entre pais e filhos afetivos, que passam a conviver juntos por anos, muitas das vezes até o falecimento, por exemplo padrasto com seu enteado ou casais que cuidam de crianças abandonadas ou que necessitam dos cuidados de uma família, quer por falta de tempo, conhecimento ou até mesmo comodismo, não ajustam suas condições aos moldes jurídicos, ou o fazem com a chamada “adoção à brasileira”.
Ocorre que no momento o registro da paternidade socioafetiva, a relação entre pai e filho é concretizada, não podendo mais ser desfeita, pois independente do vinculo biológico, o que prevalece é afetividade.
Mesmo com todas as divergências e contradições, os laços de socioafetividade vêm se sobrepondo à verdade biológica, em caso voltados ao reconhecimento da paternidade ou do estado de posse do filho, a maioria das sentenças, senão todas no último ano, tem sido favorável ao reconhecimento, não havendo contestações ou recursos das partes envolvidas.
A maior problemática se dá na parte onde envolve a parte patrimonial, enquanto vivo todos aceitam os laços de parentesco, convivem como família, há toda uma publicidade do vínculo e da relação familiar.
Se as relações paterno-filial, que já não são exclusivas da origem biológica ou matrimonial, que consideram a socioafetividade como requisito fundamental de sua constituição, se são protegidas pelo princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, se o estado de filiação dá a qualificação jurídica necessária à relação de parentesco e estas relações são protegidas por lei especifica, qual seja, o código civil e pela Constituição, é necessário que se entenda essa proteção jurídica ao direitos do filho afetivo, diminuindo os conflitos sociais e jurídicos que atolam os tribunais.
Uma medida que seria viável à preservação do direito sucessório diante dos casos de socioafetividade seria o reconhecimento, inclusive tivemos decisões jurisprudenciais recentes favoráveis à inclusão dos nomes dos dois pais e também dos ascendentes, pois a partir de então não haverá diferença na partilha, as quotas partes serão iguais aos filhos e pais como legítimos, não tendo que depender da parte testamentária, assim como evitaria os desgastes em litígios judiciais.
No ordenamento jurídico já temos todos os princípios basilares que guardam a socioafetividade, buscando valorizar a pessoa humana, sua vida na sociedade e principalmente as relações familiares que são protegidas pelo Estado de forma a prestar a tutela judicial adequada quando necessário, então se há oportunidade dessa tutela ser resguarda de forma preventiva, que se faça acompanhando as mudanças culturais, sociais, jurídicas, etc. Um exemplo do quanto essas mudanças acontecem é o fato de “o afeto” atualmente ser o dever jurídico mais valorado no âmbito do Direito de Família, diante de todos os outros anteriormente primordiais como o matrimonial e o consanguíneo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
DIAS, Maria Berenice. Manual do Direito das Famílias. Editora: Revista dos Tribunais, 2015.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. Volume VII: direito das Sucessões. 6ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CASSETARI, Christiano. Multiparentalidade e Parentalidade Socioafetiva – Efeitos Jurídicos. 2ª Ed . São Paulo: Editora Atlas, 2015.
ALMEIDA, Maria Christina de. Investigação de paternidade e DNA: aspectos polêmicos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001.
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e possibilidades da constituição brasileira. 9. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Renovar: ABDR, 2009.
Registro de paternidade: vínculo socioafetivo prevalece em relação à verdade biológica. Disponível em; http://boletimjuridico.publicacoesonline.com.br/registro-de-paternidade-vinculo-socioafetivo-prevalece-em-relacao-a-verdade-biologica/. Acesso em: 21/05/2021.
Carlos Magno Alves de Souza. CNJ cria regras para reconhecimento extrajudicial de filiação socioafetiva. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-dez-03/carlos-souza-cnj-cria-regras-reconhecer-filiacao-socioafetiva. Acesso em: 20/05/2021.
“Ser pai. É ter sempre palavra. Socorrer filho que cai. Mostrar valor da lavra. Cultivar sempre carinho. O significado da verdade. Mostrar sempre o caminho. E a importância da liberdade.”
Sidney Poeta Dos Sonhos
Graduanda do Curso de Direito no Centro Universitário Luterano de Manaus – ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Carla da Silva Passos. Paternidade socioafetiva: o que prevalece é a afetividade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2021, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56800/paternidade-socioafetiva-o-que-prevalece-a-afetividade. Acesso em: 23 dez 2024.
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