ADEMIR GASQUES SANCHES
(orientador)
Resumo: O presente artigo científico tem por objetivo discorrer sobre a atual situação do Sistema Penitenciário Brasileiro, analisando primeiramente o contexto histórico e também apontando as crises que o país vem enfrentando. Na primeira parte do artigo buscar-se-á identificar o conceito de pena e sua evolução histórica. Depois será abordado o sistema carcerário brasileiro, elencando suas principais dificuldades e também os principais direitos dos presos, tais como o princípio da Dignidade da Pessoa Humana o qual está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A seguir, será elencado o mito da função ressocializadora da pena e a reincidência dos detentos. Por fim, na última parte da pesquisa, tratar-se-á de medidas alternativas diversas da prisão, que seriam uma forma preferível de punir e ressocializar os presos para que esses tenham condições melhores ao sair do cárcere. Após a pesquisa, chega-se ao entendimento de que o país deve discutir novas alternativas para que a principal função das penitenciárias seja alcançada com sucesso, isto é, ressocializar o indivíduo.
Palavras-chave: Crise. Superlotação. Sistema penitenciário brasileiro.
Abstract: This Scientific Article aims to discuss the current situation of the Brazilian Penitentiary System, analyzing first the historical context and also pointing out the crises that the country has been facing. The first part of the article will seek to identify the concept of penalty and its historical evolution. Then the Brazilian prison system will be addressed, listing its main difficulties and also the main rights of prisoners, such as the principle of the Dignity of the Human Person which is provided for in the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988. Next, the myth will be listed the re-socializing function of punishment and the recurrence of detainees. Finally, in the last part of the research, it will be about alternative measures other than prison, which would be a preferable way to punish and re-socialize prisoners so that they have better conditions when leaving prison. After the research, it is understood that the country must discuss new alternatives so that the main function of the penitentiaries is successfully achieved, that is, to re-socialize the individual.
Keywords: Crisis. Overcrowded. Brazilian prison system.
Sumário: Introdução. 1. Conceito de Pena e sua Evolução Histórica. 2. O Sistema Carcerário Brasileiro. 2.1. Regimes prisionais. 2.2. Superlotação. 2.3. Os direitos dos presos. 3. O Mito da Função Ressocializadora da Pena e a Reincidência. 4. Medidas Alternativas à Privação de Liberdade. Considerações Finais. Referências.
O presente trabalho aborda a atual situação do Sistema Carcerário Brasileiro, trazendo seu contexto histórico e as principais dificuldades que o País vem enfrentando, tais como a superlotação dos presídios e também as adversidades ao se aplicar a Lei de Execução Penal (LEP).
A situação do encarceramento no Brasil, como nos demais países, sempre foi tema de debates tanto da comunidade científica quanto de grupos sociais e políticos, por instigar questionamentos diversos, tanto do lado formal pela aplicação das normas jurídicas quanto pela realidade fática de suas reais condições.
O tema é relevante frente à crise em que se encontra o sistema carcerário brasileiro, as deficiências apresentadas nesse sistema são muitas, dentre elas, pode-se destacar, a superlotação e a insalubridade das celas, que levam a situações de enfrentamento a proliferação de doenças e epidemias, má-alimentação dos presos, sedentarismo e o uso de drogas. Tudo isso, conjugado com os problemas que envolvem má gestão organizacional e estrutural pouco amparado pelo Estado perfazem o quadro geral desta temática.
Para responder as variáveis deste tema, dar-se-á ênfase sobre o questionamento do que leva à precariedade do sistema penitenciário brasileiro. Para isso, será suscitada a aplicação das normas jurídicas brasileiras, os tratados internacionais de direitos humanos ressaltando o princípio da dignidade da pessoa humana como preceito primário da constituição federal, os direitos e garantias fundamentais elencados no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, e de outro lado o Estado, como o ius puniendi aplicado de forma legítima.
O sistema prisional em que se pretende buscar justiça para os desvios de conduta de indivíduos na sociedade mostra-se injusto ao estabelecer uma igualdade punitiva sem levar em conta as várias faces das atitudes tomadas por indivíduos diante de uma situação. Devido à divisão do sistema penal brasileiro é possível que indivíduos que tenham cometido pequenos crimes sejam acondicionados juntamente com indivíduos com mais periculosidade, justamente por conta da superlotação.
A metodologia para realização deste trabalho foi a de levantamento documental e revisão bibliográfica, com fins exploratórios, em publicações de Direto Penal e afins, em especial os que tratam do colapso do sistema prisional brasileiro e o descaso das autoridades que minimizam o problema que tem se tornado cada vez mais grave. Realizou-se, ainda, pesquisa bibliográfica para obtenção dos dados históricos, relativos ao método de aplicação da pena e sua evolução ao longo da história até a presente data em que tratamos da tentativa de humanização prisional.
Foram escolhidos como foco principal do trabalho os livros Sistema Prisional: colapso atual e soluções alternativas e Execução Penal, sendo as duas principais obras atualmente que tratam da temática e que buscam estudar o problema e discutir uma solução para a grave crise social.
Para tanto, foram seguidos os seguintes planos de trabalho: Análise de fontes bibliográficas como livros, periódicos científicos, artigos, relatórios de pesquisa, etc., que não contenham apenas informações sobre o tema proposto, a leitura dos materiais, procedam de forma seletiva e retenham as partes básicas de pesquisa e desenvolvimento, e materiais relacionados, a compilação de parte do quadro-resumo, a ordenação e análise das anotações: organizar e ordenar de acordo com o seu conteúdo, dar-lhe fiabilidade e obter os dados de investigação da ideia central do problema seja neutro nas questões de pesquisa.
Através da pesquisa constata-se uma situação de confinamento, sofrimento, tortura e desrespeito a dignidade humana, ou seja, um verdadeiro colapso prisional algo a ser explorado sob outras óticas que não apenas o direito aplicado, mas como uma interação disciplinar que se leve a uma solução do problema, principalmente no que diz respeito a punição com claro intuito de socialização.
O objetivo deste trabalho é trazer à discussão a aplicação das penas, a superlotação das cadeias à luz da Lei de Execução Penal (LEP), e dispositivos que garantem ao preso assistência material, saúde, jurídica, educacional, social e religiosa, e impõem, a todas as autoridades, o respeito à integridade física e moral dos presos já condenados e aos provisórios, disso destacando a ineficiência da ressocialização bem como a dificuldade da gestão pública em manter o sistema penal nos moldes ideais.
Ainda será abordado o instituto das penas alternativas previstas em lei e seu duplo caráter de aplicação, ou seja, uma ressocialização mais eficiente e o alívio necessário ao sistema prisional, assim como o direito fundamental de acesso a justiça respaldado no Artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
De início, o artigo buscará esclarecer o conceito de pena e a sua evolução histórica. Em sequência, explorará o sistema carcerário brasileiro, indicando quais são os regimes prisionais existentes e os problemas que o acomete, como por exemplo, a superlotação. Abordará, também, a questão que trata dos direitos dos presos, os quais possuem um grande valor. Logo a seguir, o artigo irá expor o mito que se criou acerca da ressocialização do indivíduo encarcerado. Por fim, as medidas alternativas são expostas como um remédio para os problemas apresentados.
O crime é entendido como uma violação a uma norma imposta por lei, cujo descumprimento incide uma pena como resposta Estatal, em detrimento a um bem jurídico tutelado pelo direito. A aplicação desta pena, chamada de jus puniendi, pertence ao Estado, pois é a ele que é dado o poder de fazer aplicar a lei abstrata ao caso concreto e, por fim, executar a pena.
A pena, segundo o ordenamento jurídico atual, possui caráter punitivo e de ressocialização. Cabe ao sistema de que executa as penas a função de trabalhar o indivíduo, dando-lhe ferramentas necessárias para sua reinserção na sociedade.
Existentes desde o começo da civilização, as penas imputadas como corretivo a atitudes contrárias a vida em sociedade, quando se vai contra os usos e costumes. Outrora penas capitais ou mutiladoras, o Direito Penal surgiu como um meio de pacificar a vida em coletividade.
Mesmo as penas que privavam a liberdade, sofreram evolução ao longo do tempo, das masmorras da idade média com uma dose extremamente pesada para o que era considerado crime, mais comparável a uma vingança e não uma ideia de mudar a atitude do apenado devolvendo a sociedade uma pessoa ressocializada.
Para Foucault (1999), o suplício, como eram chamadas as práticas anteriores a morte, não eram a totalidade das penas aplicadas, sendo que “as decisões do Châtelet durante o período de 1755 a 1785, comportam 9 a 10% de penas capitais - roda, forca ou fogueira”, ou seja, os tribunais poderiam abrandar as penas capitais ou mutiladoras caso achassem uma pena exagerada ao delito.
Ainda segundo Foucault (1999), embora a privação de liberdade tenha um caráter mais humanizado para a aplicação de uma medida socioeducativa, ela também é uma pena de caráter físico pela limitação de liberdade:
“Dir-se-á: a prisão, a reclusão, os trabalhos forçados, a servidão de forçados, a interdição de domicílio, a deportação - que parte tão importante tiveram nos sistemas penais modernos - são penas “físicas” (FOUCAULT, 1999, p. 14).
Com isso, é de suma importância que esse meio de aplicação de penas tenham um impacto menor na saúde mental dos detentos visto que segundo Constantino et al. (2016), dependendo da aplicação da medida é possível ter um efeito contrário da finalidade que se buscou inicialmente.
Contudo, o Código Penal no Brasil foi promulgado apenas no ano de 1940, porém foi só dois anos após a sua promulgação que este passou a vigorar, isto é, em 1942 e assim iniciou-se uma fase mais humanizada com formas de punições mais adequadas para a sociedade moderna.
São observados no Código Penal três tipos de regimes penitenciários a serem cumpridos quando há o cometimento de um fato tipificado como crime, são eles: regime fechado, regime semiaberto e regime aberto. Podendo progredir ou regredir para qualquer um deles, a qualquer momento. O regime fechado é o assunto principal do presente trabalho.
O artigo 87 da LEP (Lei de Execução Penal) prevê “A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão, em regime fechado” (BRASIL, 1984, n.p.).
A prisão foi pensada no sistema atual como um inibidor de crimes, e atuar na promoção e recuperação do detento. Quando impostas, o caráter humanitário não pode ser afastado sob pena de incorrer em grave ofensa aos princípios constitucionais e acordos humanitários internacionais.
“A formulação de um sistema carcerário brasileiro foi a solução encontrada para o problema de punições marcadas pelas agressões físicas como a de morte, até então empregadas. Estes não eram mais aceitos em respeito aos direitos humano, precisava-se garantir a proteção da sociedade” (Nucci, 2012, p. 72).
A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984, é a Lei de Execução Penal que inaugura, logo em seu artigo 1º, o seu objetivo de colocar em prática a sentença ou decisão judicial integrando o condenado ou internado socialmente.
“Art. 1º da Lei de Execução Penal: A execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão judicial e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado” (BRASIL, 1984, n.p.).
A vida em sociedade intensificou os problemas sociais, e com isso acendeu a criminalidade, e a insegurança afetou sobremaneira a qualidade de vida da coletividade. Cabe ao Estado o papel de proteção ao seu povo.
O Estado, nos últimos tempos, intensificou sua resposta a esta problemática, porém, a prisão, de forma remota, continua remetida à ideia de simples local de aplicação de penas. A prisão, concebida como uma espécie de pena cruel arrastou suas mazelas e desordens até os dias atuais.
O Estado implantou sucessivas reformas penitenciárias de variáveis modelos desde o século XIX, conforme descreve a na Revista Brasileira de Execução Penal:
“a) o pensilvânico ou celular, com o isolamento total do preso, em forma de confinamento; (b) o auburniano, com isolamento mitigado, restrito para o período noturno, e imposição do trabalho durante o dia; e (c) o progressivo, de inspiração inglesa ou irlandesa, consistente em uma confluência dos dois anteriores, com isolamento durante determinado período, passando posteriormente para a permissão do trabalho durante o dia e, finalmente, a liberdade condicional.” (TORRES, NUNES, 2020, p. 9).
Ainda há severas críticas à prisão como pena, pois segundo vozes contrárias a esse regime, espalham que a prisão não atinge o objetivo a que o Estado propõe, de ressocialização, mas sim, contribui, assim, para corromper o cidadão que lá se encontra, funcionando como um potencializador da criminalidade.
O sistema carcerário do Brasil está enfrentando uma grande crise. A superlotação, a falta de estrutura adequada, falta de higiene que desencadeiam diversas doenças e o cumprimento de pena de forma desumana pelo qual os presos passam.
A LEP (Lei de Execução Penal) prevê em seu artigo 85 que a prisão deverá ter sua capacidade de lotação compatível com a sua estrutura, isto é, compatível com o que o estabelecimento oferece e comporta. Entretanto, essa norma da LEP vem sendo violada, pois a superlotação é um fato presente e notório nos estabelecimentos prisionais do Brasil.
Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) e o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) de 2019, o Brasil possui uma população prisional de 773.151 pessoas privadas de liberdade em todos os regimes. Portanto, é o terceiro país no mundo com o maior número de pessoas presas, fica atrás somente dos Estados Unidos e da China.
Esses dados demonstram que o Brasil está prendendo cada vez mais, porém sem tanta eficácia. O fato de ter muitas pessoas presas não significa mais segurança para a população, pois se assim fosse, o Brasil já seria um país sem violência e crimes, o que não é a realidade em que se encontra.
Os crimes que mais levam pessoas às prisões no Brasil são crimes de tráfico de drogas, a informação é do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias de 2019.
Grande parte dessas pessoas que são presas por tráfico de drogas na verdade são usuários. A Lei nº 11.343/2006 apresenta uma “falha” ao fazer a distinção entre traficante e usuário. O § 2º do artigo 28 da Lei nº 11.343/2006 traz a diferença entre consumo pessoal do tráfico:
“Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente” (BRASIL, 2006, n.p.).
A interpretação do artigo citado acima é feita pelo judiciário, o que pode acarretar dúvidas e até o cometimento de erros. Muitos usuários são presos por tráfico de drogas erroneamente e este fato está inflando ainda mais o sistema carcerário do país.
“Trabalha-se, em síntese, com a premissa de que o melhor caminho é o da educação, e não o da prisão, que, nesse caso, traz poucos senão nenhum benefício à saúde do indivíduo. De mais a mais, é fato que a prisão de usuários não traz nenhum benefício à sociedade. A uma porque impede que a eles seja dispensada a atenção necessária, inclusive com tratamento eficaz para eventual dependência química. A duas porque a imposição de pena de prisão ao usuário faz com que este passe a conviver com agentes de crimes muito mais graves, o que pode funcionar como fator de profissionalização de criminosos” (LIMA, 2014, p. 686).
A superlotação dos presídios, assim como outros problemas que eles apresentam não são tratados com primazia pelo governo. O assunto em questão vem à tona nos piores momentos, seja quando acontece uma rebelião ou até homicídio entre os presos. Portanto a finalidade para as quais as prisões foram feitas fica quase impossível de ser cumprida, pois dificilmente o encarcerado vai sair daquele ambiente sendo um sujeito melhor e pronto para ser reinserido na sociedade.
Organizações defensoras dos direitos universais dos direitos humanos sempre estiveram à frente de críticas e debates diante da situação dos sistemas prisionais na luta para que o princípio da dignidade humana seja implantado efetivamente nos presídios, conforme descreve Maciel Filho (2016, n.p.) que ainda reforça dizendo:
“Os presídios se encontram superlotados, não permitindo a recuperação de maneira digna dos apenados, ao contrário, impulsionam a criminalidade por terem, na maioria das vezes, de se submeterem às ordens das facções dominantes nos presídios para conseguirem sobreviver”.
Ricardo Castilho (2012, p. 125) e sua obra Diretos humanos explica que:
“A concepção mais atual de Direitos Humanos está expressa na Declaração Universal dos Direitos Humanos, segundo a qual, os Direitos Humanos pertencem à pessoa humana, não precisando de lei para regulamentá-lo. [...], “o direito humano é o respeito que cada pessoa deve ter com o próximo, devendo ter sempre em mente que cada pessoa é um ser, devendo todos serem tratados com dignidade””.
A Constituição Federal de 1988 inaugura seu texto com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. É no inciso III do artigo 1º do texto constitucional, integrando o rol das garantias fundamentais, que esse princípio se faz presente “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana”, e por ser um fundamento da República, seus efeitos são repercutidos em todo o ordenamento jurídico.
A dignidade é, portanto, considerada um fundamento do Estado Democrático de Direito e se faz imponente diante de sua grandeza, exaltando valores essenciais a condição humana, de difícil conceituação, haja vista que seus variados significados foram sendo aprimorados ao longo da história humana, em contraponto a grandes barbáries ocorridas. Fato é que se pode dizer que esse princípio ultrapassa os limites dos direitos individuais e incide em muitos outros, como o direito ao respeito, à integridade, à moral, à identidade.
“A Declaração Universal de Direitos Humanos promulgada pela Assembleia Geral da ONU, no art. 3, afirma que, todos têm o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. No entanto, mesmo havendo a necessidade referente à proteção pessoal evidencia-se que, muito ainda há de se evoluir nos países para a garantia deste direito que deve ser efetivado a todos os indivíduos” (MACIEL FILHO, 2016, n.p.).
Plácido e Silva descreve com muita propriedade a respeito da Dignidade:
“Dignidade é a palavra derivada do latim dignitas (virtude, honra, consideração), em regra se entende a qualidade moral, que, possuída por uma pessoa serve de base ao próprio respeito em que é tida: compreende-se também como o próprio procedimento da pessoa pelo qual se faz merecedor do conceito público; em sentido jurídico, também se estende como a dignidade a distinção ou a honraria conferida a uma pessoa, consistente em cargo ou título de alta graduação; no Direito Canônico, indica-se o benefício ou prerrogativa de um cargo eclesiástico” (1967, p. 526).
A dignidade da pessoa humana, uma das raízes dos Direitos Humanos, é compreendida como um atributo inerente a todo ser humano. Nas palavras de Leite e Cruz (2020, n.p.):
“A dignidade é ontológica, e não contingente. Em outras palavras, todos os indivíduos que pertencem à espécie humana possuem dignidade apenas por serem pessoas. Não se admitem restrições relativas a fatores como gênero, idade, cor, orientação sexual, nacionalidade, deficiência, capacidade intelectual ou qualquer outro. E ninguém se despe da dignidade portanto, embora possa ser violada e ofendida pela ação do Estado ou de particulares, jamais será perdida pelo seu titular”.
Assim, pode-se dizer que a dignidade é garantida a todo ser humano desde o seu nascimento. E, por ser intrínseco a toda e qualquer pessoa, ela se faz absoluta, não podendo ser restringida, nem contudo limitada. Esse princípio integra, portanto, tanto aos direitos fundamentais como aos direitos universais, fazendo-se presente no direito à vida, à liberdade, à saúde, à educação, independente de gênero, idade, cor, orientação sexual, nacionalidade, deficiência, capacidade intelectual ou qualquer outro atributo pessoa.
Pedro Lenza (2010, p. 7), aborda o constitucionalismo do futuro, onde, de acordo com sua teoria “terá que consolidar os chamados direitos humanos de terceira dimensão”, dentro da concepção entrelaçada de constitucionalismo social, fraternal e de solidariedade.
Ainda nos dizeres de Pedro Lenza (2010), a solidariedade é destacada como “nova perspectiva de igualdade, sedimentada na solidariedade dos povos, na dignidade da pessoa humana e na justiça social.
No entanto, apesar da grandeza do Princípio da Dignidade Humana e sua irradiação por todo o sistema jurídico, é no Sistema Prisional que ele é colocado à prova.
Por muitos anos, esse princípio não foi aplicado nos sistemas prisionais, pois não era tido como um direito dos presos, já que não eram reconhecidos em sua condição humana, mas sim, apenas como infratores da lei que deveriam ser isolados da sociedade, sem preocupação nenhuma com sua recuperação e seu resgate social.
“No entanto, mesmo sendo considerada uma medida necessária, passou a ser percebido que estes modelos não cumpriam o papel de reintegração dos condenados à sociedade, o que desencadeou no modelo auburniano a inserção do trabalho como meio de promover aos presos condições de serem inseridos na sociedade” (NASCIMENTO, 2011, p. 7).
Nesse modelo, vigorava duras regras, dentre elas, o silêncio imposto aos presos como forma de reflexão de suas ações cometidas. Mesmo com a inserção de trabalho, uma medida positiva, não foi exitosa essa experiência, pois não atingindo sua finalidade, que era a ressocialização dos detentos.
O Sistema prisional progressivo surge, posteriormente, como um novo modelo, mais flexível. É o sistema aplicado nos dias atuais. De acordo com o comportamento do detento, ele pode evoluir dentro dos regimes existentes (de privação de liberdade para semiliberdade, e deste para liberdade).
O objeto de aplicação deste modelo consiste, primordialmente, dispor ao preso, sua ressocialização, reeducação, trabalho laboral em algumas unidades reintegração à sociedade após o cumprimento da pena.
É um modelo elaborado para dar certo, com regras mais flexíveis e tratamento humanizado aos presos. No entanto, a migração em massa da população da zona rural para centros urbanos ocorrido nas últimas décadas, mudou a configuração do Brasil. Com esse êxodo aos centros urbanos e, consequente, desemprego, a criminalidade aumentou em números alarmantes, superlotando os sistemas prisionais, desarraigado do imprescindível tratamento humano e das garantias individuais, adentrando num cenário de insegurança e desrespeito.
A situação dos sistemas prisionais no Brasil hoje é de calamidade pública. A superlotação impossibilita garantir dignidade humana a essas pessoas, que passam a ser vítimas do Estado, onde seus direitos são completamente ignorados. A reintegração à vida em sociedade não se efetiva, esses infratores acabam voltando ao mundo do crime, e, consequentemente, aos presídios.
O Departamento de Pesquisas Judiciárias do Conselho Nacional de Justiça e o programa Justiça Presente realizaram um levantamento onde 42,5% das pessoas maiores de 18 anos que tinham processos registrados no ano de 2015 regressaram a prisão até dezembro de 2019. A pesquisa também aponta que a maior parte dos atos infracionais são considerados leves comparados a outros tipos de crime.
Os dados acima citados levam a crer que as prisões nunca foram e ainda não estão sendo instrumentos com a função ressocializadora. É um mito dizer que o preso sai daquele ambiente desumano pronto para ser reincluído na sociedade.
Sobre esse assunto o doutrinador Dário Souza Nascimento Neto (2015, p. 8) comenta:
“Diante disto, imperioso se torna observar que o sistema penitenciário brasileiro, na grande maioria das vezes pela estrutura precária e não condizente com os números referentes à realidade carcerária do país, não consegue construir seres reabilitados, seja pela superpopulação; seja pela corrupção endêmica que burla as regras; seja pelo despreparo dos agentes penitenciários que quando não muito severos com os presos são negligentes com suas demandas, ou pela ausência de um programa coordenado de reestruturação do indivíduo e sua reinserção no meio social, através de estudo e trabalho [...].”
O preconceito somado com a falta de oportunidades são fatores que estimulam essa reincidência. Ex-detentos são vistos como indivíduos marginalizados pela sociedade, as oportunidades são bem menores para eles e na maioria das vezes inexistentes.
“A prisão devolve à sociedade pessoas com sequelas e marcadas para sempre, uma vez que, quando o sujeito adquire a liberdade, a sociedade o rejeita, o estigmatiza, o repugna e o força a voltar à criminalidade por ausência de condições dignas de subsistência material e social” (WACQUANT, 2007, p. 462).
Diante dos dados expostos fica claro que o Estado deve exercer o papel que a ele foi imputado, ou seja, cumprir o que está estabelecido em lei. Assim os presídios poderão se tornar um ambiente ressocializador e com melhores condições para que o encarcerado tenha uma condição melhor de vida.
A LEP (Lei de Execução Penal) traz à luz alguns direitos que viabilizam aos presos mais oportunidades ao ganharem liberdade, como é o caso do trabalho e da educação. O artigo 28 da LEP prevê que o trabalho realizado pelo preso tem a finalidade de educar e de fazer o detento ser proativo, além do seu dever social.
O dever da educação também está previsto em lei: “Art. 17. A assistência educacional compreenderá a instrução escolar e a formação profissional do preso e do internado” (BRASIL, 1984, n.p.).
Existe a oportunidade de ressocializar, porém esse problema deve ser encarado como uma prioridade pelo Estado, para que os presídios possam se transformar em um ambiente onde haja trabalho, educação e uma condição digna de sobrevivência, isto é, que os encarcerados tenham suas necessidades básicas atendidas pelo Estado. Assim as rebeliões e revoltas não se fariam tão presentes e a reincidência seria menor.
A pena de privação de liberdade ainda é necessária para infrações penais consideradas mais graves, como por exemplo, os crimes de homicídio. Entretanto, existem delitos que são considerados mais leves que podem e devem ter a pena de prisão substituída por outras medidas alternativas.
Dessa maneira o sistema carcerário não ficará superlotado e nem será a “escola” para aqueles que cometeram pequenos delitos e convivem com presos que evidenciam comprovado potencial de risco à segurança pública. Além disso, o condenado não sofrerá com a distância dos familiares e poderá inclusive manter o seu emprego.
A ressocialização será algo bem mais fácil de ser alcançada, afinal, o apenado não é retirado do seu ambiente familiar e tão pouco do seu emprego. A reincidência é bem mais baixa se comparada aos casos em que há o encarceramento.
Evandro Lins e Silva (1998, p. 91) sobre a prisão: “Perverte, corrompe, deforma, avilta, embrutece. É uma fábrica de reincidência, é uma universidade às avessas, onde diploma o profissional do crime”.
O Código de Processo Penal inovou ao trazer em sua redação o artigo 319 da Lei n° 12.403, de 2011, onde preveem as medidas cautelares diversas da prisão, essas medidas permitem ao magistrado a possibilidade de definir a medida mais apropriada para cada caso concreto, dentro dos pontos de vista da razoabilidade e proporcionalidade. Portanto, a finalidade almejada pelas medidas cautelares foi obter alternativas menos gravosas do que a prisão.
Além das medidas cautelares, o Brasil também possui as chamadas penas restritivas de direito que estão elencadas no artigo 43 do Código Penal. São elas: prestação pecuniária, perda de bens e valores, limitação de fim de semana, prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
As penas restritivas de direitos são uma alternativa aos efeitos traumáticos do cárcere. Sua natureza é substituir as sequelas que o encarceramento deixa. O juiz deve escolher dentre todas as penas existentes, a que for suficiente para cada caso, que seja capaz de penitenciar o preso, mas ao mesmo tempo o recupere socialmente.
O presente trabalho teve como objetivo apontar a realidade das prisões do Brasil e evidenciar a crise que este estabelecimento se encontra, devido, principalmente, à negligência do Estado e, também, a falta de política para a melhoria dos presídios e a criação e aplicação de medidas diversas da prisão.
A superlotação nesse ambiente é um fato já conhecido e que está ganhando proporções cada vez mais estarrecedoras, pois o número de encarcerados só vem aumentando, enquanto as vagas disponíveis só diminuem. Esse fato gera um desequilíbrio preocupante, não há como falar em um lugar para ressocializar, já que a realidade mostra ser um espaço pouco digno e adequado para a permanência do preso.
A reabilitação eficiente desses apenados está ligada diretamente ao local em que se encontram. A responsabilidade desses estabelecimentos, como já exposto anteriormente, é do Estado, que deve prezar pela dignidade das pessoas que estão presas, bem como pela boa administração do cárcere.
A Lei de Execução Penal n° 7.210/1984 dispõe que o Estado é o responsável pela integridade física e moral do preso, porém a realidade está bem distinta do que é visto em lei. O formato de prisão atual não ressocializa, o que culmina na reincidência desses presos.
Chega-se à conclusão, ante o exposto neste artigo, que seria efetivo e imperioso a aplicação de medidas alternativas à privação de liberdade, nos casos em que couber este tipo de providência. Pois, como visto antes, a maior porcentagem de crimes que levam as pessoas ao cárcere são os crimes de tráfico de droga. Tal crime poderia ter uma pena diferenciada com o intuito de desafogar o sistema superlotado e, assim, afastaria vários problemas como o da superlotação, a falta de assistência médica, a falta de higiene adequada e até mesmo de uma alimentação correta.
Os desafios para a implementação dessas medidas são vários, pois há falta de recursos financeiros e, até mesmo a ausência de interesse estatal, mas é uma solução que pode ser alcançada a longo prazo.
Conclui-se, por fim, que o atual sistema carcerário é um ultraje aos direitos constitucionais do apenado. O remédio eficaz para a superlotação prisional seria, portanto, a restrição da aplicação da privação de liberdade aos crimes mais graves.
O cidadão teria uma forma mais proporcional de punição, de acordo com o crime que cometeu. Assim, a ressocialização seria alcançada de uma forma mais efetiva, pois os presídios teriam mais vagas e as medidas alternativas proporcionariam ao preso uma maneira mais branda de cumprir sua pena.
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Bacharelanda em Direito pela Universidade Brasil - Campus Fernandópolis
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LANSONI, THAIS CAROLINE. A Crise no Sistema Carcerário Brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2021, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56806/a-crise-no-sistema-carcerrio-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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