RESUMO: O meio ambiente equilibrado e saudável é direito comum do povo e possui status de direito fundamental porque dele decorre o direito à vida, especialmente após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Mais recentemente, após a sanção de tratados e convenções internacionais, como, por exemplo, a Cúpula da Terra e a Conferência de Estocolmo, o meio ambiente, devido à sua importância para as presentes e futuras gerações e aos graves e irreparáveis danos que sofre, tornou-se um tema de grande relevância, tendo sido elevado a bem jurídico constitucionalmente tutelado e considerado crime as condutas e atividades lesivas ao meio ambiente cometidas por pessoas físicas ou jurídicas, que podem sujeitar-se a sanções penais e administrativas, além da responsabilidade por reparar os danos causados. Sendo assim, esta pesquisa tem por objetivo analisar qual o modelo de responsabilidade penal da pessoa jurídica é mais compatível com o ordenamento jurídico brasileiro e com os princípios do Direito Penal moderno, através do método bibliográfico e jurisprudencial. Para tanto, far-se-á, primeiramente, uma breve análise da sociedade contemporânea do risco atrelada à proteção do meio ambiente e os impactos sociais na dogmática penal, seguida da apreciação da responsabilidade penal da pessoa jurídica, através da previsão constitucional e legal, bem como do modelo teórico adotado. Findo o estudo, conclui-se que a pessoa jurídica não responderá apenas por crimes contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, conforme art. 173, § 5° CRFB/88, mas igualmente responderá civil, administrativa e penalmente por danos causados ao meio ambiente.
Palavras-chave: Responsabilidade Penal. Pessoa Jurídica. Crimes de Natureza Ambiental.
ABSTRACT: The balanced and healthy environment is a common right of the people and has the status of a fundamental right because it derives from it the right to life, especially after the promulgation of the 1988 Federal Constitution. More recently, after the sanction of international treaties and conventions, such as example, the Earth Summit and the Stockholm Conference, the environment, due to its importance for present and future generations and the serious and irreparable damage it suffers, has become a topic of great relevance, having been elevated to a legal good constitutionally supervised and considered a crime in the conduct and activities harmful to the environment committed by individuals or legal entities, which may be subject to criminal and administrative sanctions, in addition to the responsibility for repairing the damage caused. Therefore, this research aims to analyze which model of criminal responsibility of the legal person is more compatible with the Brazilian legal system and with the principles of modern Criminal Law, through the bibliographic and jurisprudential method. To this end, a brief analysis of contemporary society of risk linked to the protection of the environment and the social impacts on criminal dogmatics will be carried out, followed by an appreciation of the legal responsibility of the legal person, through the constitutional and legal provision, as well as the adopted theoretical model. At the end of the study, it is concluded that the legal entity will not answer only for crimes against the economic and financial order and against the popular economy, according to art. 173, § 5 ° CRFB /88, but will also respond civilly, administratively and criminally for damages caused to the environment.
Keywords: Criminal Responsibility. Legal person. Crimes of an Environmental Nature.
INTRODUÇÃO
A preocupação com o meio ambiente vem se tornando cada vez mais acentuada à medida que se constata a gravidade dos danos ambientais causados pela ação indiscriminada do homem, bem como de outros entes dotados de personalidade jurídica. Ademais, a sociedade global vem passando por uma gradual conscientização acerca da necessidade de desenvolvimento econômico e não apenas de crescimento, buscando-se um desenvolvimento sustentável, alicerçado na proteção ao meio ambiente, o que propiciou a elevação do meio ambiente à categoria de bem jurídico constitucionalmente tutelado, a criação dos crimes ambientais, bem como extensão da responsabilidade penal às pessoas jurídicas.
Em 1972 foi realizada a primeira grande reunião sobre o meio ambiente, conhecida como a Conferência de Estocolmo, pois essa foi a cidade-sede da reunião. O fruto dessa reunião foi a Declaração de Estocolmo, como é popularmente conhecida, a qual reuniu 26 princípios em prol do meio ambiente, sendo o Brasil, um dos países signatários. Nesse talvegue, em 1981 foi sancionada a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente e, posteriormente, a legislação ambiental do Brasil só foi crescendo e se complementando.
Nesse seguimento, houve a promulgação da atual Constituição Federal de 1988 que dedicou o capítulo VI, composto pelo art. 225, ao meio ambiente. Protegendo-o da forma mais ampla possível, inclusive prevendo as sanções de caráter administrativo, civil e penal, responsabilizando a pessoa natural e jurídica que viessem incorrer à prática do delito. Entretanto, fez-se necessário a criação de uma lei que elencasse as condutas delituosas relacionadas ao meio ambiente, por isso, em 12 de fevereiro de 1998 foi sancionada a Lei Nº 9.605, ou seja, a Lei de Crimes Ambientais.
A Lei de Crimes Ambientais, de forma a regulamentar o quanto disposto constitucionalmente, instituiu a responsabilidade da pessoa natural e da pessoa jurídica que praticassem crimes ambientais. Prevendo, ainda, a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica. Ocorre que, a responsabilidade da pessoa jurídica, ao logo do tempo, vem sendo objeto de ampla discussão e divergência doutrinária. Assim, o presente artigo partirá desse ponto com o intuito de explanar, fundamentadamente, quais são as correntes doutrinárias acerca do tema e como vem sendo aplicada a responsabilidade penal da pessoa jurídica face a infração ambiental.
Para o alcance dos objetivos do presente trabalho, foi utilizado o método de pesquisa bibliográfica, através da doutrina, recorrendo ainda à pesquisa jurisprudencial, assim como a artigos jurídicos, com abordagem qualitativa de caráter exploratório através do estudo da legislação pertinente e da bibliografia específica sobre a responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais que abordam aspectos relativos ao assunto, além da mais recente jurisprudência acerca do tema, com especial destaque para os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.
1. A PROTEÇÃO JURÍDICA DO MEIO AMBIENTE
1.1 Meio ambiente: considerações iniciais
A importância em conceituar meio ambiente é justificada pela necessidade de entender qual o objeto do Direito Ambiental, para isso Luís Paulo Sirvinskas (apud TAKADA & RUSHEL, 2012, p. 1048) autoriza dizer que meio ambiente é o lugar onde habitam os seres vivos. Ou seja, é definitivamente o habitat desses seres, sempre entendendo que a noção de habitat (meio físico) interage com os seres vivos (meio biótico), formando um conjunto harmonioso de condições essenciais para a existência da vida como um todo.
Já Iara Verocai apresenta uma vasta diversidade de conceitos, como: “A soma das condições externas e influencias que afetam a vida, o desenvolvimento e, em última análise, a sobrevivência de um organismo.”(1992, p. 133-135 apud ANTUNES, 2016) e “ o conjunto do sistema externo físico e biológico, no qual vivem o homem e os outros organismos.”(1992, p. 133-135 apud ANTUNES, 2016).
A Lei Nº 6.938/81, também conhecida como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em seu Art. 3º, inciso I, assim determina: “meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (BRASIL, 1981, p. 01).
Percebe-se, assim, que a referida lei definiu o meio ambiente da forma mais ampla possível, fazendo com que este se estendesse à natureza como um todo de um modo interativo e integrativo. Com isso a lei finalmente encampou a ideia de ecossistema, que é a unidade básica da ecologia, ciência que estuda a relação entre os seres vivos e o seu ambiente, de maneira que cada recurso ambiental passou a ser considerado como sendo parte de um todo indivisível, com o qual interage constantemente e do qual é diretamente dependente.
Portanto, o Meio Ambiente é considerado como “patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido, tendo em vista o uso coletivo” (art. 2º, I, mesma lei). A definição é bastante ampla, porém institui sobre o aspecto difuso, sendo da coletividade e não possuindo nenhum titular, compõe tudo aquilo que nos permite a vida, que a abriga e que a rege, as comunidades, os ecossistemas e a biosfera.
1.2 O meio ambiente e o cenário internacional
As discussões acerca do termo sustentabilidade datam do início na década de 60, em um cenário pós-guerra, em que modelo de desenvolvimento vigente apresentava problemas, surgindo os primeiros movimentos ambientalistas como a WWF (World Wild Foundation) em 1961 e o Relatório do Clube de Roma: Limites do Crescimento em 1968 (FERRARI, 2014).
Tal preocupação foi intensificada pela crise causada pelo embargo do petróleo, em 1970, suscitando uma série de debates em busca do desenvolvimento de soluções para economia de energia, pautados nos materiais utilizados em edifícios dos países desenvolvidos, já que nessa época diversos edifícios eram construídos com uma cortina de vidro, onde era obrigatório condicionamento ambiental artificial permanente (CUNHA, 2014).
Em 1972, houve a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, também conhecida como Conferência de Estocolmo, foi a primeira grande reunião de chefes de estado organizada pelas Nações Unidas (ONU), realizada na capital da Suécia, Estocolmo, com participação principal dos líderes arábicos (SOUSA, 2016).
Na década de 80, foi elaborado o Relatório de Brundtland (1987), pela Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, manifestando uma posição crítica do modelo de desenvolvimento adotado, até então, pelos países industrializados e reproduzido pelas nações em desenvolvimento, definição geral era: "Suprir as necessidades da geração presente sem afetar a habilidade das gerações futuras de suprir as suas". A partir daí, iniciou-se a realização de pesquisas e estudos em que se levariam a tópicos relevantes para que se tenha uma construção sustentável nos parâmetros vigentes quanto às questões ambientais (FERRARI, 2014).
Anos mais tarde foi finalizada a chamada Agenda 21, documento gerado pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), realizada em junho de 1992, no Rio de Janeiro, reconhecendo a importância da sustentabilidade para o desenvolvimento econômico e social de uma nação, a ser promovida por todos os setores da sociedade, mediante a seguinte descrição:
10.1. A terra é um recurso finito, enquanto os recursos naturais que ela sustenta podem variar com o tempo e de acordo com as condições de gerenciamento e os usos a eles atribuídos. As crescentes necessidades humanas e a expansão das atividades econômicas estão exercendo uma pressão cada vez maior sobre os recursos terrestres, criando competição e conflitos e tendo como resultado um uso impróprio tanto da terra como dos recursos terrestres. Caso queiramos, no futuro, atender às necessidades humanas de maneira sustentável, é essencial resolver hoje esses conflitos e avançar para um uso mais eficaz e eficiente da terra e de seus recursos naturais. (CNUMAD, 1992, p. 02)
Assim, a referida reunião, ocorrida exatos vinte anos após a primeira conferência do tipo em Estocolmo, na Suécia, marcou a forma como a humanidade encara sua relação com o planeta, no momento em que a comunidade política internacional admitiu, claramente, que era preciso conciliar o desenvolvimento socioeconômico com a utilização dos recursos da natureza.
A chamada cúpula da terra reuniu 179 países participantes da Rio 92, onde seus representantes assinaram a Agenda 21 Global, um programa de ação baseado num documento de 40 capítulos, que constitui a mais abrangente tentativa já realizada de promover, em escala planetária, um novo padrão de desenvolvimento, denominado “desenvolvimento sustentável”. O termo “Agenda 21” foi usado no sentido de intenções, desejo de mudança para esse novo modelo de desenvolvimento para o século XXI (DOS ANJOS, 2015).
Delegações de mais de cem países, entre chefes de estado e ministros, se reuniram para definir medidas para enfrentar os problemas crescentes da emissão de gases causadores do efeito estufa. Movimentos sociais, sociedade civil e iniciativa privada também compareceram intensamente, todos com o objetivo de propor um novo modelo de desenvolvimento econômico que se alinhasse à proteção da biodiversidade e ao uso sustentável dos recursos naturais.
Foi, também, na reunião conhecida como Rio-92, Eco-92 ou Cúpula da Terra que os países reconheceram o conceito de desenvolvimento sustentável e começaram a moldar ações com o objetivo de proteger o meio ambiente. Desde então, estão sendo discutidas propostas para que o progresso se dê em harmonia com a natureza, garantindo a qualidade de vida tanto para a geração atual quanto para as futuras no planeta, conforme o conceito de sustentabilidade discutido na ocasião.
o Protocolo de Kyoto é um acordo internacional para reduzir as emissões de gases estufa dos países industrializados e garantir um modelo de desenvolvimento limpo aos países em desenvolvimento. O documento prevê que entre 2008 e 2012, os países desenvolvidos reduzam suas emissões em 5,2% em relação aos níveis medidos em 1990. O tratado foi estabelecido em 1997 em Kyoto, Japão, e assinado por 84 países. Destes, cerca de 30 já o transformaram em lei. O pacto entrará em vigor depois que isso acontecer em pelo menos 55 países.
Em novembro de 1994, foi realizada, na Flórida, a Primeira Conferência Mundial sobre Construção Sustentável, onde foram definidos seis conceitos para a construção sustentável: minimizar o consumo de recursos; maximizar a reutilização dos recursos; utilizar recursos renováveis e recicláveis; proteger o ambiente natural; criar um ambiente saudável e não tóxico; e fomentar a qualidade ao criar o ambiente construído (DOS ANJOS, 2015).
Dois anos depois, 1996, aconteceu a conferência da ONU chamada de Habitat II, realizada em Istambul, na Turquia. A Habitat II, seguindo os pensamentos da Eco 92, destacou a descentralização das decisões pelo Estado e o poder local, ao mesmo tempo que propõe a sustentabilidade no processo de urbanização (GALIZA, 2019).
Em 2002, a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável decidiu elaborar o Plano de Implementação das atividades sustentáveis, procurando cumprir o mandato da comissão para o desenvolvimento sustentável, reconhecendo a importância da conservação ambiental, sem, contudo, estabelecer a quem caberá financiar as medidas para sua aplicação em escala internacional (FERRARI, 2014).
Resta evidente, portanto, que, em todo o planeta, a cada dia, o tema meio ambiente ganha maior espaço na mídia e nos debates políticos. é evidente que isso decorre do fato de que a cada dia, também, os problemas ambientais são maiores em quantidade e em potencialidade. De fato, o aquecimento global, o buraco na camada de ozônio, a escassez da água potável, a destruição das florestas são alguns dos problemas ambientais que colocam em risco a qualidade de vida e a vida do ser humano.
1.3 A tutela penal do meio ambiente no ordenamento jurídico brasileiro
O meio ambiente é um bem jurídico que merece grande destaque. Nenhum outro interesse tem difusidade maior do que ele, que pertence a todos e a ninguém em particular; sua proteção a todos aproveita e sua degradação a todos prejudica.
Nesse seguimento, a Constituição Federal, mais especificamente em seu artigo 225, caput, dispõe que o meio ambiente é um bem de uso comum do povo e um direito de todos os cidadãos, das gerações presentes e futuras, estando o Poder Público e a coletividade obrigados a preservá-lo e a defendê-lo.
Pretendeu, assim, o legislador garantir o direito ao Meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo de forma a conferir uma sadia qualidade de vida essencial à população delegando ao Poder Público a função de defender e preservar de modo geracional e intergeracional, ou seja, para que a presente geração possa desfrutar do meio ambiente e com isso as gerações vindouras não venham ser prejudicadas por esse uso, pois uma das funções do Poder Público é exatamente garantir e preservar o meio ambiente para que as futuras gerações venham usufruir do mesmo.
1.3.1 A evolução do Direito Ambiental e a sua definição no Brasil
O Direito Ambiental constitui um ramo do Direito relativamente recente que tem por objetivo disciplinar as relações entre a ação humana e o meio ambiente, unindo-se a outras áreas do conhecimento, como a biologia, a engenharia florestal e, hodiernamente, o Direito Penal.
Antunes, discorre sobre o conceito e o crescimento do Direito Ambiental no âmbito jurídico:
O Direito Ambiental é um dos mais recentes ramos do Direito e, com toda certeza, é um dos que têm sofrido as mais relevantes modificações, crescendo de importância na ordem jurídica internacional e nacional. Como em toda novidade, existem incompreensões e incongruências sobre o papel que ele deve desempenhar na sociedade, na economia e na vida em geral. A sua implementação não se faz sem dificuldades das mais variadas origens, indo desde as conceituais até as operacionais. Contudo, uma verdade pode ser proclamada: a preocupação do Direito com o meio ambiente é irreversível (ANTUNES, 2016, p. 7)
Na mesma direção, cabe destacar o entendimento de Milaré:
[...] o Direito do Ambiente [...] deve voltar-se para a gestão ambiental, cuja incumbência consiste na aplicação de normas técnicas, jurídicas, administrativas, econômicas, sociais, éticas e políticas para a salvaguarda dos ecossistemas e seus recursos, com o intuito de garantir o prosseguimento da vida e da sua boa qualidade em todos os tempos e lugares da Terra, nossa Casa Comum (Milaré, (2013, p. 231).
Direito Ambiental pode ser conceituado, portanto, como o conjunto de princípios, regras e valores relativos ao meio ambiente como bem de uso comum do povo. Constitui-se de normas decorrentes do Direito Internacional, da Constituição Federal e da legislação ordinária que regulam atividades potencialmente danosas ao meio ambiente, visando sempre a sua proteção.
Toda a base do Direito Ambiental encontra-se cristalizada na Constituição Federal, seja em relação à disciplina das competências legislativas (arts. 22, IV, XII e XXVI; 24, VI, VII e VIII; e 30, I e II); competências administrativas ou materiais (art. 23, III, IV, VI, VII e XI); ordem econômica ambiental (art. 170, VI); meio ambiente artificial (art. 182); meio ambiente cultural (arts. 215 e 216); meio ambiente natural (art. 225) entre outros dispositivos esparsos não menos importantes, formadores do denominado Direito Constitucional Ambiental, dando-se, para os efeitos deste estudo, maior destaque para as previsões contidas no art. 225.
A tarefa de cuidar do meio ambiente foi imposta não só aos governantes de plantão, mas também a toda a coletividade, consolidando o entendimento já pacificado por aqueles que lutavam pela proteção ambiental: a proteção ao meio ambiente, para realmente ser efetividade, só será possível com a participação de todos os cidadãos de forma organizada e consciente. (PEGADO; BARBOSA, 2013, p.11)
Assim, o Direito Ambiental, em seu aspecto transindividual e difuso, bem como, a manutenção de um sistema de Meio Ambiente ecologicamente equilibrado, encontra seu amparo legal na Constituição Federal de 1988, cuja qual trouxe a responsabilização da pessoa jurídica pela prática de crimes ambientais como um grande avanço, pois, constatava-se que parte das degradações ambientais eram causadas por ações corporativas de grandes empresas.
Ademais, a Lei Federal Nº 9.605/98, corroborou com tal entendimento ao dispor expressamente sobre as sanções penais, civis e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao Meio Ambiente. Este esforço visa garantir a todos uma vida saudável e um Meio Ambiente ecologicamente equilibrado.
Conforme detalha Sampaio (2015), a crescente preocupação social com as questões que envolvem o Meio Ambiente levou a comunidade internacional a adequar suas legislações para promover a proteção do Meio Ambiente. Esta necessidade é relevante, pois, os recursos naturais renováveis e não renováveis são limitados.
Neste contexto, foram criados os princípios relacionados ao direito ambiental, que servem para auxiliar na interpretação dos conceitos legais e sanar eventuais lacunas existentes na legislação ambiental e em nosso ordenamento jurídico, conforme previsto no art. 225, que a Constituição Federal, como bem explica Rodrigues: “[...] tendo a Carta Maior previsto os princípios do direito ambiental, toda e qualquer norma que vise a tutela do entorno deve ser pensada de acordo com esses valores, predeterminados pelo legislador constituinte” (RODRIGUES, 2018, p.104).
Desse modo, os princípios do Direito Ambiental foram criados visando conferir legalidade jurídica para que os Estados possam elaborar suas políticas públicas de proteção ambiental. Isso justifica a função desses princípios como estruturadores para que sejam construídas normas ambientais internacionais, regionais e nacionais (PANTOJA, 2019).
Pode-se dizer, então, que os princípios são norteadores para que sejam criadas novas regras, bem como sejam promovidos estudos quanto a um determinado tema. E, como tudo muda o tempo todo, os princípios também podem sofrer mudanças, visto que seu objetivo é preservar o equilíbrio entre homem e legislação.
1.3.1.1 Princípio da prevenção
Estabelecido no art. 225 da Carta Magna de 1988, esse princípio demanda o conhecimento acerca do que seria dano ambiental e, assim, prevenir quer dizer antecipar, ou seja, ter a consciência que, na iminência de algum dano ambiental o mesmo deverá ser impedido. A redação da Carta Magna determinou, então, a necessidade de “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente” (BRASIL, 1988). O texto revela uma maneira de prevenção, já que se trata de uma política pública de conscientização, o qual pode vir a impor maneiras de evitar que problemas ambientais possam vir a derivar das ações humanas.
As ideias desse princípio proporcionam a comprovação de que a prevenção é um dever jurídico o qual é responsável por impedir que o meio ambiente seja danificado. O princípio da precaução se volta mais para a atuação de uma forma extensa, incidindo sobre as ações estatais de maneira geral (SOUZA, 2012).
Esse princípio busca se antecipar e prevenir a ocorrência de prejuízos ao meio ambiente, estando destinado, portanto, a toda a sociedade, inclusive Governo e legisladores, para que sejam instituídas medidas e políticas destinadas a prevenir a poluição.
Portanto, o Princípio da Prevenção tem como objetivo principal evitar danos ao meio ambiente, podendo ser aplicado em hipóteses em que os riscos são visíveis e previsíveis, de maneira a requerer respostas por parte da atividade impactante, a qual deve buscar impedir ou pelo menos reduzir o que poderá vir a ser causado ao meio ambiente.
1.3.1.2 Princípio da reparação
Segundo esse princípio, todo aquele que causar lesão ou dano ao Meio Ambiente fica obrigado a repará-lo e será responsabilizado, civil, penal e administrativamente. A reparação de um dano ambiental pode ser realizada de duas formas: a primeira é a denominada reparação natural, quando ocorre o ressarcimento in natura, se for possível o retorno ao status quo ante; a segunda é o pagamento de uma indenização em dinheiro (ASSIS, 2020).
De acordo com o entendimento do STJ (2015), por força da reparação in integrum, admite-se a condenação do réu, simultânea e agregadamente, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar, para promover a reparação do dano ambiental.
Importa destacar que deve se levar em conta, nesse contexto, que o dano ambiental é multifacetário (ética, temporal, ecológica e patrimonialmente falando, sensível ainda à diversidade do vasto universo de vítimas, que vão do indivíduo isolado à coletividade, às gerações futuras e aos próprios processos ecológicos em si mesmos). É sempre preferencial a reparação natural do dano, pela recomposição efetiva e direta do ambiente prejudicado. Somente quando esta não for possível, é que se deve arbitrar uma indenização a ser paga pelo agente causador do dano (CAVALCANTE, 2021).
A Lei de Crimes Ambientais também antevê a possível penalidade de pessoas, sendo elas naturais ou jurídicas, que causarem danos ao meio ambiente, podendo ser essa penalidade aplicada em três âmbitos: civil, administrativa e penal, os quais são independentes, e que podem punir isoladamente ou em conjunto (MOTA; ROCHA; CAMPOS MOTA, 2011).
Portanto, o Princípio da Reparação tem como objetivo impor medidas para que sejam reparados os prejuízos que foram provocados ao meio ambiente, principalmente em se tratando de pessoa jurídica, seja lá qual for seu segmento. O que chama atenção é que também é levado em conta que, além da reparação é preciso prevenir.
1.3.1.3 Princípio do poluidor-pagador
Pautado neste princípio, impõe-se ao agente poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção de danos ao Meio Ambiente que a sua atividade possa vir a causar, evitando a ocorrência do dano (caráter preventivo). Entretanto, caso o dano venha a ocorrer, o ônus de repará-lo integralmente é do agente poluidor, que responderá criminal, civil e administrativamente (ASSIS, 2020).
Para Souza (2013) esse princípio quer dizer que todo aquele que faz uso do recurso deve se sujeitar ao grupo de despesas voltadas para viabilizar o emprego do recurso e os custos derivados de sua própria utilização. O principal objetivo desse princípio é impedir que os custos dos recursos não recaiam sobre os poderes públicos, nem por terceiros, mas sim por aquele que o utiliza.
Este princípio está previsto na Constituição Federal, no art. 225 § 3°, in verbis:
Art. 3º (...)
§3º as condutas e atividades consideradas lesivas ao Meio Ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” (BRASIL, 1988, p. 02).
O Princípio do Usuário Pagador, nesse contexto, estabelece que quem utiliza o recurso ambiental deve suportar seus custos, sem que essa cobrança resulte na imposição de taxas abusivas, considerando que utilizar gratuitamente um recurso ambiental está se gerando um enriquecimento ilícito, pois como o meio ambiente é um bem que pertence a todos, boa parte da comunidade nem utiliza um determinado recurso ou, se utiliza, o faz em menor escala. Então, não há que se falar em Poder Público ou terceiros suportando esses custos, mas somente naqueles que dele se beneficiaram.
O princípio do poluidor pagador preconiza que os custos decorrentes da prevenção da poluição e controle do uso dos recursos naturais assim como os custos da reparação dos danos ambientais não evitados (“custos da poluição”) sejam suportados integralmente pelo condutor da atividade econômica potencial ou efetivamente degradadora, que, portanto, internalizará os custos da poluição ao invés de externalizá-los para o Estado e, consequentemente, para a sociedade.
Esse princípio também encontra previsão na Política Nacional de Resíduos Sólidos, Lei 12.305/10, inserido no contexto de preocupação com o meio ambiente. O poluidor-pagador significa, portanto, que o poluidor tem a obrigação de arcar com os custos da reparação do dano causado ao meio ambiente por ele.
Trata-se, pois, de um dos pilares do moderno direito ambiental e traz a concepção de que, quem polui, deve responder pelo prejuízo que causa ao meio ambiente. E a sua responsabilização se dá em forma de pagamento que, por seu turno, pode consistir em uma prestação em dinheiro mesmo, ou em atos do poluidor.
1.4 DOS CRIMES AMBIENTAIS
Primeiramente, faz-se necessário descrever o que se entende como dano ao Meio Ambiente. Trata-se de uma construção doutrinária, já que a legislação vigente não o conceitua especificamente. Dano é todo ato que gera lesão a um bem jurídico, cujo qual prescinde que haja lesão a um bem jurídico ambiental, qual seja, ao Meio Ambiente, ecologia, a fauna, flora, aos recursos hídricos, minerais, etc. Ocorrendo lesão a um bem ambiental, decorrente de uma atividade praticada por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que direta ou indiretamente seja responsável pelo dano, haverá o dever de repará-lo (ASSIS, 2020).
Dentro desse contexto, o dano, eventualmente, incorre em crime ambiental, que segundo Marques (2017), pode ser entendido como produto do dando, agredindo e danificando o meio ambiente, viola o ordenamento urbano, saúde pública e a patrimônio cultural. Tais fatos ocorrem quando são transpostas as barreiras já determinadas em lei ou quando não são levadas em conta as normas ambientais, mesmo não sendo provocado algum um dano permanente. Deve-se considerar que agressões previstas legalmente não são tidas como crimes.
A Lei de Crimes Ambientais - Lei nº 9.605/98 dividiu e agrupou os tipos penais ambientais em cinco temas: os crimes contra a Fauna (arts. 29 e 37); os crimes contra a Flora (arts. 38 e 53); a Poluição e outros crimes ambientais (arts. 54 e 61); os crimes contra o Ordenamento Urbano e o Patrimônio Cultural (arts. 62 a 65); e os crimes contra a Administração Ambiental (arts. 66 a 69-A) (JAGUARIBE, 2012).
Segundo Faria (2020), os crimes contra a fauna podem ser entendidos como todas as agressões que acometem animais silvestres, nativos ou que se encontram migrando para outras regiões. Dentre as práticas compreendidas como crime encontram-se a caça, pesca, matança, perseguição, exportação, maus tratos, experiências de cunho doloroso ou cruel com animais caso haja outra metodologia, mesmo que a finalidade seja didática ou científica, o transporte, a manutenção em locais insalubres, ovos, espécimes sem a devida ou incorreta autorização ambiental. Aqui também pode ser incluído transformar, destruir ou causar danos a ninhos ou locais onde animais procriam.
São crimes contra a flora segundo a Lei Nº 9.605/98 danificar ou destruir floresta considerada de preservação permanente, bem como a vegetação, seja ela primaria ou secundaria; Causar dano as unidades de conservação; Provocar incêndio em mata e floresta; Fabricar, vender ou soltar balões que possam causar incêndios; Extrair da floresta qualquer espécie de minerais, sem a devida autorização; Cortar e transformar em carvão madeira de lei, bem como receber e adquirir para fins comerciais ou industriais, produtos de origem vegetal sem licenciamento; Impedir ou dificultar a regeneração natural de florestas e demais formas de vegetação (MILARÉ, 2014).
São considerados crimes da poluição e outros crimes ambientais: causar poluição em níveis que resultam ou possam resultar danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais, ou até mesmo a destruição da flora ainda que significativa; Tornar uma área, seja ela urbana ou rural, impropria para ocupação humana; Poluir a atmosfera de forma que seja necessário a retirada dos habitantes dessa área, mesmo que momentâneo; Poluição hídrica, tornando necessária a interrupção do abastecimento de água; Dificultar ou impedir o uso de praias; Lançar resíduos seja ele qual for, em desacordo com a legislação ou regulamentos; Fazer pesquisa, lavrar ou extrair recursos minerais sem autorização competente; Obter, transportar, fazer, fornecer, embalar, usar, substância ou produto tóxico, que traga perigo ao meio ambiente e a saúde humana, sem as devidas condições legais; Construir ou fazer funcionar estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores (BRASIL, 1998).
Os crimes contra a administração ambiental tratam-se de crime próprio cuja tipificação exige-se do sujeito ativo, capacidade especial consistente no exercício da função pública, isto é, o autor desse crime é somente o funcionário público. São crimes contra a administração ambiental: Afirmação falsa ou enganosa, omitir a verdade, sonegar informações ou dados relevantes; Conceder licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais; Deixar de cumprir com sua obrigação; Obstar ou dificultar a ação de fiscalização do poder público; Apresentar ou elaborar qualquer procedimento administrativo, total ou parcialmente falso ou enganoso (BRASIL, 1998). As Infrações administrativas são fixadas através de cinco artigos (arts. 66 a 69-A) da Lei 9.605/1998, onde é tipificada as condutas delituosas. Se configuram através de toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente. Cabendo punição com as devidas sanções estabelecidas no diploma legal, podendo vir a ser aplicada outras penalidades previstas na legislação (BRASIL,1998).
1.4.1 A responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes ambientais
A responsabilidade penal é a obrigação de um autor de um fato típico, ilícito e culpável de responder por este fato perante a justiça criminal, sujeitando-se aos preceitos sancionadores previstos na legislação penal. Com relação a penalização pela prática de crimes ambientais, à medida que se constatou a gravidade dos danos ambientais causados pela ação humana, bem como de outros entes dotados de personalidade jurídica, a preocupação com o meio ambiente passou a ganhar mais destaque. Em virtude disso, com o aumento da conscientização à proteção do meio ambiente foi possível elevá-lo à categoria de bem jurídico, garantido pela Constituição, o que proporcionou a criação de crimes ambientais, bem como a extensão da responsabilidade penal às pessoas jurídicas (REIS, PASSAMANI, 2019).
A responsabilidade penal, ainda, de acordo com o princípio da culpabilidade, deverá ser sempre subjetiva, ou seja, não havendo dolo ou culpa, entende-se que não há conduta. Dessa maneira, os envolvidos em certa situação não podem ser punidos de maneira mais objetiva, e sim, no caso referido no presente artigo, devem ser submetidos a sanções mais voltadas à esfera administrativa (GRECO, 2017, p.171)
Para Gomes (2014, p.26): O princípio da responsabilidade pessoal conduz a cuidar do tema da responsabilidade penal da pessoa jurídica (prevista na Lei ambiental 9.605/98, art. 3º). A CF prevê duas hipóteses de responsabilidade penal da pessoa jurídica: crimes ambientais e econômicos (CF, arts. 173 e 225). Entretanto, até o presente momento, apenas no que concerne aos crimes ambientais o assunto foi regulamentado.
Assim, a Lei de Crimes Ambientais garante que a pessoa jurídica não pode ser somente punida nesse âmbito, como também pode ser tratada como pessoa física, em se tratando dos sujeitos envolvidos em determinado crime. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras ou partícipes do mesmo fato.
No âmbito do ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com Costa (2018), a questão da responsabilidade penal da pessoa jurídica sempre foi um assunto polêmico e que desperta o interesse de vários doutrinadores mundiais. Essa circunstância acentuada devido ao papel que a pessoa jurídica executada na sociedade moderna. Nos últimos anos, elementos como a poluição, o desmatamento, a caça e a pesca elevaram seu volume, o que faz com o que crime não ambiental se torne coorporativo.
A Lei Nº 9.605/98, a qual trata expressamente deste tipo de responsabilidade criminal das pessoas jurídicas nos delitos ambientais. Conforme o que está disposto no artigo 3º da referida lei:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, coautoras (sic) ou partícipes do mesmo fato. (Lei 9.605/98). (BRASIL, 1998).
No Art. 4º da Lei dos Crimes Ambientais, o legislador adotou a teoria da desconsideração da pessoa jurídica nos casos em que esta possa ser obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados ao meio ambiente e consequente responsabilização civil das pessoas físicas que a compõem.
Em seu Art. 6º, a Lei dos Crimes Ambientais criou algumas circunstâncias que o Magistrado deve levar em conta para a gradação da penalidade. Segundo Capez (2011) para a fixação da pena deve-se levará em conta as seguintes circunstâncias: 20 a gravidade do fato, os riscos que o mesmo provoca à saúde da sociedade, os antecedentes e a situação econômica no caso de multa.
De acordo com o que está disposto no Art. 7º da Lei dos Crimes Ambientais existe a possibilidade de serem aplicadas penas alternativas, estas dividem-se em duas: as restritivas de direitos e as penas de multa.
A Lei dos Crimes Ambientais elenca penas restritivas de direitos específicas para os crimes ambientais:
Art. 8º As penas restritivas de direito são:
I - prestação de serviços à comunidade;
II - interdição temporária de direitos;
III - suspensão parcial ou total de atividades;
IV - prestação pecuniária;
V - recolhimento domiciliar. (Lei 9.605/98).
(BRASIL, 1998, p. 02).
Pelas penas acima referidas, e sendo o ato delituoso cometido fator passível de lesar toda uma coletividade, compreende-se que a principal finalidade penal é contribuir para a reparação dos prejuízos causados.
No que tange à prestação de serviços nos casos em que pessoas jurídicas cometem crimes ambientais consiste na criação de programas e execução de obras em áreas degradadas. Nos casos de condenação superior a seis meses de privação de liberdade, cabe a prestação de serviços à comunidade ou a entes públicos.
Outra modalidade de condenação é a prestação pecuniária, trata-se do pagamento de dinheiro à vista ou em parcelas à vítima, dependentes ou as entidades públicas ou privadas, não inferior a um salário mínimo nem superior a trezentos e sessenta salários mínimos, cujo valor pago será deduzido do montante de eventual reparação civil a que for condenado o infrator. (BRASIL, 1998).
Como é possível verificar no referido artigo, o montante será fixado livremente pelo juiz, levando em conta o suficiente para a reprovação do delito as condições de pagamento de cada entidade, de forma que não ultrapasse os valores previstos em lei.
A grande questão, no entanto, é até que ponto se executa uma justiça piamente justa ao impacto gerado, pelo delito, dentro da coletividade. Não se pode aplicar uma pena que não seja monetária a uma empresa, por exemplo, e esse é um dos pontos causadores de um pensamento de impunidade. Para grandes empresas, donas de rendimentos financeiros gigantescos, não se apresenta uma medida preventiva, mas somente a punitiva, a de multa, a de pagar e continuar delinquindo, já que sanções mais severas não podem ser administradas.
Muitos são os casos de desastres ambientais em que nem se imagina em qual sujeito deve recair a responsabilidade de responder pelo dano causado. Não porque não se sabe ao certo, mas porque não há uma preocupação por parte da empresa em verificar, uma por uma, as ações de seus funcionários. Tanto não se dá a devida atenção à mencionada temática, que Capez, em sua obra “Direito Penal I – Parte Geral”, abrange a teoria adotada por Cernicchiaro, em que se comenta que as pessoas jurídicas não cometem crimes e não estão sujeitas, portanto, à sanção penal, uma vez que são seres desprovidos de consciência e vontade própria (CAPEZ, 2011, p.171)
Evidencia-se, assim, que embora existisse a imputação legal prevista na Lei de Crimes Ambientais, tanto a doutrina como o próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ), por algum tempo, sustentavam o entendimento de que apenas seria possível responsabilizar penalmente a pessoa jurídica se da mesma forma se denunciasse a pessoa física, o que se denominou de sistema da dupla imputação. Compreendia-se que, não era possível separar a responsabilidade penal da pessoa jurídica daquela pessoa física que praticava a conduta, tendo em vista, que o Direito Penal brasileiro se pautava no modelo de heterorresponsabilidade.
Dessa forma, Busato (2012, p.71) explica que para esse modelo de heterorresponsabilidade a pessoa jurídica era responsabilizada diante atuação de pessoa física por meio ou através desta, o que para o autor, violava o próprio princípio da culpabilidade, tendo em vista, que estaria se responsabilizado um por fato de outrem.
Somente em 2013, houve a manifestação quanto à autorresponsabilidade penal da pessoa jurídica no RE 548.181/PR (Rel. Min. Rosa Weber), ou seja, a responsabilidade independentemente de imputação simultânea à pessoa física. Sobre esse modelo, Velludo e Netto muito bem explicam:
Pelos modelos de autorresponsabilidade, a exigência de identificação de uma pessoa física perde gradativamente importância, já que a consolidação do injusto e da culpabilidade próprios da empresa torna a imputação da pessoa jurídica independente. (VELLUDO e NETTO, 2018, p.213)
Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a possibilidade de se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica por crimes ambientais independentemente da responsabilização da pessoa física, visto que, a CF ao versar sobre o tema não obriga haver a dupla imputação, evitando que por ser a pessoa jurídica um ente fictício não se atribuísse tal responsabilidade facilitando a prática desses crimes. Ao responsabilizar as pessoas jurídicas é possível obter um maior controle desses crimes ambientais, visto a dificuldade em se responsabilizar individualmente a pessoa física responsável por aquele delito diante a grande quantidade de funcionários.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito ambiental moderno é composto por um conjunto de normas e princípios, que visam a proteção jurídica e preservação do Meio Ambiente, resultante das preocupações acerca da sustentabilidade e preservação dos recursos não renováveis para as próximas gerações. Nesse sentido, a preocupação acerca da degradação ambiental, com as possíveis alterações das características do meio ambiente, por exemplo, pelas atividades industriais, se torna um problema global, a ser discutido mundialmente.
O desenvolvimento socioeconômico e o crescimento urbano desordenado, especialmente nos últimos anos, tornaram-se muito intensos, culminando, consequentemente, no surgimento de diversas corporações. Com isso, o meio ambiente, bem de direito difuso, já que tem utilidade tanto para o público quanto para o privado, além de ser um bem necessário para a boa qualidade de vida das pessoas, tem sofrido largamente as consequências do intenso desenvolvimento econômico mundial.
No Brasil, a promulgação da Constituição Federal de 1988, trouxe uma série de inovações em prol do meio ambiente e da coletividade, trazendo ao longo de diversos artigos, em especial o 225, uma série de previsões relacionadas à tutela da preservação do meio ambiente, incluindo a previsão legal da condenação criminal por danos ambientas, levando-se em consideração a obrigatoriedade de uma proteção penal uniforme, clara e ordenada, razoável com a importância do bem jurídico.
Entretanto, durante muito tempo predominou o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que apenas seria possível responsabilizar penalmente a pessoa jurídica se da mesma forma se denunciasse a pessoa física, o que se denominou de sistema da dupla imputação. Compreendia-se que, não era possível separar a responsabilidade penal da pessoa jurídica daquela pessoa física que praticava a conduta.
Somente em 2013 foi que o STF reconheceu a possibilidade de se responsabilizar penalmente a pessoa jurídica por crimes ambientais independentemente da responsabilização da pessoa física, visto que, a CF ao versar sobre o tema não obriga haver a dupla imputação, evitando que por ser a pessoa jurídica um ente fictício não se atribuísse tal responsabilidade facilitando a prática desses crimes.
Assim, somente haverá a persecução penal contra a pessoa jurídica se o ato delituoso for perpetrado em seu benefício e por pessoa física que mantenha estreita ligação com o ente moral ou coletivo, e com o auxílio da influência ou poderio da empresa não se deixará de verificar a existência de um concurso de pessoas, terminando o legislador por adotar respostas penais específicas e adequadas à punição das pessoas jurídicas, somente pecando ao deixar de estabelecer mecanismos mais concretos no plano procedimental.
Logo, diante desse novo entendimento, vê-se que é possível a responsabilidade penal da pessoa jurídica, com o intuito de defender os direitos de toda a sociedade, mesmo tendo em vista que, por mais que um ente jurídico cometa um crime, quem na verdade cometeu o ato ilícito foi uma pessoa física, seja esta por mando de alguém ou não, com a intenção de obter vantagem financeira ou não, agindo para tal dano ou meramente não tomando a devida cautela.
Conclui-se, portanto, que de acordo com julgados e com a aplicabilidade das normas, em face de um bem maior, a responsabilidade penal da pessoa jurídica é um grande avanço para a sociedade num todo, pois não pune somente os mais desfavorecidos financeiramente, ou seja, o pequeno produtor, que cultiva seu plantio no seu próprio lote, mas também as grandes empresas, indústrias ou qualquer tipo de pessoa jurídica que soltam seus dejetos, produtos químicos ou qualquer outro produto que venha afetar a fauna, a natureza, rios, lagos, matas, podendo, consequentemente prejudicar também toda a sociedade ou uma porcentagem significante desta, por gerações.
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Graduando em Direito no Centro Universitário Luterano de Manaus – CEULM/ULBRA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTEIRO, Dannes Ribeiro. Responsabilidade penal da pessoa jurídica nos crimes de natureza ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56828/responsabilidade-penal-da-pessoa-jurdica-nos-crimes-de-natureza-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
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