ENIO WALCÁCER DE OLIVEIRA FILHO[1]
(orientador)
RESUMO: Aprovada enquanto vigorava o regime da ditatura militar, a Lei nº. 4.898 de 1965 teve vigência de mais de cinquenta anos, até que, no ano de 2019, teve suas disposições revogadas a Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019 ser sancionada. As normas em questão estabelecem responsabilização das autoridades que no desempenho de suas funções, cargos e mandatos agem com excesso, de modo a atingir direito de outrem. Com a edição da nova lei, as condutas consideradas abuso de autoridade passaram a ser tratadas de forma mais específica, em observância ás prerrogativas dos sujeitos ativos e resguardando o direito das vítimas. Diante da revogação total de texto anterior, a problemática analisada nesta pesquisa jurídica consiste na comparação entre os textos em questão. O objetivo geral pretendido consiste na exposição do resultado comparativo entre as leis. O estudo se apresenta como pesquisa bibliográfica a medida que, expõe posicionamentos legais e doutrinários sobre o tema abordado e conclui indicando as principais inovações no combate ao abuso de autoridades.
Palavras-chave: Abuso. Autoridade. Lei 4.898/65. Lei. 13.869/19. Comparação.
ABSTRACT: Approved while the military dictatorship was in force, Law no. 4,898 of 1965 was valid for more than fifty years, until, in 2019, its provisions were revoked with the sanction of Law No. 13,869, of September 5, 2019. The rules in question establish the responsibility of the authorities that in the performance of their functions, positions and mandates act in excess, in order to achieve the rights of others. With the enactment of the new law, conduct considered abuse of authority began to be dealt with in a more specific way, in compliance with the prerogatives of active subjects and safeguarding the rights of victims. In view of the total revocation of the previous text, the problem analyzed in this legal research consists in the comparison between the texts in question. The intended general objective is to expose the comparative result between the laws. The study presents itself as bibliographic research as it exposes legal and doctrinal positions on the topic addressed and concludes by indicating the main innovations in the fight against abuse of authorities,
Keywords: Abuse. Authority. Law 4,898 / 65. Law 13,869 / 19. Comparison.
INTRODUÇÃO
A instituição de órgãos e serviços públicos se torna possível através dos funcionários públicos que atuam em nome do Estado no exercício de suas funções. Muitos desses servidores recebem proteção legal quanto ao desempenho de suas atividades, contudo, também têm limitação em sua atuação, sob pena de configuração das práticas de abuso.
O abuso de autoridade consiste em um comportamento habitual de um indivíduo que tem poder e utiliza esta posição sobre a pessoa subordinada para obter benefícios, prejudicar terceiros, entre outras vantagens.
Comum em tempos sombrios, como da ditadura por exemplo, a conduta foi tipificada como crime primeiramente pela Lei n° 4.898/65, contudo no ano de 2019 foi sancionada uma nova lei que regulamenta o abuso de autoridade de forma mais complexa, qual seja a Lei n° 13.869/2019. O que consequentemente revogou a lei anterior.
Ante da alteração legislativa, vale ressaltar o estudo acerca das recentes disposições legais, especialmente quanto às alterações que mais sofreram impacto com a atual Lei de Abuso de Autoridade n° 13.869/2019, fazendo um comparativo com a Lei n° 4.898/65, ora revogada.
Portanto o presente artigo trata quais foram as alterações trazidas de modo mais amplo, e apresenta de forma minuciosa as alterações do sujeito ativo do crime, o tipo de ação penal, os efeitos da condenação, as penas e sanções aplicadas quando comprovado o abuso de autoridade.
Elaborada através de revisão bibliográfica, esta pesquisa científica expõe seus resultados através do método dedutivo, a partir de uma noção geral acerca do abuso de autoridade, passando pelas determinações vigentes, para concluir sobre as principais inovações observadas no ordenamento jurídico brasileiro.
2 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DO ABUSO DE AUTORIDADE
Antes de passar ao estudo específico sobre a responsabilização do agente público por casos de abuso de autoridade, é necessário indicar em que consiste essa prática muito apontada no decorrer dos processos, principalmente quando se trata de atuação policial, especialmente quem pode ser considerado autoridade. Portanto, se faz a partir de agora um apanhado dogmático do que se considera abuso de autoridade.
Os autores da Obra Abuso de Autoridade (Gilberto Passo de Freitas e Vladimir Passos de Freitas), conceituam, pois, autoridade como sendo a pessoa que, em razão do cargo, emprego ou função publica que ocupa, ainda que sem remuneração e transitoriamente, detenha o poder de determinar, de subordinar ou de se fazer obedecer. Assim, Constitui-se "abuso de autoridade" quando uma autoridade publica, no uso de suas funções, pratica qualquer atentado contra a liberdade de locomoção, a inviolabilidade do domicílio, o sigilo da correspondência, a liberdade de consciência e de crença, o livre exercício do culto religioso, a liberdade de associação, os direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto, o direito de reunião, a incolumidade física do indivíduo e, aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional (incluído pela Lei nº 6.657, de 5 de junho de 1979). O abuso de autoridade levará seu autor à sanção administrativa civil e penal, com base na lei (BARBOSA, 2020, p.1).
Benigno Núñez Novo simplifica a definição afirmando que “abuso de autoridade é conceituado como o ato humano de se prevalecer de cargos para fazer valer vontades particulares. No caso do agente público, ele atua contrariamente ao interesse público, desviando-se da finalidade pública” (2019, p.1).
O abuso, portanto, não se confunde com outras práticas, a medida que ocorre quando a autoridade faz mais do que deve, se excedendo no rigor de sua função; enquanto que a prevaricação significa fazer aquém do devido e a violência arbitrária é o uso de violência afastado da finalidade pública (COGAN e SILVA, 2020).
A proibição dessas condutas tem por base principiológica a proteção aos direitos humanos e também à limitação da atuação da autoridade pública. Em razão da necessidade, o Brasil possui regulamentação específica sobre a matéria.
2 BREVE HISTÓRICO E SURGIMENTO DA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE –LEI Nº 4.898/65
A primeira lei de abuso de autoridade brasileira foi sancionada em 9 de dezembro de 1965, tinha como objetivo amenizar os abusos que estavam sendo cometidos, em sua maioria, por policiais na época em que o governo nacional era executado em regime de ditadura militar (BRASIL, 1965).
Composta de 29 artigos, a Lei nº 4.898/65 possibilitou o direito de representação e de responsabilidade civil, administrativa e penal das autoridades que cometessem os abusos regulados pela lei. Conforme os artigos 3º e 4º tornou-se cristalino o conceito de abuso de autoridade.
Art. 3º. Constitui abuso de autoridade qualquer atentado:
a) à liberdade de locomoção;
b) à inviolabilidade do domicílio;
c) ao sigilo da correspondência;
d) à liberdade de consciência e de crença;
e) ao livre exercício do culto religioso;
f) à liberdade de associação;
g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto;
h) ao direito de reunião;
i) à incolumidade física do indivíduo;
j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional.
Em continuação às hipóteses anteriores, o artigo seguinte apresenta uma série de outras condutas puníveis ao mesmo título:
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder;
b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;
c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa;
d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada;
e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei;
f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor;
g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa;
h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal;
i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade
i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (BRASIL, 1965)
A Lei também apresentava o procedimento a ser adotado para o protocolo, bem como o decorrer da representação, com sanção não apenas no âmbito criminal, mas também cível e administrativa (BRASIL, 1965). Sobre tais circunstancias, são tratadas mais adiante quando das comparações com a nova lei.
Acontece que com o passar dos anos essas disposições tornaram-se frágeis dentre a realidade vivenciada pelos indivíduos, principalmente as sanções decorrentes do abuso de autoridade, bem como as inovações processuais disponíveis no ordenamento jurídico. Com isso, uma nova lei foi colocada em vigor, revogando-se completamente as disposições anteriores.
Antes de realizar o apontamento das alterações que ocorreram após a revogação, é necessário ponderar as críticas e inaplicabilidade que a lei 4.898/65 vinha sofrendo em quase 54 (cinquenta e quatro) anos de vigência, principalmente por meio de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais.
2.1 CRÍTICAS À LEI Nº 4.898/65
Durante o período de ditadura militar originou-se lei de abuso de autoridade 4.898/65, onde a autoridade policial e o Estado se encontravam desgastados publicamente, onde conceituou o crime abuso de autoridade (NUCCI, 2019).
O indivíduo que cometia o crime previsto na referida lei estava sujeito a tríplice responsabilidade: administrativa, civil e penal. Todavia, a apuração se apresentava morosa, bem como, as sanções previstas soavam como falsas punições, pois a lei foi sancionada em um período que foi considerado sem democracia, onde o desrespeito com os cidadãos era generalizado por parte das autoridades.
A Lei nº 4.898 de 1965, dispôs em seus artigos que, constitui abuso de autoridade qualquer atentado contra os direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. Contudo, pode-se verificar que esta lei era de difícil aplicação prática, contendo um texto aberto em alguns de seus artigos, outrora ocupando tão somente um simbolismo de pouca efetividade, como se observa nas palavras de Sabino (2017, p. 13) “[...] a prática de abuso de autoridade tornou-se habitual tanto no âmbito administrativo quanto no exercício da atividade policial, deixando explícita a pouca ou nenhuma efetividade preventiva e punitiva da Lei 4.898/65 (RODRIGUES E OLIVEIRA FILHO, 2020, p.1).
Uma das críticas consistia na tipificação dos delitos. Guilherme de Souza Nucci (2020) saliente que os tipos penais da Lei 4.898/65 em sua maioria abertos e não taxativos, o que levava a uma interpretação por parte dos aplicadores da lei.
Assim, “os tipos nela previstos, são abertos objetivamente, e subsidiários aos demais previstos em outras leis que possuem mais especificidade quanto à criminalização da conduta do servidor ou agente público”. (BALTAZAR JUNIOR, 2014, p. 789)
Sobre as condutas indicadas até então, acrescenta-se o fato de não haver na época a descrição de cada uma delas. Ao comentar as condutas tipificadas, no artigo 3º da Lei revogada, Nucci (2019) aponta suas críticas, segundo Nucci (2019 ).
Não há descrição de nenhuma das condutas previstas no tipo incriminador. Todas elas se referem a meros atentados, o que significa, por si só, uma tentativa. Portanto, torna-se inconcebível punir alguém com base numa tentativa de violação de liberdade de locomoção, por exemplo, visto redundar em situação completamente aberta, sem limite ou parâmetro, fomentadora de insegurança jurídica visível (NUCCI, 2019, p. 189).
Além disso, as sanções aplicadas eram de apenas 10 dias a 6 meses de detenção. O mencionado curto prazo de punição tornava a prática delitiva insignificante, principalmente com o passar dos anos. Portanto, a atualização da lei se apresentou viável.
A modernização das condutas que configuram Abuso de Autoridade, pode ser considerada o acerto mais evidente da nova legislação. Já que a normas anteriores possuíam mero caráter paliativo, sem aplicabilidade efetiva, e estavam diretamente relacionadas a períodos controversos da história do Brasil (SOUZA, 2020, p.1).
Isto posto, devido a ineficiência e inaplicabilidade da lei, tornou-se habitual o abuso de autoridade, sendo constante na vida dos cidadãos, principalmente na classe baixa e média-baixa, pois infelizmente há uma cultura de “dois pesos, duas medidas”.
Em se tratando de indivíduos levados ao Poder Judiciário, o exercício dos policiais, representantes do Ministério Público e Juízes também se tornou objeto de críticas, com maior destaque em razão da ampla divulgação das investigações da Operação Lava Jato, em que foram apontados excessos que teriam sido praticados dessas autoridades (NUCCI, 2020).
De fato, pode-se afirmar que “os principais pontos da nova lei se baseiam em experiências que resultaram de ações da Operação Lava-Jato e, embora não devam afetar os processos que já foram julgados, têm potencial para mudar decisões judiciais tomadas a partir de agora” (SOUZA e VASCONCELLOS, 2020, p.1).
Sobre os termos da lei mencionada, a seguir são analisados.
3.A NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE
Diante das críticas mencionadas, a lei de abuso de autoridade n° 4.898/65 foi revogada pela nova lei n° 13.869 de 5 de setembro de 2019, que trouxe modificações pertinentes para o tema. Contudo, a nova lei não se isenta de observações, haja vista o seu processo legislativo, dotado de vetos e questionamentos que resultaram na alegação de insegurança jurídica por parte dos agentes públicos (SOUZA, 2020).
As disposições da Lei 4.898/65 eram consideradas como normas penais em aberto, a nova lei regulamenta matéria já positivada anteriormente, não significando o surgimento de uma grande novidade.
A promulgação desse novo diploma a respeito de matéria já positivada no ordenamento jurídico brasileiro teve como justificativa a necessidade da adoção de tipos penais mais taxativos para os delitos de abuso de autoridade, a fim de evitar a insegurança jurídica anteriormente observada, dada a descrição normativa aberta (MIRANDA, 2020, p.1).
Além da regulamentação do abuso de autoridade em si, a lei em estudo trouxe alterações em outros diplomas legais, disciplinando especialmente os direitos de acusados no tocante ao seu aprisionamento temporário, bem como o processamento de sua investigação e a produção de provas.
A nova lei alterou, também, dispositivos da Lei de Prisão Temporária, acerca da expressa previsão, no mandado, da duração da prisão temporária e da data da libertação do preso, bem como, a obrigação da autoridade responsável pela custódia pôr o preso em liberdade, imediatamente e independentemente de ordem judicial, salvo exceções, após o final do prazo determinado, e passou a incluir o dia do cumprimento do mandando de prisão, no cálculo do prazo da prisão temporária.
Já na Lei de Interceptação Telefônica, passou-se a tipificar a autoridade judicial que determina a execução de interceptação telefônica, de informática ou telemática, ou que determine a escuta ambiental ou a quebra do segredo de justiça com objetivos ilegais, figura que punia, até então, apenas o agente que realizasse essas condutas sem autorização judicial (SOUZA, 2020, p.1).
Apesar do exposto, e da existência de normas já positivadas, a aprovação da nova lei trouxe modificações relevantes e portanto, o estudo de seus dispositivos se apresenta necessário.
3.1CONTEXTO HISTÓRICO DA LEI 13.869/2019
O projeto para alteração da lei de abuso de autoridade originou-se em razão das apontadas críticas à lei anterior, potencializadas pelo andamento da Operação Lava Jato, cuja aprovação causou impacto direto. Apesar de ter ganhado força no decorrer da mencionada operação judicial, o projeto originou-se no ano de 2017.
A nova Lei de Abuso de Autoridade descende do Projeto de Lei nº 7.596, apresentado em 10 de maio de 2017, cuja autoria é, do então, Senador Randolfe Rodrigues. No entanto o projeto só teve a sua discussão iniciada, em turno único e em regime de urgência, na Sessão Deliberativa Extraordinária da Câmara dos Deputados, em 14 de agosto de 2019 (SOUZA, 2020, p.1).
Em razão do exposto, para alguns, a edição da Lei 13.869/2019 consistiu em um ato de revanche por parte dos políticos, sujeitos às investigações e atos da polícia e autoridades judiciais (SOUZA, 2020).
Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em setembro do ano passado com vetos a uma série de artigos — muitos restaurados posteriormente pelos parlamentares —, a agilidade na tramitação da lei é avaliada como uma reação política aos abusos cometidos pela operação “lava jato”. O texto estava parado no Senado desde 2017 (ANGELO, 2020, p.1).
A lei de abuso de autoridade 13.869 entrou em vigor em 05 de setembro de 2019, após 2 anos de debate no Congresso Nacional. Durante este período, o Senado sofreu alterações consideráveis na sua composição, sendo que, 63% dos que votaram para a aprovação do projeto em 2017 não estão mais no senado. No cenário em que a votação final ocorreu, dos 81 senadores, 49 não tinham mandato em 2017 no momento da aprovação do projeto.
A nova Lei de Abuso de Autoridade - Lei 13.869, de 5 de setembro de 2019, entrou em vigor em 3 de janeiro de 2020, dia subsequente ao encerramento de sua vacatio legis de 120 dias (artigo 45). Iniciou-se o processo legislativo com o Projeto de Lei do Senado Federal - PLS nº 85/2017, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues, do REDE/AP, substitutivo do PLS nº 280/2016, de autoria do Senador Renan Calheiros, do MDB/AL. Foi aprovado, em regime de urgência, pelo plenário do Senado em 26/04/2017. Seguiu, em 10/05/2017, à Câmara dos Deputados, onde recebeu a designação PL nº 7596/2017; após trâmites internos, em 14/08/2019 foi apresentado requerimento de urgência e inclusão na ordem do dia; nessa mesma data, em sessão deliberativa extraordinária, foi aprovado em plenário o PL nº 7596/2017, com uma emenda de redação, sendo demais emendas em geral rejeitadas. Encaminhado à Presidência da República, recebeu 33 vetos, conforme mensagem 406, de 05/09/2019; no dia seguinte, a comunicação foi recebida pelo Congresso Nacional, o qual, em 24/09/2019, deliberou pela derrubada de 18 vetos (o que representa reintrodução de 15 dispositivos com normas penais incriminadores). (COGAN e SILVA, p. 2)
Independentemente da motivação política da aprovação legislativa, certo é que “a prática de abuso de autoridade tornou-se habitual tanto no âmbito administrativo quanto no exercício da atividade policial, deixando explícita a pouca ou nenhuma efetividade preventiva e punitiva da Lei 4.898/65” (SABINO, 2017, p.13).
Após realizadas as considerações mais pertinentes sobre a nova lei de abuso de autoridade, importa destacar as principais diferenças observadas em comparação às disposições da lei anterior. Além das características já observadas até o momento, outras situações são destacadas a seguir.
3.2 INOVAÇÕES NA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE 13.869/2019 EM COMPARAÇÃO COM A LEI Nº 4.898/65
Como resultado claro das mudanças sociais ocorridas ao longo de décadas, a nova Lei de Abuso de Autoridade inovou a temática em vários aspectos, para torná-la mais efetiva, posto que a lei anteriormente em vigor era pouco aplicada na prática.
Editada para atualizar a responsabilização por abuso de autoridade até então regulado pela Lei nº 4.898/65, a Lei nº. 13.869/2019 possui vários pontos divergentes quanto ao texto anterior, o primeiro deles consiste no contexto histórico em que foram editadas, bem como na motivação que deu origem a aprovação dos textos.
A Lei nº 4.898/65 e a Lei nº 13.869/19, apesar de versarem sobre o mesmo assunto, com previsões acerca da configuração dos delitos de Abuso de Autoridade, têm características próprias quanto a forma que o fazem, já que refletem as épocas em que foram criadas. A primeira tem sua origem em 09 de dezembro de 1965, pouco mais de um ano após o Golpe Militar de 1964, que iniciou um grande período de Ditadura Militar no Brasil, e representou uma tentativa de demonstrar que o então Governo puniria aqueles que abusassem de suas atribuições.
Já a atual Lei nº 13.869 estreia em meio as prisões, condenações e vazamentos de informações relativas a crimes de colarinho branco oriundos da Operação Lava Jato. Funcionando, na verdade, como uma forma de inibir os agentes públicos responsáveis pelas investigações. (SOUZA, 2020, p.1).
A aprovação da lei teve por finalidade uma melhor regulamentação e punição das práticas que envolvem abuso de autoridade, tornando mais eficazes as normativas já existentes anteriormente.
Com a medida, algumas práticas que se tornaram comuns passam a ser passíveis de punição. Entre elas, decretar condução coercitiva de testemunhas ou investigados antes de intimação judicial; realizar interceptação de comunicações telefônicas, informáticas e telemáticas ou quebrar segredo de Justiça, sem autorização judicial.
Parte das ações já era considerada proibida, mas de modo genérico e com punição branda. Além disso, a legislação anterior, existente desde 1965, visava exclusivamente o poder Executivo. Agora, membros do Legislativo e Judiciário, do Ministério Público, de tribunais ou conselhos de contas também podem ser alvos de penalidades.
A lei prevê medidas administrativas (perda ou afastamento do cargo), cíveis (indenização) e penais (detenção, prestação de serviços ou penas restritivas de direitos). As penas podem chegar até quatro anos de reclusão (ANGELO, 2020, p.1).
Em seu Art. 1ª, a Lei n° 13.869/2019, configura como abuso de autoridade “os crimes cometidos por agente público, servidor ou não, que no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído, podendo ser cometido por agentes dos três poderes: poder executivo, poder legislativo e poder judiciário.” (BRASIL, 2019).
Em seu artigo 1º da Lei de Abuso de Autoridade vigente, em seus parágrafos 1º e segundo, indica os elementos subjetivos especialíssimos do tipo.
Art. 1º Esta Lei define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído.
§ 1º As condutas descritas nesta Lei constituem crime de abuso de autoridade quando praticadas pelo agente com a finalidade específica de prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal.
§ 2º A divergência na interpretação de lei ou na avaliação de fatos e provas não configura abuso de autoridade (BRASIL, 2019).
Sobre o elemento subjetivo dos crimes de abuso, vale ressaltar que na legislação atual, nos crimes de abuso de autoridade, a culpa é inexistente, pois sempre haverá dolo do agente que age para alcançar o interesse pessoal. Essa novidade é vista como elemento protecionista, situação que outrora era apontada pela doutrina e jurisprudência, mas não era prevista em lei.
Deve-se, inclusive, elogiar o cuidado legislativo em colocar, de maneira destacada, que todos os tipos penais configuradores de crime de abuso de autoridade exigem, além do dolo, a especial finalidade de "prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal". São variadas alternativas finalísticas, embora todas sejam particularmente reprováveis, razão pela qual se o agente público prender uma pessoa apenas para prejudicá-la; somente para se beneficiar disso; exclusivamente por capricho (vontade arbitrária ou birrenta) ou unicamente para satisfação pessoal (regozijo), indiscutivelmente estão abusando do seu poder. Ora, a imensa maioria dos agentes de segurança pública, membros do Ministério Público e autoridades judiciárias atua de maneira lisa e honesta, sem nem pensar em se exceder no campo da sua autoridade. É preciso lembrar que, na lei 4.898/65, coube à doutrina e à jurisprudência exigir, para configurar abuso de autoridade, a finalidade específica de se exceder para prejudicar outrem ou satisfazer a si mesmo. A atual lei 13.869/19 é muito mais garantista e protetora. O agente público está amparado pelo escudo do elemento subjetivo específico, que é muito difícil de explorar e provar; (NUCCI, 2019, p.1)
Em que pese determinadas situações terem se tornado de difícil comprovação do elemento subjetivo do tipo, em outras não há óbice tamanho, em razão dos registros audiovisuais serem hábeis a esclarecer o dolo do agente público.
No entanto, com base nos casos de cobertura dos meios de comunicação de presos e detentos sob custódia das autoridades públicas, tem-se que a finalidade específica de agir prejudicar outrem pode ser facilmente provada pelas mídias audiovisuais e fotográficas veiculadas nos programas televisivos e em matérias jornalísticas de massa. Como exemplo, podem ser citados programas nacionais e regionais que realizam a cobertura da apresentação de detidos em delegacias de polícia, os quais são enfileirados algemados em frente a um painel, acompanhados das autoridades policiais, e são por estas obrigados a conceder entrevistas que, na maioria dos casos, consistem na exposição dos custodiados ao ridículo (MIRANDA, 2020, p.1).
Outra característica inovadora se observa do artigo 2º da lei 13.869/19, que agora indica expressamente o sujeito ativo do crime de abuso de autoridade, indicando as autoridades compreendidas no conceito legal, mas destacando que não se limitam a estes. Anteriormente, a Lei nº 4.898/65 se limitava a conceituar autoridade, o que deixava brechas quanto ao sujeito praticante do feito.
Art. 2º É sujeito ativo do crime de abuso de autoridade qualquer agente público, servidor ou não, da administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de Território, compreendendo, mas não se limitando a:
I - servidores públicos e militares ou pessoas a eles equiparadas;
II - membros do Poder Legislativo;
III - membros do Poder Executivo;
IV - membros do Poder Judiciário;
V - membros do Ministério Público;
VI - membros dos tribunais ou conselhos de contas.
Parágrafo único. Reputa-se agente público, para os efeitos desta Lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função em órgão ou entidade abrangidos pelo caput deste artigo (BRASIL, 2015).
O Art. 3° classifica que os tipos penais previstos na Lei 13.869/2019 são de ação pública incondicionada, contudo no referido artigo em seu § 1°, admite a ação privada subsidiária podendo ser postulada no período de 6 (seis) meses após esgotar o prazo legal para ingressar com a ação pública (BRASIL, 2019).
Ao discorrer sobre os efeitos da condenação, aponta-se três situações: a reparação dos danos causados e prejuízos sofridos, quando certa a obrigação de indenizar; a inabilitação para exercício de cargo, mandato e função publica por um a cinco anos e a perda de cargo, mandato ou função exercida (art. 4º da Lei 13.869/19).
A alínea “b” do artigo 4º inclui dentre as formas de abuso de autoridade o ato “submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; (BRASIL, 2019)”. Esse dispositivo é inovador e chamou atenção de estudiosos.
Observa-se que a lei 13.869/19 adicionou o constrangimento do preso ou detento pela autoridade pública em exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele exibido à curiosidade pública e a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro à já prevista hipótese na norma anterior de submeter-se a situação vexatória ou a constrangimento não autorizado em lei. É notória, assim, a maior taxatividade introduzida pela nova Lei de Abuso de Autoridade no tocante ao delito do art. 13, antes representado pela alínea b do art. 4º da lei 4.898/65 (MIRANDA, 2020, p.1) (grifos do autor).
Sobre a perda da função, a Lei se mostra benevolente e favorável ao agente público, a medida que, ao prever o período de inabilitação de no máximo 5 anos, possibilita a recuperação do direito do condenado em se tornar mais uma vez autoridade. Já no Código Penal essa possibilidade não existe, a medida que é definitiva a perda do cargo (NUCCI, 2019).
Ato contínuo, o artigo 5º aponta o cabimento das penas restritivas de direito em substituição às privativas de liberdade, são elas: a prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas e a suspensão do exercício do cargo, função ou mandato, por um ano a seis meses, com a perda dos vencimentos e vantagens. As duas espécies se aplicam de forma autônoma ou cumulativa (BRASIL, 2019).
Com relação aos crimes e penas, a nova lei destinou seu Capitulo VI, que compreende desde o artigo 9º ao 38º, cada qual dos dispositivos contém uma tipificação específica, com previsão de pena adequada. As sanções previstas em lei não são dotadas de rigor excessivo e permitem o processamento segundo a Lei dos Juizados Especiais.
quanto às penas, é preciso ressaltar que várias delas demonstram crimes de menor potencial ofensivo e outras apontam para a viabilidade de aplicação de suspensão condicional do processo. Enfim, não há um único delito que significa pena de prisão como primeira hipótese. Na realidade, o crime de abuso de autoridade é grave, mas não está sendo tratado nem como hediondo nem tampouco com severidade no tocante às penas cominadas, admitindo, claramente, penas restritivas de direitos (mesmo quando não couber transação ou sursis processual); (NUCCI, 2019, p.1)
Segundo Suzane Maria Carvalho do Prado, “na nova lei encontramos como atos suscetíveis de configurar abuso de autoridade, em termos penais, aqueles previstos nos artigos 9º a 38, descritos de forma mais pormenorizada, se comparados com os tipos da lei anterior.” (2020, p.1)
Especificamente sobre o disposto no artigo 13 da nova lei, trata-se sobre o constrangimento do preso ou detento, Guilherme de Souza Nucci faz os seguintes apontamentos:
Esse art. 13 da Lei Nova é o correspondente ao art. 4º, "b", da Lei anterior. Mas ele tem muitos entraves para ser aplicado. O tipo penal do art. 4º, "b", da Lei 4.898/65 era muito mais fácil de ser utilizado - e quase nunca foi. O tipo penal do art. 13 da Lei 13.869/2019 prevê que a autoridade condutora do preso aja com violência, grave ameaça ou outro recurso a reduzir a capacidade de resistência do preso (uso de drogas, por exemplo) (NUCCI, 2019, p.1).
Ainda sobre os delitos, mais uma situação relevante consiste na classificação dos crimes tipificados na nova lei, que agora possuem tipificação própria.
Outra importante diferenciação trata da classificação das condutas típicas e das sanções impostas, na Lei nº 4.898/65 têm-se os chamados Crimes de Atentados, tratando-se de delitos formais, não exigem a obtenção de prejuízos ao sujeito passivo, na verdade, restam consumados com o mero atentado a direitos fundamentais trazidos pelo rol do Art. 3º do texto legal; ou aquelas condutas disposta pelo Art. 4º, que acarretam a ilegalidade da prisão, conforme as normas do Código de Processo Penal.
Já na Nova Lei, os crimes tornaram-se materiais, passando a exigir o efetivo prejuízo de terceiros, ou a obtenção de benefícios para o sujeito ativo ou para outrem, assim sendo, passou-se a admitir a modalidade tentada dos delitos. Além disso, muitos dos delitos descritos pela Lei nº 13.869/2019 são plurinucleares, ou seja, possuem uma pluralidade de núcleos do tipo, onde a pratica de apenas um deles já enseja na consumação do tipo penal descrito (SOUZA, 2020, p.1).
A exemplo que acontecia na legislação em vigência anterior, se o agente praticar as condutas previstas em lei sofrerá sanções nos campo civil, administrativo ou penal. Sobre o assunto, o capítulo V da lei, classifica que as penas civis e administrativas são independentes das penais.
Sobre as sanções civis e administrativas, leciona o legislador:
Art. 6º As penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis.
Parágrafo único. As notícias de crimes previstos nesta Lei que descreverem falta funcional serão informadas à autoridade competente com vistas à apuração.
Art. 7º As responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal.
Art. 8º Faz coisa julgada em âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o ato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito (BRASIL, 2019).
Contudo, apesar de independentes as punições, na responsabilidade civil e administrativa, não mais se admite o questionamento acerca da existência ou autoria do fato, caso tenham sido objeto de decisão criminal. E em se tratando de coisa julgada cível e administrativo-disciplinar, em caso de sentença reconhecendo ter o ato sido praticado em circunstância de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito, de acordo com artigo 8º da Lei nº 13.869/19 e artigo 65 do CPP (LESSA, 2020, p. 28).
Diante das mudanças acima, aliadas ao momento e a forma como se deu a aprovação e entrada em vigor da nova lei, o dispositivo é objeto de questionamentos acerca da constitucionalidade de suas disposições.
3.3 A ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DA LEI 13.869/2019
Pelo fato de que a sua tramitação legislativa e a entrada em vigor ter causado uma série de questionamentos e inquietação de parcela da sociedade, especialmente das autoridades que viram a tipificação mais precisa de atos que incriminam sua atuação, a Lei nº. 13.869/2019 passou a ser objeto de dúvidas acerca da constitucionalidade de seus dispositivos.
Um dos motivos de questionamento de alguns indivíduos consiste no receio de que a atuação das autoridades sejam inibidas pelo receio de configuração de uma das condutas tipificadas na lei.
A forma como as condutas da Nova Lei de Abuso de Autoridade foram descritas, com elementos vagos e ambíguos, abrem margem para interpretações voltadas a inibir a atuação dos agentes, que por temor à represálias podem deixar de atuar, e findam por praticar o delito de prevaricação, tipificado no Art. 319 do Código Penal (SOUZA, 2020, p.1).
Por fim, as normas jurídicas em si passaram a ser questionadas em razão da forma em que foram expressadas na lei, o que teria ocasionado confusão principalmente em relação aos conceitos jurídicos.
Diversas ações diretas de inconstitucionalidade foram ajuizadas contra a chamada nova Lei de Abuso de Autoridade, sendo bons exemplos ilustrativos da linha argumentativa as ADIs 6.238, 6.239, 6.240, 6.266, 6.302. Na essência, as ações abordam três principais formas de argumentos, sendo elas: 1) os conceitos indeterminados presentes nas disposições normativas são inconstitucionais por violarem a legalidade penal e possibilitarem abuso; 2) eles violam o princípio da proporcionalidade; 3) eles caracterizam a criminalização da hermenêutica — os três grandes blocos são demonstrados com diversos exemplos e "desmembrados" no livro (LORENZONI, 2021, p.1).
O fundamento para os questionamentos são variados e se relacionam com o sentimento de segurança jurídica que deve existir entre as partes nas relações reguladas pela lei de abuso de autoridade. Neste ponto, a sociedade está em continua transformação e a legislação necessita acompanha-la, através de tipificações corretas.
Além disso, a utilização de conceitos demasiadamente amplos e vagos, também não se sustenta no âmbito do direito penal, já que estas normas devem ser especificas, com a finalidade de conferir o máximo de segurança jurídica as partes, ao julgador, bem como a todos os demais auxiliares da Justiça que possam de alguma forma se sentir inibidos pela nova legislação, que em muitos momentos não deixa, suficientemente, clara a conduta que pretende reprimir.
Bem verdade, que a discussão acerca dos problemas da nova legislação demanda tempo e a análise profunda das novas previsões sob óbice da Constituição Federal, dos princípios fundamentais e das normas de Direito Internacionais das quais o Brasil se obrigou em atender. Já que a insegurança jurídica causada aos agentes públicos pode inibir a atuação jurisdicional, fato que pode nos fazer regressar a momentos obscuros, em que reinavam os sentimentos de impunidade e a desconfiança na Justiça.
Com a modernização da sociedade, surgem novas formas de abuso, que não podem macular a atuação dos Poderes Públicos, assim faz-se, realmente, necessária a tipificação correta e vinculada, que não deixe margem para oportunismos e outros desvios que deixam o agente público à mercê do que a parte inconformada pode alegar (SOUZA, 2020, p.1).
Contudo, apesar das críticas apontadas anteriormente, entende-se que a inconstitucionalidade não se apresenta no caso em apreço, principalmente em comparação com a legislação anterior.
Isto porque, ao comparar os artigos da lei anterior e os da Lei n. 13.869/2019, tem-se que aquela já se apresentava inoperante nos últimos anos de sua vigência; ao passo que a última surgiu para blindar e proteger ainda mais o agente e servidor público. Em outras palavras, “O que era inútil, pois a Lei 4.898/65 não era utilizada, passa a ser inútil e, mais, produtora de uma blindagem jamais vista em qualquer outra lei penal aos agentes da autoridade (NUCCI, 2019, p.1).”
CONSIDERACOES FINAIS
Apesar de a sanção da Lei nº 13.689 de 15 de setembro de 2019 ter causado certo alvoroço entre as autoridades públicas, especialmente aquelas envolvidas com a execução de investigações criminais e processamento de demandas dessa natureza, em razão de ter sido aprovada quando ainda em vigor a Operação Lava Jato, o novo dispositivo apresenta características positivas.
Há um determinado tempo que a Lei 4.894/65, que até então regulamentava as condutas abusivas, era objeto de críticas doutrinárias e jurisprudenciais em razão de seu texto ser dotado de lacunas jurídicas, deixando ao julgador a difícil missão de analisar os casos de abuso de autoridade levados à apreciação jurisdicional, haja vista a conceituação não ser clara o suficiente.
É cristalino o risco que as autoridades públicas estão expostas constantemente no exercício das suas atividades e até mesmo fora do seu local de trabalho, porém deve haver preparo para lidar com as situações e não ultrapassar o limite de sua atuação estabelecido por lei.
Com o advento da nova lei, a apuração das condutas de abuso tornou-se mais facilitada, uma vez que, a tipificação das condutas passou a ser individualizada; o elemento subjetivo de dolo específico passou a ser expresso, e as autoridades que podem ser enquadradas como sujeito ativo foram indicadas, mas sem excluir outras possibilidades. Sobre os efeitos da condenação, agora está exposto quais serão impostos, bem como a exposição da tríplice responsabilidade (administrativa, cível e penal) também fora regulamentada de acordo com as especificidades do abuso de autoridade.
Apesar de ter a sua constitucionalidade questionada, até o presente ponto, a Lei de Abuso de Autoridade segue em vigência nos moldes aprovados pelo Congresso Nacional, sendo certo que a adaptação total dos juristas ainda não ocorrera por completo, o que justifica a alegada insegurança jurídica.
Contudo, independentemente do contexto em que fora aprovada a lei, urge ressaltar as suas vantagens para o ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, mesmo tipificando as condutas, a norma não deixa de ser protecionista aos servidores e agentes públicos, tampouco os torna impunes por atos de abuso.
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos. Especialista em Ciências Criminais e também em Direito e Processo Administrativo. Graduado em Direito e em Comunicação Social, todos os cursos pela Universidade Federal do Tocantins. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Escritor de obras jurídicas. Delegado da Polícia Civil do Tocantins.
Bacharelanda em Direito na Faculdade Serra do Carmo, Palmas-TO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KURIYAMA, SAYARA JOSEFA RIOS. Lei de abuso de autoridade uma análise dogmática comparativa com a Lei nº 4.898/65 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2021, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56844/lei-de-abuso-de-autoridade-uma-anlise-dogmtica-comparativa-com-a-lei-n-4-898-65. Acesso em: 23 dez 2024.
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