DAYANA MACIEL GOMES
(coautora)
RESUMO: A percepção de um indivíduo é subjetiva, baseada na interpretação que ele faz da realidade, não é a realidade em si, por isso é diferente para cada um. Queremos dispor, por meio deste artigo, sobre como a utilização de métodos adequados de solução de um conflito existente entre duas ou mais pessoas pode trazer benefícios além da rapidez e informalidade, pode contribuir para a cura de conflitos internos de cada um, para o perdão e para a saúde psíquica das partes. Não restam dúvidas do quão satisfatório é solucionar um conflito existente, ainda mais quando este é solucionado através de maneira harmoniosa, proporcionando aos conflitantes uma satisfação muito maior do que se fosse solucionado através de uma imposição do poder judiciário.
Palavras-chaves: mediação; justiça restaurativa; constelação sistêmica; cura de danos; percepção; modernização jurídica; métodos adequados; solução efetiva; desenvolvimento judicial;
Abstract: The perception of an individual is subjective, based on his interpretation of reality, it is not reality itself, so it is different for each person. Through this article, we want to show how the use of adequate methods to solve a conflict between two or more people can bring benefits beyond speed and informality; it can contribute to the healing of each one's internal conflicts, to forgiveness, and to the psychological health of the parties. There is no doubt about how satisfactory it is to solve an existing conflict, even more so when it is solved in a harmonious way, giving the conflicting parties much more satisfaction than if it were solved by imposing the judiciary.
Keywords: mediation; restorative justice; systemic constellation; damage healing; insight; legal modernization; appropriate methods; effective solution; judicial development;
Sumário: 1. Introdução – 2. A importância da percepção e personalidade individual: efeitos do dano de um conflito – 3. Eficácia dos métodos adequados para a resolução dos conflitos: a cura dos danos: 3.1 Mediação; 3.2 Justiça restaurativa; 3.3 Constelação Sistêmica – 4. A resolução adequada do conflito: um novo olhar sobre a reparação dos danos causados às partes em contraposição ao modelo tradicional – 5. Conclusão – 6. Referências.
1 - INTRODUÇÃO:
A sociedade brasileira tem em seu seio enraizada a cultura do litígio, o que deve e está sendo combatido através da nova geração de doutrinadores e alunos que vêm se formando cada vez mais abertos à ideia de que métodos adequados de solução de conflito muitas vezes são mais satisfatórios do que decisões proferidas por tribunais. A propagação dessa ideia de forma alguma viola o princípio de inafastabilidade do acesso à justiça, simplesmente busca apresentar novos métodos para que a justiça se torne ainda mais eficaz, proporcionando a possibilidade de uma prestação jurisdicional de qualidade, principalmente se considerarmos que a aplicação dos métodos autocompositivos visa também desafogar a máquina judiciária.
Considerando a percepção subjetiva das pessoas, respeitando a ideia de que vivências e experiências passadas influenciam diretamente em suas atitudes, pode-se notar que durante um processo litigioso, as partes acabam por entrar em conflitos agressivos, que se tornam ainda mais calorosos em decorrência de estarem diante de um juízo, portanto, entram em salas de audiência, na maioria das vezes com a intenção de vencer um debate, como em alguns processos de divórcio, que todos saem abalados, inclusive as crianças envolvidas.
Em busca de solucionar tal negatividade advinda de um procedimento considerado até arcaico, surge os métodos adequados de solução de conflito, afirmando que resolução pode sim ser efetivada de maneira menos danosa para os envolvidos, tanto fisicamente, em decorrência da sua celeridade, quanto psicologicamente, visto que as partes, através do diálogo, encontram uma solução mais justa e efetiva.
Portanto, através do presente artigo, será discorrido detalhadamente sobre eficácia dos métodos adequados de solução de conflitos para cura dos danos sofridos pelas partes, destacando também os benefícios que o sistema judiciário brasileiro, que atualmente encontra-se sobrecarregado, terá com a aplicação dos referidos métodos.
2 - A IMPORTÂNCIA DA PERCEPÇÃO E PERSONALIDADE INDIVIDUAL - EFEITOS DO DANO DE UM CONFLITO:
A percepção pode ser definida como o modo em que o corpo consegue captar informações através dos sentidos, por isso, é baseada na interpretação que as pessoas fazem da realidade e não é a realidade em si, possibilita a interpretação e entendimento humano em relação às situações e ambientes, é subjetiva (BOCK, 1999).
Cada um tem seu processamento individual da informação, uma interpretação, e esta pode ser influenciada por crenças, valores, aprendizado, pela comunidade em que vive ou até pelas expectativas que essa pessoa traz consigo. Pode ser dividida em diferentes tipos, como percepção auditiva e visual, e é estimulada por diferentes formas no dia a dia (BOCK, 1999).
Assim como a percepção, a personalidade também pode ser considerada subjetiva, pois é como os indivíduos diferem em suas percepções e como essas diferenças estão relacionadas com o funcionamento total de cada um, gerando sua essência. Tal personalidade é formada por genética, ambiente e escolhas. Genética, pois interfere diretamente na inteligência e temperamento pessoal; o ambiente em que vive interfere no que é considerado como modelo, como cultura e família; e escolhas pessoais interferem diretamente em processos decisórios para a formação da individualidade.
Por essa razão, é tão importante compreender a relevância da personalidade e percepção subjetiva de cada um no meio jurídico, a forma como pessoas distintas absorvem a mesma situação pode ser completamente diferente, da mesma forma que uma parte pode não compreender a percepção da outra, por isso, a forma como devem ser tratados os conflitos também deve ser diversa, já que o que uma pessoa percebe e como ela percebe, influencia diretamente na existência de um litígio e em como ele vai ser efetivamente resolvido.
Sendo assim, a percepção e a personalidade afetarão diretamente em relações interpessoais, fazendo com que a existência de conflitos em um ambiente social seja praticamente inevitável. Derivado do latim, conforme Dicionário de Latim (2007), a palavra conflito tem significados amargos, como choque, discussão, oposição, desordem, entre outros adjetivos que normalmente são utilizados para referir a situações negativas.
Todavia, devemos considerar que toda decisão de grande importância passa por uma discussão entre os envolvidos, o simples fato de vivermos em um Planeta com atualmente mais de 7 bilhões de pessoas, torna praticamente impossível a tomada de decisão sem uma troca de percepções para conseguir chegar em um ponto comum benéfico a todos.
Insta salientar que não se deve absorver da palavra conflito apenas o lado negativo, deve ser considerado que as discussões derivadas de um conflito, discussões essas que são totalmente indispensáveis em uma sociedade democrática de direito, acarretam na tomada de decisões mais adequadas e assertivas, do que aquelas tomadas por apenas uma pessoa de forma ditatorial.
Portanto, os conflitos existentes na sociedade não devem ser solucionado única e exclusivamente pelo Poder Judiciário, que incontestavelmente tem sua imensurável importância e jamais deve ser dispensado de forma genérica, porém a implementação de métodos que promovam participação das partes, analisando as percepções dos envolvidos, tornaria possível a análise verdadeira de suas pretensões, o que acarretaria em uma solução mais compreensível, individualizada e menos artificial. (SIX, 2001)
3 – EFICÁCIA DOS MÉTODOS ADEQUADOS PARA A RESOLUÇÃO DOS CONFLITOS: A CURA DOS DANOS
Os métodos adequados de resolução de conflitos têm como finalidade alcançar efetivamente a solução para o problema existente entre as partes, sendo que na aplicação desses métodos, o diálogo entre elas é preservado e priorizado, para que dessa forma, quando possível, um acordo seja alcançado, ofertando assim, uma satisfação considerável para os envolvidos.
Esses métodos, de maneira geral, buscam a solução de um conflito através de um consenso estabelecido entre as próprias partes envolvidas, o que torna o objetivo de minimizar os danos causados por um conflito ainda mais evidente, visto que a decisão é lograda através do diálogo, através de aceitação e renúncia de pretensões, para que dessa forma um denominador comum seja alcançado, de acordo com.
Conforme expõe José Renato Nalini (2017) na obra Justiça Multiportas:
A vantagem mais significativa dos métodos alternativos é o potencial de efetivamente resolver problemas. A remoção do ritualismo e do formalismo exagerado, do procedimentalismo estéril, da burocracia ínsita ao sistema judiciário, oferece o ambiente de coloquialismo em que as partes chegam mais facilmente a fazer concessões e a assumir compromissos, mantida a qualidade de relacionamento entre elas.(NALINI, 2017)
Logo, atualmente, existem diversos meios aceitos e utilizados pelo Poder Judiciário brasileiro, sendo que cada um é mais recomendado para uma situação diferente. Adiante pode-se verificar detalhadamente três desses métodos, vejamos:
3.1– MEDIAÇÃO
A mediação é uma espécie de método autocompositivo, no qual as partes, através do diálogo e de forma cooperativa, buscam uma solução mutuamente satisfatória. Principalmente por se tratar de um método mais rápido e informal, as partes se sentem mais à vontade para conversar, expor sentimentos e pontos de vista da situação ocorrida. (VASCONCELOS, 2018)
Em 2015 a audiência de conciliação e mediação passou a ser obrigatoriamente designada pelo juízo em todos os casos em que a petição inicial cumpra os requisitos essenciais, de acordo com o estabelecido no Art.334 do CPC/15, conforme a seguir demonstrado:
Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência.
Além disso, o Código de Processo Civil, em seu Art. 165, dispõe sobre a criação dos centros judiciários de solução consensual de conflitos, determinando ainda a forma de atuação dos mediadores, que devem priorizar a comunicação entre as partes:
Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
§ 1º A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
§ 2º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3º O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
De acordo com Carlos Eduardo de Vasconcelos em Manual de Mediação de Conflitos para Advogados (2014, p.39):
mediação é método de solução/ transformação de conflitos interpessoais em que os mediandos escolhem ou aceitam terceiro(s) mediador(es), com aptidão para conduzir o processo e facilitar o diálogo, a começar pelas apresentações, explicações e compromissos iniciais, sequenciando com narrativas e escutas alternadas dos mediandos, recontextualizações e resumos do(s) mediador(es), com vistas a se construir a compreensão das vivências afetivas e materiais da disputa, migrar das posições antagônicas para a identificação dos interesses e necessidades comuns e para o entendimento sobre as alternativas mais consistentes, de modo que, havendo consenso, seja concretizado o acordo. (DE VASCONCELOS, 2014)
Portanto, no momento da mediação a figura do juiz é deixada de lado, justamente como forma de buscar tranquilizar os envolvidos, por isso é intermediado por um terceiro que não tem interesse na lide e sequer influência na decisão a ser tomada, ou seja, se um denominador comum for encontrado, é justamente reflexo da vontade das partes, sem influência direta, auxiliando os interessados apenas na compreensão das questões expostas e sentimento do outro, de modo que a comunicação entre os envolvidos seja efetiva.
Assim, a mediação busca oferecer às partes uma forma menos danosa de solução do litígio de acordo com os ensinamentos descritos na memorável obra de Malvina Muszkat, Mediação de conflitos: pacificando e prevenindo a violência:
A mediação como método pacífico de resolução ou administração de conflitos tem como finalidade oferecer às partes em litígio uma forma não adversária de tratar suas questões que a Justiça comum, pela sua lógica de ganhar ou perder, desestimula, privilegiando a disputa e o antagonismo.Muszkat (2003, p.34)
Insta salientar que de acordo com o art. 3º, § 3º, do Código de Processo Civil, “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. Ou seja, a opção da mediação, assim como outros métodos, sempre deve ser apresentados para as partes.
Atualmente a mediação tem uma Lei específica que determina a forma que deve ser utilizada e os princípios que devem ser respeitados, sendo os que seguem:
Lei 13.140/15, Art. 2º A mediação será orientada pelos seguintes princípios:
I - imparcialidade do mediador;
II - isonomia entre as partes;
III - oralidade;
IV - informalidade;
V - autonomia da vontade das partes;
VI - busca do consenso;
VII - confidencialidade;
VIII - boa-fé
Sendo assim, nota-se que é justamente a celeridade, o sigilo, a informalidade, a participação de um terceiro mediador imparcial, a autonomia na decisão, a reaproximação das partes e todos os demais princípios que regem esse método que vem fazendo com que ele seja cada vez mais escolhido por quem deseja realmente encontrar a melhor solução, assim como exposto por Cabral (2017):
Na verdade a desjudicialização das controvérsias e a autocomposição pelas partes do processo é uma realidade nos grandes sistemas processuais como forma de resolver os problemas estruturais da justiça, mas, acima de tudo, como meio de se atingir uma satisfação mais plena por partes dos envolvidos nos conflitos, destacando-se, neste último caso, os benefícios da mediação na passividade social, já que esta técnica se aprofunda nas razões emocionais que cercam as relações conflituosas, trazendo mais legitimidade aos ajustes e mais chance de acabar em definitivo com o dilema estabelecido. (CABRAL, 2017)
3.2 –JUSTIÇA RESTAURATIVA
O Brasil faz parte dos países fundadores da Organização das Nações Unidas, que foi criada em 1945, logo após a Segunda Guerra Mundial. Além de buscar a paz e a segurança do mundo, a ONU tem como intuito promover o desenvolvimento social global, fazendo com que o progresso respeite os Direitos Humanos.
Com a intenção de humanizar a justiça, a ONU através das Resoluções 1999/26, 2000/14 e 2002/12 definiu princípios básicos para a implantação da Justiça Restaurativa nos estados membros, que foi acatada pelo Brasil sendo criada a Resolução 225/16 do Conselho Nacional de Justiça.
Antes de adentrarmos no mérito da Justiça Restaurativa, precisamos compreender o que é Justiça, que é definida pelo dicionário Aurélio da seguinte forma: “Particularidade daquilo que se encontra em correspondência (de acordo) com o que é justo; modo de entender e/ou de julgar aquilo que é correto...”
Ou seja, analisando o significado literal da palavra Justiça, podemos compreender basicamente que se trata de uma forma de compreender uma situação fática e julgar da maneira correta, sem aplicar nenhuma espécie de benefício que não seja justo para determinada situação.
Contudo, por se tratar de uma palavra que envolve relações interpessoais, analisar apenas de maneira literal não é o bastante, já que os seres humanos por si só são seres únicos, que têm ideias distintas, portanto conceitos diferentes do que é ou não é justo.
De maneira filosófica Platão definia Justiça como uma virtude, que seria exercida tanto no interior de cada indivíduo como também pelo Estado, onde de fato ocorre as relações humanas. No interior de cada indivíduo a Justiça estaria relacionada à submissão dos instintos de cada um, e para o Estado estaria relacionada a ordenação desses indivíduos e a forma que cada um se posicionava diante da sociedade, ou seja, o conceito platônico de justiça é basicamente entregar para cada indivíduo que compõe a sociedade aquilo que lhe é de direito. (PLATÃO, 1996.)
Assim, a Justiça Restaurativa surge no cenário contemporâneo da aplicação do Direito no âmbito criminal com o intuito simples de buscar restaurar algo que fora violado, buscando que determinada situação retorne para seu estado anterior, fazendo com que as consequências de tal violação sejam minimizadas o máximo possível, tentando então, alcançar a justiça que realmente restaure as partes, assim como o próprio nome sugere.
Howard Zehr define que a Justiça Restaurativa:
1. Tem foco nos danos e consequentes necessidades (da vítima, mas também da comunidade e do ofensor). 2. Trata das obrigações resultantes desses danos (obrigações do ofensor mas também da comunidade e da sociedade). 3. Utiliza processos inclusivos e cooperativos. 4. Envolve todos os que têm um interesse na situação (vítimas, ofensores, a comunidade, a sociedade). 5. Busca corrigir os males. (ZEHR, 2008, p. 257)
Assim como as características acima apresentadas, expõe llana Martins Luz (2017, p. 602) na obra Justiça Multiportas:
Numa primeira aproximação, a Justiça Restaurativa pode ser explicitada como um novo paradigma de resolução dos conflitos criminais, fundado, em linhas gerais, na inclusão da vítima, do ofensor e, quando apropriado, da comunidade, em um processo de diálogo conciliatório, que busca outra resposta para o crime, distinta da comumente oferecida pelo sistema retributivista. (LUZ, 2017, p. 602)
Portanto, com o objetivo de reparar além do dano material causado, esse método surge com o objetivo de reparar também as relações e a confiança das partes que foram afetadas pelo crime. Em sua aplicação, tanto a vítima quanto o ofensor são encorajados a resolverem o conflito por intermédio do entendimento e da negociação, facilitado por agentes públicos e mediadores que conversam com as partes sem intervenções de Leis facilitando o devido entendimento, assim como disposto no Art. 1º da Resolução 225/16 do CNJ:
Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto ordenado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e sociais motivadores de conflitos e violência, e por meio do qual os conflitos que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estruturado na seguinte forma:
I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima, bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com a presença dos representantes da comunidade direta ou indiretamente atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos;
II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores restaurativos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais de solução de conflitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo ser servidor do tribunal, agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras;
III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das necessidades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que contribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conflito e as suas implicações para o futuro.
Para melhor absorver a essência da Justiça Restaurativa é preciso praticar a redefinição de crime, percebendo não apenas o descumprimento de norma jurídica e sua sanção, mas também o dano às pessoas, algo que afeta diretamente a vítima e a comunidade. Assim como aduziu Sérgio Ramirez, são os três "R":
Responsabilidade, restauração e reintegração (responsabilidade, restauração e reintegração). Responsabilidade do autor, porquanto cada um deve responder pelas condutas que assume livremente; restauração da vítima, que deve ser reparada, e deste modo sair de sua posição de vítima; reintegração do infrator, restabelecendo-se os vínculos com a sociedade que também se prejudicou com o delito.(tradução própria)
Então, a fim de evitar traumas que podem acompanhar autores e vítimas para o resto de suas vidas, a Justiça Restaurativa pode ser extremamente mais eficaz para ambas as partes, principalmente por buscar humanizar uma área tão delicada como o Direito Criminal.
3.3 – CONSTELAÇÃO SISTÊMICA
Sabendo que o Sistema Judiciário brasileiro se encontra cada vez mais sobrecarregado e da eficácia dos métodos adequados, no ano de 2021, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais passou a regulamentar o uso das Constelações Sistêmicas Familiares nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do Estado, com o intuito de nortear a forma de utilização do referido método, bem como envolver a Constelação até na aplicação da Justiça Restaurativa.
A Constelação Sistêmica é uma técnica terapêutica e filosófica desenvolvida pelo alemão Bert Hellinger, depois de ter realizado um trabalho durante 16 anos como membro de uma ordem missionária católica entre os zulus na África do Sul. O método é considerado psicoterapêutico, no qual estuda emoções que acumulamos, de forma consciente ou inconsciente. Segundo Hellinger, esses sentimentos e lembranças interferem diretamente no presente da vida da pessoa, interferência esta que pode ser negativa ou positiva.
A técnica desenvolvida por Bert Helling, permite que sejam analisados acontecimentos, relacionamentos e contextos sociais que determinado indivíduo viveu ou vive, possibilitando dessa forma que suas atitudes sejam analisadas não apenas como simples atitudes, mas sim como consequências de toda sua experiência de vida dentro do sistema em que está inserido.
O método permite que seja identificado o que está por trás de um conflito, permitindo dessa forma que as causas do litígio sejam conscientemente analisadas, o que por consequência, aumenta inúmeras vezes a chance de curar, de fato, o dano causado. (TJMG, 2021)
A utilização da Constelação vem sendo cada vez mais difundida no âmbito judicial, sendo aplicado pela primeira vez no Tribunal de Justiça da Bahia, pelo juiz Sami Storch, criador do termo Direito Sistêmico, nome que passou a ser utilizado quando existe a designação da Constelação Sistêmica para auxiliar na resolução necessária. (TJMG, 2021)
No dia 27 de abril de 2021, foi apresentada uma palestra na Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), pela psicóloga, professora e consultora em Constelação Sistêmica, Solange Bertão que explicou sobre a aplicação da Constelação no Sistema Judiciário, vejamos:
Constelação Familiar Sistêmica é uma técnica contemporânea (que acabou de ser reconhecida para utilização na saúde pública pelo Ministério da Saúde) que consistente em identificar, por meio de experiências específicas, a origem de determinados comportamentos ou situações que uma pessoa vive, das quais, por mais que queira, ela não consegue se desvencilhar. Esta técnica busca identificar se esse comportamento ou situação vivida pela pessoa vem de uma herança emocional. Pode ser utilizada na Justiça, como, aliás, já está sendo empregada em alguns Tribunais do País, em diversas áreas, como família, violência doméstica, infância e juventude, e em todos casos cujo conflito envolva, substancialmente, questões familiares, e até mesmo em empresas. (TJMG, 2018)
Durante os estudos do método, o alemão Bert Hellinger, concluiu que inúmeras vezes as experiências vividas nos ciclos sociais da pessoa, principalmente no ambiente familiar, são decisivas para determinar o seu comportamento, ou seja, os resultados que podem ser alcançados e os comportamentos adotados, estão totalmente ligados ao ambiente que se vive e com as pessoas que se convive.
Destarte, a Constelação Sistêmica poderá ser utilizada inclusive durante a aplicação da técnica de mediação, facilitando para o mediador e para as partes na compreensão do verdadeiro problema que ocasionou a situação, esclarecendo a melhor forma de dissolução e mostrando muitas vezes que o problema existente pode ser bem diferente do que se imaginava inicialmente, adequando também a uma nova forma de resolução.
4 - A RESOLUÇÃO ADEQUADA DO CONFLITO: UM NOVO OLHAR SOBRE A REPARAÇÃO DOS DANOS CAUSADOS ÀS PARTES EM CONTRAPOSIÇÃO AO MODELO TRADICIONAL
A busca pela cura dos danos causados por um conflito representa uma evolução muito importante para aplicação do Direito no mundo, principalmente se considerarmos os métodos adequados como um mecanismo que permite um diálogo efetivo, fazendo com que os litigantes possam buscar o melhor resultado em comum diante de suas diferentes ideias e interesses, deixando de lado a primitiva idéia de que o Poder Judiciário, através da Lei, tem a função apenas de punir e julgar o certo e errado.
A mudança da aplicação do Direito demonstra uma evolução de paradigma que preserva o desenvolvimento social de maneira mais humanizada em todos os aspectos. O mundo se uniu através da Organização das Nações Unidas, para tornar possível os objetivos traçados pela Agenda 2030 (CNJ, 2020), cada país montou seu plano de ação, e no Brasil o desenvolvimento judiciário não ficou de fora.
Atualmente, o Poder Judiciário brasileiro encontra-se tomado de processos ativos que congestionam muito o sistema, o tornando muito lento e pouco eficaz. Com o intuito de solucionar essa falha, surgiu a Meta 9 (CNJ, 2020), que representa o compromisso dos tribunais brasileiros com o aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, buscando proporcionar à sociedade um serviço mais célere, com maior eficiência e qualidade.
Com base nas orientações traçadas para cumprimento da Meta 9 (CNJ, 2020), um dos principais objetivos é a “desjudicialização”, que se entende como a ação voltada à resolução de conflitos, promovendo pacificação social apta a cumprir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estabelecidos pela ONU. “Desjudicializar” significa reverter a judicialização excessiva a partir da prevenção, localizando a origem do problema e encontrando soluções pacíficas por meio de métodos adequados de solução de conflitos, transformando-os em atores do sistema de justiça, sem que cause impacto no acesso à justiça. A palavra “desjudicialização” tem natureza qualitativa e não quantitativa.
Isto posto, o propósito não é necessariamente reduzir a quantidade do acervo de processos em juízo, mediante a sua extinção ou não ajuizamento, mas identificar por meio de base de dados e pesquisa de micro dados a origem do problema e atuar na prevenção da fonte de litígios e resolvê-los por métodos adequados de solução de conflitos, de forma inovadora, por meio do diálogo e da construção de um novo fluxo de processo, produto ou serviço, com metas e indicadores de resultado ou impacto positivos em relação aos ODS da Agenda 2030. (CNJ, 2020)
Para alcançar esse objetivo, a “desjudicialização” é indispensável, uma vez que a partir do momento que os conflitos passam a ser solucionados de forma extrajudicial, o número de demanda que chega ao judiciário irá diminuindo, facilitando o objetivo de aperfeiçoar a prestação jurisdicional no Brasil, já que vivemos em sociedade e os conflitos nunca vão deixar de existir.
Os tribunais têm o apoio das Comissões de Gestão Estratégica, Estatística e Orçamento e de Acompanhamento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e da Agenda 2030 na elaboração dos Planos de Ação, visto que os objetivos definidos para o Brasil são desafiadores, que serão alcançados apenas com um trabalho Interinstitucional, atuando em todas as etapas de um litígio, ou seja, desde a origem até a solução adequada para a referida situação. (CNJ, 2020)
Os novos métodos apresentam diversas características que o modelo tradicional não consegue sustentar, como a simplicidade, economia, celeridade e eficiência, são inúmeros os benefícios de uma resolução adequada se comparada com o modelo tradicional judiciário, visto que a morosidade da justiça brasileira por si só já é um problema que faz com que um processo permaneça ativo por anos até que seja proferida uma decisão definitiva, assim como expõe José Renato Nalini (2017):
A exaustão do modelo é algo que não pode ser desconsiderado. O processo judicial converteu-se na única resposta que se oferece para todo e qualquer embaraço no relacionamento. A procura pelo Judiciário foi tão excessiva, que o congestionamento dos tribunais inviabiliza o cumprimento de um comando fundante incluído na Carta Cidadã pela Emenda Constitucional 45/2004: a duração razoável do processo. (Nalini, 2017, p.27-28)
Assim, respeitando os princípios e fundamentos constitucionais, métodos importantes na busca da cura dos danos e por consequência, oxigenação dos tribunais, vêm sendo cada vez mais aceitos pela sociedade, tornando-se mais aplicados por quem deseja encerrar de vez o problema existente. De forma geral, vêm sendo escolhidos inclusive por entidades privadas como opção de solução, visto que o uso adequado das técnicas proporcionam decisões muito mais satisfatórias do que as decisões proferidas por um juízo que baseia-se exclusivamente na Lei.
5 - CONCLUSÃO
Por muito tempo, a procura pelo Poder Judiciário foi a única solução para quem necessitava de uma conclusão, o que acarretou no enraizamento da cultura do litígio, fazendo com que o Sistema Judiciário sofresse uma sobrecarga imensurável, tornando a morosidade uma das características mais marcantes do Sistema Judiciário no Brasil.
Passou a perceber que a simples aplicação da Lei de forma estrita não gerava resultados satisfatórios, o que tornou a busca por uma solução inevitável. Por isso, novos métodos foram criados ao longo do tempo, pois dessa forma seria possível até identificar os motivos pelos quais a reincidência das partes em processos judiciais se tornava cada vez mais visível.
Os métodos adequados de solução de conflitos passaram a fazer parte do texto normativo em 2015, que tornou a audiência de conciliação e mediação obrigatória, abrindo as portas para a aplicação de inúmeros outros métodos, como a Justiça Restaurativa e a Constelação Sistêmica.
Além dos benefícios humanos, a aplicação dos referidos métodos resultam na oxigenação do Sistema Judiciário Brasileiro, que, conforme mencionado, encontra-se sobrecarregado. Deste modo, é necessário enfatizar que o princípio da inafastabilidade do acesso à justiça não será descumprido, muito pelo contrário, os métodos adequados tem como objetivo tornar a aplicação da justiça cada vez mais eficaz.
Também deve-se destacar a importância que a implementação dos métodos ora mencionados tem para a apresentação do Brasil ao mundo, salientando que a partir da aplicação dos métodos adequados, seja qual for o escolhido, o acesso a justiça de forma mais humanizada está cada vez mais próximo de ser efetivado, o que faz com que o Brasil aos poucos se alinhe com a agenda 2030 da ONU, que tem como um de seus principais objetivos, priorizar o desenvolvimento mundial de forma mais humanitária.
Outrossim, não resta dúvida de que o Direito naturalmente deve acompanhar o desenvolvimento social ao redor do mundo, para que dessa forma os valores possam ser protegidos, as atitudes reconhecidas, as tensões controladas e os conflitos solucionados de forma correta, gerando os resultados positivos que sempre serão esperados e alcançando a verdadeira efetivação.
REFERÊNCIAS
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PERPETUO, Rafael Silva et al. Os métodos adequados de solução de conflitos: mediação e conciliação, Rev. Fac. Direito São Bernardo do Campo, 2018. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/documentacao_e_divulgacao/doc_biblioteca/bibli_servicos_produtos/bibli_informativo/bibli_inf_2006/Rev-FD-SBC_v.24_n.2.01.pdf>. Acesso em: 28 de maio de 2021.
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Agenda 2030 no Poder Judiciário. Comitê Interinstitucional. Conselho Nacional de Justiça, 2020. Disponível em:https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/agenda-2030/meta-9-do-poder-judiciario/. Acesso em 02 de junho de 2021
Bacharelando em Direito pelo Centro Universitário UNA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Robson Rodrigues Dias. Da eficácia dos métodos adequados de solução de conflitos para cura dos danos sofridos pelas partes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2021, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56846/da-eficcia-dos-mtodos-adequados-de-soluo-de-conflitos-para-cura-dos-danos-sofridos-pelas-partes. Acesso em: 23 dez 2024.
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