IGOR DE ANDRADE BARBOSA[1]
(orientador)
Resumo: Neste ano de 2021, a Lei Maria da Penha completará seus 15 anos de existência desde a sua promulgação, muito embora seja uma legislação relativamente nova, é considerada como um grande avanço no enfrentamento à violência doméstica contra mulheres no Brasil, além disso, ao longo dos anos a mesma tem passado por inovações significativas, especialmente nas formas de proteção a mulher, por meio das medidas protetivas de urgência, e no combate a reincidência de casos através de acompanhamento psicológico dos agressores. A importância das referidas implantações foi verificada no presente artigo, na qual tem como principal objetivo versar sobre os avanços obtidos no sentido especificado através da publicação de novas leis, em especial a Lei 13.984/20, que realizou melhorias visando combater a reincidência de casos através da mudança no fator psicológico do agente. Para alcançar os objetivos estabelecidos, o presente artigo foi desenvolvido através da revisão literária específica, artigos voltados para a temática, doutrinas, jurisprudências, e análise da legislação contemporânea.
Palavras-Chave: Direito Penal. Lei Maria da Penha. Violência Doméstica. Medidas Protetivas e Inovações Legislativas.
Abstract: In this year of 2021, the Maria da Penha Law will complete its 15 years of existence since its promulgation, although it is a relatively new legislation, it is considered as a great advance in the fight against domestic violence against women in Brazil, moreover, throughout over the years it has undergone significant innovations, especially in the ways of protecting women, through urgent protective measures, and in combating the recurrence of cases through psychological monitoring of aggressors. The importance of these implementations was verified in the present article, in which the main objective is to deal with the advances obtained in the sense specified through the publication of new laws, in particular Law 13.984 / 20, which made improvements aiming to combat the recurrence of cases through of the change in the agent's psychological factor. In order to achieve the objectives established, this article was developed through specific literary review, articles focused on the theme, doctrines, jurisprudence, and analysis of contemporary legislation.
Keywords: Criminal Law. Maria da Penha Law. Protective Measures. Domestic Violence and Legislative Innovations.
Sumário: 1. Introdução. 2. As Formas de Violência Doméstica Contra a Mulher. 3. As Medidas Unificadas de Prevenção à Violência Doméstica Contra a Mulher no Brasil. 4. As Medidas Protetivas de Urgência Como Meios de Garantia a Efetividade da Lei Maria da Penha. 5. A Lei 13.984/20 e a Importância do Método Educacional no Combate à Reincidência do Agressor. Conclusão. Referências Bibliográficas
1. Introdução
É cediço que, desde os primórdios da sociedade brasileira, com a formação do modelo patriarcal durante a colonização portuguesa no século XVI, o homem é visto como a base e o ser predominante dentro do âmbito familiar, as mulheres, por sua vez, vieram ao longo dos anos exercendo papel subserviente aos seus maridos, tendo inclusive seus direitos fundamentais violados, como, por exemplo: o direito ao voto, ao trabalho, ao divórcio, e até mesmo a sua própria intimidade.
Nessa perspectiva, é importante destacar que após séculos de lutas por igualdade dentro dos movimentos feministas brasileiros, somente na data de 07 de agosto do ano de 2006 com o surgimento da Lei 11.340/06 é que ocorre o marco histórico dentro do nosso ordenamento jurídico no combate a violência de gênero, a Lei leva o nome da Sra. Maria da Penha Maia Fernandes que, por muitos anos viveu dentro de um relacionamento conjugal movido a agressões e humilhações, tendo seu ápice em 1983 em uma dupla tentativa de assassinato por parte do seu ex-marido, que inclusive a deixou paraplégica.
A trajetória da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes foi extremamente importante na busca de justiça por todas as mulheres vítimas de violência doméstica familiar no Brasil, mesmo diante da impunibilidade do seu ex-companheiro, que conseguiu passar 15 anos em liberdade após sentenciado em 1991 e 1996, a cearense não mediu esforços em recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), ao Centro para a Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) e ao Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM).
Assim, a incansável luta por justiça de Maria da Penha foi fundamental na criação de uma lei brasileira cujo objetivo fosse combater de forma punitiva o agressor e, em simultâneo, prevenir cabalmente à violência doméstica contra mulheres trazendo consigo o desafio de desfigurar as heranças patriarcais construídas ao longo dos séculos dentro da nossa sociedade.
Diante disto, ainda atualmente observa-se em nosso país um elevado índice de violência doméstica e familiar contra mulheres, mostrando que tão somente a punição dos agressores não tem se mostrado totalmente eficaz para garantir a diminuição desse tipo de crime.
Nesse diapasão, o foco do presente artigo recai em analisar a importância das medidas protetivas de urgência criadas dentro da Lei Maria da Penha bem como suas recentes alterações legislativas, em especial o surgimento da Lei 13.984 de 03 de Abril de 2020 que altera o dispositivo legal obrigando a participação do agressor em programas de reeducação, grupos de apoio e acompanhamento psicológico, podendo inclusive serem aplicadas de imediato pelo juiz como medidas de proteção a mulher visando coibir a violência doméstica e a reincidência de casos.
2. As formas de violência doméstica contra a mulher
Os tipos de violência doméstica contra a mulher se manifestam de várias formas possíveis, e geralmente se produzem de maneira sequencial e cumulativamente. Sendo assim, o artigo 7º da Lei Maria da Penha estabelece alguns critérios para classificar esses tipos de violência, que assim dispõe:
Art. 7º. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
2.1 Física
A violência física é aquela na qual se atenta contra a saúde corporal da mulher mediante atos violentos como, por exemplo, tapas, empurrões, socos, chutes, podendo inclusive deixar marcas no corpo da vítima, são as denominadas vis corporalis. (SANCHES, 2012)
2.2 Psicológica
A violência psicológica trata-se de qualquer conduta que cause algum tipo de dano emocional ou diminuição da autoestima da mulher, nessa categoria de violência é muito comum a mulher ser proibida de trabalhar, estudar, sair de casa, ou viajar, falar com amigos ou parentes. (TJSE, 2021)
Nesse sentido, é o entendimento da douta Maria Berenice Dias:
A violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder entre os sexos. É a mais frequente e talvez seja a menos denunciada. A vítima muitas vezes nem se dá conta que agressões verbais, silêncios prolongados, tensões, manipulações de atos e desejos, são violência e devem ser denunciados. (2007, p. 48)
2.3 Sexual
Conforme dispõe o Código Penal "a violência sexual pode ser caracterizada de forma física, psicológica ou com ameaça, compreendendo o estupro, a tentativa de estupro, a sedução, o atentado violento ao pudor e o ato obsceno." (BRASIL, 2009)
Ou seja, a violência sexual concerne na obrigação seja ela física ou verbal de manter contato sexual sem o devido consentimento, podendo ser inclusive através do uso de coação, ameaça, chantagem ou qualquer meio que impossibilite a livre manifestação da vítima.
A violência sexual é cometida na maioria das vezes por autores conhecidos das mulheres envolvendo o vínculo conjugal (esposo e companheiro) no espaço doméstico, o que contribui para sua invisibilidade. Esse tipo de violência acontece nas várias classes sociais e nas diferentes culturas. Diversos atos sexualmente violentos podem ocorrer em diferentes circunstâncias e cenários (OMS, 2002).
2.4 Patrimonial
A violência patrimonial consiste no dano ou destruição por parte do agressor de bens, ou valores de propriedade da vítima, que tem quase sempre relação com outros tipos de violência conforme é destacado por Rogério Sanches:
Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Esta forma de violência raramente se apresenta separada das demais, servindo, quase sempre, como meio para agredir, física ou psicologicamente, a vítima. (2012, p. 64/65)
2.5 Moral
A violência tanto moral como psicológica estão intrinsecamente conexas, uma vez que na grande maioria das vezes uma é consequência da outra, conforme bem esclarece Virgínia Feix:
A violência moral está fortemente associada à violência psicológica, tendo, porém, efeitos mais amplos, uma vez que sua configuração impõe, pelo menos nos casos de calúnia e difamação, ofensas à imagem e reputação da mulher em seu meio social. Apresentada na forma de desqualificação, inferiorização ou ridicularização, a violência moral contra a mulher no âmbito das relações de gênero sempre é uma afronta à autoestima e ao reconhecimento social. (2014, p.210)
Do exposto, a violência do tipo moral aplica-se também quando cometido através dos meios de tecnologia da informação, como, por exemplo redes sociais e outras mídias eletrônicas, nesse mesmo contexto, Feix destaca que:
Diante das novas tecnologias de informação e redes na internet, a violência moral contra a mulher tem tomado novas dimensões, sendo necessário que o Direito e seus operadores atentem para novos padrões de violação dos direitos de personalidade em geral e das mulheres. (2014, p.210)
Assim, essa categoria de violência está ligeiramente conectada a inferiorização e desqualificação da vítima, reforçando ainda mais o sistema social de subordinação do sexo feminino, deste modo, visando combater e prevenir todo e qualquer tipo de violência doméstica contra a mulher, surgiram medidas unificadas através da união, estados, municípios e demais órgãos públicos.
3. As medidas unificadas de prevenção à violência doméstica contra a mulher no Brasil
Visando efetivar os compromissos assumidos pelo Brasil na Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), surge através da Lei Maria da Penha a cooperação de forma integrada entre a união, estados, municípios, e ações não-governamentais, além dos órgãos do Poder Judiciário, Ministério Público, e Defensorias Públicas Estaduais, conforme dispõe em seu artigo 8º:
Art. 8º A política pública que visa coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher far-se-á por meio de um conjunto articulado de ações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de ações não-governamentais, tendo por diretrizes:
I - a integração operacional do Poder Judiciário, do Ministério Público e da Defensoria Pública com as áreas de segurança pública, assistência social, saúde, educação, trabalho e habitação;
II - a promoção de estudos e pesquisas, estatísticas e outras informações relevantes, com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia, concernentes às causas, às conseqüências e à freqüência da violência doméstica e familiar contra a mulher, para a sistematização de dados, a serem unificados nacionalmente, e a avaliação periódica dos resultados das medidas adotadas;
III - o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º , no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal ;
IV - a implementação de atendimento policial especializado para as mulheres, em particular nas Delegacias de Atendimento à Mulher;
V - a promoção e a realização de campanhas educativas de prevenção da violência doméstica e familiar contra a mulher, voltadas ao público escolar e à sociedade em geral, e a difusão desta Lei e dos instrumentos de proteção aos direitos humanos das mulheres;
VI - a celebração de convênios, protocolos, ajustes, termos ou outros instrumentos de promoção de parceria entre órgãos governamentais ou entre estes e entidades não-governamentais, tendo por objetivo a implementação de programas de erradicação da violência doméstica e familiar contra a mulher;
VII - a capacitação permanente das Polícias Civil e Militar, da Guarda Municipal, do Corpo de Bombeiros e dos profissionais pertencentes aos órgãos e às áreas enunciados no inciso I quanto às questões de gênero e de raça ou etnia;
VIII - a promoção de programas educacionais que disseminem valores éticos de irrestrito respeito à dignidade da pessoa humana com a perspectiva de gênero e de raça ou etnia;
IX - o destaque, nos currículos escolares de todos os níveis de ensino, para os conteúdos relativos aos direitos humanos, à eqüidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher.
Sendo assim, à violência doméstica contra a mulher passa a ser um problema social tratado pelo estado, onde a vítima passa a ser também a sociedade e não somente a pessoa que sofreu a violência propriamente dita, pois se trata de uma reprodução passada de geração em geração. (LIMA, 2013, p. 62)
Com base nisso, é de extrema importância a desmistificação de que a violência doméstica contra mulheres trata-se apenas de questões de gênero, mas sim de padrões socioculturais herdados do modelo patriarcal na qual vivenciamos durante séculos até os dias atuais.
Nesse sentido, Dias nos elucida que “durante boa parte da história, o patriarcado foi incontestavelmente aceito por ambos os sexos. Os papéis diferenciados de gênero eram legitimados nos valores associados à separação entre esferas pública e privada.” (2019, p. 20)
Deste modo, é essencial a criação de mecanismos através da integração entre a união, estados, municípios, e demais órgãos públicos e privados, que visem a desconstrução estrutural do modelo patriarcal através da educação dos mais novos e reeducação dos mais velhos de forma a conscientizar a igualdade de gênero e acabar de vez com a violência doméstica e familiar contra mulheres.
4. As medidas protetivas de urgência como meios de garantia a efetividade da Lei Maria da Penha
Visando deter o agressor bem como garantir de forma efetiva a segurança física, psicológica e patrimonial da mulher vítima de violência doméstica assim como de sua prole, a Lei Maria da Penha elenca nos seus artigos 22 ao 24 um rol exemplificativo de medidas protetivas de urgência a serem aplicadas de plano pelo juiz de forma isolada ou cumulativamente sem ser necessária uma sentença final, ou requerimento do Ministério Público, podendo também serem substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia.
Antes de tudo, para podermos avaliar a eficácia de tais medidas protetivas de urgência elencadas na Lei Maria da Penha, é preciso conhecê-las e como de fato funcionam, portanto, em sede de proteção a integridade física da mulher, sendo constatada a prática delituosa à autoridade competente poderá suspender à posse ou restringir o porte de arma do agressor conforme previsão legal do artigo 22, inciso I da Lei Maria da Penha:
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;
À vista disso, em razão do número elevado de feminicídios cometidos por uso de arma de fogo, o referido dispositivo legal se mostra inteiramente preocupado não somente com a integridade física da mulher, mas também para com sua vida, nesta lógica, Maria Berenice Dias nos destaca que tal medida:
Trata-se de medida que se mostra francamente preocupada com a incolumidade física da mulher. E com razão. Os dados estatísticos referentes à prática de crimes contra a mulher, com a utilização de arma de fogo, são assustadores. Apenas para dar alguns números, interessante o teor de moção formulada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, em 16 de setembro de 2005, à época em que se discutia o referendo que iria decidir, no dia 23 de outubro seguinte, sobre o desarmamento da população. Consta do documento que “nas capitais brasileiras, 44,4% das mulheres vítimas de homicídios em 2002 foram mortas com armas de fogo (ISER, 2005: com dados do Datasus, 2002). (2019, p.168)
É importante observar que o referido dispositivo legal trata-se de casos em que o agressor possui armas devidamente registradas, quando se tratar de casos de porte ilegal, será considerada agravante e incidirá nos crimes previstos nos artigos 12, 14, 16 da Lei 10.826/2003.
Ainda no mesmo sentido, em observância a garantia da segurança e integridade física da mulher que sofreu violência doméstica, também poderão ser aplicadas outras medidas previstas no artigo 22, incisos II, III, alíneas a, b, c, inciso IV bem como também no artigo 23, incisos II e III, de forma a impedir a aproximação do agressor da vítima, vejamos:
Art. 22. [...]
II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III - proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:
[...]
II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;
III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;
A Lei 11.340/06 - Lei Maria da Penha prevê ainda em suas medidas protetivas de urgência meios de proteção patrimoniais e financeiras para a mulher vítima de violência doméstica, incluindo, por exemplo, a fixação de alimentos provisórios em seu favor e dentre outras medidas elencadas no artigo 22, inciso V e artigo 24, incisos I, II, III, IV, como podemos observar:
Art. 22. [...]
V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Art. 24. Para a proteção patrimonial dos bens da sociedade conjugal ou daqueles de propriedade particular da mulher, o juiz poderá determinar, liminarmente, as seguintes medidas, entre outras:
I - restituição de bens indevidamente subtraídos pelo agressor à ofendida;
II - proibição temporária para a celebração de atos e contratos de compra, venda e locação de propriedade em comum, salvo expressa autorização judicial;
III - suspensão das procurações conferidas pela ofendida ao agressor;
IV - prestação de caução provisória, mediante depósito judicial, por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a ofendida.
É importante salientar a importância de compreender e tratar o que verdadeiramente deu causa ao fato, como, por exemplo, o contexto das agressões, o histórico familiar e o meio social em que essa família vive.
Portanto, as medidas de proteção impostas pela Lei Maria da Penha também visam a segurança psicológica da mulher, como, por exemplo, o encaminhamento da ofendida e seus dependentes a programas de proteção ou atendimento psicológico conforme previsão do artigo 23, inciso I:
Art. 23. [...]
I - encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;
Nesse mesmo diapasão, destaca-se também que a recente Lei 13.984/2020 acrescentou as medidas protetivas de urgência que obrigam a participação do agressor em programas de recuperação, reeducação e acompanhamento psicossocial (Art. 22, VI, VII, LMP), pois "a violência contra a mulher transcende a questão de diferença de gêneros, podendo localizar-se em fatores muito distintos, inclusive psicossomáticos". (GUIMARÃES; MOREIRA, 2017, p. 97)
Por fim, para garantir a efetividade dessas medidas foi acrescentado o artigo 24-A que “restou reconhecido como delito penal o descumprimento da decisão judicial que defere as medidas protetivas de urgência, ao qual é cominada a pena de três meses a dois anos”. (DIAS, 2019, p. 181)
5. A Lei 13.984/20 e a importância do método educacional no combate a reincidência do agressor
Segundo Medrado e Lyra (2003, p. 22) para ser inicialmente compreendida a problemática da violência de gênero de homens contra mulheres no ambiente familiar doméstico é preciso que primeiramente, seja analisado os processos de socialização e sociabilidade masculina, onde na qual o homem desde pequeno, seja dentro do ambiente familiar, na escola e até mesmo nas brincadeiras infantis, são educados de modo a atender as expectativas sociais que a agressividade e o comportamento destrutivo não são algo a serem evitados. Essas manifestações aceitas e muitas vezes estimuladas pela sociedade, apesar de parecerem insignificantes, podem representar portas abertas para atos violentos graves que atentam inclusive contra a vida de muitas mulheres.
Enquadrando-se a isso, soma-se o fato de que muitos homens crescem observando atos de violência realizados por outros homens, inclusive seus próprios pais, desta forma, tais situações podem caracterizar como uma norma a ser seguida. (BÜCHELE; LIMA; CLIMACO, 2008, p. 76)
Dados alarmantes divulgados pelo Sinan em conjunto com o Ministério da Saúde mostram que somente no ano de 2019 o Brasil registrou cerca de 1 caso de violência doméstica contra mulheres a cada 4 minutos, onde a taxa de reincidência gira em torno dos 20%, o que é de fato preocupante.
Nota-se que a ideologia punitivista que vem sendo adotada pela Lei Maria da Penha não é totalmente eficaz, dado que os números por si só já demonstram os altos índices de violência doméstica contra mulheres que ainda acometem nosso país, e que mesmo após punidos, muitos desses homens ainda voltam a cometer esse tipo de crime contra sua companheira.
Em sentido contrário aos dados divulgados de forma inédita pelo Ministério da Saúde no ano de 2019, percebe-se atualmente que muitos estados já adotaram as práticas impostas pela nova Lei, inclusive com a criação de centros de reabilitação, grupos de apoio e acompanhamento psicológico para esses agressores, esses grupos inclusive já demonstram uma queda significativa na taxa de reincidência, como, por exemplo, o projeto “Tempo de Despertar”, localizado no município de São Paulo, onde a taxa de reincidência dos casos de violência doméstica entre os participantes caiu de 65% para somente 2%.
Outro exemplo claro é o caso do Grupo de Orientação e Sensibilização aos Autores da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, localizado na cidade de Cianorte, estado do Paraná, onde 598 homens foram atendidos em um período de 3 anos, e somente 4 casos de reincidência entre os participantes do projeto foram registrados.
Para o Promotor de Justiça do Estado do Paraná Thimotie Heemann um dos pioneiros do projeto “o homem autor de violência doméstica não é o criminoso típico, filiado a uma organização criminosa, com extensa ficha criminal. Em geral, é pagador de impostos, não destoa dos membros da sua comunidade e não mostra violência na vida cotidiana, apenas em casa, contra a mulher”. (MPPR, 2020)
Com base no exposto, é notório e evidente que fatores psicológicos bem como sociais são pressupostos relevantes e incentivadores na prática da violência doméstica contra a mulher, tendo em vista que o ambiente familiar, social e cultural em que esse agressor cresceu exercem grande influência em seu desenvolvimento, consequentemente influenciando também seu comportamento atual e futuro. (AZEVEDO, 2001)
Diante da situação fática vivenciada é que de forma louvável a promulgação da Lei 13.984/20 acrescentou os incisos VI e VII ao artigo 22 da Lei 11.340/06 – Lei Maria da Penha, onde passa a ser aplicada como medida protetiva de urgência a obrigatoriedade da participação de homens que cometeram violência doméstica contra mulheres em programas de reeducação, grupos de apoio e acompanhamento psicossocial, podendo ser inclusive aplicadas de imediato pelo juiz deixando de ser somente proposta na fase de execução de pena, conforme previa o artigo 152 da Lei 7.210/84 - Lei de Execução Penal.
Assim, a Lei 13.984/20 tem como principal objetivo acarretar mudanças sociais significativas na vida desses homens, desconstruindo de forma educacional todas as práticas estereotipadas que de certa forma legitimam toda e qualquer forma de violência contra à mulher, e consequentemente reduzindo os altos índices de reincidência que ainda assombram nosso país.
Conclusão
Ao analisarmos a violência doméstica contra mulheres no Brasil, é possível observar fatores intrínsecos diretamente ligados ao psicológico e ao meio social em que esse indivíduo agressor cresceu e que na grande maioria das vezes influencia de forma clara e direta como esse homem busca ser o detentor do poder das relações íntimas no âmbito familiar com relação a sua companheira.
Com base nisso, através das reformas legislativas, a Lei Maria da Penha tem se aperfeiçoado cada vez mais no sentido de dar maior proteção e segurança física, psíquica e patrimonial a mulher vítima desse tipo de violência.
Sob essa perspectiva, conclui-se que os avanços trazidos à Lei Maria da Penha por meio da promulgação da Lei 13.984/20 que obriga a participação dos agressores em programas de reeducação, acompanhamento psicológico, grupos de apoio e entre outros, não tem como objetivo banalizar a violência doméstica contra a mulher, mas sim promover uma real mudança baseada em valores sociais e éticos, bem como garantir princípios constitucionais relacionados a dignidade da pessoa humana e a diversidade, mostrando-se necessária a desconstrução desse modelo patriarcal machista na qual vivemos não somente através da reeducação dos agressores, mas também através de políticas públicas que incentivem a igualdade de gênero dentro das escolas do país.
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[1] Professor de Direito na Universidade Católica do Tocantins e Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes
Estagiário na Defensoria Pública do Tocantins e Estudante do Curso de Direito na Universidade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Lucas dos Santos. As Medidas Protetivas de Urgência e as Inovações da Lei 13.984/20 no Combate à Reincidência do Agressor em Casos de Violência Doméstica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jun 2021, 04:37. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56853/as-medidas-protetivas-de-urgncia-e-as-inovaes-da-lei-13-984-20-no-combate-reincidncia-do-agressor-em-casos-de-violncia-domstica. Acesso em: 23 dez 2024.
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