Resumo: A pesquisa tem por objeto analisar a evolução do conceito e compreensão do direito à liberdade nos pensamentos filosóficos da antiguidade até a contemporaneidade e sua relação com o regime de proteção ao direito à liberdade de expressão nos direitos humanos no plano internacional, comunitário e constitucional brasileiro. O direito à liberdade de expressão se desdobra em liberdade de opinião, de manifestação do pensamento, direito à informação e à informação jornalística. O método utilizado é o hipotético-dedutivo, por meio de pesquisa legal, doutrinária e jurisprudencial. Em conclusão os pensamentos filosóficos contribuíram com a construção do direito à liberdade de expressão como decorrência do status de liberdade da pessoa humana.
Palavras-chave: Liberdade. Filosofia. Direitos humanos. Liberdade de expressão.
ABSTRACT: The research aims to analyze the evolution of the concept and understanding of the right to freedom in philosophical thoughts from antiquity to contemporary times and its relationship with the regime of protection of the right to freedom of expression in human rights at the international, community and constitutional level in Brazil. The right to freedom of expression unfolds in freedom of opinion, expression of thought, right to information and journalistic information. The method used is hypothetical-deductive, through legal, doctrinal, and jurisprudential research. In conclusion, philosophical thoughts contributed to the construction of the right to freedom of expression because of the freedom status of the human person.
KEYWORDS: Freedom. Philosophy. Human rights. Freedom of expression.
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de liberdade e sua evolução histórica. 3. A liberdade, suas modalidades e os direitos humanos no plano internacional e comunitário. 4. A proteção constitucional ao direito de liberdade de expressão. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A liberdade é um valor inerente ao ser humano que ao longo dos séculos foram debatidos por filósofos, que correspondiam aos múltiplos significados, destacando-se em cada pensamento uma determinada amplitude ou multifacetado, de acordo com a cultura, momento histórico em que se inseriam e mudanças sociais e políticas que as influenciaram, denotando uma mutação conceitual.
Entretanto, a presente pesquisa científica não se propõe a esgotar toda a discussão filosófica sobre a liberdade e suas acepções, mas a investigação sobre a evolução deste valor em discussões filosóficas demonstrando o seu desenvolvimento histórico e verificar se houve influências dos principais pensadores na conceituação da liberdade na vertente da garantia da manifestação de expressão e proteção como direito fundamental no direito internacional, comunitário e no Brasil. Para tanto, realizaremos uma abordagem da noção de liberdade dos filósofos que se destacaram desde a fase antiga, medieval, moderna e contemporânea, como pensadores expoentes em suas gerações, com enfoque na proposta do presente trabalho.
A hipótese apresentada é no sentido de que os conceitos filosóficos dos pensadores ao longo da história e sua evolução influenciaram significativamente a proteção dos direitos humanos no plano internacional, comunitário e atual proteção conferida pela Constituição Federal da República Federativa do Brasil, notadamente no tocante a garantia da manifestação de expressão.
O método utilizado é o hipotético-dedutivo, por meio de pesquisa legal, doutrinária e jurisprudencial.
2. CONCEITO DE LIBERDADE E SUA EVOLUÇÃO HISTÓRICA
A liberdade é um valor que se manifesta social ou coletivamente, desde quando o homem passou a viver em comunidade. Constitui numa relação entre indivíduos, com a sociedade ou com a organização estatal, incorporando uma manifestação inata do ser humano, inerente ao conceito de personalidade.
As relações sociais, como decorrente dos conceitos e amplitude da liberdade, vão se modificando com o passar dos tempos, sendo indispensável a sua abordagem e investigação nos mais variados momentos históricos para compreensão deste valor social.
A liberdade em breves linhas, pode ser compreendida como o direito da pessoa humana de ser livre, uma capacidade de agir por si mesmo, uma autodeterminação, independência ou autonomia de agir ou de se expressar.
A liberdade natural é aquela que decorre de um ordem cósmica pré-determinada e invariável, que se expressa em duas vertentes, como modo de operar o destino ou como ordem da natureza, na medida em que o homem pode se subtrair destes acontecimentos naturais (MORA: 1978, p. 165).
Em um sentido político, a liberdade civil ou individual é o exercício da cidadania dentro dos limites da lei de um Estado, encontrando limites em seu exercício de acordo com a ordem jurídica. E a liberdade política engloba o direito do homem de participar em determinada sociedade das decisões coletivas na expressão dos direitos individuais de participação das decisões do Estado sobre os demais, como o direito de votar e liberdade de opinião.
Pelo sentido ético, a liberdade consubstancia-se no direito de escolha que o indivíduo possui no seu modo de agir, com voluntariedade, sem qualquer influência externa; nesse aspecto, havendo discussões filosóficas sobre a amplitude deste aspecto da liberdade.
Para construção da ideia de liberdade de expressão, como manifestação do pensamento, enveredaremos sobre os conceitos filosóficos de liberdade desde a fase antiga, medieval, moderna e contemporânea, com base nos ensinamentos de autores reconhecidos nesta área da ciência filosófica para uma compreensão deste valor social.
Na Grécia Antiga o homem possuía duas esferas de relações sociais, no qual a liberdade como valor surge no âmbito destas relações. Na esfera privada, correspondia à família onde havia uma estrutura hierarquizada, em que as decisões coletivas eram exercidas exclusivamente pelo patriarca, não havendo espaço para a liberdade de seus membros. E, na esfera pública, alguns cidadãos gregos detinham uma vida pública (Bios politikos), no qual todos os homens eram iguais, surgindo a liberdade através da organização política.
A liberdade não era um atributo do homem, decorreria da Cidade, o homem somente poderia participar da polis se fosse um cidadão grego. A liberdade grega era uma manifestação política, existia um conceito de pertencimento à Cidade, em oposição ao status de escravo, ao prisioneiro de guerra ou não pertencente à cidade.
Na medida em que se concebia a liberdade como um atributo político, não possuía um livre arbítrio racional. A liberdade estava ligada ao conceito de igualdade, de modo que, somente era livre o cidadão que governa com seus iguais e não se submetia ao governo de outrem, não corporificando um direito subjetivo. O exercício da liberdade grega pressupõe a intersubjetividade nas relações pessoais com os demais cidadãos gregos, a coletividade e a sociedade.
A liberdade na Idade Média, marcada pelo cristianismo se manifesta com o livre arbítrio, como um atributo essencialmente do ser humano, ocorrendo a separação da liberdade do Estado, que possibilitou o exercício da liberdade contra a ingerência estatal. Nesta fase, com forte influência da Igreja na submissão do homem à vontade divina, a liberdade do homem é destinada à contemplação de Deus e querer o que lhe foi reservado.
Santo Tomás de Aquino em seus ensinamentos desenvolve o livre arbítrio à ideia de liberdade racional, o homem atua com discernimento, com capacidade de agir e tomar escolhas com base na razão, e as decisões dependem do ser humano, mas com o auxílio divino (BRITO: 2010, p. 38).
Na fase moderna, no qual se destaca o filósofo Immanuel Kant, o conceito de liberdade não se restringe ao livre arbítrio, devendo ser uma ideia correlata a todo ser humano, uma noção de liberdade transcendental, constituindo em uma propriedade da vontade dos seres vivos, submetidas às leis imutáveis (leis morais), porém, não possuindo caráter ilimitado ou absoluto (JAQUES: 2014, p. 54).
A liberdade kantiana desenvolve dois aspectos da liberdade, o positivo e o negativo. A liberdade positiva consiste em agir em consonância com a lei e o direito, caracterizada pela autonomia, se subdividindo em liberdade interna, ligada ao dever moral; e a liberdade externa, relacionada à obrigação legal baseada num sistema de coação. A liberdade negativa reside em não se submeter a nenhum fator externo, correspondendo ao conceito de independência.
A liberdade, segundo ensinamentos de Kant, é pressuposta para afirmação da razão, destacando a vontade da causalidade dos fenômenos da natureza e a racionalidade constitui em fundamento da liberdade sem nenhuma condição determinante, com total independência.
Em sua obra a Crítica da Razão Pura, Kant argumenta que a liberdade é movida pela racionalidade para o agir de determinado modo, correspondendo a uma autodeterminação:
A liberdade é, neste sentido, uma ideia transcendental pura que, em primeiro lugar, nada contém extraído da experiência e cujo objeto, em segundo lugar, não pode ser dado de maneira determinada em nenhuma experiência, porque é uma lei geral, até da própria possibilidade de toda a experiência, que tudo o que acontece deva ter uma causa e, por conseguinte, também a causalidade da causa, causalidade que, ela própria, aconteceu ou surgiu, deverá ter, por sua vez, uma causa; assim, todo o campo da experiência, por mais longe que se estenda, converte-se inteiramente num conjunto de simples natureza. Como, porém, desse modo, não se pode obter a totalidade absoluta das condições na relação causal, a razão cria a ideia de uma espontaneidade que poderia começar a agir por si mesma, sem que uma outra causa tivesse devido precedê-la para a determinar a agir segundo a lei do encadeamento causal (KANT: 2001, p. 475).
Destaca-se, ainda nesta fase moderna, John Stuart Mill, nascido na Inglaterra em 1806, que desenvolveu conceito da liberdade na sua obra Sobre a liberdade, com enfoque na defesa da liberdade individual das pessoas e dos limites da atuação do Estado, destinando um capítulo especial, Sobre a liberdade de pensamento e discussão, tornando-se uma referência naquela época, influenciando estudos filosóficos e de proteção aos direitos humanos.
A liberdade civil ou social corresponde a natureza e aos limites do poder do Estado impostos pela comunidade e significava, de um modo geral, a proteção contra a tirania dos governantes políticos. Destacando-se duas maneiras de limitações, a primeira com o reconhecimento de certas imunidades, que encerrava uma quebra de dever por parte do governante e justificava uma resistência ou uma rebelião; a segunda, com o estabelecimento de salvaguardas constitucionais com o consentimento da comunidade como condição necessária de validade dos atos do governante (MILL: 2011, p. 20).
As esferas de proteções da liberdade humana englobavam diversos aspectos, incluindo o domínio interior da consciência, o livre pensamento, a liberdade de expressar a opinião, sendo estas inseparáveis do indivíduo; alcançando a liberdade de moldar o plano de vida e adequar ao caráter individual de cada um; e seguindo-se, a liberdade respeitando determinados limites, a de formação de grupos ou união para qualquer fim que não cause danos aos outros.
Stuart Mill destaca sobre a importância que a liberdade de expressar opiniões e seu diálogo tem na sociedade:
Reconhecemos que a liberdade de opinião e a liberdade de expressar opiniões são necessárias para o bem estar mental da humanidade (do qual todo o seu restante bem-estar depende) com base em quatro fundamentos distintos.
Em primeiro lugar, ainda que uma opinião seja votada ao silêncio, essa opinião pode, tanto quanto sabemos, ser verdadeira. Negar isso é pressupor a nossa própria infalibilidade.
Em segundo lugar, embora a opinião silenciada esteja errada, pode conter uma porção de verdade, o que frequentemente acontece; e dado que a opinião geral ou prevalecente sobre qualquer assunto raramente ou nunca constitui a verdade por inteiro, é apenas através do conflito de opiniões opostas que o resto da verdade tem alguma hipótese de vir ao de cima (MILL: 2011, p. 55).
Na fase contemporânea, inaugurada após o século XIX, o filósofo francês, Jean Paul Sartre, caracteriza a liberdade com condição da existência humana. É uma característica indissolúvel do homem com conotação existencialista. Metaforicamente, compara o ser livre à uma condenação, pois “estamos condenados a ser livres”.
Em seus ensinamentos não existe uma liberdade interna e uma liberdade externa, apenas admite a existência de uma liberdade única. O homem com base nas suas escolhas quotidianas de ações que irá praticar, demonstra que a liberdade não é uma conquista, mas uma condição da existência humana.
O homem para Sartre é inteiramente livre, não possui o livre arbítrio de decidir sobre a sua liberdade, é uma condição intransponível, no qual não pode se desvencilhar, é condenado a ser livre. Em sua obra O Ser o nada, o filósofo francês destaca sobre a essência desta liberdade:
Com efeito, somente pelo fato de ter consciência dos motivos que solicitam minha ação, tais motivos já constituem objetos transcendentes para minha consciência, já estão lá fora; em vão buscaria recobrá-los: deles escapo por minha própria existência. Estou condenado a existir para sempre para-além de minha essência, para-além dos móbeis e motivos de meu ato: estou condenado a ser livre. Significa que não se poderia encontrar outros limites à minha liberdade além da própria liberdade, ou, se preferirmos, que não somos livres para deixar de ser livres. Na medida em que o Para-si quer esconder de si seu próprio nada e incorporar o Em-si como seu verdadeiro modo de ser, também tenta esconder de si sua liberdade. O sentido profundo do determinismo é estabelecer em nós uma continuidade sem falha de existência “Em-si” (SARTE: 2007, p. 542).
A liberdade do homem é o alicerce absoluto, não possui a faculdade de optar por não ser livre, porque haveria a renúncia de si mesmo, e a moral manifesta-se através do seu agir concreto (SILVA: 2019, p. 156).
Nesta abordagem filosófica nós sempre nos tornaremos aquilo que decidimos ser e nunca importará o que fizeram de nós. A escolha pela liberdade é sempre uma manifestação existencialista, sempre acompanhada da responsabilidade pelas escolhas realizadas, com suas consequências.
A liberdade sarteana não se limita a dizer ser livre, mas sobretudo fazer a acontecer ser livre. “Portanto, a liberdade não diz respeito ao plano moral, da escolha entre o ‘bem e o mal’, mas sim ao plano ontológico, da escolha de ser. A liberdade é constitutiva do ser homem” (SCHNEIDER apud SILVA: 2019, p. 156).
Jürgen Habermas define a liberdade como uma propriedade de sujeitos dotados de capacidade e consciência de conhecer e agir seguindo uma lógica pessoal, numa realidade do Eu empírico, comprometidos pela linguagem, resultando num processo dialógico entre sujeitos, assim, a liberdade é vinculada a capacidade argumentar (FELDHAUS: 2011, p. 5).
A liberdade deve ser entendida como a possibilidade do uso da linguagem direcionada ao entendimento na perspectiva do participante, sendo compreendida como a possibilidade real de todos os integrantes da comunicação terem efetiva participação na apresentação de argumentos, sem qualquer vinculação. A ponderação dos argumentos é a conditio sine qua non da liberdade.
Na liberdade comunicativa, que se relaciona com a possibilidade de uma pessoa de se posicionar discursivamente quanto a pretensões de validade, tem por pressuposto o jogo de linguagem à autoria responsável. Assim, a liberdade da vontade é atributo dos indivíduos que compreendem como autores de ações, inseridas num ambiente composto de pretensões de validades resgatáveis pelos argumentos.
A ligação entre o conceito de autoria responsável e a liberdade comunicativa, resultam nas ações do indivíduo que agem com consciência da liberdade, tomando a iniciativa, para dar início a algo novo, com a postura de auto atribuição, e com a perspectiva reflexiva em processos de determinação (SIEBENEICHLER: 2011: p. 49).
Habermas descreve sobre o pressuposto da ação livre dos indivíduos na comunicação performativa:
Em cada argumentação efetivamente levado a cabo, os próprios participantes não podem deixar de empreender uma projeção dessa natureza (discurso universal). É necessário que em todas as argumentações eles partam pragmaticamente do pressuposto de que todos os indivíduos em questão podem participar em princípio, enquanto seres livres e iguais, numa procura cooperativa da verdade, na qual apenas pode interessar o imperativo do melhor argumento. O princípio da ética do discurso assenta neste facto pragmático-universal: apenas as regras morais que podem obter a anuência de todos os indivíduos em causa, na qualidade de participantes num discurso prático, podem reclamar validade (HABERMAS: 1991, p. 151).
Na liberdade habermansiana os requisitos ideais de uma relação dialógica entre os indivíduos pressupõem a racionalidade tentando persuadi-los, através dos melhores argumentos com fundamento na liberdade de manifestação com igualdade de participação, autenticidade dos participantes, sem qualquer coação nas tomadas de decisões, numa situação linguística ideal (HABERMAS: 1991, p. 157)
3. A liberdade, suas modalidades e os direitos humanos no plano internacional e COMUNITÁRIO
Efetuada uma abordagem sobre as evoluções conceituais e filosóficas sobre liberdade em seus aspectos que passam de uma liberdade na atividade política, ao exercício do livre arbítrio, a manifestação plena da liberdade, indissociável que compõe a personalidade humana, à liberdade comunicativa e de expressão de opinião, importante, enveredar sobre a proteção da liberdade nos direitos humanos, constituindo um direito fundamental e de proteção internacional.
A proteção dos direitos humanos surge de um contexto cercados por conflitos, guerras, movimentos totalitários deflagrados no início do século XIX, no qual milhares de pessoas sofreram as maiores violações ao direito fundamental à vida e a dignidade da pessoa humana[1], se pretendendo no plano internacional evitar novas tragédias como as decorrentes da Segunda Guerra Mundial, com formação de uma Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, inicialmente integrada por 50 (cinquenta) países.
Assim, os direitos fundamentais do homem podem ser considerados como as prerrogativas ou privilégios e instituições que possuem a finalidade de respeito à dignidade da pessoa humana, mediante proteção contra o arbítrio do poder estatal, com estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da pessoa, como garantia inata ao ser humano, por ser patrimônio integrante de sua individualidade e personalidade.
A lado do direito à vida, a liberdade sempre foi um bem jurídico que a sociedade sempre buscou proteger contra os arbítrios do Estado, e sem sombras de dúvidas, se incluiu de dentro da órbita dos direitos humanos, sendo elementos integrante de seu conceito.
Segundo Antônio Henrique Perez Luño:
[...] considerando-os um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas em nível nacional e internacional” (1979, apud MORAES, 2005, p. 22) (grifo nosso)
Os direitos humanos são caracterizados como direitos fundamentais e universais, que concretizam as necessidades da sociedade e do próprio homem, num contexto de permanente transformação e evolução que emergem da vida social, da vida comunitária, da atividade econômica, e do desenvolvimento contínuo na pessoa humana, se colocando no centro da órbita em que gravitam todos os demais direitos e obrigações das sociedades modernas.
Para melhor compreensão dos direitos humanos como fundamentos de um Estado Democrático de Direito, com o suporte da hermenêutica, possuem as seguintes características: i) imprescritibilidade: não perdem com o decurso do prazo; ii) inalienabilidade: não podem ser transferidos onerosa ou gratuitamente; iii) irrenunciabilidade: não podem ser objeto de renúncia[2]; iv) inviolabilidade: impossibilidade de desrespeito por determinações legais ou atos de autoridades públicas; v) universalidade: aplicam-se a todos os indivíduos como pessoa humana independente de sua nacionalidade, sexo, raça ou credo; vi) efetividade: existências de mecanismos que garantam a sua concretização; vii) interdependência: existência de ligação com vários direitos ou instrumentos que asseguram a eficácia; viii) complementariedade: devem ser interpretados de forma conjunta e sistemática com demais preceitos constitucionais e legais (MORAES: 2005, p. 23).
A primeira geração dos Direitos Humanos está ligada aos direitos civis e políticos, dentre eles, possuindo papel de protagonismo o direito à liberdade, à vida, à igualdade, à integridade física, de reunião pacífica, dentre outras.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos adotada e proclamada pela Resolução nº 217 da Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 elevou a proteção da dignidade de todas as pessoas, o direito à igualdade possuindo como fundamento a liberdade, justiça e paz, consagrou o pleno direito à liberdade em seu aspecto essencial de agir, de ir e vir[3], de permanecer, de se expressar.
Artigo 1
Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade. (grifo nosso)
Artigo 3º
Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. (grifo nosso)
Artigo 4º
Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. (grifo nosso)
[...]
Artigo 19
Toda pessoa tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. (grifo nosso)
Destaca-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos que a liberdade de expressão é um direito consagrado mundialmente como essencial a realização e a concretização dos direitos humanos fundamentais, sendo esta declaração considerada o primeiro documento de caráter internacional a reconhecer a liberdade de expressão como valor a ser protegido internacionalmente (JAQUES: 2014, p. 27).
Entretanto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não possui força normativa para aplicabilidade aos ordenamentos jurídicos de cada país membro da Organização das Nações Unidas - ONU e aos que ratifiquem em tempo futuro. Não têm a natureza de tratado ou acordo, segundo as observações de Hildebrando Accioly:
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi assinada solenemente em Paris em 10 de dezembro de 1948. Não obstante a ênfase dada ao reconhecimento dos direitos humanos, a senhora ROOSEVELT reiterou a posição de seu país, no sentido de que a Declaração não era tratado ou acordo que criava obrigações legais. Aliás, a afirmativa era desnecessária. Conforme foi visto, não obstante a importância que algumas resoluções tenham tido, é unânime o reconhecimento e a afirmação quanto a não se revestirem de obrigatoriedade de implementação (ACCIOLY : 2012, p. 714).
A liberdade como valor fundamental encontrou proteção no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, por meio da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem aprovada pela 9ª (nona) Conferência Internacional Americana de Bogotá em 1948, estabelecendo logo em seu primeiro dispositivo que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança de sua pessoa”.
Por oportuno, os Estados Americanos, através Convenção Americana de Direitos Humanos aprovado pelo Pacto de San José da Costa Rica em 1969 reafirmou o propósito de consolidar as instituições democráticas fundadas no respeito dos direitos humanos com viés de proteção internacional, com destaque à liberdade pessoal em seus vários aspectos como a liberdade física, liberdade de consciência e religião, liberdade de reunião e associação e liberdade de pensamento e expressão.
No que pertinente ao tema deste texto, a liberdade de pensamento e expressão, valorizada como aspecto fundamental dos direitos humanos, destacados por John Stuart Mill, o Pacto de San José da Costa Rica, assim proclama:
Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão
1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.
2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito à censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para assegurar:
a) o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas;
b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias e meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de ideias e opiniões.
4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.
5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitamento à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência. (grifo nosso)
A proteção sedimentada em norma supra positiva, relativa a direitos humanos[4], no tocante a liberdade de pensamento e expressão evolvem vários aspectos como a de procurar, receber e realizar de forma legítima a proliferação de ideias numa liberdade comunicativa dotada de responsabilidade como advertido por Habermas, por qualquer meio. E, em outro aspecto, proibir a censura prévia como forma de criar obstáculos ao exercício deste direito fundamental, resguardando-se, contudo, o respeito dos direitos individuais das pessoas em sua dignidade e à segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.
Em seu aspecto instrumental, visa impedir que por meio indireto ou com abusos de controles oficiais atinjam os meios de comunicação em todas as suas modalidades e formas, de modo a obstar a circulação de ideias e opiniões, no qual a imprensa assume papel de destaque e relevância nas democracias.
E, ainda, estas garantias de liberdade de expressão não são aceitas quanto a propaganda a favor de guerra, à apologia do discurso do ódio, como vetor de discriminação nacional, racial ou religioso, à hostilidade, ao crime e à violência; valores estes que não merecem proteção dos direitos humanos por violarem profundamente aspectos da dignidade da pessoa humana e que o indivíduo, instituições ou organizações estatais devem se abster de cometer contra terceiros.
A liberdade de expressão possui um valor fundamental nos regimes democráticos e dentro deste relevo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, destacando do Pacto de San José da Costa Rica, promulgou a Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, celebrado entres os seus membros de 16 à 27 de outubro de 2000, reafirmando os seguintes valores e preceitos:
1. A liberdade de expressão, em todas as suas formas e manifestações, é um direito fundamental e inalienável, inerente a todas as pessoas. É, ademais, um requisito indispensável para a própria existência de uma sociedade democrática. (grifo nosso)
2. Toda pessoa tem o direito de buscar, receber e divulgar informação e opiniões livremente, nos termos estipulados no Artigo 13 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Todas as pessoas devem contar com igualdade de oportunidades para receber, buscar e divulgar informação por qualquer meio de comunicação, sem discriminação por nenhum motivo, inclusive os de raça, cor, religião, sexo, idioma, opiniões políticas ou de qualquer outra índole, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. (grifo nosso)
3. Toda pessoa tem o direito de acesso à informação sobre si própria ou sobre seus bens, de forma expedita e não onerosa, esteja a informação contida em bancos de dados, registros públicos ou privados e, se for necessário, de atualizá-la, retificá-la e/ou emendá-la. (grifo nosso)
4. O acesso à informação em poder do Estado é um direito fundamental do indivíduo. Os Estados estão obrigados a garantir o exercício desse direito. Este princípio só admite limitações excepcionais que devem estar previamente estabelecidas em lei para o caso de existência de perigo real e iminente que ameace a segurança nacional em sociedades democráticas. (grifo nosso)
5. A censura prévia, a interferência ou pressão direta ou indireta sobre qualquer expressão, opinião ou informação através de qualquer meio de comunicação oral, escrita, artística, visual ou eletrônica, deve ser proibida por lei. As restrições à livre circulação de ideias e opiniões, assim como a imposição arbitrária de informação e a criação de obstáculos ao livre fluxo de informação, violam o direito à liberdade de expressão. (grifo nosso)
6. Toda pessoa tem o direito de externar suas opiniões por qualquer meio e forma. A associação obrigatória ou a exigência de títulos para o exercício da atividade jornalística constituem uma restrição ilegítima à liberdade de expressão. A atividade jornalística deve reger-se por condutas éticas, as quais, em nenhum caso, podem ser impostas pelos Estados. (grifo nosso)
A Declaração de Princípios sobre a Liberdade de Expressão, decorrendo do sistema comunitário de proteção internacional de direitos humanos, reafirma a importância da liberdade de expressão como direito fundamental, consolidando como um dos pilares de uma sociedade democrática e justa, reconhecendo a sua inalienabilidade, o exercício de sua manifestação em todas as suas formas com a falada, a escrita, a divulgada por gestos e nos ambientes digitais, alcançando todas quaisquer informações, sem discriminação, e às pessoais e de seus bens, combatendo toda e qualquer censura prévia, estes, instrumentos de regimes antidemocráticos e totalitaristas.
4. A Proteção Constitucional ao Direito de Liberdade de Expressão
A inauguração de um novo regime constitucional democrático, revelado através de uma transição constitucional, surgiu a Constituição Federal de 1988, denominada como a Constituição Cidadã, consagrando o Estado Democrático de Direito e adotando como valores fundamentais a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho, da livre iniciativa e o pluralismo político.
Contemplou os direitos de primeira geração ou dimensão, e instituiu vários direitos e garantias fundamentais que foram alçados às cláusulas pétreas pelo art. 60, § 4º, da CF/88, estando protegidas do poder constituinte reformador, na medida em que impede a deliberação de proposta tendente a abolir do corpo da lei fundamental, no qual o direito à liberdade de expressão encontra-se resguardado e protegido.
A liberdade de expressão possui múltiplas acepções, do qual abordaremos neste artigo científico suas principais facetas: (i) a liberdade de opinião, (ii) a liberdade de manifestação do pensamento, (iii) direito à informação e o direito de ser informado, e (iv) liberdade de informação jornalística.
A liberdade de opinião é aquela que o indivíduo tem libre arbítrio ou poder de agir em sua atitude intelectual como uma faculdade ou escolha, decorrente de um pensamento íntimo, na tomada de posição pública, de livre pensar e dizer a compreensão de determinado assunto ou coisa (SILVA: 2004, p. 240).
Alexandre de Moraes adverte que:
O direito fundamental à liberdade de expressão, portanto, não se direciona somente a proteger as opiniões supostamente verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também àquelas que são duvidosas, exageradas, condenáveis, satíricas, humorísticas, bem como as não compartilhadas pelas maiorias (Kingsley Pictures Corp. v. Regents, 360 U.S 684, 688-89, 1959). Ressalte-se que, mesmo as declarações errôneas, estão sob a guarda dessa garantia constitucional (BRASIL: 2018, p. 2).
A liberdade de opinião é prevista na Constituição Federal na liberdade de consciência (inciso VI do art. 5º) e a proteção à crença religiosa ou convicção filosófica ou política (inciso VIII do art. 5º). São normas constitucionais de eficácia contida, na medida em que o legislador pode restringir o seu exercício.
Esta liberdade deriva do direito de escusa ou imperativo de consciência em que o indivíduo tem resguardado a sua prerrogativa contra determinações legais ou atos de autoridades públicas que atinjam a sua consciência, a sua opinião e o seu juízo em aspectos filosóficos, religiosos ou políticos.
Não obstante esta garantia constitucional, a liberdade de convicção filosófica e política ao longo dos tempos sempre sofrem em períodos de crise, mas em hipótese alguma a Constituição Federal permite a sua restrição ou abolição à outra corrente de pensamento (SILVA: 2004, p. 242), caracterizaria um retrocesso nos direitos humanos fundamentais.
Decorre da essência do homem e seu modo de pensar, de agir livre, que não contenha exclusivamente em manter as opiniões e convicções pessoais, mas sente a necessidade de exteriorizá-las, as vezes com propósito de convencer outras pessoas numa liberdade comunicativa, direito este que necessita de proteção jurídica (NOVELINO: 2012, p. 514).
A liberdade de manifestação do pensamento constitui a forma de exteriorização do pensamento e da opinião do indivíduo, decorrente de expressa previsão constitucional na medida em que preconiza o inciso IV do artigo 5º: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” e do artigo 220: “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição”
Dirley da Cunha Júnior sustenta que sobre a liberdade de expressão:
É o direito de exprimir o que se pensa. É a liberdade de expressar juízos, conceitos, convicções e conclusões sobre alguma coisa. A Constituição consagra a liberdade de manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veículo, sendo vedado o anonimato (art. 5º, IV) e toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística (art. 220, § 2º) (JÚNIOR: 2015, p. 557).
O Ministro Celso de Melo no julgamento da ADPF nº 187, entendeu que o ato de concentração de um grupo de pessoas em eventos públicos chamados de “marcha da maconha” com o intuito de externar a opinião sobre a descriminalização do uso da droga, não se confundia com a incitação de prática de apologia ao crime, com sanções previstas no artigo 287 do Código Penal, mas pleno exercício do direito constitucional de reunião e de livre expressão do pensamento, consagrando os direitos fundamentais da pessoa humana[5], desde que dentro de um contexto que não seja dirigida a incitação ou provocar ações infracionais.
A exteriorização do pensamento pode ser realizada perante interlocutores (i) presentes na forma de diálogo, de conversação, de exposição de ideias, de discursos, (ii) ausentes por meio de correspondência, mensagem de texto, de voz ou telefonema às pessoas determinadas ou sob a forma de livros, jornais, revistas, televisão, rádio ou postagens às pessoas indeterminadas. Em todas estas vertentes, o Estado possui a obrigação de proteger esta modalidade de liberdade fundamental.
A liberdade de manifestação do pensamento pode ser analisada sobre o aspecto negativo, no qual é reservado ao indivíduo o direito de mantê-lo em segredo, que não se confunde do o direito de não manifestar, mas recolher o pensamento a esfera íntima do indivíduo (SILVA: 2004, p. 243).
Nenhum direito fundamental possui natureza absoluta, pode estar sujeito à outras restrições constitucionais, denominando-se de intervenções restritivas. A cláusula restritiva também atinge a liberdade de manifestação do pensamento quando tenha potencialidade de alcançar terceiros.
A parte final do inciso IV do artigo 5º da CF/88 veda o anonimato que possui a finalidade de proibir ou desestimular condutas provocadas pelo indivíduo que se coloca a margem da percepção do interlocutor ou potencial atingido, não sendo identificado, criando obstáculos a eventual insurgência contra o ato lesivo e sua adequada responsabilização.
O Pacto de San José da Costa Rica prevê de forma clara, que o direito à liberdade de manifestação do pensamento é subordinado à responsabilidade pessoal em atenção ao “respeito dos direitos e da reputação das demais pessoa” e a “a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas” (alíneas “a” e “b” do item 2 do artigo 13).
A Constituição Federal num sistema de complementariedade prevê a utilização de um mecanismo constitucional contra as manifestações abusivas decorrentes do exercício deste direito à liberdade de manifestação do pensamento, através do direito de resposta[6], proporcional ao agravo (inciso V do art. 5º), além de indenização por danos de qualquer ordem, como material, moral e coletivo.
No texto constitucional, existem restrições constitucionais indiretas que incidem sobre a liberdade de manifestação do pensamento, criando limites materiais ao seu exercício, conflitando com outros valores eleitos pela constituinte, como o atentado aos direitos e liberdades fundamentais (inciso XLI, art. 5º) e a prática de racismo (inciso XLII, art. 5º), denominado doutrinariamente como reserva legal qualificada (NOVELINO: 2012, p. 515).
A pessoa humana não possui apenas o direito à opinião e a manifestação do pensamento, que se relaciona com a comunicação, mas igualmente tutelado no plano internacional de proteção dos direitos humanos e da ordem constitucional interna, o direito à informação e de ser informado.
O direito à informação está intimamente ligado com a liberdade de expressão, não se consubstanciando em um direito pessoal ou profissional, mas sobretudo, um direito coletivo (SILVA: 2004, p. 244), oponível contra o Estado como proteção de direito fundamental. Este direito, deve ser compreendido como um ambiente propício a construções de opiniões e ideias para que seja possível adotar as melhores escolhas para o exercício pleno da cidadania, fazendo uso constante da autonomia da vontade e do livre arbítrio.
As democracias das civilizações modernas conclamam que as sociedades e seus membros tenham acesso à informação, permitindo a participação política e social de todos os cidadãos sem preconceitos, inclusive através de críticas ao governo, de suas políticas públicas e de gestão (JAQUES: 2014, p. 68).
A Constituição Federal consagra o direito de acesso à informação, de forma direta, em dois dispositivos alocados nos Direitos e Garantias Fundamentais, nos quais asseguram a aquisição de informação quando necessário ao exercício profissional (inciso XIV do art. 5º) e receber informações pessoais, coletivas ou geral[7] dos órgãos públicos, resguardando aquelas informações imprescindíveis à segurança pública e coletiva (inciso XXXIII do art. 5º).
Especialmente, esta segunda vertente do direito de ser informado pelo Estado, surgiu para fazer contraposição em uma época que imperava no Estado brasileiro a censura e sigilo de informações sob a roupagem de conceito indeterminado da segurança nacional, em tempo de regime militar, que podemos concluir, que o exercício da liberdade não possuía plenitude. Deve haver proteção contra a dominação das informações pelo Estado[8].
A nossa ordem constitucional impôs intervenções restritivas ao acesso à informação, resguardando expressamente o sigilo da fonte quando necessário ao exercício profissional como nos casos de informações recebidas em razão de ofício por médicos e advogados, por exemplo, não podendo repassar os dados e informações, nem mesmo se exigidos pelo Estado, constituindo em cláusula de sigilo constitucional. E ainda, ser vedado, em prol da segurança da sociedade e do Estado, a transmissão de informações que possam causar um risco social grave e latente.
Comumente denominada como liberdade de imprensa, o direito à liberdade informação jornalística corresponde ao direito fundamental de transmitir a informação, tratando de um importante pressuposto de uma sociedade democrática, que é exercido profissionalmente através dos meios de comunicação previstos na Constituição Federal.
A liberdade de informação jornalística é assegurada no artigo 220 da Constituição Federal e possui relação de primazia ou proeminência, configurando um bloco normativo e um patrimônio imaterial de uma nação, sem prejuízo de aplicação de outro direitos e garantias fundamentais que se espraiam no texto constitucional.
O Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF nº 130/DF, declarou que o Capítulo V de que tratada da comunicação social é “segmento prolongador das liberdades de manifestação do pensamento, de informação e de expressão artística, científica e intelectual e comunicacional”. A imprensa incumbe a tarefa de alternativa à explicação ou versão do Estado a todos os assuntos que podem repercutir na sociedade, protegendo um espaço dialógico e crítico pensamento em qualquer situação ou contingência. E, que a ressalva constitucional da censura prévia é um direito que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana (BRASIL: 2009, p. 3).
Entretanto, Alexandre de Moraes adverte:
A liberdade de imprensa em todos os seus aspectos, inclusive mediante a vedação de censura prévia, deve ser exercida com a necessária responsabilidade que se exige de um Estado Democrático de Direito, de modo que o desvirtuamento da mesma para o cometimento de fatos ilícitos, civil ou penalmente, possibilitará aos prejudicados plena e integral indenização por danos materiais e morais, além do efetivo direito de resposta (MORAES: 2005, p. 122).
O direito de opinião (no contexto de formação), de manifestação do pensamento (no exercício), de acesso à informação (afastamento de sigilo) somente encontrará a plenitude, se houver na sociedade ampla, irrestrita e responsável informação jornalística desempenhada pela imprensa. É necessário que o ordenamento constitucional ofereça instrumentos de proteção e desenvolvimento adequado.
A liberdade de imprensa é um valor assegurado no plano internacional conforme abordado neste texto, sendo importe instrumento de fortalecimento da cultura, atuando como agente fiscalizador do Estado com vista a transmissão de informações, conhecimentos e de garantia da concretização dos direitos fundamentais, de caráter imprescindível ao Estado Democrático de Direito (JAQUES: 2014, p. 71).
Uma sociedade justa, livre e democrática somente é construída quando existe uma imprensa livre, ética, transparente e consciente de seu papel de formação de opinião e esclarecedora de todos os valores expressos em seu ordenamento constitucional.
5. CONCLUSÃO
O direito à liberdade de expressão é um valor social que integra a personalidade da pessoa humana, decorrendo em uma de suas vertentes da liberdade, no aspecto do livre arbítrio de pensar, refletir, receber as informações, de se posicionar e manifestar livremente, mas com a assunção de responsabilidade.
Podemos sintetizar o direito à liberdade de expressão em quatro vertentes que se interligam inexoravelmente, o direito de opinião, o direito de manifestar o pensamento, o direito à informação e de ser informado, e o direito à liberdade de informação jornalística.
A liberdade de expressão se desenvolveu no plano internacional como integrante dos direitos humanos fundamentais, sofrendo nas mais diversas fases, influências de estudos filosóficos, desde a antiguidade nos ensinamentos da Grécia Antiga de Aristóteles na relação de poder, passando por construções liberais da autonomia de Kant e estudos dialógicos de comunicação de Habermas.
O filósofo inglês, John Stuart Mill, é considerado um dos pensadores mais influentes no século XVIII que abordou sobre a liberdade em sua perspectiva da manifestação do pensamento, defendendo que as sociedades devem garantir uma democracia ampla e participativa que se relacional com o direito à liberdade de expressão e do direito à informação, como instrumentos de fortalecimento da democracia.
A liberdade em Mill se sustenta em três pilares: o domínio da consciência, a liberdade de pensamento e a liberdade de opinião (JAQUES: 2014, p.56).
Mill destaca em sua obra, Sobre a liberdade que “passou o tempo em que seria necessária qualquer defesa da “liberdade de imprensa” como uma das salvaguardas contra um governo corrupto ou tirânico” (MILL: 2011, p. 30), concluindo que desde aquela demandava o papel de destaque da imprensa como instrumento de formação de opiniões dos indivíduos e permitir a participação dos cidadãos nos atos sociais e políticos, fortalecendo a democracia e o Estado Democrático de Direito.
Em conclusão os pensamentos filosóficos contribuíram com a construção do direito à liberdade de expressão como decorrência do status de liberdade da pessoa humana.
6. REFERÊNCIAS
ACCIOLY, Hildebrando. et al. Manual de direito internacional público. 20. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de descumprimento de preceito fundamental nº 130/DF. Plenário. Arguente: Partido Democrático Trabalhista. Arguido: Presidente da República. Relator: Ministro Carlos Brito. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411. Acesso em 16 out 2020.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 4.439/DF. Plenário. Requerente: Procuradoria-Geral da República. Requerido: Presidência da República. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4439AM.pdf. Acesso em 16 out 2020.
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BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação direta de inconstitucionalidade nº 4.451/DF. Plenário. Requerente: Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão. Requerido: Presidente da República. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=749287337. Acesso em 16 out 2020.
BRITO, Laura Souza Lima e. Liberdade e direitos humanos: um estudo sobre a fundamentação jusfilosófica e sua universalidade. 2010. 123 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.
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JAQUES, Marcelo Dias. O direito à informação e à liberdade de expressão na sociedade digital: novos desafios ao direito brasileiro. 2014. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) – Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Ijuí, 2014.
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[1] “A Declaração Universal de 1948, bem como os instrumentos subsequentemente adotados, no contexto da ONU, inscrevem-se no movimento de busca de recuperação da dignidade horrores cometidos pelo nazifascismo, mas sobretudo se dá mudança no enfoque, quanto a ser o estabelecimento de sistema de proteção dos direitos fundamentais intrinsecamente internacional (ACCIOLY, Hildebrando et al. Manual de direito internacional público. 20ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 714).
[2] Existe discussão doutrinária sobre a renúncia ao direito à vida na eutanásia, no aborto e no suicídio.
[3] [...] ao Direito positivo interessa cuidar apenas da liberdade objetiva (liberdade de fazer, liberdade de atuar). É nesse sentido que se costuma falar em liberdades no plural, que, na verdade, não passa de várias expressões externas da liberdade. Liberdades no plural, são formas da liberdade, que, aqui, em função do Direito Constitucional positivo, vamos distinguir em cinco grandes grupos: (1) liberdade da pessoa física (liberdade de locomoção, de circulação); (2) liberdade de pensamento, com todas suas liberdades (opinião, informação, artística, comunicação do conhecimento); (3) liberdade de expressão coletiva em suas várias formas (de reunião, de associação); (4) liberdade de ação profissional (livre escolha e de exercício de trabalho, ofício e profissão); (5) liberdade de conteúdo econômico e social (liberdade econômica, livre iniciativa, liberdade de comércio, liberdade ou autonomia contratual, liberdade de ensino e liberdade de trabalho), de que trataremos entre os direitos econômicos e sociais, porque não integram o campo dos direitos individuais, mas o daqueles (SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 23ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2004).
[4] “TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS: AS SUAS RELAÇÕES COM O DIREITO INTERNO BRASILEIRO E A QUESTÃO DE SUA POSIÇÃO HIERÁRQUICA. - A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Art. 7º, n. 7). Caráter subordinante dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos e o sistema de proteção dos direitos básicos da pessoa humana. - Relações entre o direito interno brasileiro e as convenções internacionais de direitos humanos (CF, art. 5º e §§ 2º e 3º). Precedentes. - Posição hierárquica dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento positivo interno do Brasil: natureza constitucional ou caráter de supralegalidade? - Entendimento do Relator, Min. CELSO DE MELLO, que atribui hierarquia constitucional às convenções internacionais em matéria de direitos humanos[...] (HC 91361, Relator(a): CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/09/2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 06-02-2009 EMENT VOL-02347-03 PP-00430 RTJ VOL-00208-03 PP-01120).
[5] “[...] Tenho para mim, Senhor Presidente, que o Supremo Tribunal Federal defronta-se, no caso, com um tema de magnitude inquestionável, que concerne ao exercício de duas das mais importantes liberdades públicas – a liberdade de expressão e a liberdade de reunião – que as declarações constitucionais de direitos e as convenções internacionais – como a Declaração Universal dos Direitos da Pessoa Humana (Artigos XIX e XX), a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Arts. 13 e 15) e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (Artigos 19 e 21) – têm consagrado no curso de um longo processo de desenvolvimento e de afirmação histórica dos direitos fundamentais titularizados pela pessoa humana (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de descumprimento de preceito fundamental nº 187/DF. Plenário. Arguente: Procurador-Geral da República. Arguido: Presidente da República. Relator: Ministro Celso de Melo. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=5956195. Acesso em 16 out 2020).
[6] “[...] a Lei Fundamental do Brasil veicula o mais democrático e civilizado regime da livre e plena circulação das ideias e opiniões, assim como das notícias e informações, mas sem deixar de prescrever o direito de resposta e todo um regime de responsabilidades civis, penais e administrativas. Direito de resposta e responsabilidades que, mesmo atuando a posteriori, infletem sobre as causas para inibir abusos no desfrute da plenitude de liberdade de imprensa (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação de descumprimento de preceito fundamental nº 130/DF. Plenário. Arguente: Partido Democrático Trabalhista. Arguido: Presidente da República. Relator: Ministro Carlos Brito. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=605411. Acesso em 16 out 2020).
[7] “O direito jus fundamental de receber informações de direito coletivo ou geral é, enquanto decorrência do sistema democrático e do modelo republicano, um instrumento indispensável na fiscalização e responsabilização do governo (NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6º edição. São Paulo: Editora Método, 2012, p. 531).
[8] “à limitação do poder do governo sobre os indivíduos não perde qualquer da sua importância quando os detentores do poder respondem regularmente perante a comunidade, ou seja, perante o partido mais forte da comunidade. Este modo de ver as coisas não tem encontrado dificuldade em afirmar-se, sendo apelativo tanto para a inteligência dos pensadores como para a inclinação daquelas classes importantes na sociedade europeia a cujos interesses reais ou supostos a democracia é adversa; e nas reflexões políticas a “tirania da maioria” é agora geralmente incluída entre os males contra os quais a sociedade precisa de se precaver (MIL, John Stuart. Sobre a liberdade. 1ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011, p. 22).
Mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Católica de São Paulo. Especialista em Administração Pública pela Fundação Getúlio Vargas. Especialista em Direito Privado pela Universidade Cândido Mendes. Especialista em Direito Público pela Escola Paulista de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COL, Alessandro Del. A evolução filosófica do conceito de liberdade e a garantia da manifestação de expressão no sistema de proteção internacional, comunitário e constitucional no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jun 2021, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56872/a-evoluo-filosfica-do-conceito-de-liberdade-e-a-garantia-da-manifestao-de-expresso-no-sistema-de-proteo-internacional-comunitrio-e-constitucional-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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