MÁRCIA KAZUME PEREIRA SATO.
(orientadora).
RESUMO: Ao lado da função legislativa e da função administrativa, a função jurisdicional compõe o tripé dos poderes estatais. Ao exercer o denominado direito de ação, o autor torna-se credor do Estado, porquanto o direito à jurisdição é direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. Sendo a prestação jurisdicional, portanto, um dever do Estado de reconhecer, efetivar e proteger direitos, quanto mais célere for a sua presteza, mais justa e útil ela será. Com efeito, a mera prerrogativa constitucional de acesso à justiça não garante ao indivíduo que haverá estabelecimento da situação de justiça na hipótese concretamente posta a exame do magistrado. É necessário que a jurisdição seja entregue com a presteza que o caso concreto lhe impõe. Diante deste cenário, o presente trabalho foi produzido com o intento de demonstrar como a morosidade na entrega da prestação jurisdicional promove a extenuação da eficácia do Poder Judiciário, evidenciando suas possíveis causas e efeitos que repercutem na coletividade, face ao ideal contemporâneo de justiça, elemento subjetivo ao homem comum e, finalmente, evidenciando se há ou não, responsabilidade do Estado pela má execução dos atos judiciais.
Palavras-chave: Morosidade. Prestação Jurisdicional. Responsabilidade Civil. Estado. Jurisdição.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. JURISDIÇÃO: CONCEITO E SUAS CARACTERÍSTICAS; 1.1. Prestação Jurisdicional; 2. ESTUDO COMPARADO: JURISDIÇÃO NO ÂMBITO INTERNACIONAL; 2.1. Volume processual nos países europeus; 2.1.1. Tramitação processual nos países europeus; 2.2. Volume processual nos países americanos; 2.2.1. Tramitação processual nos países americanos; 3. MOROSIDADE NA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL NO BRASIL; 3.1. Efeitos da morosidade na entrega da prestação jurisdicional; 4. DIREITO ADMINISTRATIVO: RESPONSABILIDADE DO ESTADO; 4.1. Responsabilidade do Estado pela morosidade na entrega da prestação jurisdicional; 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
Ao lado da função legislativa e da função administrativa, a função jurisdicional compõe o tripé dos poderes estatais. É função atribuída a um terceiro imparcial, cujo dever de efetivar o Direito, de maneira imperativa e criativa, a fim de reconhecer, aplicar e proteger aquelas relações jurídicas concretamente deduzidas, se faz em decisão insuscetível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível.
O autor, por sua vez, ao exercer o denominado direito de ação, se torna credor do Estado, porquanto o direito à jurisdição é direito público subjetivo, constitucionalmente garantido ao cidadão de exigir do Estado sua prestação. Enquanto que por um lado a prestação jurisdicional é direito fundamental do indivíduo, do outro é obrigação inerente ao Estado.
Não obstante o ostensivo conceito de jurisdição, cumpre consignar que a sentença não extingue o conflito e o Estado-Juiz somente atinge o seu objetivo, isto é, de prestar a jurisdição, quando entrega à parte vitoriosa o bem da vida objeto do litígio. Sendo a prestação jurisdicional, portanto, um dever do Estado de reconhecer, efetivar e proteger direitos, quanto mais célere for a sua presteza, mais justa e útil ela será.
Com efeito, a mera prerrogativa constitucional de acesso à justiça não garante ao indivíduo que haverá a mitigação do conflito na hipótese concretamente posta a exame do magistrado. É necessário que a jurisdição seja entregue com a presteza que o caso concreto lhe impõe.
Em suma, por meio da análise exploratória dos relatórios técnicos obtidos junto aos órgãos reguladores da jurisdição no mundo, será possível concatenar a morosidade na sua entrega ao crescente índice de litigiosidade dos países, sendo, pois, ostensiva a extenuação da eficácia do Poder Judiciário, face às suas possíveis causas e efeitos.
Uma vez concluída a pesquisa no tocante à morosidade da prestação jurisdicional e os efeitos que causam à sociedade, possível será, pois, concluir se há ou não, a responsabilização do Estado decorrente da má execução dos atos judiciais.
1. JURISDIÇÃO: CONCEITO E SUAS CARACTERÍSTICAS
Ao lado das funções legislativa e administrativa, a função jurisdicional compõe o tripé dos poderes do Estado. Palavra que vem do latim jurisdictio (etimologicamente “dizer o direito”), a jurisdição tem por finalidade a pacificação social.
É função atribuída a um terceiro imparcial, que constitui o dever de concretizar o direito material, de modo a reconhecer, efetivar e proteger as situações jurídicas concretamente deduzidas, em decisão não passível de controle externo e com aptidão para tornar-se indiscutível.
A jurisdição traduz-se, portanto, na manifestação de um poder (Poder Judiciário) do Estado que se impõe imperativamente, reconstruindo e reaplicando o direito material, de maneira criativa, às situações concretas que são submetidas à exame do órgão jurisdicional.
Os elementos estruturais da jurisdição compõem-se, por sua vez:
De sua inevitabilidade, uma vez dispensável a anuência do demandado para o seu exercício; sua imperatividade, ante sua imposição às partes, independentemente da aceitação destas; sua definitividade, fato que os efeitos das decisões judiciais são imunes à controles externos; por fim, sua criatividade, isto é, através da jurisdição se cria a norma jurídica no caso concreto. (DIDIER Jr.; 2015, p. 153).
1.1. Prestação jurisdicional
Dessa função atribuída ao Estado, isto é, a de exercer o poder-dever de atuar a vontade objetiva da lei, com a finalidade de obter a justa composição da lide, decorre a denominada prestação jurisdicional.
Com efeito, o processo traduz-se em um instrumento de solução imperativa de conflitos, em que o Estado-Juiz, terceiro imparcial e desinteressado e, no exercício da jurisdição, promove sua prestação e tutela. A prestação jurisdicional consiste, pois, na atuação estatal efetiva para solucionar a lide, enquanto a tutela se refere ao provimento da pretensão de uma das partes.
Ainda na linha deste raciocínio, e de acordo com Theodoro Júnior (2002, p. 25),
Quando o provimento judicial reconhece e resguarda in concreto o direito subjetivo da parte, vai além da simples prestação jurisdicional e, pois, realiza a tutela jurisdicional.
No entanto, “faz-se necessário o reajuste deste conceito de prestação jurisdicional, para estabelecer que a sentença não encerra a lide, e o Estado-Juiz somente presta a jurisdição quando entrega à parte vitoriosa o bem da vida objeto do litígio”. (BARROS; 2000, p. 2).
Ademais, há uma corrente do pensamento jurídico que afirma que a sentença equivale à entrega jurisdição. Hoje, de maneira diversa, se entende que sua prestação não se limita à singela condenação de uma das partes, mas à efetiva satisfação da parte vitoriosa.
Nesse sentido, a crítica a ser feita é a respeito das dificuldades que obstam o Poder Judiciário no desenvolvimento da função de solucionar tais conflitos, porquanto, na prática, a consolidação do direito à jurisdição ocorre de maneira morosa, de modo a não somente prejudicar a perquirição do direito reclamado, mas, também, em algumas vezes, denegando a justiça.
2. ESTUDO COMPARADO: JURISDIÇÃO NO CONTEXTO INTERNACIONAL
O levantamento de dados sobre a atuação da justiça no âmbito internacional se faz muito valioso para refletir a qualidade referente à estrutura, litigiosidade, recursos humanos e espacialização, bem como os resultados quanto à produtividade da justiça no Brasil.
A análise dos dados acerca do Poder Judiciário no Brasil relaciona-se com a crescente reflexão voltada à modernização do Estado, influência de teorias de administração gerencial presentes em outros países com ampla tradição em planejamento, como os Estados Unidos e alguns países da União Europeia.
Há extrema relevância em realizar um estudo comparado entre países, pois, a partir deste, intenta-se concluir, não somente, se a entrega da prestação jurisdicional no Brasil se dá, ou não, de maneira morosa, mas, também, conhecer e distinguir quais os fatores que lhe dão causa e que geram diferença entre a atuação do Poder Judiciário brasileiro e internacional.
2.1. Volume processual nos países europeus
Embora necessário considerar a diferença populacional entre os países, segundo dados oficiais reunidos pela Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça (CEPEJ), a Bélgica é o país cuja litigiosidade representa o maior número de novos processos (6,7 novos casos por ano) por 100.000 habitantes, enquanto que a Finlândia representa o menor número, (0,1 novos casos por ano) por 100.000 habitantes, entre os países do continente (CEPEJ; 2020, p. 18).
A média de processos levados à exame das primeiras instâncias da jurisdição europeia, valor obtido por meio da análise de mais de 40 países, é de 2,4 novos processos por ano por 100 habitantes. Assim como na Bélgica, países como a Islândia, Montenegro, Romênia, Sérvia e Israel apresentam taxas de requisição do poder judiciário duas à três vezes maiores que a média continental.
No entanto, curiosamente, não há correlação clara (seja geográfica, econômica, política ou mesmo jurídica) entre os países que experimentam as maiores ou as menores taxas de demandas judiciais.
Enquanto que na Bélgica o Poder Judiciário enfrenta o maior índice de novos processos, em países vizinhos, como Luxemburgo e a Holanda, o número de novos casos estão bem abaixo da média do continente, representando, pelo contrário, suas menores taxas de litigiosidade. (CEPEJ; 2020, p. 21).
Ao lado destes, nos países como Albânia, Áustria, Dinamarca, Finlândia, Noruega e Suécia, a cada 100 habitantes, menos de uma pessoa possui alguma ação, de qualquer natureza, ajuizada ao Poder Judiciário.
2.1.1. Tramitação processual nos países europeus
O prazo de tramitação processual será analisado a partir da média de tempo entre sua propositura até a sentença condenatória proferida em primeira instância. Diante dos baixos índices de litigiosidade constantes dos países europeus, em análise geral, a média de tempo de tramitação dos processos judiciais se apresenta relativamente curtos.
Assim como ocorre na maioria dos demais países do globo, nos países europeus, os maiores tempos médios de tramitação processual, segundo dados oficiais, ocorrem nas varas de primeira instância do Poder Judiciário, cujo prazo entre a propositura da ação e a sentença, tratando-se de processos contenciosos cíveis ou comerciais é, em média, de 201 dias, ao passo que os processos administrativos são julgados em 241 dias e, em 122 dias, os processos criminais (CEPEJ; 2020, p. 105).
Já nos tribunais superiores (tribunais regionais de justiça) os resultados são semelhantes, sendo o prazo médio de tramitação processual de 207 dias para os processos contenciosos cíveis ou comerciais, 228 dias para os processos administrativos, e 114 dias para os processos criminais. (CEPEJ; 2020, p. 105).
Curiosamente, entre as instâncias superiores, as Supremas Cortes dos países europeus apresentam, em sua maioria, tempo médio de tramitação processual superior àqueles tribunais regionais. Destarte, esse fenômeno ocorre, igualmente e sem distinção, entre as três espécies processuais, e a razão por trás disso não é clara.
No entanto, a combinação de vários fatores possibilita tal ocorrência, sendo, entre os principais, a dimensão dos tribunais superiores, bem como o número de juízes nomeados para análise de um único caso.
Os menores índices estão registrados para os processos criminais que, combinados em todas as instâncias, tramitam durante o prazo médio de 340 dias até sua baixa definitiva; quanto aos processos contenciosos cíveis ou comerciais, estes tramitam, até sua baixa definitiva, durante 549 dias; e aos processos administrativos, os quais exibem os maiores prazos de tramitação, percorrem por todas as instâncias judiciárias até sua baixa definitiva no tempo médio de 678 dias. (CEPEJ; 2020, p. 110).
Finalmente, diante da análise dos dados apresentados, é possível concluir que a variação na média de tempo de tramitação dos processos levados ao judiciário dos países europeus decorre, precipuamente, da espécie do caso em questão, e não da instância judiciária.
2.2. Volume processual nos países latino-americanos
Enquanto que os índices de litigiosidade nos países europeus apresentam-se relativamente baixos, o cenário nos países americanos, em especial na América Latina, é um pouco diferente.
Segundo dados oficiais mais recentes, disponibilizados pelo Centro de Estudos de Justiça das Américas (CEJA), o Brasil, no ano de 2008, era o país cuja média de novos casos, por 100 habitantes, representava o 3º maior índice entre mais de 10 nações analisadas, atrás, somente, do Chile e da Costa Rica, estando 7,2% abaixo da média calculada. (CEJA; 2010, p. 32).
Embora não se tenha de maneira clara quais razões lhe acarretaram, atualmente, comparado aos índices obtidos à época deste estudo, o cenário do Poder Judiciário brasileiro sofreu profunda transformação.
Enquanto que no ano de 2010, a cada 100 brasileiros, quatro eram litigantes face ao Poder Judiciário, o Brasil possui, atualmente, de acordo com os dados oficiais emitidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a cada 100 habitantes, 12 novos processos ajuizados anualmente, isto é, índice 200% maior que há 10 anos, época do último estudo realizado. (CNJ; 2010, p. 93).
Ademais, atualmente, o índice de litigiosidade no Brasil ultrapassa todos os demais índices patentes à América Latina. No Chile, por exemplo, país cuja litigiosidade representava o maior índice da década anterior, 2.882.040 processos compunham o acervo sob exame do Poder Judiciário em 2008, 13% a mais que no ano anterior, conquanto que, no Brasil, ao início do ano de 2020, o acervo de processos em tramitação ultrapassava 69 milhões de casos. (CNJ; 2020, p. 93).
Seguindo o índice crescente de litigiosidade no Brasil, a produtividade dos magistrados brasileiros, também, vem sofrendo aumento, face ao crescimento da carga de trabalho nos tribunais. O índice produtivo dos magistrados e dos servidores variaram positivamente nesses últimos anos, em 13% e 14,1%, respectivamente, ou seja, a maior produtividade da justiça brasileira nos últimos 11 anos. (CNJ; 2020, p. 171).
Do mesmo modo em que ocorre nos países do continente europeu, não há correlação clara, seja geográfica, econômica, política ou mesmo jurídica, entre os países que experimentam as maiores ou as menores taxas de demandas judiciais. À época do estudo realizado, no México e em Honduras, os índices de novos processos por 100 habitantes representavam as menores taxas do continente, sendo os únicos países a apresentarem menos de um caso por ano por 100 habitantes.
2.2.1. Tramitação processual nos países latino-americanos
No Brasil, o tempo médio de pendência do processo é maior que o tempo de sua baixa, com poucos casos em que há inversão desse fenômeno.
As maiores médias de duração estão concentradas no tempo do processo pendente, mais especificamente na fase de execução da Justiça Federal (7 anos e 8 meses) e da Justiça Estadual (6 anos e 9 meses). (CNJ; 2020, p. 178).
Segundo dados oficiais obtidos por meio do estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ, 2020), os tribunais superiores e as justiças Eleitoral e Militar Estadual se destacam por apresentar tempo médio de tramitação processual inferior a 2 anos. Por outro lado, o tempo médio da Justiça do Trabalho aumentou no último ano e, pela primeira vez numa série histórica, foi superior a 3 anos.
Já as justiças Estadual e Federal apresentam tempo médio de tramitação processual de 5 anos e 4 meses, muito acima da média continental. (CNJ; 2020, p. 8).
Agora, ao comparar o tempo médio do recebimento da ação até o julgamento e, pois, decretação da sentença, entre os tribunais do 1º e do 2º grau, isto é, 3 anos e 2 meses nos tribunais de 1ª instância e 10 meses (um terço do tempo médio de tramitação processual nas varas comuns) para os de 2ª instância, revela-se uma das possíveis causas da morosidade da prestação jurisdicional. (CNJ; 2020, p. 180).
Ademais, considerando que em 2010, países como o Chile, Costa Rica, Guatemala e Panamá apresentavam os maiores índices de litigiosidade e que, ainda assim, a duração dos processos postos à exame do Poder Judiciário se apresentava bem abaixo do que é experimentado, atualmente, pelo brasileiro, é possível concluir que a entrega da prestação jurisdicional, no Brasil, de fato ocorre de maneira morosa.
3. MOROSIDADE NA ENTREGA DA PRESTAÇÃO JURISIDICONAL NO BRASIL
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representa um dos maiores avanços da democracia no Brasil, pois reconhece a pertinência dos direitos humanos, elevando ao grau de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana e o acesso à justiça, como direito e garantia de todos os cidadãos, dentre tantas outras inovações.
Sendo a prestação jurisdicional um dever do Estado e, enquanto imposição da vontade deste em substituição à das partes, são necessários meios que a propiciem, de modo a ser entregue em observância aos ditames legais a serem aplicados ao caso concreto.
Segundo Grinover, Cintra e Dinamarco (2010, p. 46) “o processo traduz-se em um instrumento a serviço do direito material”, e, portanto, possui a finalidade de garantir aos litigantes o direito, constitucionalmente garantido, de ação e exceção, de maneira igualitária entre as partes, assegurando-lhes o denominado acesso universal à justiça.
A Constituição Federal de 1988, por se encontrar, imediatamente, voltada aos direitos do cidadão, consagra princípios que constituem o direito à jurisdição, quais sejam os direitos a ser julgado pela autoridade competente (LIII), ao devido processo legal (LIV), o princípio do contraditório e da ampla defesa (LV), a prerrogativa da assistência jurídica integral e gratuita aos hipossuficientes (LXXIV), dentre outros. (CF; 1988, art. 1º, incisos).
No entanto, conforme observado nos itens precedentes, a prática processual leva à conclusão diversa. “Não basta que se assegure o acesso aos órgãos prestadores da jurisdição para que se tenha por certo que haverá estabelecimento da situação de justiça na hipótese concretamente posta a exame”. (ROCHA; 2010, p. 31)
Pode-se afirmar, portanto, que a jurisdição não tem atingido sua finalidade precípua, isto é, a de pacificar os litígios, isso porque o processo judicial, como instrumento de realização do direito, também não tem exercido sua função primária.
O processo é necessariamente formal, porquanto as suas formas compõem o modo pelo qual as partes têm garantidos os princípios da legalidade e da imparcialidade no exercício da jurisdição. (CF; 1988, art. 5º, LIV).
A participação das partes no processo ocorre por meio de alegações, pedidos, requerimentos, respostas, impugnações, provas, recursos, etc., em observância aos princípios do contraditório e da ampla defesa. (CF; 1988, art. 5º, LV).
Todos os atos praticados pelas partes do processo, assim como aqueles praticados pelo juiz, demandam tempo, cujo qual, conforme se estende, proporcionalmente diminui a eficácia da função pacificadora da prestação jurisdicional.
Ainda valendo-se dos dados reunidos por meio do estudo realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no relatório “Justiça em Números” (BRASIL, 2010), em 2009 o Brasil possuía 6,2 magistrados por 100.000 habitantes, número quase quatro vezes menor que a média de magistrados em atividade nos países europeus na época. Pode-se dizer que enquanto nos países europeus havia 01 juiz para 4.629 pessoas, no Brasil, 01 juiz prestava jurisdição a 16.129 pessoas, aproximadamente. (CNJ; 2010, p. 23).
Conjugando estes dados àqueles trazidos nos itens precedentes, conclui-se que, não obstante o grande volume de processos, anualmente sujeitos à exame do Poder Judiciário brasileiro, têm-se mais magistrados em atividade nos países europeus, para julgar um número menor de casos novos, do que no Brasil, cuja litigiosidade, inclusive, representa um dos maiores índices do mundo.
Em resumidas palavras, a história demonstra que no Brasil, a jurisdição tem sido realizada apenas de maneira formal, haja vista que a mera concretização do texto da lei não corresponde àquela justiça almejada pelo homem.
Embora no Brasil o índice de processos baixados se mostra acima do índice de novos processos postos à exame do Poder Judiciário (BRASIL, 2020), a necessidade de instruí-los para, então, julgá-los, torna a diminuição do estoque processual dos tribunais uma atividade quase impossível.
Nesse contexto, o fator decisivo para a falta de êxito do Poder Judiciário em solucionar, efetivamente, os casos que lhe são propostos é a alta taxa de litigiosidade.
Essa conclusão é possível na medida em que, enquanto a população brasileira cresceu 1% em 2011, a quantidade de novos casos sofreu um aumento de 7%, em relação ao mesmo período. (CNJ, 2012, p. 140).
A morosidade da prestação jurisdicional é um verdadeiro ciclo interminável e, por esse motivo, não se trata de uma mera crise, pois, “crise continuada não é crise, mas mal crônico que precisa ser erradicado”. (NETO; 2008, p. 44).
3.1. Efeitos da morosidade na entrega da prestação jurisdicional
É necessário ajustar e difundir o conceito contemporâneo de prestação jurisdicional para estabelecer que a sentença não encerra a lide e o Estado-Juiz somente presta a jurisdição quando entrega à parte vitoriosa o bem da vida objeto do litígio.
Este conceito resguarda o indivíduo de uma espécie de justiça formal, cuja decisão judicial trata-se de solução simbólica do conflito, ou seja, mera expectativa de que haverá a pacificação da situação litigiosa posta à exame do Poder Judiciário, o que o descredibiliza, pois suprime a sensação de justiça que os tribunais deveriam promover no cidadão.
Ademais, o processo é necessariamente formal e, embora sua formalidade garanta às partes a legalidade e a imparcialidade no exercício da jurisdição, o processo, nas palavras de Didier Jr. (2015, p. 30), “se trata de procedimento complexo”, e, inegavelmente, sua complexidade promove sua lentidão.
Seguindo este raciocínio, a ministra do Supremo Tribunal Federal, Carmen Lúcia (2010, p. 31), destacou:
A lentidão que a tem marcado é a primeira das observações que se faz acerca da eficiência da prestação jurisdicional no Brasil. Na prática jurídica, a morosidade da prestação jurisdicional tem frustrado direitos, desacreditado o Poder Público, especialmente o Poder Judiciário, e afrontado os indivíduos.
Pode-se dizer, portanto, que a jurisdição não tem logrado êxito em sua finalidade, uma vez que o processo judicial não tem se mostrado um instrumento eficiente à pacificação dos litígios.
4. DIREITO ADMINISTRATIVO: RESPONSABILIDADE DO ESTADO
Assegurado pelos princípios constantes da Constituição Federal de 1988, especialmente daqueles os quais caracterizam a existência de um direito subjetivo à jurisdição, atinge-se, em consenso, que a responsabilidade do Estado pode ser detectada daqueles atos que causem danos às partes.
A princípio, a teoria da responsabilidade do Estado decorrente da culpa durante a gestão administrativa imperava a matéria. Tratava-se somente da responsabilidade do Poder Público quando comprovado que as suas instituições ou os seus gestores agissem de maneira culposa, por ação ou omissão, ofendendo direitos de terceiros.
Uma vez baseada no elemento humano, caracterizava-se essa teoria de subjetiva, sucedida pela teoria do acidente administrativo. Constata-se essa última a partir dos princípios gerais da continuidade e da perfeição do serviço público, tornando-se, então, obrigação do Estado.
Em síntese, a responsabilidade do Estado, uma vez realizado o serviço público, se manifestará, independentemente de culpa ou de distinção entre aqueles atos de império ou os de gestão, se deles resultar em algum dano ao administrado.
No atual ordenamento jurídico brasileiro, essa teoria está ilustrada na Constituição Federal de 1988, ao dispor em seu art. 37, §6º, que:
As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
4.1. Responsabilidade do Estado pela demora na entrega da prestação jurisdicional
Há, no entanto, discrepância doutrinária acerca do tema. Existem, no atual ordenamento jurídico brasileiro, condições de preponderância do princípio de que o Estado deve responder pela demora da prestação jurisdicional, desde que fique demonstrada a lesão ao particular.
Ademais, “o serviço público, em tese, tem de se apresentar perfeito, sem a menor falha, para que a coletividade se beneficie no mais alto grau com seu funcionamento”. (CRETELLA Jr.; 1970, p. 61).
A demora da prestação jurisdicional, por sua vez, constitui serviço público imperfeito, seja por indolência do juiz ou pelo Estado não prover ao jurisdicionado o bom funcionamento da jurisdição. Nesse sentido, a doutrina e a jurisprudência se encontram pacificadas quanto a responsabilização do Estado pela falta do serviço ou pela má atuação de seus agentes.
E nesse sentido já lecionavam alguns doutrinadores, como Seabra Fagundes (1981, p. 17), que uma vez, em parecer publicado, destacou:
O administrado quando solicita qualquer manifestação da Administração Pública, o faz tendo em vista as leis vigentes no momento em que requer, e tem o direito de ver a sua pretendo apreciada com base nessas leis e dentro dos prazos nela fixados, ou, na ausência de determinação de prazos, dentro de lapso de tempo razoável. Assim sendo, o administrador nem pode obrigar o procedimento que a lei não impõe, nem pode negar direito que nela se acha enunciado. O não fazer o que deve ser feito por força de lei é tão violador do princípio da legalidade quanto fazer aquilo que a lei proíbe.
Embora a crítica que se faz esteja voltada às deficiências apresentadas pelo Judiciário decorrentes da judicialização dos procedimentos, a responsabilização do Estado pela má execução do serviço público é um conceito derivado do Direito Administrativo.
Reconhecer esta responsabilidade não produz efeitos negativos à soberania do Poder Judiciário, nem provoca qualquer tipo de afronta ao princípio da coisa julgada. Pelo contrário, a responsabilização do Estado pela má entrega da prestação jurisdicional viabilizaria o seu aperfeiçoamento, de modo a agilizar os procedimentos e, por conseguinte, minimizar o acúmulo processual e a carga te trabalho dos magistrados.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito tem como uma de suas finalidades a realização do direito dos homens tutelados por seus princípios, disciplinando o comportamento humano face a sociedade e resolvendo as questões conflitantes que dele careçam.
Nas hipóteses de morosidade da prestação jurisdicional, constitui-se a necessidade da criação e do desenvolvimento jurisprudencial, assegurando ao indivíduo prejudicado a reparação pelo Estado decorrente da prática de atos imperfeitos.
A prática forense demonstra que “a morosidade da prestação jurisdicional é um mal processual crônico” Neto (2008, p.44), cuja ineficiência dos serviços judiciais ou indolência dos magistrados não pode mais ser suportada pela sociedade, uma vez que o sistema jurídico brasileiro já tem revelado sinais de que sua ineficiência resulta na deturpação da justiça.
A mera responsabilização do Estado pela má entrega dos serviços públicos já representa um advento ao aperfeiçoamento do judiciário, porquanto simbolizaria a manifestação do inconformismo do indivíduo contra a justiça desvirtuada, emperrada e extremamente burocratizada.
Finalmente, um problema tão complexo não comporta soluções mágicas e tampouco poderia este trabalho, com os limites metodológicos a ele inerentes, oferecer um caminho infalível para o equacionamento da crise da morosidade no andamento dos processos judiciais.
Contudo, é possível concluir que no atual momento, o atraso da prestação jurisdicional refere-se mais à sobrecarga de trabalho do que à negligência dos magistrados brasileiros e, assim, acredita-se que com a discussão de algumas das medidas adotadas pelo Poder Judiciário, como a jurimetria e o gerenciamento de processos judiciais, num futuro não muito distante, possamos ao menos ter uma crise administrada e em escala decrescente, aproximando-nos ao máximo, da efetivação da garantia de acesso universal à justiça e da tutela jurisdicional.
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Bacharelando do curso de Direito na instituição Universidade Brasil (campus de Fernandópolis/SP)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, João Pedro Oliveira dos. Responsabilidade do Estado: efeitos da morosidade na entrega da prestação jurisdicional no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/56890/responsabilidade-do-estado-efeitos-da-morosidade-na-entrega-da-prestao-jurisdicional-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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